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2018 SE LIGA NESSA HISTÓRIA Professora Renata Esteves [CRIMINALIDADE E VIOLÊNCIA] Reflexões sobre a criminalidade, a violência, a insegurança e as políticas carcerárias SE LIGA NESSA HISTÓRIA 1 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ As narrativas a respeito da violência e da criminalidade revelam aspectos controversos se considerarmos que o exercício da violência esta presente em diversas dimensões nem sempre fáceis de serem identificadas. Assim, diante deste processo complexo, gerador de juízos imbuídos de paixões e sentimentos, corre-se o risco de pensar as tentativas de combate à violência de uma maneira rasa e pouco fundamentada. A consequência disso, não raramente, consiste na multiplicação da própria violência em suas dimensões mais abstrusas. Isto é, muitas vezes, a violência é multiplicada na tentativa de contê-la. Por isso é que se sugere cuidado nos momentos de reflexão a respeito da violência e das possíveis estratégias para sua redução ou eliminação. Pretendemos aqui, analisar as possíveis dimensões em que a violência se insere, para que a identifiquemos também em suas manifestações mais sutis, mas não menos bárbaras. Frequente e inconscientemente a violência é naturalizada, considerada necessária e, até mesmo, legitimada em algumas ocasiões. De maneira que, foi possível experimentarmos regimes políticos autoritários que firmaram presença em nosso país e expandiram suas práticas violentas sob um pretexto de manutenção da ordem. No entanto, poucas vezes se questiona com alguma profundidade a respeito do significado desta ordem que a todo custo necessita ser mantida. Bem como, quem seriam de fato esses desordeiros a que se direciona a repressão. VIOLÊNCIA Designa fatos e ações humanas que se opõem, questionam ou perturbam a paz ou a ordem social reconhecida como legítima. Emprego de força bruta ou desmedida Forma de privação Os efeitos da violência produzem danos à integridade física, psíquica, moral, aos bens materiais e simbólicos. RETIRADO DE: ADORNO, Sérgio. Violência e Crime: sob o domínio do medo na sociedade brasileira in: Agenda Brasileira, André Botelho (org.) e Lilia Moritz Schwarcz (org.). http://www.seliganessahistoria.com.br/ 2 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ Assim, muitas vezes a violência praticada pelo próprio Estado é legitimada em nome da eliminação de uma suposta desordem que frequentemente é pouco problematizada. Ainda que alguns crimes sejam inequivocamente considerados cruéis e violentos, passíveis da repulsa e reprovação de toda a sociedade, há que se que considerar que os critérios que definem certas ações como repulsivas, criminosas ou violentas variam segundo o discurso, a posição social dos indivíduos envolvidos e o contexto de cada época e lugar, o que indica que a determinação desses critérios, por muitas vezes, perpassam as mais diversas esferas de poder. É desta forma que Michel Foucault, importante pensador do século XX, traça uma genealogia das formas de punição, revelando que os critérios, para definição do delinquente e da delinquência, sempre variaram conforme o período, se adequando e se escondendo sob os discursos e práticas de poder. Foucault também nos revela que as formas de punição sempre estiveram saturadas de violência, mas que, quando incorporada aos dispositivos presentes em cada período, pôde ser legitimada e, assim, pouco transparecia. Desta forma, se o cruel teatro da tortura e do suplício ostentado em praças públicas como forma de punição durante o século XVII europeu, relatado por Foucault em sua destacada obra Vigiar e Punir, é atualmente considerado desumano e intolerável; as práticas violentas exercidas em nossos cárceres modernos escapam a esta sensibilidade. Pois, nos encontramos dentro de uma rede de práticas e discursos que naturalizam e viabilizam essas ações. Assim, possuímos como grande desafio, a tentativa de CRIME é a violência codificada nas leis penais. As ações violentas nem sempre são ou foram reconhecidas como crimes, exemplos: violência doméstica, racismo, homofobia... RETIRADO DE: ADORNO, Sérgio. Violência e Crime: sob o domínio do medo na sociedade brasileira in: Agenda Brasileira, André Botelho (org.) e Lilia Moritz Schwarcz (org.). http://www.seliganessahistoria.com.br/ 3 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ desenvolver nossa sensibilidade e percepção para a difícil identificação de ações violentas estruturadas em nossas práticas. O que se quer destacar aqui é que criminalidade e violência, embora sejam frequentemente relacionadas, não necessariamente se identificam no exercício e formulação de nossas leis. Isso indica que toleramos, de alguma maneira, certas formas de violência, ao mesmo tempo em que criminalizamos determinados atos não violentos. Fato que, muitas vezes, revela a reprodução das estruturas de poder e a descriminação de grupos perante a execução e elaboração das leis, impossibilitando o exercício de uma verdadeira democracia. Assim, algumas ações violentas como àquelas ocorridas na esfera doméstica ou a violência ideológica presente nos atos de discriminação racial e sexual nem sempre foram ou são consideradas crimes, por vezes sendo aceitas e naturalizadas. Basta recorrer à história do Ocidente para identificar a institucionalização da violência extrema presente, por exemplo, nos regimes escravocratas ou no holocausto judeu. Tais fatos denunciam que, certas ações violentas, praticadas contra determinados grupos, serão toleradas, amenizadas, naturalizadas ou até mesmo reconhecidas em lei. Da mesma forma, mas, por outro lado, é possível identificar, ao longo da nossa história, a criminalização de atos não violentos como, por exemplo, aqui no Brasil a proibição por lei da ociosidade ou da prática da capoeira. Fatos que denunciam paradoxo digno de análise, pois, se a violência não está presente no ato criminalizado, se manifesta na própria lei, isto é, no exercício de sua proibição, em forma de racismo e de penalização da pobreza. A luta pela conquista ou mesmo garantia de direitos reconhecidos pela constituição e que priorizam a dignidade e a cidadania sofrerão ataques, repressão, penalização e criminalização. Assim a organização de greves e manifestações pelos movimentos sociais e sindicatos será muitas vezes, proibida. A criminalização não escapa até mesmo aos saberes e à ciência que, desde Sócrates, sofre penalizações. A cena narrada por Platão no diálogo Apologia de Sócrates denuncia a condenação à morte do pensador que ousou questionar e http://www.seliganessahistoria.com.br/ 4 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ estimular os jovens a refletirem a respeito do mundo e da sociedade de sua época. Assim, o ensino, os saberes, os livros, cientistas e professores também se encontrarão na mira, ao longo de toda a história, de perseguições e tentativas de criminalização, ainda que não envolva em suas atividades nenhuma forma de violência. Pensadores reconhecidos como Giordanno Bruno e Galileu Galilei ilustram apenas os exemplos mais clássicos. Nesta medida é que se pretende uma reflexão a respeito do tema da criminalidade e Violência. Para tanto, o filósofo esloveno Slavoj Zizek, nos auxilia identificando três principais manifestações da violência: subjetiva, objetiva e simbólica. Examinemos brevemente cada uma dessas. VIOLÊNCIA SUBJETIVA A violência subjetiva é a mais visível das três, já que corresponde a um tipo de violência física e direta ou ideológica (preconceitos e discriminações) em que se identificao agente causador do mal. Assim, a violência urbana, rural e doméstica são exemplos. Os assaltos, estupros, homicídios, sequestros, linchamentos, terrorismos e agressões físicas e psicológicas podem ser classificados nessa categoria. Bem como as violências ideológicas causadas por preconceitos e discriminações presentes em “bulings” e nas mais diversas formas de constrangimentos. Inclui-se também a violência ultrasubjetiva constituindo os novos fundamentalismos de caráter étnico, religioso ou racista. Políticas públicas voltadas para a segurança dos indivíduos e da garantia do direito à vida e à liberdade devem investigar causas, tipos e manifestações da violência urbana a fim de elaborarem estratégias para a sua diminuição. Porém, nem sempre a atuação isolada de políticas de repressão e segurança alcança êxito, pois, a formulação dessas estratégias, a maior parte das vezes exige uma maior complexidade. Assim, vários pesquisadores sugerem políticas preventivas que envolvem a atuação de outros setores para garantia de direitos sociais capazes de oferecer dignidade e oportunidades para o desenvolvimento humano. http://www.seliganessahistoria.com.br/ 5 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ VIOLÊNCIA NO BRASIL O atlas da violência desenvolvido por pesquisadores do IPEA nos oferece pistas a respeito do perfil de violência presente em nosso país. Temos que, o perfil das vítimas de homicídio no Brasil é constituído por uma maioria de homens, jovens (entre 15 e 29 anos) e negros (pretos e pardos). O racismo e as desigualdades raciais presentes em nossa tradição histórica não podem ser desprezados ao examinarmos as manifestações da violência no Brasil, pois, os dados do IPEA revelam uma redução na taxa de homicídio de homens e mulheres brancas no período de 2005 a 2015, ao passo que, denuncia o aumento da taxa de homicídio de mulheres e homens negros durante o mesmo período. Outro dado relevante refere-se ao índice de feminicídio no Brasil que corresponde a uma das taxas mais altas do mundo. http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=30 253 http://www.seliganessahistoria.com.br/ http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=30253 http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=30253 6 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ VIOLÊNCIA OBJETIVA A violência objetiva corresponde a um tipo de violência estrutural, gerada em meio à funcionalidade e coerência do sistema econômico. Isto é, a origem da violência não está relacionada diretamente a um agente social causador, mas, se desenvolve de modo sistêmico, objetivo e, portanto, anônimo. E, como que, produto do sistema econômico, tanto mais difícil será sua identificação e desnaturalização. Assim, a violência objetiva corresponde, por exemplo, àquela gerada por um sistema que atende políticas de demanda econômica que beneficia a situação abstrata do capital e despreza a realidade social dos indivíduos efetivos. Atenta-se, também, para uma violência ultraobjetiva que se desenvolve a partir das condições do capitalismo global que promove a criação automática de indivíduos excluídos e dispensáveis. A julgar pelo Brasil, estima-se que o país esteja entre as quinze maiores economias do mundo, ostentando a 9º posição (FMI, World Economic Outloook Database, Abril de 2017.) em PIB (produto interno bruto) no mundo. Mas, ao mesmo tempo, encontra-se no ranking mundial entre os que sustentam o maior índice de GINI, quociente que mede a concentração e desigualdade na distribuição de renda, ocupando a 10º posição. Isso revela que uma grande massa de brasileiros A responsabilidade pelos crimes comunistas é de fácil atribuição, mas, quando chamamos atenção para milhões de pessoas que morreram devido à globalização capitalista, (da tragédia do México no século XVI ao holocausto do Congo belga) a responsabilidade tende a ser negada, ninguém planejou, não houve um “manifesto capitalista”. ZIZEK, Slajov. Violência: seis reflexões laterais. http://www.seliganessahistoria.com.br/ 7 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ não compartilha das riquezas geradas pelo país e encontra-se em condições de miserabilidade, sendo, na prática, destituídos de direitos fundamentais. Madre e Hijo/2000 El cazador/1999 Una madre/2001 O artista plástico colombiano Fernando Botero é um dos mais prestigiados no mundo. Apesar de o artista declarar que não compartilha do ideal político de utilização da arte como arma de combate, pinta algumas obras como forma de repudiar a violência. Nestas, registra as dores de seu país; a barbárie, a crueldade premeditada, a dor profunda do ser humano quando acossado e oprimido, quando é arrancada sua liberdade e seus direitos, sejam por guerrilhas, narcotráfico, manobras políticas ou pelos grupos paramilitares acontecidos na década de 1990. https://taislc.blogspot.com/2 012/03/botero-e-as-dores-da- colombia.html http://www.seliganessahistoria.com.br/ 8 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ masacre em colombia/2000 VIOLÊNCIA SIMBÓLICA A violência simbólica é a mais sútil, portanto, a mais difícil de ser identificada, pois se encontra na esfera da linguagem, dos símbolos e significações. Nesta medida, Zizek refuta os pensadores que defendem a fala como uma forma de renuncia à violência, como algo que possibilita o diálogo e então, o consenso, acordos e empatia. Pois, porquanto nos definimos por meio da linguagem, somos seres sociais e simbólicos e, então, quando somos tratados como inferiores, nos tornamos realmente inferiores no âmbito de nossa identidade simbólica, pois, é ela quem determina a existência social dos sujeitos interpretados. Pierre Bourdieu, conhecido sociólogo e estudioso do tema, afirma que ela é resultado de um poder invisível e insensível porque inserida em uma dimensão figurada, de modo que se estrutura em meio à formação de esquemas de pensamentos que são impensáveis. Assim, se realiza pelo emprego de categorias de percepção, isto é, de princípios de visão e divisão do mundo produzido socialmente. Isso significa que existe uma ordem simbólica, que DIMENSÃO SIMBÓLICA Ao pensarmos, por exemplo, na ideia de flor, não estamos nos referindo necessariamente ao órgão reprodutor de uma planta. Pois, a flor simboliza beleza, alma, pureza, amor, delicadeza, perfeição espiritual e feminilidade. Em alguns lugares simboliza a virgindade ou a sua perda (processo chamado de defloração). Frequentemente é utilizada para presentear mulheres e ornamentar os mais diversos ambientes, é empregada em rituais, seja de casamento ou funeral. Assim, em sua dimensão simbólica suplanta o significado simples de órgão reprodutor de uma planta. http://www.seliganessahistoria.com.br/ 9 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ pertence à linguagem e, quando alguns dominam a produção de sentido sobre o mundo social, tendem a forjar uma visão engendrada em sua direção, o que termina por legitimar uma dominação na esfera prática. Daí, então, é que a violência simbólica se manifesta. Bourdieu investiga, sobretudo, a dominação masculina oriunda de uma dimensão simbólica produtora de violência. Porquanto, por meio de uma produção dicotômica do masculino e feminino, promove uma ordem de oposições simbólicas (masculino/feminino; grande/pequeno; forte/frágil; racional/emocional) que inferioriza as mulheres, exercendo e justificando uma dominação sobre as mesmas. MEDO E INSEGURANÇA Embora o Brasil integre a lista dos países mais violentos do mundo, com os maiores índices de homicídios, o medo presenteem nossas cidades e capitais nem sempre coincide com o aumento da criminalidade. Investigações realizadas pelo sociólogo Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos sobre a Violência (NEV/USP), revelam que, muitas vezes, o medo excede o risco real, pois existem outros elementos que acirram a insegurança nas pessoas. As transformações sociais e morais da sociedade moderna, as incivilidades e os problemas econômicos, por exemplo, seriam propulsores do sentimento de insegurança das pessoas nas grandes cidades, sobretudo, em relação ao “outro” àquele considerado diferente, como os estrangeiros, os pobres e os habitantes das periferias. Assim, o comportamento de pobres e de estrangeiros passa a ser encarado como um problema de segurança e, por vezes, criminalizado. Daí decorre o desenvolvimento da aparelhagem tecnológica, policiamento e segurança privada que delimita espaços em detrimento do lugar dos “outros”. Os espaços públicos que comportam o pluralismo cultural tornam-se cada vez mais raros e são substituídos pelos condomínios privados que ostentam as mais diversas estratégias tecnológicas de segurança, permitindo uma integração somente entre os “iguais”. Assim, a busca http://www.seliganessahistoria.com.br/ 10 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ obsessiva pela segurança indica alguma relação com o desejo de afastamento daqueles que são considerados diferentes. A mídia também influencia na potencialização do sentimento de medo e insegurança, pois, os jornalismos policiais atendendo as acirradas disputas por audiência tendem a destacar ainda mais a violência e a criminalidade em suas narrativas sensacionalistas e apaixonadas. Muitas vezes, apelam para um discurso que identifica uma violência desordenada e relacionada ao abandono pelo Estado de políticas de segurança e repressão mais rígidas, estimulando nos espectadores ou o desejo por um Estado seguro e autoritário ou pelo direito de fazer “justiça com as próprias mãos”. Candidatos políticos também se aproveitam da paranoia generalizada da população em suas campanhas eleitorais. De maneira que, se apropriam desse medo exacerbado para se promoverem em meio a promessas de aplicação de políticas de segurança. Haverá, portanto, disputas em torno dessas, pois, enquanto uma parcela de eleitores defende políticas distributivas, capazes de promover justiça social e respeito aos direitos humanos, inclusive para os que cometeram o crime. A outra aposta em políticas retributivas, porquanto, acreditam que a contenção da criminalidade depende da aplicação da lei e ordem, e devem tornar caro o custo do crime para que seja desestimulado. http://www.seliganessahistoria.com.br/ 11 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ As Caravanas (Chico Buarque) O medo do “outro” é tema da composição de Chico Buarque denominado As Caravanas, a inspiração veio das cenas ocorridas no Rio de Janeiro em que os ônibus vindos dos subúrbios em direção às praias da zona sul do Rio eram alvos de blitze e revistas. É um dia de real grandeza, tudo azul Um mar turquesa à la Istambul enchendo os olhos Um sol de torrar os miolos Quando pinta em Copacabana A caravana do Arará, do Caxangá, da Chatuba A caravana do Irajá, o comboio da Penha Não há barreira que retenha esses estranhos Suburbanos tipo muçulmanos do Jacarezinho A caminho do Jardim de Alá É o bicho, é o buchicho, é a charanga Diz que malocam seus facões e adagas Em sungas estufadas e calções disformes É, diz que eles têm picas enormes E seus sacos são granadas Lá das quebradas da Maré Com negros torsos nus deixam em polvorosa A gente ordeira e virtuosa que apela Pra polícia despachar de volta O populacho pra favela Ou pra Benguela, ou pra Guiné Sol A culpa deve ser do sol que bate na moleira O sol que estoura as veias O suor que embaça os olhos e a razão E essa zoeira dentro da prisão Crioulos empilhados no porão De caravelas no alto mar Tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria Filha do medo, a raiva é mãe da covardia Ou doido so u eu que escuto vozes Não há gente tão insana Nem caravana do Arará Não há, não há Sol A culpa deve ser do sol que bate na moleira O sol que estoura as veias O suor que embaça os olhos e a razão E essa zoeira dentro da prisão Crioulos empilhados no porão De caravelas no alto mar Tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria Filha do medo, a raiva é mãe da covardia Ou doido sou eu que escuto vozes Não há gente tão insana Nem caravana Nem caravana Nem caravana do Arará http://www.seliganessahistoria.com.br/ 12 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ A composição de Chico Buarque “Caravanas” retrata a busca obsessiva pela segurança que revela o desejo de afastamento daqueles que são considerados diferentes: “Não há barreira que retenha esses estranhos” Neste caso, os pobres, moradores de favelas e periferias que surgem em “caravanas” “invadindo” os espaços nobres da cidade: Quando pinta em Copacabana A caravana do Arará, do Caxangá, da Chatuba A caravana do Irajá, o comboio da Penha Assim, Chico Buarque faz referência aos moradores das favelas, considerados perigosos e desordeiros, ao mesmo tempo em que problematiza a figura do muçulmano, imigrante que sofre preconceito similar, pois, frequentemente é associado ao terrorismo. Assim, pobres e muçulmanos são desenhados como monstros terroristas e perigosos pelo imaginário popular: Diz que malocam seus facões e adagas Em sungas estufadas e calções disformes É, diz que eles têm picas enormes E seus sacos são granadas Faz referencias também a escravidão quando improvisa um trocadilho entre caravanas e caravelas: Crioulos empilhados no porão De caravelas no alto mar Denunciando que os moradores da favela descendem dos povos escravizados: Com negros torsos nus De modo que a pobreza e o preconceito que sofrem são heranças da tradição escravagista no Brasil. Desta forma, o compositor denuncia a criminalização da pobreza, a intolerância e o medo do “outro”: Pra polícia despachar de volta O populacho pra favela Ou pra Benguela, ou pra Guiné E o consequente ódio e desejo de penalização, vingança e “justiça com as próprias mãos”: Tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria Filha do medo, a raiva é mãe da covardia No entanto ele satiriza o preconceito dizendo que essa paranoia toda, em realidade é um delírio (Não há gente tão insana) que a elite ( gente ordeira e virtuosa ) sofre devido ao sol forte de Copacabana: A culpa deve ser do sol que bate na moleira O sol que estoura as veias O suor que embaça os olhos e a razão http://www.seliganessahistoria.com.br/ 13 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ Penalizações e Cárcere Michel Foucault na obra vigiar e punir revela que nem sempre a prisão foi considerada a melhor forma de punição, teria sido com o advento da burguesia que o cárcere passou a ser utilizado cada vez mais. Em uma análise apressada, o cárcere parece ser a forma mais civilizada de punição e, por tal motivo é que teria sido adotado com maior frequência no período iluminista. Mas, Foucault nos revela que o cárcere responde melhor aos interesses do período, de modo que se adapta a um tipo de poder constituído por práticas e discursos iluministas e racionalistas, por tal motivo é que teria sido substituído por outras formas de punição. Segundo Foucault, desde o início do iluminismo, o cárcere funciona como instrumento de poder da burguesia, que separa as ilegalidades, punindo os crimes cometidos pelos pobres com a prisão, ao passo que, os crimes cometidos normalmente pela burguesia são punidos com formas alternativas. Posteriormente, o cárcere passa a cumprir funções disciplinadorasque concordavam com a ordem de uma sociedade que fabricava indivíduos dóceis e úteis. Hoje no Brasil possuímos uma das maiores populações carcerárias do mundo, pois as políticas de sentenças judiciais são moldadas pela ideologia prevalente de que a prisão funciona. No entanto, tem se revelado inábil para a redução da violência e da criminalidade. Em verdade, os cárceres brasileiros produzem violência em seu interior e fabricam o delinquente em vez de solucionar o problema da criminalidade. Pois além de oferecer atrasos nos julgamentos devido ao excesso de burocracia, expõe os presos a abusos de autoridade e condições degradantes como, por exemplo, às proliferações de doenças graves como aids e tuberculose. Em seu interior disseminam-se rebeliões e violência contra policiais e agentes penitenciários. É no cárcere também que o crime organizado, portador de lucros gigantescos, se desenvolve, recrutando novos membros. Assim, torna-se questionável os seus efeitos e, portanto, se a dívida deve ser paga nessa economia de dor e degradação. http://www.seliganessahistoria.com.br/ 14 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ Além disso, necessita-se de altos custos para manter um suspeito ou condenado na prisão, estimando-se um gasto de 15 mil reais por vaga e um custo mensal de 800 reais por preso. Nesta medida é que muitos juízes, sociólogos e criminólogos sugerem que a prisão deve ser adotada como último recurso e não como primeiro. Sendo reservada a criminosos violentos, perigosos e reincidentes. Assim, sugerem-se estratégias de diversificação da pena, constituindo alguns procedimentos de conciliação, serviços comunitários e participação em programas voltados para mudança de comportamento. Considerando, portanto, as categorias e características dos criminosos. http://www.seliganessahistoria.com.br/ 15 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ Eugênio Raul Zaffaroni Jurista e magistrado argentino. Foi ministro da Suprema Corte Argentina de 2003 a 2014 e, desde 2015, é juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Professor emérito e diretor do Departamento de Direito Penal e Criminologia na Universidade de Buenos Aires, é também doutor honoris causa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pela Universidade Federal do Ceará, pela Universidade Católica de Brasília e pelo Centro Universitário FIEO. É vice- presidente da Associação Internacional de Direito Penal. Segundo Zaffaroni, os meios de comunicação são responsáveis por demandas que criam o chamado pânico social. De acordo com o ministro, a melhor forma de lidar com os jovens é oferecendo possibilidades de trabalho e estudo, com políticas públicas viáveis. Na entrevista, Zaffaroni destaca a importância do Brasil para os países latinoamercianos e diz que o país não pode se deixar levar por campanhas que só objetiva destruir a solidariedade e a própria consciência nacional. Leia a entrevista (2013) feita pela repórter Viviane Tavares: Por que o senhor defende a necessidade de uma identidade latina no Direito Penal? Nossos países estão vivendo um crescimento da legislação repressiva, porém, deveríamos caminhar para fortalecer a solidariedade pluriclassista em nosso continente. Não podemos seguir os modelos europeus e, muito menos, o norte-americano, em que a política criminal é marcada por uma agenda midiática que provoca emergências passageiras, resultando em leis desconexas, que, passada a euforia midiática, continuam vigentes. Atualmente, a grande questão do sistema penal brasileiro é a redução da maioridade penal. Qual é a sua opinião sobre isso? O que deve ser levado em conta para se limitar essa idade? A redução da maioridade penal é também uma demanda mundial que se relaciona à política de criminalização da pobreza. A intenção é pôr na prisão os filhos dos setores mais vulneráveis, enquanto os da classe média continuam protegidos. Embora haja alguns adolescentes assassinos, a grande maioria dos delitos que eles cometem são de pouquíssima relevância criminal. O Brasil tem um Estatuto [Estatuto da Criança e Adolescente] que é modelo para o mundo. Lamento muito que, por causa da campanha midiática, ele possa ser destruído. http://www.seliganessahistoria.com.br/ 16 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ Na Argentina existe um modelo de responsabilidade penal para adolescentes de 16 anos. Como isso se dá? Na Argentina, a responsabilização penal começa aos 16 anos, de maneira atenuada, e somente é plena a partir dos 18 anos. Não obstante, somos vítimas da mesma campanha, embora os menores de 16 anos homicidas na cidade de Buenos Aires, nos últimos dois anos, sejam apenas dois. A ditadura reduziu a idade de responsabilização para 14 anos e logo teve que subir de novo para 16, ante ao resultado catastrófico dessa reforma brutal, como tudo o que fizeram. Ninguém pode exigir que um adolescente tenha a maturidade de um adulto. Sua inteligência está desenvolvida, mas seu aspecto emocional, não. O que você faria se um adolescente jogasse um giz em outra pessoa na escola? Em vez disso, o que você faria se eu jogasse um giz no diretor da faculdade de Direito em uma reunião do conselho diretivo? Não se pode alterar a natureza das coisas, uma adolescente é uma coisa e um marmanjo de 40 anos outra. Como o senhor avalia o sistema de encarceramento? As prisões são sempre reprodutoras. São máquinas de fixação das condutas desviantes. Por isso devemos usá-las o menos possível. E, como muitas prisões latinoamericanas, além disso, estão superlotadas e com altíssimo índice de mortalidade, violência etc., são ainda mais reprodutoras. O preso, subjetivamente, se desvalora. É um milagre que quem egresse do sistema não reincida. Enquanto não podemos eliminar a prisão, é necessário usá-la com muita moderação. Cada país tem o número de presos que decide politicamente ter. Isso explica que os EUA tenham o índice mais alto do mundo e o Canadá quase o mais baixo de todo o mundo. Não porque os canadenses soltem os homicidas e estupradores, mas porque o nível de criminalidade média é escolhido de forma política. Não há regra quando se trata de casos de delinquência mediana, a decisão a respeito é política, portanto, pode ser arbitrária ou não. Ademais, a maioria de nossos presos latinoamericanos não estão condenados, são processados no curso da prisão preventiva. Como podemos discutir o tratamento, quando não sabemos se estamos diante de um culpado? Como podemos explicar este foco no tráfico de drogas como o principal mal da sociedade atual? Ele precisa ser combatido? A proibição de tóxicos chegou a um ponto que não sei se tem retorno sem criar um gravíssimo problema ao sistema financeiro mundial. A única solução é a legalização, porém não acho que seja possível. A queda acentuada do preço do serviço de distribuição provocaria uma perda de meio bilhão de dólares, no mínimo. Esta mais-valia totalmente artificial entra na espiral financeira mundial, através da lavagem de dinheiro, que o hemisfério norte monopoliza. Sem essa injeção anual, se produziria uma recessão mundial. Como se resolve isso? Sinceramente, não sei. Só sei que isso é resultado de uma política realmente criminal, no pior sentido da palavra. No Brasil estamos vivendo um fenômeno com o crack. Em estados como Rio de Janeiro e São Paulo, os usuários estão sendo encaminhados para uma internação compulsória, uma espécie de encarceramento para o tratamento. Como o senhor avalia isso? http://www.seliganessahistoria.com.br/ 17 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ Não sei o que é esse crack, suponho que seja um tóxico da miséria, como o nosso conhecido "paco". O "paco" é uma mistura de venenos, vidro moído e um resíduo da cocaína. É um veneno difundido entre as criançase adolescentes de bairros pobres, deteriora e mata em pouco tempo, provoca lesões cerebrais. Como se combate? Quem deve ser preso? Os meninos que são vítimas? Isso não pode ser vendido sem a conivência policial, como todos os outros tóxicos proibidos, porém, nesse caso, é muito mais criminal a conivência. Seria preferível distribuir maconha. Isso é o resultado letal da proibição. Nós chegamos a isso, a matar meninos pobres. Existe alguma forma de combater a violência sem produção de mais violência por parte do Estado? Na própria pergunta está a resposta. Se o Estado produz violência não faz mais que reproduzi-la. Cada conflito requer uma solução, temos de ver qual é a solução. Não existe o crime em abstrato, existem, sim, conflitos concretos, que podem ser solucionados pela via da reparação, da conciliação, da terapêutica, etc., esgotemos antes de tudo essas soluções e apenas quando não funcionarem pensemos na punição e usemos, ainda assim, o mínimo possível a prisão. Não podemos pensar em soluções com a polícia destruída, mal paga, não profissionalizada, infestada por cúpulas corruptas, etc., Ou não estou descrevendo uma realidade latinoamericana? Revista Consultor Jurídico, 30 de julho de 2013, 13h51 http://www.seliganessahistoria.com.br/ 18 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ RECOMENDAMOS: FILMES E DOCUMENTÁRIOS: ”Sem pena”, Direção: Eugenio Puppo, 2014, Brasil. O documentário retrata as adversidades vividas pelas pessoas presas e processadas criminalmente e para tanto apresenta vários depoimentos que revelam a burocracia e os equívocos presentes no sistema carcerário brasileiro. O documentário proporciona o sentimento de impaciência e impotência diante dos procedimentos burocráticos do sistema carcerário. https://www.youtube.com/watch?v=b6RDgB8GVW8 ”O Apartamento”. Direção: Asghar Farhadi, 2017, Irã. Um casal de atores muda para um novo apartamento, onde a esposa é atacada. Agora, os dois devem lidar com a situação e decidir se querem ou não saber quem foi o responsável. Revela o sofrimento e culpa da mulher que sofre a violência, o desejo obsessivo por vingança de seu marido e da figura incomum e surpreendente do algoz. O filme proporciona sentimentos complexos e confusos diante das consequências geradas pela violência, potencializando problematizações mais elaboradas a respeito do tema. ”A 13ª Emenda”. Direção: Ava DuVernay, 2017, EUA. O documentário da Netflix revela como o sistema penitenciário dos EUA perpetua a escravidão. O título se refere à 13ª emenda à Constituição dos EUA, que aboliu a escravidão formalmente. O documentário possibilita a relação entre a exploração, o racismo e as políticas carcerárias. http://www.seliganessahistoria.com.br/ https://www.youtube.com/watch?v=b6RDgB8GVW8 19 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ ”Abril despedaçado”. Direção: Walter Salles, Brasil, 2002. O filme narra a estória de duas famílias envolvidas em uma disputa sem fim, revelando como a vingança pode gerar um eterno ciclo de violência. O delicado e poético filme pode ser interpretado como uma singela metáfora à cultura de vingança presente em nossos discursos e práticas jurídicas. https://www.youtube.com/watch?v=vUJOv6CJ9h8 ”Hiato” Diretor: Vladimir Seixas, 2008, Brasil. Em agosto de 2000, um grupo de manifestantes organizou uma ocupação em um grande shopping da zona sul da cidade do Rio de Janeiro. O episódio obteve grande repercussão na imprensa nacional e ainda hoje é discutido por alguns pensadores. O curta recuperou imagens de arquivo e traz entrevistas de alguns personagens 7 anos após essa inusitada manifestação. O documentário possibilita a análise da criminalização da pobreza e dos movimentos sociais. https://www.youtube.com/watch?v=UHJmUPeDYdg http://www.seliganessahistoria.com.br/ https://www.youtube.com/watch?v=vUJOv6CJ9h8 http://portacurtas.org.br/busca/specSearch.aspx?spec=diretor&artist=Vladimir%20Seixas https://www.youtube.com/watch?v=UHJmUPeDYdg 20 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ LEITURA COMPLEMENTAR Michel Foucault: O corpo dos condenados O afrouxamento da severidade penal no decorrer dos últimos séculos é um fenômeno bem conhecido dos historiadores do direito. Entretanto, foi visto, durante muito tempo, de forma geral, como se fosse fenômeno quantitativo: menos sofrimento, mais suavidade, mais respeito e "humanidade". Na verdade, tais modificações se fazem concomitantes ao deslocamento do objeto da ação punitiva. Redução de intensidade? Talvez. Mudança de objetivo, certamente. Se não é mais ao corpo que se dirige a punição, em suas formas mais duras, sobre o que, então, se exerce? A resposta dos teóricos - daqueles que abriram, por volta de 1780, o período que ainda não se encerrou - é simples, quase evidente. Dir-se-ia inscrita na própria indagação. Pois não é mais o corpo, é a alma. À expiação que tripudia sobre o corpo deve suceder um castigo que atue, profundamente, sobre o coração, o intelecto, a vontade, as disposições. Mably formulou o princípio decisivo: Que o castigo, se assim posso exprimir, fira mais a alma do que o corpo. Momento importante. O corpo e o sangue, velhos partidários do fausto punitivo, são substituídos. Novo personagem entra em cena, mascarado. Terminada uma tragédia, começa a comédia, com sombrias silhuetas, vozes sem rosto, entidades impalpáveis. O aparato da justiça punitiva tem que ater-se, agora, a esta nova realidade, realidade incorpórea. Pura informação teórica, repelida pela prática penal? Seria superficialidade afirmá-lo. A verdade é que punir, atualmente, não é apenas converter uma alma. Entretanto, o princípio de Mably não permaneceu como um piedoso voto. Por toda a moderna história da penalidade, é possível seguir-lhe os efeitos. Em primeiro lugar, a substituição de objetos. Não queremos dizer com isso que, subitamente, se começou a punir outros crimes. Sem dúvida, a definição das infrações, sua hierarquia de gravidade, as margens de indulgência, o que era tolerado de fato e o que era permitido de direito - tudo isto modificou-se amplamente nos últimos duzentos anos. Muitos crimes perderam tal conotação, uma vez que estavam objetivamente ligados a um exercício de autoridade religiosa ou a http://www.seliganessahistoria.com.br/ 21 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ um tipo de vida econômica; a blasfêmia deixou de se constituir em crime; o contrabando e o furto doméstico perderam parte de sua gravidade. Mas tais transformações não são, por certo, o mais importante: a divisão de permitido e proibido manteve, entre um e outro século, certa constância. Em compensação, o objeto "crime", aquilo a que se refere a prática penal, foi profundamente modificado: a qualidade, a natureza, a substância, de algum modo, de que se constitui o elemento punível, mais do que a própria definição formal. A relativa estabilidade da lei obrigou um jogo de substituições sutis e rápidas. Sob o nome de crimes e delitos, são sempre julgados corretamente os objetos jurídicos definidos pelo Código. Porém julgam-se também as paixões, os instintos, as anomalias, as enfermidades, as inadaptações, os efeitos de meio ambiente ou de Hereditariedade. Punem-se as agressões, mas, por meio delas, as agressividades, as violações e, ao mesmo tempo, as perversões, os assassinatos que são, também, impulsos e desejos. Dir-se-ia que não são eles que são julgados; se são invocados, é para explicar os fatos a serem julgados e determinar até que ponto a vontade do réu estava envolvida no crime. Resposta insuficiente, pois são as sombras que se escondem por trás dos elementos da causa, que são, na realidade,julgadas e punidas. Julgadas mediante recurso às "circunstâncias atenuantes", que introduzem no veredicto não apenas elementos "circunstanciais" do ato, mas coisa bem diversa, juridicamente não codificável: o conhecimento do criminoso, a apreciação que dele se faz, o que se pode saber sobre suas relações entre ele, seu passado e o crime, e o que se pode esperar dele no futuro. Julgadas também por todas essas noções veiculadas entre medicina e jurisprudência desde o século XIX (os "monstros" da época de Georget, as "anomalias psíquicas" da circular Chaumié, os "pervertidos" e os "inadaptados" dos laudos periciais contemporâneos) e que, pretendendo explicar um ato, não passam de maneiras de qualificar um individuo. Punidas pelo castigo que se atribui a função de tornar o criminoso "não só desejoso, mas também capaz de viver respeitando a lei e de suprir às suas próprias necessidades"; são punidas pela economia interna de uma pena que, embora sancione o crime, pode modificar-se (abreviando-se ou, se for o caso, prolongando- se), conforme se transformar o comportamento do condenado; são punidas, ainda, pela aplicação dessas "medidas de segurança" que acompanham a pena (proibição de permanência, liberdade vigiada, tutela penal, tratamento médico obrigatório) e não se destinam a sancionar a infração, mas a controlar o individuo, a neutralizar sua periculosidade, a modificar suas disposições criminosas, a cessar somente após obtenção de tais modificações. http://www.seliganessahistoria.com.br/ 22 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ A alma do criminoso não é invocada no tribunal somente para explicar o crime e introduzi-la como um elemento na atribuição jurídica das responsabilidades; se ela é invocada com tanta ênfase, com tanto cuidado de compreensão e tão grande aplicação "científica", é para julgá-la, ao mesmo tempo que o crime, e fazê-la participar da punição. Em todo o ritual penal, desde a informação até a sentença e as últimas consequências da pena, se permitiu a penetração de um campo de objetos que vêm duplicar, mas também dissociar os objetos juridicamente definidos e codificados. O laudo psiquiátrico, mas de maneira mais geral a antropologia criminal e o discurso repisante da criminologia encontram aí uma de suas funções precisas: introduzindo solenemente as infrações no campo dos objetos susceptíveis de um conhecimento científico, dar aos mecanismos da punição legal um poder justificável não mais simplesmente sobre as infrações, mas sobre os indivíduos; não mais sobre o que eles fizeram, mas sobre aquilo que eles são, serão, ou possam ser. O suplemento de alma que a justiça garantiu para si é aparentemente explicativo e limitativo, e de fato anexionista. Faz 150 ou 200 anos que a Europa implantou seus novos sistemas de penalidade, e desde então os juizes, pouco a pouco, mas por um processo que remonta bem longe no tempo, começaram a julgar coisa diferente além dos crimes: a "alma" dos criminosos. E, com isso, começaram a fazer algo diferente do que julgar. Ou, para ser mais exato, no próprio cerne da modalidade judicial do julgamento, outros tipos de avaliação se introduziram discretamente modificando no essencial suas regras de elaboração. Desde que a Idade Média construiu, não sem dificuldade e lentidão, a grande procedura do inquérito, julgar era estabelecer a verdade de um crime, era determinar seu autor, era aplicar-lhe uma sanção legal. Conhecimento da infração, conhecimento do responsável, conhecimento da lei, três condições que permitiam estabelecer um julgamento como verdade bem fundada. Eis, porém, que durante o julgamento penal encontramos inserida agora uma questão bem diferente de verdade. Não mais simplesmente: "O fato está comprovado, é delituoso?" Mas também: "O que é realmente esse fato, o que significa essa violência ou esse crime? Em que nível ou em que campo da realidade deverá ser colocado? Fantasma, reação psicótica, episódio de delírio, perversidade?" Não mais simplesmente: "Quem é o autor?" Mas: "Como citar o processo causal que o produziu? Onde estará, no próprio autor, a origem do crime? http://www.seliganessahistoria.com.br/ 23 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ Instinto, inconsciente, meio ambiente, hereditariedade?" Não mais simplesmente: "Que lei sanciona esta infração?" Mas: "Que medida tomar que seja apropriada? Como prever a evolução do sujeito? De que modo ele será mais seguramente corrigido?" Trecho transcrito de: Foucault, Michel. "O corpo dos condenados" IN Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1897, 27a. edição, pp. 9 a 29. Bibliografia: BOTELHO, André. SCHARCZ, Lilia Moritz (orgs.). Agenda Brasileira: temas de uma sociedade em mudança, São Paulo: Companhia das Letras: 2011. BOURDIEU, Pierre. A dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1987. LIMA, Renato Sérgio, Liana de Paula (orgs.). Segurança Púbica e Violência: o Estado está cumprindo o seu papel? São Paulo: Contexto, 2014. ZIZEK,Slajov. Violência: seis reflexões laterais. Tradução Miguel Serras Pereira. – Ed.- São Paulo : Boitempo, 2014. Atlas da violência: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=30253 Obras de Fernando Botero: https://taislc.blogspot.com/2012/03/botero-e-as-dores-da-colombia.html Entrevista Zafaronni: http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/entrevista/cada-pais-tem-o-numero-de-presos-que- decide-politicamente-ter http://www.seliganessahistoria.com.br/ http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=30253 https://taislc.blogspot.com/2012/03/botero-e-as-dores-da-colombia.html http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/entrevista/cada-pais-tem-o-numero-de-presos-que-decide-politicamente-ter http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/entrevista/cada-pais-tem-o-numero-de-presos-que-decide-politicamente-ter 24 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ COMO O TEMA É EXIGIDO NOS VESTIBULARES? EXERCÍCIOS 1. (UNICAMP 2017) “A fúria do tirano, o terrorismo de Estado, a guerra, o massacre, o escravismo, o racismo, o fundamentalismo, o tribalismo, o nazismo, sempre envolvem alegaçoÞes racionais, humanitárias, ideais, ao mesmo tempo que se exercem em formas e técnicas brutais, irracionais, enlouquecidas. Em geral, a fúria da violência tem algo a ver com a destruição do ‘outro’, ‘diferente’, ‘estranho’, com o que busca a purificação da sociedade, o exorcismo de dilemas difíceis, a sublimação do absurdo embutido nas formas da sociabilidade e nos jogos das forças sociais.” ctávio Ianni, “A violência na sociedade contemporânea”, em Estudos de Sociologia. Araraquara, v. 7, n. 12, p. 8, 2002 Assinale a alternativa correta. a) Os atos de violência sempre implicam alegações irracionais e práticas racionais que transformam os jogos das forças sociais e as tramas de sociabilidade que envolvem as coletividades. b) A violência nasce como técnica de poder, exercita-se como modo de preservar, ampliar ou conquistar a propriedade, adquirindo desdobramentos psicológicos desprezíveis para agentes e vítimas. c) Os atos de violência não têm excepcional significação, porque mantêm as mesmas formas e técnicas, razões e convicções conforme as configurações e os movimentos da sociedade. d) A violência entra como elemento importante da cultura política com a qual se ordenam ou se transformam as relações entre os donos do poder e os setores sociais tornados subalternos. 2. (FGVRJ 2016) Leia os fragmentos a seguir. I. Os adolescentes são muito mais vítimas do que autores de crimes, o que contribui para a queda da expectativa de vida no Brasil, pois se existe um "risco Brasil" este reside na violênciada periferia das grandes e médias cidades. Dado impressionante é o de que 65% dos infratores vivem em família desorganizada, junto com a mãe abandonada pelo marido, que por vezes tem filhos de outras uniões também desfeitas e luta para dar sobrevivência à sua prole. Adaptado de REALE, M. J. Instituições de Direito Penal. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 212. II. A maioridade penal deve ser reduzida, pois assim os menores de 18 deixariam de ser usados para a execução de crimes, como ocorre constantemente no Brasil, o que diminuiria a criminalidade. Devemos considerar que o jovem dos dias atuais amadurece precocemente, devido às informações, às tecnologias e a todos os aparatos desenvolvidos para melhor adaptação do homem ao mundo. Assim, a legislação deveria se adequar a esse novo comportamento dos jovens, que é completamente diferente da época em que o Código Penal foi criado, em 1940. Adaptado de http://www.webartigos.com/artigos/proposta-de-reducaoda-maioridade- penal/56734/#ixzz3fhDuOaJb. http://www.seliganessahistoria.com.br/ 25 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ A respeito dos argumentos sobre a redução da maioridade penal, assinale a afirmação correta. a) Ambos os fragmentos afirmam que a punição pura e simples, com penas a serem adotadas e impostas aos menores, não gera a diminuição da violência no Brasil. b) O fragmento I relaciona a violência praticada por menores com as precárias condições sociais e familiares dos moradores de áreas periféricas do Brasil. c) Os fragmentos I e II discutem os aspectos jurídicos inerentes ao estabelecimento da idade mínima a partir da qual uma pessoa responde pela violação da lei penal, na condição de adulto. d) O fragmento II condena a redução da maioridade penal como um recurso que aumentaria o aliciamento de jovens pelo crime organizado. e) Tanto o fragmento I quanto o II consideram a mudança do conceito de “criança” e de “adolescente” ao longo do tempo como elemento que legitima a atualização do Código Penal brasileiro. 3. (UNIOESTE 2015) A rebelião ocorrida na penitenciária de Cascavel/PR em agosto de 2014 remete ao passado e à história da repressão, especificamente na passagem do período das punições à vigilância. O estudo mais representativo sobre a história das prisões é Vigiar e Punir de Michel Foucault. Sobre as prisões atuais, tendo como referência essa obra, é CORRETO afirmar. a) Na prisão, os delinquentes não são úteis nem econômica nem politicamente para o sistema. b) O objetivo das prisões é reeducar os delinquentes, ensinando-lhes uma profissão que possa ser exercida ao saírem da prisão. c) A prisão impede a reincidência e permite a correção do delinquente. d) A prisão, para Foucault, longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar novos delinquentes. e) A função da prisão é retirar os criminosos de circulação e do convívio social, e nada mais. 4. (UNESP 2015) Analise as charges. http://www.seliganessahistoria.com.br/ 26 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ As charges permitem que se faça uma abordagem ao mesmo tempo crítica e irônica dos meios de comunicação de massa e da vida nas cidades no período atual. Dentre os assuntos que podem ser diretamente associados aos problemas abordados pelas charges estão: a) o cumprimento pelos meios de comunicação de seu papel de noticiar o real cotidiano das cidades e o fortalecimento da segurança pública em detrimento da privada. b) o papel da mídia na propagação da sensação de insegurança junto à população e o surgimento de atividades, produtos e serviços vinculados à segurança privada. c) a influência restrita dos meios de comunicação sobre o cotidiano das cidades e a produção de um novo urbanismo expresso na valorização dos espaços públicos. d) a influência passiva da mídia sobre o comportamento e a vida das pessoas nas cidades e a regressão de produtos, serviços e atividades ligadas à segurança privada. e) a difusão de informações sensacionalistas pela mídia e a intensificação da convivência entre pessoas na cidade. Leia o texto a seguir e responda à(s) próxima(s) questão(ões). O desenvolvimento da civilização e de seus modos de produção fez aumentar o poder bélico entre os homens, generalizando no planeta a atitude de permanente violência. No mundo contemporâneo, a formação dos Estados nacionais fez dos exércitos instituições de defesa de fronteiras e fator estratégico de permanente disputa entre nações. Nos armamentos militares se concentra o grande potencial de destruição da humanidade. Cada Estado, em nome da autodefesa e dos interesses do cidadão comum, desenvolve mecanismos de controle cada vez mais potentes e ostensivos. O uso da força pelo Estado transforma-se em recurso cotidianamente utilizado no combate à violência e à criminalidade. Adaptado de: COSTA, C. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna, 1997. p.283-285. 5. (UEL 2015) Sobre violência e criminalidade no Brasil, assinale a alternativa correta. a) As políticas repressivas contra o crime organizado são suficientes para erradicar a violência e a insegurança nas cidades. b) As altas taxas de violência e de homicídios contra jovens em situação de pobreza têm sido revertidas com a eficácia do sistema prisional. c) As desigualdades e assimetrias nas relações sociais, a discriminação e o racismo são fatores que acentuam a violência no Brasil. d) A violência urbana contemporânea é resultado dos choques entre diferentes civilizações que se manifestam nas metrópoles brasileiras. e) O rigor punitivo das agências oficiais no combate à criminalidade impede o surgimento de justiceiros e milícias. 6. (INTERBITS 2012) Resolver o problema das drogas significa diminuir o consumo e a violência relacionada ao tráfico. Nada disso está acontecendo, o que indica que estamos prendendo as pessoas erradas. Mais de 60% dos presos por tráfico carregavam pequenas quantidades, eram réus primários e nunca tinham se envolvido em outros crimes. Não é atrás dessas pessoas que a polícia tem que ir, mas do crime organizado. Para isso, é fundamental que se discutam critérios mais claros para separar quem é usuário de quem é traficante. http://www.seliganessahistoria.com.br/ 27 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ Pedro Abramovay. Entrevista a Natália Martino. In: IstoÉ. 09 nov. 2012. Disponível online em: <http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/252865_ESTAMOS+PRENDENDO +AS+PESSOAS+ERRADAS+>. Acesso em 11 dez. 2012. Sobre o tema do texto acima, assinale a alternativa INCORRETA. a) No combate ao tráfico de entorpecentes, alguns países decidiram legalizar as drogas e controlar a sua venda. b) Há muitas drogas que são legalizadas no Brasil, como o álcool e os medicamentos. c) O tráfico de drogas envolve diversos atores, muitas vezes não conhecidos pela polícia. d) O controle repressivo é a melhor forma de combater o tráfico e o consumo de drogas. 7. (ENEM 2012) TEXTO I O que vemos no país é uma espécie de espraiamento e a manifestação da agressividade através da violência. Isso se desdobra de maneira evidente na criminalidade, que está presente em todos os redutos — seja nas áreas abandonadas pelo poder público, seja na política ou no futebol. O brasileiro não é mais violento do que outros povos, mas a fragilidade do exercício e do reconhecimento da cidadania e a ausência do Estado em vários territórios do país se impõem como um caldo de cultura no qual a agressividade e a violência fincam suas raízes. Entrevista com Joel Birman. A Corrupção é um crime sem rosto. IstoÉ. Edição 2099; 3 fev. 2010. TEXTO II Nenhuma sociedade pode sobreviver sem canalizar as pulsões e emoções do indivíduo, sem um controle muito específicode seu comportamento. Nenhum controle desse tipo é possível sem que as pessoas anteponham limitações umas às outras, e todas as limitações são convertidas, na pessoa a quem são impostas, em medo de um ou outro tipo. ELIAS, N. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. Considerando-se a dinâmica do processo civilizador, tal como descrito no Texto II, o argumento do Texto I acerca da violência e agressividade na sociedade brasileira expressa a a) incompatibilidade entre os modos democráticos de convívio social e a presença de aparatos de controle policial. b) manutenção de práticas repressivas herdadas dos períodos ditatoriais sob a forma de leis e atos administrativos. c) inabilidade das forças militares em conter a violência decorrente das ondas migratórias nas grandes cidades brasileiras. d) dificuldade histórica da sociedade brasileira em institucionalizar formas de controle social compatíveis com valores democráticos. e) incapacidade das instituições político-legislativas em formular mecanismos de controle social específicos à realidade social brasileira. http://www.seliganessahistoria.com.br/ 28 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ 8. (INTERBITS 2012) Qual a conclusão correta que se pode tirar a partir da charge acima? a) Os ricos não cometem crimes. b) Somente ricos são presos. c) O Estado não prende pessoas ricas porque elas vão financiar o crime organizado. d) As pessoas de classes mais altas, ainda que cometam crimes, tendem a não serem presas. e) O acesso à educação é desigual de uma classe social para outra. 9. (INTERBITS 2012) Leia. A sociedade paulistana é uma sociedade extremamente violenta e que tem a tendência a situar a violência apenas na região da criminalidade. E de não perceber que a violência é toda violação física ou psíquica que você faz contra a natureza de alguém. É uma sociedade que trata seres humanos racionais, dotados de sensibilidade e dotados de linguagem como se fossem coisas, portanto irracionais, mudos, inertes e passivos. Esse é o grau máximo da violência, porque você não reconhece a humanidade do outro. A sociedade paulistana de cima a embaixo é assim. Com um mito de que a violência é a delinquência, a criminalidade. CHAUÍ, Marilena. Informação verbal obtida no debate "A Ascensão Conservadora em São Paulo", em 28 de agosto de 2012, na USP. Adaptado. Assinale a alternativa que não está de acordo com o texto do enunciado. a) O grau máximo de violência é coisificar o homem, destituindo-o de sua humanidade. b) A violência não está situada somente na região da criminalidade. c) Violência não é somente delinquência. d) A violência está situada somente em algumas classes sociais. e) A sociedade paulistana é violenta porque agride fisicamente e psiquicamente a natureza das pessoas. http://www.seliganessahistoria.com.br/ 29 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ 10. (UEL 2011) Observe a charge. A charge remete a uma determinada percepção existente hoje entre estratos da população brasileira a respeito da questão da segurança pública. Com base na charge, é correto afirmar: a) As crianças são as principais responsáveis pela visão negativa que, socialmente, se construiu dos órgãos de segurança pública. b) A vantagem da polícia em relação ao ladrão é que a primeira usa arma de fogo enquanto o segundo está restrito às armas brancas. c) Situações de exceção tendem a produzir, em parte da população, descrédito em relação às instituições de proteção da cidadania. d) A melhor maneira de se proteger é não sair à rua, pois pode haver conflitos entre policiais e ladrões, fazendo vítimas inocentes. e) As diferenças entre policiais e ladrões seriam claras na consciência dos indivíduos se as mães educassem melhor seus filhos a não cometer equívocos. 11. (UENP 2011) “Depois de fazer parte das preocupações de importantes sociólogos clássicos, tais como Weber e Simmel, o tema da cidade volta ao centro das discussões na sociedade contemporânea. O espaço urbano é o cenário por excelência da vida pública, do trabalho, da geração de renda e riqueza, da produção e do consumo, mas também das aglomerações, do desconhecido, do caos, dos medos visíveis e invisíveis. Atualmente, muitos estudiosos têm voltado sua atenção para a análise do fenômeno urbano, entre eles, um dos mais producentes da atualidade: Zygmunt Bauman.” ARRUDA, Patrícia Cabral de. Cidades líquidas. Soc. estado. [online]. 2008, vol.23, n.2, pp. 469-476. Assinale a alternativa incorreta. http://www.seliganessahistoria.com.br/ 30 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ a) Nos últimos anos, o medo e a obsessão por segurança ganham espaço, sobretudo na Europa. Paradoxalmente, vivemos em algumas "das sociedades mais seguras que jamais existiram". b) Vive-se, atualmente, em uma sociedade que "se organizou em torno de uma procura infinita de proteção e da insaciável aspiração à segurança". c) Agora, os medos e perigos se proliferam e advêm de todas as partes: da comida industrializada que consumimos, da depressão, do estresse, das doenças cardiovasculares, da vida sedentária, da falta de emprego ou do excesso de trabalho, da exposição ao sol e das relações sexuais sem preservativos. Por isso, tem-se a impressão de que o caos está instaurado e de que não resta alternativa senão instalar câmeras de segurança, blindar os carros e construir muros. d) O espaço urbano, por ser cenário da vida pública, por excelência, induz a um conforto que conduz à apatia, fazendo com que as pessoas não se preocupem com os problemas à sua volta. e) Na medida em que não são mais necessários, os componentes das classes perigosas tornam-se os "desclassificados": pessoas que não pertencem a qualquer grupo social, situadas à margem. Não se trata de um grupo "inferior", mas de pessoas que estão "fora", "que não servem para nada". 12. (UENP 2010) E eu que tinha tanta coisa por fazer lá fora! Quando os ergueram, mal notei os muros, esses. Não ouvi voz de pedreiro, um ruído que fora. Isolaram-me do mundo sem que eu percebesse. Konstantinos Kaváfis, “Muros”, em Poemas. Um perito da ONU acusa a construção de um muro em favelas no Rio de Janeiro de estar iniciando uma "discriminação geográfica" no País. Nesta quarta-feira, 6, o governo viveu um verdadeiro constrangimento na ONU ao tentar defender seus programas sociais, enquanto o Brasil era acusado de ser um "país da impunidade". Os peritos da entidade criticaram a corrupção e a falta de acesso da população à Justiça. Mas o maior constrangimento foi gerado pela falta de respostas claras do governo em relação aos problemas sociais enfrentados no País, o que deixou as Nações Unidas irritadas. Jamil Chade, O Estado de São Paulo, 06 de maio de 2009. Sobre o tema, assinale a alternativa correta. a) A construção de muros, no Rio de Janeiro, embora polemizada pela imprensa e pela ONU, tem um único objetivo: conter o avanço das favelas. b) O muro do Rio de Janeiro poderia ter sido substituído por cercas vivas, porque alcançaria seu objetivo estético e estimularia o paisagismo da cidade, contribuindo para o avanço do turismo. c) A construção de muros, no Rio de Janeiro, tem a mesma importância emblemática como o muro construído na fronteira americana e mexicana, o Muro de Berlim, ou o muro que divide palestinos e israelenses, tendo em vista que tem conotações de segregação social. d) Os muros cariocas não podem ser considerados como indiciários da ineficiência das políticas públicas sociais do governo para as populações segregadas. e) Os muros construídos no Rio de Janeiro serviam para conter os deslizamentos de terra e o avanço do desmatamento sobre os remanescentes da Mata Atlântica. http://www.seliganessahistoria.com.br/31 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ 13. (UENP 2010) “O mapa da violência no Brasil, segundo um estudo divulgado ontem e elaborado pela Organização dos Estados Ibero-americanos para Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), mostra que não existe uma correlação estatística entre mais pobreza e mais violência, ou menos pobreza e menos violência. Está errado o diagnóstico de que, estatisticamente, os jovens que cometem atos violentos o fazem por falta de comida, por falta de vagas nas escolas ou por falta de condições básicas de existência. Causas sociais influenciam mas não são a determinação da violência como alguns querem fazer acreditar. Nas regiões mais pobres do Brasil (semiárido nordestino, Vale do Jequitinhonha) há relativamente menos violência do que nas áreas metropolitanas, na fronteira agrícola do norte e do centro-oeste e na fronteira com o Paraguai e a Bolívia.” (In:http://polimidia.wordpress.com/2007/02/28/pobreza-nao-e-a-determinacao-da- criminalidade-indicaestudo/ publicado em 28 de fevereiro de 2007) De acordo com o texto acima é incorreto afirmar que: a) O nível de desigualdade social é uma das poucas causas da criminalidade que podem ser quantificadas. b) Não é a pobreza absoluta que causa a violência, mas a pobreza relativa, quando um tem mais do que o outro. c) Quando a pessoa se pergunta qual a melhor forma de resolver o problema da falta de mobilidade social, a única resposta que encontra é a criminalidade. d) Quando há riqueza e opulência convivendo com a miséria, aumenta o sentimento de privação do indivíduo, levando-o à violência. e) Os países africanos são estatisticamente mais violentos que o Brasil, tendo em vista que são mais pobres. 14. (UEL 2007) “A proteção e a promoção dos direitos humanos continuaram a se situar entre as principais carências a ser enfrentadas pela sociedade civil. [...] A enumeração das principais áreas de intervenção das organizações da sociedade civil soa como demandas de séculos passados: a ausência do estado de direito e a inacessibilidade do sistema judiciário para as não-elites; o racismo estrutural e a discriminação racial e a impunidade dos agentes do Estado envolvidos em graves violações aos direitos humanos. Como vimos, a nova democracia continuou a ser afetada por um ‘autoritarismo socialmente implantado’, uma combinação de elementos presentes na cultura política do Brasil, valores e ideologia, em parte engendrados pela ditadura militar, expressos na vida cotidiana. Muitos desses elementos estão configurados em instituições cujas raízes datam da década de 30.” Fonte: PINHEIRO, P. S. Transição Política e Não-Estado de Direito na República. In: WILHEIM, J. e PINHEIRO, P. S. (org.). Brasil – um século de transformações. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 296-297. Em relação à violência, analise o texto anterior e selecione a alternativa que corresponde à ideia desenvolvida pelo autor: http://www.seliganessahistoria.com.br/ 32 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ a) A democracia brasileira é fortemente responsável pelo surgimento de uma cultura da violência no Brasil. b) Muito mais do que os traços culturais, é o desenvolvimento econômico que acarreta o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. c) Com a democratização, as não-elites brasileiras finalmente tiveram pleno acesso ao sistema judiciário e aos direitos próprios do Estado de Direito. d) Historicamente, o desrespeito aos direitos humanos afeta de modo igual a brancos e negros, ricos e pobres. e) A violência no Brasil expressa-se na vida cotidiana e, para ser superada, depende de ações da sociedade civil. 15. (ENEM 2002) A tabela refere-se a um estudo realizado entre 1994 e 1999 sobre violência sexual com pessoas do sexo feminino no Brasil. Levantamento dos casos de violência sexual por faixa etária Tipificação do agressor identificado Crianças Adolescentes Adultas Quantidade % Quantidade % Quantidade % Pai biológico 13 21,7 21 13,9 6 6 Padrasto 10 16,7 16 10,6 0 0 Pai adotivo 1 1,6 0 0 0 0 Tio 7 11,6 14 9,4 1 1,4 Avô 6 10,0 0 0 1 1,4 Irmão 0 0 7 4,6 0 0 Primo 0 0 5 3,4 1 1,4 Vizinho 10 16,7 42 27,8 19 27,9 Parceiro e ex- parceiro - - 13 7,5 17 25,2 Conhecido (trabalho) - - 8 5,3 5 7,3 Outro conhecido 13 21,7 25 16,5 18 26,5 TOTAL 60 100 151 100 68 100 (-) Não aplicável Fonte: Jornal da Unicamp, Nº 162. Maio 2001. A tabela refere-se a um estudo realizado entre 1994 e 1999 sobre violência sexual com pessoas do sexo feminino no Brasil. A partir dos dados da tabela e para o grupo feminino estudado, são feitas as seguintes afirmações: I. A mulher não é poupada da violência sexual doméstica em nenhuma das faixas etárias indicadas. II. A maior parte das mulheres adultas é agredida por parentes consanguíneos. III. As adolescentes são vítimas de quase todos os tipos de agressores. IV. Os pais, biológicos, adotivos e padrastos, são autores de mais de 1 3 dos casos de violência sexual envolvendo crianças. É verdadeiro apenas o que se afirma em a) I e III. b) I e IV. c) II e IV. d) I, III e IV. e) II, III e IV. http://www.seliganessahistoria.com.br/ 33 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ Gabarito: Resposta da questão 1: [D] A alternativa [D] é a mais correta. A violência é sempre relacional e serve como forma de organizar relações políticas entre o dominador e o dominado. Resposta da questão 2: [B] O fragmento I não faz qualquer menção à redução da maioridade penal ou ao Código Penal brasileiro. Ele é somente uma pequena análise da relação entre adolescência e criminalidade, a partir de uma perspectiva social. Já o fragmento II, a partir de uma visão com foco no indivíduo, defende a redução da maioridade penal como forma de diminuição da criminalidade. Diante desse panorama, a única alternativa adequada é a alternativa [B], que não altera nenhum argumento defendido nos textos, nem faz inferências precipitadas. Resposta da questão 3: [D] O gabarito oficial considera a alternativa [D] como correta. No entanto, a palavra “apenas” torna essa alternativa também controversa. É fato que as prisões, sobretudo no Brasil, não conseguem reeducar ou reinserir os indivíduos na sociedade, cumprindo o papel de reforçar um estigma de criminoso. No entanto, dado o contexto complexo em que o sistema prisional é inserido, é simplista considerar que a prisão serve “apenas” para fabricar novos delinquentes, haja vista as relações econômicas, sociais e simbólicas que envolvem o universo prisional. Resposta da questão 4: [B] A alternativa [B] é a única correta. A sensação de insegurança da população é construída socialmente, sendo reforçada de forma bastante importante pela mídia. Isso acaba por gerar um processo de perda do espaço público, em que os cidadão se refugiam em condomínios e locais vigiados e murados. Resposta da questão 5: [C] [A] INCORRETA. Políticas repressivas em contextos de desigualdade social tendem a aumentar a violência, pois estimulam redes de ódio contra as instituições policiais. [B] INCORRETA. O sistema prisional no Brasil é bastante ineficiente. Superlotadas, de má qualidade e vinculadas a um sistema corrupto, as penitenciárias tendem a estimular a existência da criminalidade, ao invés de diminuí-la. [C] CORRETA. A violência no Brasil tem uma herança histórica, vinculada às desigualdades sociais, ao preconceito e à marginalização da população negra e pobre, sobretudo dos grandes centros urbanos. http://www.seliganessahistoria.com.br/ 34 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ [D] INCORRETA. No caso brasileiro, as desigualdades sociais e tensões de classe são fatores preponderantes em relação a conflitos culturais,no que diz respeito à violência. [E] INCORRETA. Filmes como Tropa de Elite 2 servem como ilustração do contexto de surgimento das milícias no Brasil, bastante vinculado ao rigor punitivo e à luta armada contra a criminalidade. Resposta da questão 6: [D] A simples repressão não é capaz, por si só, de conter o tráfico e o consumo de drogas. Isso porque a comercialização de drogas é um movimento econômico extremamente lucrativo e que mobiliza toda uma rede de atores do Estado (como a polícia) e da sociedade civil (como traficantes e usuários). Resposta da questão 7: [D] A presente questão pode gerar confusão. Segundo o gabarito oficial, a alternativa correta é a [D]. No entanto, a alternativa [E] nos parece mais correta. A discussão apresentada nos textos não diz respeito especificamente a valores democráticos. O que há é a relação entre ausência do Estado e falta de controle sobre os indivíduos. Isso se percebe, sobretudo, nas instituições públicas, que não conseguem fazer com que a cidadania do povo seja reconhecida. Resposta da questão 8: [D] Não somente a população mais pobre, mas também os mais ricos cometem crimes. Entretanto, a população carcerária é, majoritariamente, composta por pessoas de classes mais baixas. Isso demonstra como é difícil que pessoas de classes mais altas sejam presas por seus crimes. Resposta da questão 9: [D] A sociedade paulistana é “de cima a embaixo” violenta e autoritária, segundo Marilena Chauí. Uma vez que a violência não se restringe somente à região da criminalidade, ela se torna transversal e intimamente relacionada ao sistema econômico capitalista em que se insere. Resposta da questão 10: [C] Ao ver um policial, imediatamente o representamos como parte de um aparelho que reprime a violência e a desordem, quando, na verdade, ainda que isto ocorra, a charge denuncia que muitos deles estão participando de crimes, torturas e muita corrupção e que a população já não os reconhece como portadores da bandeira de segurança e confiabilidade. Resposta da questão 11: http://www.seliganessahistoria.com.br/ 35 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ [D] A alternativa [D] corresponde a uma má interpretação do texto. O espaço urbano da vida pública, por ser aquele onde predomina o caos, se opõe justamente à apatia. Não é por acaso que justamente nesse espaço aparecem de forma mais evidente as expressões de medo da sociedade contemporânea. Resposta da questão 12: [C] Os muros em uma cidade acabam por segregar uma parte da população. No caso do Rio de Janeiro, a população segregada é a população das favelas. Pode-se dizer que esse efeito é similar àquele produzido pelo Muro de Berlim ou pelos muros da Palestina. Resposta da questão 13: [E] A alternativa [E] não apresenta qualquer relação com o texto e, por isso, é a única alternativa incorreta. Entretanto, vale ressaltar que o texto somente refuta a hipótese de que pobreza conduz à violência, portanto, não defende explicitamente a tese de que a causa da violência é a desigualdade social, ainda que essa seja a causa mais plausível. Resposta da questão 14: [E] O texto descreve algumas áreas onde se percebe o cenário de desrespeito dos direitos humanos no Brasil, relacionando a situação da democracia atual com as heranças perniciosas do “autoritarismo socialmente implantado” na sociedade brasileira. Segundo o gabarito oficial, a única alternativa correta é a [E]. Entretanto, por mais que a afirmação ali descrita seja correta, ela não está contida no texto do enunciado, o que pode dificultar a interpretação do aluno. Resposta da questão 15: [D] Questão típica de leitura de gráfico, mas que apresenta um dado angustiante: o da incidência de violência sexual contra a mulher. Ainda que o perfil mude um pouco de acordo com a idade das vítimas (mulheres adultas sofrem mais violência de seus parceiros, e não de parentes consanguíneos), os dados revelam que a grande maioria dos agressores são pessoas próximas da mulher. http://www.seliganessahistoria.com.br/ 36 Acesse: http://www.seliganessahistoria.com.br/ Quer ficar ninja em ciências humanas? Acesse: http://seliganessahistoria.com.br ou chama no Whats: +55 11 968664-3839 http://www.seliganessahistoria.com.br/ http://seliganessahistoria.com.br/
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