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- -1 PROJETO INTEGRADOR: TEMAS TRANSVERSAIS EM DIREITO CAPÍTULO 3 – COMO O DIREITO RESOLVE OS CONFLITOS SOCIAIS? Maíra Souto Maior Kerstenetzky - -2 Introdução Diariamente vivenciamos e presenciamos situações conflituosas nos ambientes dos quais fazemos parte, seja no âmbito familiar, profissional, escolar, religioso etc. Saiba que uma das principais razões para os conflitos em nossa sociedade é justamente sua melhor característica: a diversidade e pluralidade de sujeitos. No entanto, diante da ameaça do novo e a quebra das tradições vigentes, ambas as partes — aquelas que desejam alterar a situação posta e aquelas que desejam a manutenção do sistema atual — não estão dispostas a admitir a derrota de sua vontade. Assim, foram sendo criadas, ao longo tempo, diversas maneiras de solucionar os conflitos. Durante algum tempo, punir foi a melhor solução para os problemas interpessoais. Muitas vezes, fazia-se justiça com as próprias mãos (vingança privada). Posteriormente, no decorrer da história, o Estado chamou para si o poder de punir, o jus . Hoje, as penas privativas de liberdade são, ainda, as mais aplicadas dentre todas as outras penaspuniendi previstas na legislação penal e processual penal. As prisões encontram-se lotadas e sem qualquer condição de receber ainda mais pessoas. Foram criadas penas alternativas, dentre elas as penas restritivas de direito. Nem todos veem com bons olhos a aplicação do Direito Penal para resolver os conflitos que se apresentam e há, inclusive, os que defendem a extinção da prisão. Assim, métodos alternativos foram estudados, criados e aplicados na resolução de conflitos das mais diversas ordens e mais diversos tipos, sendo os principais, a mediação, a conciliação e a arbitragem. Por meio deles, vislumbrou-se maneiras de se dirimir conflitos, satisfazendo ambas as partes, sem, contudo, necessitar de punição. Agora, reflita: você está sempre com a razão? Quando alguém lhe faz um mal, qual é a sua reação? O que você faria se possuísse o poder de decisão? Como você reage a novas situações? Essas são algumas das perguntas que tentaremos responder neste capítulo, a partir da visão do Direito de seus mecanismos legais de resolução de conflitos sociais. Vamos lá? 3.1 Sistema de resolução de conflitos Como você já deve saber, quando não conseguimos resolver os problemas na esfera privada, devemos acessar a justiça de maneira a garantir a efetiva resolução do conflito surgido entre os indivíduos. Por isso, a maioria das pessoas busca o Poder Judiciário como um meio de solucionar seus conflitos. Contudo, a demanda é imensamente maior do que a infraestrutura existente consegue atender, gerando seu abarrotamento e morosidade. A punição, por meio do Direito Penal e da aplicação da pena privativa de liberdade também é vista como a melhor maneira de findar os conflitos interpessoais, gerando a superlotação do sistema penitenciário, fazendo com que a pena não consiga mais ser justificada e nem alcance os objetivos a que se propõe. Por isso, buscam-se formas alternativas de resolução de conflitos. São essas questões que vamos debater agora. Acompanhe! 3.1.1 Direitos Humanos Os direitos humanos “podem ser vindicados indistintamente por todos os cidadãos do planeta e em quaisquer condições, bastando ocorrer a violação de um direito seu reconhecido em tratado internacional aceito pelo Estado em cuja jurisdição se encontre” (MAZZUOLI, 2014, p. 24). - -3 Fonte: Shutterstock, 2019. A concepção de que o Direito Internacional dos Direitos Humanos é aquele que visa proteger todos os indivíduos, qualquer que seja sua nacionalidade e independentemente do lugar onde se encontrem, surgiu após a Segunda Guerra Mundial, “como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. Apresentando o Estado como o grande violador de direitos humanos, a Era Hitler foi marcada pela lógica da destruição e da descartabilidade da pessoa humana” (PIOVESAN, 2013, p. 41). - -4 Figura 1 - A igualdade étnica-racial e a não discriminação devido à origem e à nacionalidade são direitos humanos. Fonte: maxstockphoto, Shutterstock, 2019. Tal acontecimento propiciou a formação de um sistema internacional de proteção dos direitos humanos, para que fosse possível responsabilizar o Estado quando seus órgãos internos não demonstrassem soluções adequadas à garantia de tais direitos (RAMOS, 2014). O Sistema Global (ONU) é composto pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, pelos Pacto de Direitos Civis e Políticos de 1966, e pelo Pacto de Direitos Econômico, Sociais e Culturais de 1966 (MAZZUOLI, 2014). A Declaração Universal dos Direitos Humanos, embora estabeleça um rol de direitos humanos, não instituiu qualquer órgão internacional com competência para zelar pela efetivação desses direitos (MAZZUOLI, 2014). Assim, foram criados os Pacto de Direitos Civis e Políticos e o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, sendo ratificados pelo Brasil apenas em 1992, por meio do Decretos 591 e 592 (RAMOS, 2014). VOCÊ QUER LER? Para traçar a gênese e a evolução da ideia e da prática dos direitos humanos no mundo, em “A invenção dos direitos humanos”, Lynn Hunt (2009) mobiliza conhecimentos que vão da Filosofia à história do cotidiano na Europa e na América, numa narrativa iluminadora e envolvente. Sugerimos a leitura! - -5 Figura 2 - Um dos sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos é o sistema ONU. Fonte: Semmick Photo, Shutterstock, 2019. No Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, é previsto um Comitê de Direitos Humanos, cuja responsabilidade é supervisionar e monitorar os direitos nele previstos. No que concerne às queixas relativas às violações de Direitos Humanos, o pacto e seus protocolos preveem as possibilidades de queixas interestatais (quando um Estado poderá se queixar do outro) e as queixas individuais, isto é, particulares contra um Estado- parte (RAMOS, 2014). Com relação às queixas individuais, tenha em mente que elas só poderão ser analisadas quando obedecerem a dois requisitos. Clique nos itens a seguir para conhecer estes requisitos. • a) A mesma questão não está sendo examinada por outra instância internacional de inquérito ou de decisão (MAZZUOLI, 2014, p. 92). • b) Devem ter sido esgotados todos os recursos internos disponíveis ao particular, não se aplicando isto se os processos de recurso excederem prazos razoáveis” (MAZZUOLI, 2014, p. 92). O Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais também prevê um Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Curiosamente, para que pessoas ou grupos de pessoas peticionem individualmente faz-se necessário: a) o esgotamento dos recursos internos, salvo no caso de excesso de prazo razoável; b) não ter sido a matéria já apreciada pelo comitê ou estar sendo examinada em âmbito de outro processo internacional; c) ser submetida em até um ano do esgotamento das instâncias nacionais, salvo comprovado motivo de impossibilidade para tal; d) que os fatos ocorridos sejam após a entrada em vigor do Protocolo Facultativo, entre outros. (MAZZUOLI, 2014, p. 99-100). Existem também os sistemas regionais de proteção aos direitos humanos, entre eles, o sistema interamericano. • • - -6 Existem também os sistemas regionais de proteção aos direitos humanos, entre eles, o sistema interamericano. Seu documento mais importante é a Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969 (Pacto de São José da Costa Rica), sendo incorporado pelo Brasil em 1992, que aceitou a jurisdição do Comitê apenas em 1998. São órgãos de fiscalização a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (PIOVESAN, 2013). Nesse sentido, Ramos (2014, p. 320) afirma que “a Comissão pode receber petições individuais e interestatais contendo alegações de violações de direitos humanos”. São requisitos para acionar a comissão (Art. 46, CADH): que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios de direito internacionalgeralmente reconhecidos; que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva; que a matéria da petição ou comunicação não esteja pendente de outro processo de solução internacional; e que a petição contenha o nome, a nacionalidade, a profissão, o domicílio e a assinatura da pessoa ou pessoas ou do representante legal da entidade que submeter a petição. CASO Damião Ximenes Lopes foi internado em 1º de outubro de 1999 para receber tratamento psiquiátrico na Casa de Repouso Guararapes, instituição de saúde psiquiátrica privada, que operava no âmbito do Sistema Público de Saúde do Brasil, localizado em Sobral/CE. Após três dias de internação, faleceu no local. Foram denunciadas as condições desumanas e degradantes da sua hospitalização, os golpes e ataques contra a integridade pessoal da vítima por parte dos funcionários da Casa de Repouso Guararapes, e sua morte, advinda desses fatores, enquanto se encontrava internado para tratamento psiquiátrico. Foram denunciadas, também, a morosidade e a ineficiência dos órgãos brasileiros na investigação do caso. A denúncia em questão teve como resultado a primeira condenação do Brasil por violação nos direitos humanos pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Leia a sentença CIDH (2006) em: < >.http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_149_por.pdf - -7 Figura 3 - Outro sistema internacional de proteção aos direitos humanos é o sistema interamericano. Fonte: ESB Professional, Shutterstock, 2019. Ao receber a petição, a Comissão poderá arquivá-la, caso entenda que as provas são insuficientes. Não sendo esse o caso, haverá a tentativa de resolver o conflito entre a pessoa que denunciou a violação de direitos humanos e o Estado-parte acusado. Não havendo a resolução consensual, a Comissão irá encaminhar a petição à Corte, que irá julgar o caso. Atente-se, desde já, ao fato de que a Corte irá responsabilizar o Estado-parte civilmente, não penalmente (PIOVESAN, 2013). Por outro lado, somente os Estados-partes e a Comissão têm direito de submeter um caso à decisão da Corte, a qual julgará a responsabilidades dos Estados-membros e não de seus representantes (RAMOS, 2014). Assim, proferida a sentença internacional, de pronto, deverá ser imediatamente cumprida pelo Estado violador, haja vista que não há a possibilidade de recurso (MAZZUOLI, 2014). VOCÊ SABIA? O caso Atala Riffo foi o primeiro processo da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que analisou a temática de orientação sexual. A CIDH, em 2012, analisou uma decisão do tribunal chileno que concedia a custódia a um pai por causa da orientação sexual da mãe, decidindo em favor da mãe, que convivia em união estável homoafetiva. Saiba mais em: < >.http://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/ficha_tecnica.cfm?nId_Ficha=196 - -8 No caso de o Estado violador não cumprir imediatamente a sentença da Corte, cabe à vítima ou ao Ministério Público Federal, com fundamento no Art. 109, III da CRFB/88, deflagrar ação judicial a fim de garantir o efetivo cumprimento da sentença, que, por sua vez, vale como título executivo no Brasil, possuindo execução imediata. Logo a execução de sentença internacional cabe à justiça federal de primeiro grau. (MAZZUOLI, 2014). Por fim, em casos de extrema gravidade e urgência, e quando seja necessário para evitar danos irreparáveis às pessoas, pode determinar que algumas medidas preventivas/provisórias sejam tomadas (RAMOS, 2014). 3.1.2 Justiça Restaurativa No processo penal, o Estado é considerado a vítima e, dessa maneira, a verdadeira vítima é ignorada, e seus desejos e necessidades não são levados em consideração. Assim, é possível observar que o processo criminal não irá resolver o conflito entre o ofensor e a vítima, porque para o Estado o vínculo entre eles não é importante. Se o Estado é que está sendo ofendido, ele terá o poder de reagir ao ato criminoso e, portanto, é de sua competência a aplicação da punição (ZEHR, 2008). Nessa ótica, para o processo penal, embora o ser humano seja livre para fazer suas escolhas e deva ser responsabilizado por suas atitudes, o contexto no qual a conduta foi realizada não é levado em consideração na hora de aplicar uma punição. Dessa forma, ele ignora o contexto socioeconômico do delito e também muitas variáveis relevantes. “Ao invés de focalizarmos o dano efetivamente causado ou a experiência vivida pela vítima e ofensor, nos concentramos no ato da violação da lei” (ZEHR, 2008, p. 66-68, 77). Assim, surge a ideia da justiça restaurativa, uma justiça na qual haja menos culpa e mais responsabilização, uma justiça que ouça mais a vítima e que procure compreender mais o contexto social do conflito, e o porquê o ofensor agiu de determinada maneira. Contudo, a justiça restaurativa não é algo fácil de se definir. Ela tem como objetivo afastar a ideia de reparação do crime cometido e punição do agressor tal como ela se dá nos dias atuais. Hoje, a justiça restaurativa possui três principais fundamentos, clique na interação a seguir para conhecê-los. a) O protagonismo voluntário da vítima, do ofensor e de pessoas da comunidade diretamente afetada, com a colaboração de mediadores (facilitadores)(VASCONCELOS, 2018, p. 248). b) A autonomia responsável e não hierarquizada dos participantes (VASCONCELOS, 2018, p. 248). c) A complementaridade crítica em relação às práticas do direito retributivo oficial, contribuindo, assim, para a concretização dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito (VASCONCELOS, 2018, p. 248). A vítima, assim, tem oportunidade de falar ao ofensor (ou a quem o represente) sobre como aquela conduta a VOCÊ O CONHECE? Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica, foi brutalmente violentada pelo ex-marido, levando o caso, mais de uma vez, à justiça brasileira, que, extremamente morosa, fez com o que processo criminal tramitasse por muitos anos. Em razão desse fato, em conjunto com entidades de direitos humanos, ela formalizou uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, ocasião em que o Brasil foi responsabilizado por negligência e omissão. Conheça mais: < >.https://www.cidh.oas.org/annualrep/2000port/12051.htm - -9 A vítima, assim, tem oportunidade de falar ao ofensor (ou a quem o represente) sobre como aquela conduta a afetou, falando a partir dos sentimentos e não do julgamento. E a pessoa causadora do dano, ao ouvir, se mobiliza internamente para entender o que causou à outra pessoa. A concepção da justiça restaurativa se afasta da ideia de que conflitos são resolvidos apenas com o isolamento do responsável da sociedade. São necessárias a percepção da conduta que causa o mal e a reflexão conjunta dos envolvidos acerca de suas causas e consequências. Portanto, sob o enfoque da Justiça Restaurativa, as pessoas envolvidas no conflito são parte de um todo, no qual relacionam-se entre si. Assim, a essência da Justiça Restaurativa está no convencimento das pessoas de que elas são muito mais do que os atos individuais que geraram o conflito. O conflito, causado pela conduta criminosa, impacta das mais diversas formas todas as pessoas envolvidas, sendo essas as únicas capazes de solucioná-lo, uma vez que ninguém, além delas, poderá entender a complexidade do dano que lhe foi causado. Isso, pois, “em seu cerne, o crime é, portanto, uma violação cometida contra outra pessoa por um indivíduo que, por sua vez, também pode ter sido vítima de violações” (ZEHR, 2008, p. 172). VOCÊ SABIA? Em funcionamento há cerca de 10 anos no Brasil, a prática da Justiça Restaurativa tem se expandido pelo país. Em São Paulo, é utilizada em escolas públicas e privadas. No Rio Grande do Sul, é aplicada no auxílio às medidas socioeducativas cumpridas por adolescentes em conflito com a lei. No Distrito Federal, na Bahia e no Maranhão, é utilizada em crimes de pequeno e médio potencial ofensivo, sem a necessidade de prosseguir com processos judiciais (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2014).Saiba mais: < >.http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62272-justica-restaurativa-o-que-e-e-como-funciona - -10 Quadro 1 - Distinções entre a justiça retributiva e a justiça restaurativa. A primeira, ainda muito utilizada atualmente, a segunda, pouco utilizada, com melhores resultados na efetivação da justiça. Fonte: ZEHR, 2008, p. 175. Dito isso, verificamos que a Justiça Restaurativa tem a intenção de aprimorar a maneira de resolver conflitos, sob a ótica de que o conflito é causado por diversos fatores presentes na sociedade, não podendo ser visto como algo da esfera individual (VASCONCELOS, 2018).Logo, a ela nos permite ir muito mais além da reparação material. Não há a recuperação de um só indivíduo, aquele que pela Justiça Retributiva seria retirado da sociedade para supostamente refletir sobre o mal cometido, sendo então recuperado e ressocializado durante o período de afastamento. O que a Justiça Restaurativa visa possibilitar é a restauração, a renovação das relações e a confiança atingidas pela conduta criminosa, a recuperação de todas as pessoas envolvidas no conflito. Daí a sua nomenclatura. 3.1.3 Mediação, conciliação e arbitragem Mediação, conciliação e arbitragem, comumente chamadas de métodos ou meios de “Resolução Alternativa de Disputas”, e também conhecidas como “Meios Alternativos de Resolução de Controvérsias” ou “Meios Extrajudiciais de Resolução de Controvérsias”, são atualmente denominados meios ou métodos de Resolução . Cada um deles deverá ser utilizado de acordo com as necessidades e circunstânciasAdequada de Disputas pessoais e materiais de cada ocasião (VASCONCELOS, 2018). De acordo com o Art. 3º, §3º do CPC “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial” (BRASIL, 2015). Em geral, a conciliação é combinada com outros procedimentos, principalmente, quando se ingressa com uma - -11 Em geral, a conciliação é combinada com outros procedimentos, principalmente, quando se ingressa com uma ação judicial. Quando a demanda é judicializada, na maior parte das vezes, em diversos momentos do processo judicial, o juiz irá tentar promover o entendimento entre as partes, ou seja, dar a oportunidade de conciliarem, ou seja, de ajustarem um acordo entre si, por meio de uma audiência de conciliação ou por meio dos mutirões de conciliação, incentivados pelo Conselho Nacional de Justiça. Nesse sentido, o Art. 359 do CPC determina que “instalada a audiência, o juiz tentará conciliar as partes, independentemente do emprego anterior de outros métodos de solução consensual de conflitos, como a mediação e a arbitragem” (BRASIL, 2015). Contudo, nada impede que a conciliação ocorra de maneira diversa ou de forma independente. O conciliador deve tentar entender as causas do conflito, realizando a oitiva dos interessados, sem tomar partido. Por meio de técnicas próprias da conciliação, procurará aproximar os desejos das partes, de maneira que cada uma entenda os benefícios que uma solução consensual pode trazer para as suas vidas, evitando dispêndio de tempo, recursos e disposição dos envolvidos. De forma desinteressada, sugerirá às partes soluções que lhe pareçam aceitáveis, passando a ser coautor da solução a que chegaram. (VASCONCELOS, 2018). Figura 4 - A composição do conflito através da mediação ou arbitragem mostra-se cada dia mais eficaz. Fonte: ESB Professional, Shutterstock, 2019. Nessa ótica, o Art. 165, §2º do CPC dispõe que “o conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem” (BRASIL, 2015). Por outro lado, o §3º determina que [...] o mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos” (BRASIL, 2015). - -12 Assim, embora a mediação possua um procedimento parecido com a conciliação, com ela não se confunde. Podemos conceituar mediação como o [...] método dialogal de solução ou transformação de conflitos interpessoais em que os mediandos escolhem ou aceitam terceiro(s) mediador(es), com aptidão para conduzir o processo e facilitar o diálogo, a começar pelas apresentações, explicações e compromissos iniciais, sequenciando com narrativas e escutas alternadas dos mediandos, recontextualizações e resumos do(s) mediador(es), com vistas a se construir a compreensão das vivências afetivas e materiais da disputa, migrar das posições antagônicas para a identificação dos interesses e necessidades comuns e para o entendimento sobre as alternativas mais consistentes, de modo que, havendo consenso, seja concretizado o acordo (VASCONCELOS, 2018, p. 48). Na mediação, também se busca a composição, ou seja, a solução do conflito, contudo, o mediador não sugere nenhum tipo de solução para o conflito. Ele tem um papel de facilitador. E, diante disso, tem a função de fazer que uma parte entenda o ponto de vista, as circunstâncias e as razões da outra. Clique na interação a seguir para continuar lendo. Aqui no Brasil, a Lei 9.307/1996, denominada “Lei Marco Maciel”, com as alterações introduzidas pela Lei 13.129 /2015, rege o instituto da arbitragem. De acordo com o Art. 1º da referida lei, “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. E, conforme seu Art. 3º, “as partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral”. Seu Art. 13 prevê ainda que qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes, poderá ser eleito como árbitro. O que se verifica, portanto, é que diversamente do que acontece na mediação, cabe ao árbitro, ao fim do processo, colhidas as provas e ouvidas as partes, decidir sobre o conflito. Além disso, a arbitragem possui natureza contratual e jurisdicional, uma vez que as partes se vinculam a uma jurisdição privada, mas condicionadas “a princípios de ordem pública, como os da independência, da imparcialidade, do ‘livre’ convencimento do árbitro, do contraditório e da igualdade” (VASCONCELOS, 2018, p. 51). Portanto, seja qual for a maneira escolhida para dirimir o conflito, entre mediação, conciliação e arbitragem, o interesse deve ser por um meio mais eficaz e célere de solucionar a disputa, bem como de satisfazer as pessoas nela envolvidas, por meio do qual ambas sintam que a justiça foi feita. Tais meios de resolver o conflito devem ser pensados e aplicados como uma alternativa ao sistema punitivo, onde a principal solução é a prisão, bem como uma alternativa ao sistema judicial processual, no qual a morosidade e o sentimento de injustiça mostram- se no dia a dia. A seguir, falaremos das políticas públicas. Acompanhe! 3.2 Políticas Públicas Embora, geralmente, o ordenamento jurídico preveja a igualdade de direitos para todas as pessoas, nem todas elas, ante suas condições específicas, conseguem a efetivação desses direitos. Considerando que são inúmeras as violações de direitos, principalmente quando se trata de parcelas específicas da população, algumas iniciativas por parte do Poder Público se fazem necessárias, independentemente da existência de lei. O Estado é responsável por seus cidadãos, devendo agir imediatamente quando da violação de um direito humano, tendo em vista que a garantia de quaisquer dos direitos humanos é essencial a uma vida digna. Alguns entendem que as políticas públicas também podem ser operacionalizadas por entidades da sociedade civil em parceria com o Poder Público. - -13 3.2.1 Conceitoe estrutura de políticas públicas Inicialmente, “a política pública é um exercício constante do setor público, que retorna para a população as contribuições que ela realiza ao pagar impostos, alíquotas, taxas e tarifas” (SILVA, 2010, p. 36). Pode também ser conceituada como uma tentativa de intervenção para a resolução de um problema público. Segundo Lopes, Amaral e Caldas (2008) processo de formulação de Políticas Públicas é composto por cinco fases. Clique em cada fase para ver a descrição. Fase 1 Formação da agenda (seleção das prioridades). Fase 2 Formulação de políticas (apresentação de soluções ou alternativas). Fase 3 Processo de tomada de decisão (escolha das ações). Fase 4 Implementação (ou Execução das Ações). Fase 5 Avaliação. Existem diversas formas de operacionalizar a política pública, ou seja, de colocá-la em prática. A primeira delas corresponde às leis, as quais, geralmente, são utilizadas para “designar os sistemas legais com pretensão de vasta amplitude, os quais definem competências administrativas, estabelecem princípios, diretrizes e regras, e em alguns casos impõem metas e preveem resultados específicos” (FONTE, 2015, p. 38). Exemplos são o Estatuto da Deficiência, o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Igualdade Racial, a Lei Maria da Penha e o Estatuto do Índio. As campanhas também são formas de operacionalizar as políticas públicas, tendo em vista que possuem o condão de induzir um comportamento social. Estamos falando de campanhas de vacinação, do aleitamento materno, de doação de órgãos etc. Outra forma interessante de política pública como alternativa às leis, punições e multa, são as premiações, a exemplo do Prêmio Innovare, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça. O prêmio incentiva melhores práticas no âmbito do Poder Judiciário, buscando diminuir, por exemplo, um de seus maiores problemas: a morosidade processual. Ainda há a realização de obras, como forma interessante de se fazer política pública, tal como o programa Minha Casa, Minha Vida, que possui uma forma muito clara de intervenção, que é a diminuição dos problemas relativos à moradia. Não obstante, a criação de multas, taxas e impostos é outra forma de fazer política pública, sendo mais utilizados quando o Poder Público pretende induzir, geralmente, a diminuição de determinado tipo de comportamento vicioso da população, como avançar o sinal vermelho, dirigir sob efeito de álcool etc. 3.2.2 Políticas públicas sociais Lopes, Amaral e Caldas (2008, p. 7) conceituam políticas públicas como “o resultado da competição entre os diversos grupos ou segmentos da sociedade que buscam defender (ou garantir) seus interesses”. Pode-se dizer que essas políticas públicas têm cunho social. Isso porque algumas parcelas da população, diante de sua vulnerabilidade social, utilizam desse instrumento das políticas públicas para preservarem seus direitos já constitucionalmente garantidos, bem como lutar por outros direitos ainda não abarcados pelo Poder Público. Nesse sentido, “os programas de políticas públicas compensatórias servem para suprir uma demanda de exclusão histórica e para alterar esse quadro discriminatório” (SILVA, 2010, p. 11). - -14 Figura 5 - Mulheres denunciam a vulnerável situação vivenciada pela população negra do sexo feminino no país e lutam por políticas públicas que protejam os direitos das mulheres negras. Fonte: FernandoPodolski, istockphoto, 2019. Partindo do que já vimos, portanto, podemos citar como políticas públicas sociais no âmbito legislativo o Estatuto do Idoso, o Estatuto do Índio, o Estatuto da Igualdade Racial, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Código de Defesa do Consumidor. No âmbito jurisprudencial, convém destacar inicialmente algumas decisões relevantes proferidas pelo Supremo Tribunal Federal. A primeira delas a que declarou constitucional da Lei 12.990/2014, que reserva, para pessoas negras, 20% das vagas oferecidas em concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos na administração pública federal direta e indireta, no âmbito dos Três Poderes. Outra decisão importante nesse sentido foi aquela que reconheceu a possibilidade da união homoafetiva, por meio dos julgamentos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132. Como essas, existem diversas outras decisões do Poder Judiciário que garantem o acesso de parcelas vulneráveis da população a seus direitos. Nessa ótica, Fonte (2015, p. 45) ressalta que “para os órgãos julgadores, as políticas públicas estão diretamente vocacionadas à concretização dos direitos fundamentais de todas as dimensões.” Figura 6 - Políticas públicas para promoção dos direitos da população LGBTIQ+. A família homoafetiva também é - -15 Figura 6 - Políticas públicas para promoção dos direitos da população LGBTIQ+. A família homoafetiva também é considerada entidade familiar para efeitos legais. Fonte: Dubova, Shutterstock, 2019. No mais, Fonte (2015, p. 48) afirma que “os estudiosos do direito tratam as políticas públicas como meios para a efetivação de direitos de cunho prestacional pelo Estado (objetivos sociais em sentido lato), sem embargo de sua importância para a efetivação de direitos não fundamentais”. Como vimos, as políticas públicas podem também ser operacionalizadas por meio de campanhas e outros movimentos da sociedade civil e do poder público, tal como o Programa “Mulher, Viver sem Violência” (transformada em Programa de Governo por meio do Decreto nº. 8.086, de 30 de agosto de 2013) e o Projeto Praia Limpa (parceria entre a Prefeitura do Recife e a Globo, com o objetivo de sensibilizar os frequentadores da orla a não jogar lixo de forma errada e a manter o ambiente limpo), dentre outras. 3.3 Crime e castigo: as sanções jurídicas De acordo com a doutrina, a sanção jurídica tem como objetivo punir ou obrigar a pessoa que desobedece ao ordenamento jurídico de determinada sociedade. Seus tipos são variáveis e dependem do ramo de direito no qual é aplicada. A mais comum das sanções jurídicas é aquela comumente chamada de “prisão”, no âmbito do Direito Penal, a qual retira um dos direitos fundamentais da pessoa humana: a liberdade. Contudo, nem todas as sanções jurídicas são imputadas ao corpo do indivíduo, algumas, com o intuito de educar o cidadão e de induzir novos comportamentos, restringem outros direitos ou impõem multas, incidindo sobre o seu patrimônio econômico, por exemplo. Confira, a seguir, os tipos de sanções jurídicas! 3.3.1 Tipos de sanção jurídica As relações sociais são aquelas que surgem da convivência entre pessoas e/ou grupos sociais. É quase impossível conceber a ideia de uma sociedade na qual não haja a quebra da harmonia social, ou seja, na qual não surjam conflitos, na qual não haja uma infração às regras, aos costumes e aos valores sociais. E, para essa quebra, entende-se que deva haver uma consequência. Assim, para regular essas relações e os conflitos dela advindos, o Direito cria a norma jurídica e dela surgem as relações jurídicas. Nesse sentido, “as relações jurídicas decorrem de certos acontecimentos que o direito considera importantes e que, por isso, lhes confere eficácia jurídica” (SOARES, 2017, p. 97). A norma jurídica é composta por três elementos. Clique na interação a seguir para saber quais são eles. • Afirmação do direito A afirmação do direito é o comando principal da norma. • Hipótese A hipótese é o fato de o individuo desobedecer ao comando principal da norma. • Sanção A sanção é a punição à desobediência daquilo que a norma estabelece. Aqui, vamos nos ater à sanção jurídica. • • • - -16 Por sanção entende-se sempre uma consequência desagradável da ofensa a um dever ético, cujo fim é prevenir a violação ou, no caso em que a violação seja verificada, eliminar as consequências nocivas do ato infrator. O fim da sanção é a eficácia da normatividade social, ou, em outras palavras, asanção é um expediente para conseguir que as normas sejam menos violadas ou que as consequências da violação sejam menos graves (SOARES, 2017, p. 108). Assim, diz-se que quando o individuo comete um ato que não corresponde à ação legalmente prescrita, o entendimento é de que houve violação à norma jurídica, tendo como consequência a sanção jurídica. Essa sanção pode ser traduzida na resposta do Estado ao descumprimento do preceito normativo (SOARES, 2017). Assim, no ramo do Direito Administrativo, temos sanção administrativa, sanção disciplinar, sanção invalidativa. Já no Direito Civil, são estabelecidas as sanções civil, compensatória, de anulação, de nulidade, direta, patrimonial, reparadora, repressiva, restitutiva. Ainda no Direito Constitucional, temos a sanção expressa, sanção negativa, sanção parcial, sanção positiva, sanção presidencial, sanção tácita, sanção total. No Direito Penal, por sua vez, estão presentes as sanções patrimonial, penal, pessoal, preventiva e repressiva. Por fim, no Direito Tributário, temos a sanção tributária. 3.4 Direito penal e sistemas de pena contemporâneos O Direito Penal, ante suas características, deveria ser o último a ser aplicado para a solução de um conflito. Contudo, não é o que vemos nos dias atuais. A pena possui três principais características: castigar aquele que cometeu o crime, readaptá-lo e prevenir que outros cometam o mesmo crime com base no exemplo. Além disso, precisamos entender que o Estado é detentor do , ou seja, do poder de punir.jus puniendi Apenas o Estado poderá aplicar uma pena, seja ela qual for. Para nosso ordenamento jurídico, não é permitido ao cidadão “fazer justiça” com as próprias mãos. Entenderemos a seguir o porquê. 3.4.1 Objetivos clássicos da sanção penal Para nós, seres humanos, é quase impossível não pensar a pena como um ajuste de contas: “fulano foi preso porque mereceu”. Essa é a noção retributiva ou absoluta da pena, ou seja, “olho por olho, dente por dente”. Aqui, a finalidade de pena seria expiar o mal na mesma proporção que ele foi cometido, não há espaço para diminuição ou aumento da punição (ZEHR, 2008). O caráter retributivo da pena diz respeito ao fato de que ao Estado cabe a função de castigar aquele que praticou uma ação criminosa, sem qualquer outro objetivo, se não o de vingança. Afinal, para os retribucionistas, “a culpa do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena, e o fundamento da sanção estatal está no questionável livre-arbítrio, entendido como a capacidade de decisão do homem entre o justo e o injusto” (BITENCOURT, 2012, p. 118). A partir do século XVIII, com o avanço das ideias iluministas, alguns pensadores passam a questionar a ideia retributiva da pena. Surge, assim, a ideia utilitarista e preventiva da pena, ou seja, a pena não serve apenas para fazer justiça, não é mais a punição pela punição, mas para garantir a ordem pública. Dessa maneira, a finalidade da pena seria a prevenção e a ressocialização, ou seja, que o indivíduo não volte a praticar condutas criminosas, desencorajando as demais pessoas a praticá-las. Nas primeiras aplicações do modelo retributivo as punições eram severas. Não havia salvaguardas contra abusos, nem qualquer correlação entre a severidade do delito e da pena imposta. O conceito de pena proporcional foi uma invenção do Renascimento, que tornou a pena mais racional e suportável. A ideia era que se a pena estivesse mais adequada ao crime, tornando-se menos arbitrária, menos dependente dos caprichos das autoridades, tal pena faria mais sentido (ZEHR, 2008, p. 89). - -17 2008, p. 89). Clique na interação a seguir para continuar lendo. Logo, as teorias preventivas da pena teriam um cunho, de certa forma, social, uma vez que para a referida teoria, a pena não teria apenas o objetivo de castigar. Para os defensores dessa teoria, a pena deveria possuir a finalidade de reabilitar (ou ressocializar) o indivíduo, para que ele não cometesse novamente o mesmo ou outros crimes, além de fazer da punição desse indivíduo um exemplo para os demais. A ideia é impedir que mais pessoas praticassem delitos por meio da imposição do medo da punição (BITENCOURT, 2012). Essa teoria, por sua vez, divide-se em prevenção geral e prevenção especial. Para a teoria da prevenção geral “a pena é, efetivamente, uma ameaça da lei aos cidadãos para que se abstenham de cometer delitos; é, pois, uma ‘coação psicológica’ com a qual se pretende evitar o fenômeno delitivo” (BITENCOURT, 2012, p. 133). Ela volta- se para a coletividade. De outro modo, a teoria preventiva especial se volta para o indivíduo delinquente. Para essa teoria, a pena possuiria três principais papéis: intimidação, correção e inocuização. Assim, para essa teoria, a pena “não busca a intimidação do grupo social nem a retribuição do fato praticado, visando apenas aquele individuo que já delinquiu para fazer com que não volte a transgredir as normas jurídico-penais” (BITENCOURT, 2012, p. 142). Assim, embora as prisões tenham sido construídas como uma alternativa mais humana aos castigos corporais e à pena de morte, devendo ser proporcional ao delito cometido (ZEHR, 2008), a realidade tem se mostrado bem diferente. Atualmente, as penas privativas de liberdade não atendem aos fins sociais de punição e proteção, bem como não conseguem cumprir com sua função de reintegrar ou ressocializar aqueles que descumprem a lei. Figura 7 - Seletividade do sistema penal, a maior parte dos presos são homens e mulheres negros(as). Fonte: oneword, Shutterstock, 2019. Até hoje, a maior parte dos sistemas contemporâneos de sanção penal justificam a utilização da pena privativa de liberdade e, consequentemente, das prisões, a partir das funções retributiva, preventiva e utilitarista da pena. As prisões, a partir do século XIX, tornaram-se o meio mais comum de aplicar penas proporcionais (FELBERG, 2015). Atualmente, conforme disposições do Código Penal, os magistrados, ao proferirem as sentenças penais condenatórias que imputam a pena privativa de liberdade, as dosam de acordo com a gravidade e circunstâncias da ação criminosa cometida, conferindo-lhe cientificidade (ZEHR, 2008). Assim, o que se observa é que, ao longo do tempo, foram pensadas soluções mais humanas para as prisões, - -18 Assim, o que se observa é que, ao longo do tempo, foram pensadas soluções mais humanas para as prisões, contudo, sem defender sua extinção, de maneira que ela deve existir, embora deva ser repensada. Isso faz com que a lógica do encarceramento permaneça até os dias atuais, pouco se refletindo sobre alternativas a esse modelo de punição. 3.4.2 Sistemas contemporâneos de sanção penal Como vimos até agora, o sistema contemporâneo de sanção penal é um sistema punitivo, no qual a principal pena imputada ao infrator da norma penal é a pena privativa de liberdade. Com relação à pena privativa de liberdade, podem ser identificadas quatro espécies aplicadas antes da sentença penal condenatória transitar em julgado: a prisão temporária (Lei 7.960/89); a prisão em flagrante; e a prisão preventiva (Arts. 301 e 312; e ss. do CPP). Existe, também, a prisão domiciliar, estabelecida pela Lei 12.403/11. Já após a sentença penal condenatória, o Código Penal estabeleceu que as penas privativas de liberdade para os crimes ou delitos são as de reclusão e detenção, nos termos do seu Art. 32 (BRASIL, 1940). As diferenças entre elas consistem em que a primeira deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto, e a segunda em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado, conforme Art. 33 do CP (BRASIL, 1940). Entretanto, a Lei das Contravenções Penais determina sua própria pena privativa de liberdade: a prisão simples, de acordo com seu Art. 1º (BRASIL,1941). Há também a pena de multa, a qual possui “natureza pecuniária e seu cálculo é elaborado considerando-se o sistema de dias-multa” (GRECO, 2017, p. 629). Após a decisão penal, também poderão ser cominadas as penas restritivas de direitos, de acordocom a nova redação dada ao Art. 43 do CP. Nesse sentido, tem-se a prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana (BRASIL, 1940). Por sua vez, essas penas são consideradas penas alternativas à prisão. 3.4.3 Reducionismo e abolicionismo penal O abolicionismo penal não enxerga o Direito Penal como solução dos problemas relativos à criminalidade. Ao contrário, vislumbra-se nele as causas de tais problemas, uma vez que o sistema penal, com a aplicação da pena privativa de liberdade em estabelecimentos superlotados e insalubres, continua em vigor e sendo visto como mais vantajoso. Os abolicionistas ou reducionistas penais não veem qualquer vantagem no sistema penal tal como funciona atualmente, em especial, aqui no Brasil. As prisões superlotadas e insalubres combatem o “mal” cometido com outro “mal”, uma vez que tal ambiente inflige dor a quem a dor causou a outrem. Além disso, como a pena privativa de liberdade, mesmo que desde sempre imposta, não combate eficazmente a criminalidade, que continua a crescer alarmantemente, os legisladores tentam — ainda que sem sucesso — enfrentar a crescente delinquência por meio da criação de leis mais severas (FELBERG, 2015). Nesse sentido, VOCÊ QUER VER? Em (BABENCO; BONASSI; NAVAS, 2003), baseado em livro homônimo de DráuzioCarandiru Varela, um médico sanitarista vai ao presídio do Carandiru, considerado o maior presídio da América Latina, na década de 1990, realizar um trabalho de prevenção ao vírus HIV/AIDS. No dia a dia do local, depara-se com a realidade prisional brasileira e todas as suas mazelas: superlotação; maus-tratos aos presos; insalubridade etc. - -19 delinquência por meio da criação de leis mais severas (FELBERG, 2015). Nesse sentido, [...] o abolicionismo defende a ideia de que o castigo não é o meio mais adequado para reagir diante de um delito, e por melhor que possam ser, eventuais reformas no sistema criminal não surtirão efeito, pois o próprio sistema está equivocado ao estabelecer que com uma resposta punitiva (pena de prisão) o “problema” do delito estará solucionado (ACHUTTI, 2012, p. 4). O encarceramento desenfreado tal como ocorre hoje, sem levar em consideração as garantias constitucionalmente previstas, bem como ignorar o fato de que aquele que cometeu o delito não deixou de ser uma pessoa, um ser humano, “continuará a ser um paradoxo a diminuição da criminalidade, baseada na ‘reabilitação’ do egresso” (FELBERG, 2015, p. 21). Enquanto essa realidade persiste, faz-se “importante discutir a matriz teórica que nega a atividade estatal sancionadora: o abolicionismo penal” (CARVALHO, 2011, p. 132). Essa corrente propõe “inúmeras e diversificadas propostas para a radical contração/substituição do sistema penal por instancias não-punitivas de resolução de conflitos” (CARVALHO, 2011, p. 132). Um importante defensor do abolicionismo penal é Nils Christie, o qual “parte do pressuposto de que o sistema penal, em especial a pena, é encarregado exclusivamente de produzir sofrimento e impor dor” (CARVALHO, 2011, p. 135). Para ele, “alternativa viável ao sistema penal seria a construção de formas de justiça participativa e comunitária, mais próximas das relações privadas e distantes do modelo processual sancionatório” (CARVALHO, 2011, p. 136). Achutti (2012, p. 6) indica que de acordo com Nils Christie, “os conflitos foram furtados das partes e entregues ao Estado, para que este pudesse determinar a responsabilidade e a punição ao ofensor”, de maneira que ao tomar para si o poder de punir, de responsabilizar o infrator da norma penal, o Estado retira dos cidadãos a oportunidade de resolver seus próprios problemas, não lhes oportunizando o enfrentamento real da situação. O do Estado não permite, segundo essa lógica, que o indivíduo sinta que a justiça foi feita, sinta suajus puniendi dor ser curada, sinta que o conflito foi solucionado. Contudo, deve-se entender que o abolicionismo penal não prega a total extinção do sistema prisional, mas sua reformulação e reestruturação, sendo a pena privativa de liberdade aplicada apenas aos casos-limites (CARVALHO, 2011). VOCÊ QUER LER? Nos Estados Unidos (EUA), o país com a maior população carcerária do mundo, Angela Davis — estudiosa, ativista, referência dos movimentos negro e feminista — em sua sobra Estarão as ? (2018), examina com seu olhar crítico o conceito de encarceramento comoPrisões obsoletas punição, especialmente no que diz respeito às minorias étnicas e ao racismo por elas sofrido. - -20 Figura 8 - A prisão, estabelecimento para cumprimento de pena privativa de liberdade, possui alternativas e elas podem ser estudadas, aplicadas e aprimoradas. Fonte: pikselstock, Shutterstock, 2019. Portanto, verificamos que o sistema penal contemporâneo, com a aplicação das penas privativas e, mesmo com algumas alternativas às penas privativas de liberdade, não tem conseguido aplacar o aumento dos índices de criminalidade. Ainda assim, persiste na sociedade a ideia de “punir mais” e de que a punição ainda seria o melhor meio para se fazer justiça. Ocorre que, na contramão desse pensamento, surge a teoria abolicionista, entendendo que esse modelo prisional está ultrapassado, trazendo a concepção que nega qualquer espécie de crença punitiva, uma vez que a pena possuiria tão-somente o papel de causar dor e sofrimento, nada mais a justificaria, a não ser isso. Assim, a teoria lança luz sobre soluções para o sistema penal punitivo, com a minimização do sistema carcerário, com a aplicação de modelos de resolução de conflitos como a conciliação, mediação e arbitragem, por exemplo, e, em sendo o caso, a aplicação prioritária de penas restritivas de direitos. Síntese Neste capítulo você percebeu que são inúmeros os meios utilizados para assegurar direitos, resolução dos conflitos e garantir a justiça. Contudo, pôde verificar também que nem sempre o isolamento daquele que descumpriu as normas legais é a solução mais eficaz para aplacar a dor causada por um conflito. Neste capítulo, você teve a oportunidade de: • aprender as formas de se recorrer ao sistema internacional de proteção aos direitos humanos para a garantia de direitos quando os órgãos internos não conseguirem dar uma resposta satisfatória aos conflitos; • conhecer os meios alternativos de resolução de conflito, sem necessariamente recorrer ao poder • • - -21 • conhecer os meios alternativos de resolução de conflito, sem necessariamente recorrer ao poder judiciário, muitas vezes, moroso e ineficaz, bem como sem, necessariamente, punir o ofensor com uma pena privativa de liberdade; • aprender o conceito de políticas públicas e as espécies de políticas públicas, principalmente, as políticas públicas sociais, que buscam resolver problemas relativos às parcelas vulneráveis da população. Bibliografia ACHUTTI, D. Justiça Restaurativa e Sistema Penal: contribuições abolicionistas para uma política criminal do encontro. In: . Porto Alegre: EdiPUCRS, 2012.Anais do III Congresso Internacional de Ciências Criminais Disponível em: < >. Acesos em: 01/02/2019.http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/cienciascriminais/III/18.pdf BABENCO, H.; BONASSI, F.; NAVAS, V. . Direção: Hector Babenco. Produção: Victor Navas, FernandoCarandiru Bonassi, Hector Babenco. Coprodução Flávio R. Tambellini, Fabiano Gullane. Brasil: Columbia Tristar, 2003. Duração: 147min. BITENCOURT, C. R. : causas e alternativas. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.Falência da Pena de Prisão BRASIL. . Disponível em: <Constituição da República Federativa do Brasil 1988 http://www.planalto.gov.br >. Acesso em: 01/02/2019./ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm ______. Decreto-Lei nº 2.848. Código Penal. , Rio de Janeiro, 31 dez. 1940Diário Oficial da União . Disponível em: < >. Acesso em: 01/02/2019.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm ______. Lei nº 13.105. 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