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Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8761 43939 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.5, p. 43939-43954 may. 2021 Biossegurança, Biotecnologia e Nanotecnologia: contribuições para os processos de ensino Biosafety, Biotechnology and Nanotechnology: contributions to teaching processes DOI:10.34117/bjdv7n5-016 Recebimento dos originais: 07/04/2021 Aceitação para publicação: 03/05/2021 Marco Antonio Ferreira da Costa Professor da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV / FIOCRUZ), Doutor em Ciências Av. Brasil, 4365, Manguinhos – Rio de Janeiro – RJ - CEP: 21040-360 E-mail: marco.costa@fiocruz.br Maria de Fátima Barrozo da Costa Pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP / FIOCRUZ), Doutora em Saúde Pública Av. Brasil, 4365, Manguinhos – Rio de Janeiro – RJ - CEP: 21040-360 E-mail: mafa@ensp.fiocruz.br RESUMO O artigo discute a biossegurança frente às novas tecnologias, especificamente a moderna biotecnologia e a nanotecnologia, como contribuição aos processos de ensino, e para isso foi realizado um estudo descritivo-bibliográfico. O surgimento de novas tecnologias, como as descritas anteriormente pode levar ao surgimento de novos riscos ocupacionais e ambientais, além de gerar conflitos acadêmicos, éticos, religiosos, entre outros. Espera- se que este artigo seja uma base de trabalho para docentes dos níveis Médio e Superior das áreas de Física, Química, Biologia, Biossegurança, entre outras, no sentido de colaborar para o planejamento das suas aulas, já que textos com a integração desses temas – Biossegurança, Biotecnologia e Nanotecnologia, ainda não são amplamente disponibilizados. Palavras-chave: Novas Tecnologias; Educação; Convergência Tecnológica ABSTRACT The article discusses biosafety in the face of new technologies, specifically modern biotechnology and nanotechnology, as a contribution to teaching processes, and for this, a descriptive-bibliographic study was carried out. The emergence of new technologies, such as those described above, may lead to the emergence of new occupational and environmental risks, in addition to generating academic, ethical, religious conflicts, among others. It is expected that this article will be a working base for teachers from the Middle and Higher levels in the areas of Physics, Chemistry, Biology, Biosafety, among others, in order to collaborate in the planning of their classes, since texts with the integration of themes - Biosafety, Biotechnology and Nanotechnology, are not yet widely available. Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8761 43940 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.5, p. 43939-43954 may. 2021 Keywords: New Technologies; Education; Technological Convergence 1 INTRODUÇÃO Não há consenso completo sobre os setores de tecnologia a serem considerados sob o guarda-chuva das novas tecnologias. Isso pode incluir a microeletrônica, biotecnologia moderna, nanotecnologia, novos materiais, robótica, novas fontes de energia, telemática, aeronáutica, engenharia médica, telecomunicações, novas fontes de energia, telefonia móvel, e acima de tudo, o desenvolvimento acelerado da ciência da computação (FPRL, 2015). De certa forma, a introdução de novas tecnologias está proporcionando uma verdadeira revolução que requer a coordenação das ações de todos os setores afetados para se obter uma maior qualidade de vida. A crescente unificação entre ciência e tecnologia, que em 2020 teve seu auge, exemplificado pelo desenvolvimento e produção, nunca vistos, de vacinas contra a Covid- 19, em diferentes plataformas tecnológicas, criando, novas bases para o conhecimento científico, também apontou que a biossegurança é um campo estratégico do conhecimento e essencial à segurança do ambiente e da saúde humana (ROCHA; BESSA; ALMEIDA, 2012). Na área da saúde (ITODO et al, 2020) não tem sido alheia a essa influência e hoje existem inúmeros procedimentos aos quais as novas tecnologias tem sido aplicadas: no diagnóstico, monitoramento ou tratamento de doenças, registros médicos online, dispositivos móveis para tratamento de doenças, equipamentos de diagnóstico, processos automatizados, produção de insumos farmacêuticos, para elaboração de remédios e vacinas (IFAs – Insumo Farmacêutico Ativo), e até consultas médicas na internet estão entre esses avanços. Portanto, este artigo busca realizar uma discussão sobre essa temática, ou seja, a biossegurança frente as novas tecnologias, especificamente a moderna biotecnologia e a nanotecnologia, como contribuição aos processos de ensino. Não está no escopo deste artigo questões relacionadas a biotecnologia tradicional ou clássica, como a utilizada na produção de laticínios, pães, bebidas, entre outros. Espera-se que este artigo seja uma base de trabalho para docentes dos níveis Médio e Superior das áreas de Física, Química, Biologia, Biossegurança, entre outras, no sentido de colaborar para o planejamento das suas aulas, já que textos Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8761 43941 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.5, p. 43939-43954 may. 2021 com a integração desses temas – Biossegurança, Biotecnologia e Nanotecnologia, ainda não são amplamente disponibilizados. 2 BIOSSEGURANÇA, BIOTECNOLOGIA E NANOTECNOLOGIA O surgimento de novas tecnologias, como as descritas anteriormente pode levar ao surgimento de novos riscos ocupacionais. É fato que todo progresso traz mudanças, e influencia a sociedade de maneira geral, e não algumas vezes, gera conflitos acadêmicos, éticos, religiosos, entre outros. O que parece, a princípio ser uma fonte de benefícios, pode estar repleto de riscos, daí a necessidade de se conhecer amplamente as questões que envolvem a biossegurança atrelada a essas tecnologias. Areosa e Raposo (2009, p. 2) consideram que: A ciência moderna encontra-se historicamente vinculada à ideia de evolução tecnológica, sendo esta última entendida enquanto sinónimo de progresso, emancipação, prosperidade, bem-estar social e liberdade, ou seja, no quadro da racionalidade científica, a tecnologia surge conotada de forma claramente positiva. Na verdade, a produção tecnológica teve a capacidade para transformar a sua própria condição, a partir daquilo que seria, aparentemente, apenas um fenómeno técnico, num fenómeno social, económico, político e simbólico. A Agência Européia para a Segurança e Saúde no Trabalho (EU-OSHA, 2019) define os riscos novos e emergentes, derivados das novas tecnologias, como algo que não existia anteriormente e é causado por novos processos, novas tecnologias, novas relações sociais ou organizacionais, que passam a impactar a sociedade, e exigem ações mitigatórias, de controle, e muitas vezes, novos marcos regulatórios, como houve com a biotecnologia moderna, e atualmente com a nanotecnologia. Esses novos perigos, com seus consequentes riscos, tanto locais quanto globais, são criados pelos homens pelos próprios mecanismos da modernidade (GIDDENS, 2002; 1991). É importante compreender a diferença entre risco e incerteza: o risco é quando não se sabe exatamente o que irá acontecer, mas se conhece as chances do que irá acontecer, porque existe conhecimento disponível, chances essas subjetivas, porque pode não acontecer, e incerteza, é quando não se conhece nem mesmo as chances do que pode acontecer, porque não se tem conhecimento disponível. Lembrando que perigo é a fonte dos riscos e incertezas, por exemplo, os processos biotecnológicos e nanotecnológicos podem ser consideradas perigos (COSTA; COSTA, 2018a; SETZER, 2007; KNIGHT, 2005). Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8761 43942 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.5, p. 43939-43954 may. 2021 Robert N. Proctor,professor de História da Ciência na Universidade de Stanford (USA), em 1969, criou o termo “agnotologia” (PROCTOR, 2008), para definir o processo de instaurar dúvidas e incertezas quanto ao desenvolvimento científico para a sociedade (MOZER, 2005). A agnotologia provém da palavra grega “agnose” usada para definir a ignorância ou "o não saber", e da “ontologia”, ramo da metafísica que trata da natureza do ser. A “agnotologia” nada mais é que o estudo do processo de ignorância do conhecimento, ou seja, é o não saber, que contrapõe o processo epistemológico do saber. As novas tecnologias estão expostas, sobremaneira a essas táticas agnotológicas. Schneider (2009, citado por REUSING; WACHOWICZ, 2019), ao analisar a “tática agnotológica” lamenta a persistente distorção de informações, os ataques, as falsas notícias, e as interpretações unilaterais, pagas por lobbies e corporações públicas ou privadas que acrescidas da mídia acabam por retardar o desdobramento do pensamento científico. Por biotecnologia moderna entendemos os processos industriais e de pesquisa que manipulam o DNA de organismos vivos, como plantas, animais ou microrganismos. Para isso a biotecnologia moderna conta com uma poderosa ferramenta, a engenharia genética, que consiste na manipulação direta dos genes de um organismo, geralmente através de técnicas artificiais. Essas técnicas têm como objetivo melhorar ou criar produtos e organismos. São vários os produtos gerados pela biotecnologia moderna à disposição da sociedade (FLORÊNCIO et al., 2020; REIS et al., 2010), como, por exemplo: • No campo da saúde, tanto na medicina humana, como na veterinária, na produção de antibióticos, vacinas, hormônios, anticorpos, criação de órgãos para transplante, mapeamento genético de microrganismos, moléculas com atividade farmacêutica, entre muitos outros. • Na agricultura, com a produção de plantas transgênicas, como soja, algodão, várias frutas, entre outros, que tornam esses produtos resistentes a pragas e/ou aumentam suas características nutricionais. • Na pecuária, a criação de embriões e de animais geneticamente modificados, têm contribuído para a produção de novos medicamentos. • Na indústria são utilizados microrganismos geneticamente modificados (OGMs) para produzir inúmeros produtos. A partir desses OGMs são desenvolvidos muitos produtos alimentícios, químicos, combustíveis, enzimas, antibióticos, materiais (como tecidos) e produtos para a saúde. Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8761 43943 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.5, p. 43939-43954 may. 2021 • No meio ambiente, em processos ambientais de despoluição de águas, por exemplo, por meio de microrganismos geneticamente modificados, o mapeamento genético de espécies, entre outros. No campo da saúde humana, o advento da biotecnologia moderna como área de inovação, representa um grande potencial e, ao mesmo tempo, um grande desafio para os governos e as agências reguladoras mundiais, porque os novos produtos e processos gerados por essa tecnologia, também, podem favorecer o aparecimento de novos riscos. No Brasil, as questões que envolvem a manipulação e comercialização de Organismos Geneticamente Modificados (OGM) e seus derivados, estão regulamentados pelo decreto nº 5.591 de 22 de novembro de 2005. Este Decreto regulamenta dispositivos da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, que estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados - OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente, bem como normas para o uso mediante autorização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, para fins de pesquisa e terapia (BRASIL, 2005). Essa mesma lei criou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), uma instância colegiada multidisciplinar, cuja finalidade é prestar apoio técnico consultivo e assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa a OGM, bem como no estabelecimento de normas técnicas de segurança e pareceres técnicos referentes à proteção da saúde humana, dos organismos vivos e do meio ambiente, para atividades que envolvam a construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, armazenamento, liberação e descarte de OGM e derivados (BRASIL, 2005). Essa biossegurança atrelada aos OGMs, foi classificada em “Biossegurança Legal”, porque tem uma lei específica que a regulamenta. Essa expressão foi criada por Marco Costa e Fátima Costa, em 2002, que também chamaram de “Biossegurança Praticada”, aquela que trata dos riscos ocupacionais (COSTA; COSTA, 2002) nas instituições de saúde e que envolve os agentes químicos, físicos, biológicos, ergonômicos http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8761 43944 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.5, p. 43939-43954 may. 2021 e psicossociais presentes nesses ambientes, e que atualmente se reveste de grande importância, haja vista a pandemia de Covid-19 (COSTA; COSTA, 2021a, 2021b; 2018a, 2018b; TEIXEIRA; VALLE, 2010). A primeira discussão sobre os riscos da moderna biotecnologia, ocorreu em Londres em 1971, patrocinada pela The British Society for Social Responsibility in Science - BSSRS (Sociedade Britânica para a Responsabilidade Social em Ciência) (MASSARANI, 2003). Em fevereiro de 1975, na reunião de Azilomar, cidade próxima a Monterrey, na Califórnia, patrocinada pela Academia de Ciências dos Estados Unidos, e com dezenas de personalidades da ciência, a comunidade científica, discutiu os impactos da engenharia genética na sociedade (BARINAGA, 2000). Chegou-se ao consenso, nesse encontro, de que as pesquisas no campo da engenharia genética deveriam continuar, em função das amplas possibilidades da sua aplicação, porém, deveriam ser buscados mecanismos para se estabelecer barreiras físicas e biológicas de segurança para os pesquisadores envolvidos e o ambiente externo. Atualmente as incertezas em relação aos riscos gerados em vários processos da moderna biotecnologia ainda continuam, por exemplo, àqueles vinculados aos alimentos transgênicos, ou seja, os alimentos produzidos com insumos vegetais (plantas transgênicas, como soja, milho, e muitos outros). Esses alimentos estão sendo consumidos pela humanidade desde 1994, quando o primeiro alimento contendo organismos geneticamente modificados, desenvolvido pela empresa Calgene, chegou aos supermercados no EUA: um tomate que possuía um gene que retardava seu amadurecimento (AZEVEDO et al., 2000). Até o momento não houve evidências de agravos à saúde humana e/ou ambiental, mas, também não há evidências de que eles não sejam capazes de provocá-los. Outro foco do artigo, a nanotecnologia, é o estudo, desenho, criação, síntese, manipulação, aplicação e exploração de materiais, aparelhos e sistemas funcionais através do controle da matéria na nano escala (nanômetros) – ver escala a seguir: Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8761 43945 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.5, p. 43939-43954 may. 2021 Para se ter uma ideia desta escala, um fio de cabelo humano está entre 10.000 a 100.000nm, as hemácias, que são as células vermelhas do sangue, medem cercade 10 micra (micra é o plural de mícron) ou 10.000nm, os vírus normalmente têm dimensão máxima de 10nm a 100nm e uma molécula de ácido desoxirribonucleico (DNA) tem diâmetro de cerca de 2nm (HOHENDORFF, 2018, p.6). Os primeiros conceitos de nanotecnologia foram introduzidos pelo físico americano Richard Feynman em 1959. Nesta palestra Feynman explorou a ideia de escrever toda a enciclopédia britânica na cabeça de um alfinete. Para isso deve-se manipular a matéria na escala de átomos e moléculas (COSTA; COSTA, 2020). O termo "Nanotecnologia" foi criado em 1974 por Norio Taniguchi, um pesquisador da universidade de Tóquio e foi usada, para descrever a habilidade de se criar materiais precisos na escala nanométrica. A “paternidade” da tecnologia em si seria do primeiro doutor na área, o engenheiro norte-americano Eric Drexler, autor do livro Engines of creation: the coming era of nanotechnology (Engenhos da criação: o advento da era da nanotecnologia), de 1986, importante na disseminação dessa nova tecnologia para o grande público (CERAVOLO, 2015). Atualmente a nanotecnologia é aplicada a diversas áreas, o que chamamos de plasticidade das nanotecnologias (COSTA; COSTA, 2020): Especialmente na área da saúde a nanotecnologia já está presente em alguns tecidos com características especiais, equipamentos médicos como cateteres, válvulas cardíacas, marca-passo, implantes ortopédicos, protetores solares, produtos para limpar Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8761 43946 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.5, p. 43939-43954 may. 2021 materiais tóxicos, sistemas de filtração do ar e da água, vidro autolimpante, curativos antimicrobianos, limpadores de piscinas, desinfetantes e muitas outras soluções (LESO et al., 2017). O Brasil ainda não possui legislação apara a nanotecnologia. Em 2019, os dois projetos de lei apresentados em 2013 na Câmara dos Deputados foram arquivados, enquanto um novo projeto bastante distinto foi apresentado no Senado Federal. Trata-se do PL nº880/2019, que busca instituir o Marco Legal da Nanotecnologia e Materiais Avançados, dispondo sobre estímulos ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação na área de nanotecnologia, alterando algumas leis vigentes. Ele é a mais recente e única proposição ainda em processo de tramitação, no Senado, a fim de regular a nanotecnologia (BAIA, 2020; BRASIL, 2019). O uso dos produtos gerados pela nanotecnologia está avançando rapidamente e ainda não se tem uma certeza científica sobre a segurança das nanopartículas em relação a vida humana e ao meio ambiente e sem marco regulatório específico (HOHENDORFF, 2018). A mesma autora (2018, p.3) aponta que: Como as nanopartículas são muito pequenas, [...] são regidas por leis físicas muito diferentes daquelas com as quais a ciência está acostumada. Existem probabilidades de que as nanopartículas apresentem grau de toxicidade maior do que as partículas em tamanhos normais, podendo assim ocasionar riscos à saúde e segurança de pesquisadores, trabalhadores e consumidores. Os efeitos das nanopartículas nos seres humanos e no ambiente são complexos e variam com base nas propriedades das partículas, bem como na toxicidade química. Devido ao seu pequeno tamanho, as barreiras biológicas nem sempre são um obstáculo para as nanopartículas - como a barreira hematoencefálica ou a barreira placentária entre mãe e feto (HOHENDORFF, 2018). Em função do tamanho, as nanopartículas têm uma grande relação superfície/volume, que é responsável por novas propriedades físicas e químicas. Isto inclui um aumento da reatividade química na superfície da nanopartícula. Um material perfeitamente seguro para ser manuseado em tamanho natural, pode facilmente penetrar na pele na forma de nanopartícula ou se tornar um aerossol e entrar no organismo via respiratória. O carbono na forma de grafite, é macio e maleável, e na forma nano, pode ser mais resistente e 6 vezes mais leve do que o aço; óxido de zinco é branco e opaco, e na forma nano, torna-se transparente; o alumínio, o mesmo das latas de refrigerantes, pode pegar fogo espontaneamente na forma nano; a platina é inerte, e pode torna-se um Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8761 43947 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.5, p. 43939-43954 may. 2021 potente catalizador. As propriedades elétricas, óticas e magnéticas, também podem sofrer alterações significativas (LOPES, 2021; HOHENDORFF, 2018; MARIANO, 2016). Hohendorff (2018, p. 13) cita que: As estratégias de mitigação de risco podem ser focadas na redução da toxicidade das partículas ou na redução da exposição, ou preferencialmente ambas. Além disso, a exposição pode ocorrer por caminhos diferentes: exposição direta (ocupacional, consumidor e / ou ambiente) ou indireta (exposição geral da população através do meio ambiente), cada uma com a sua própria medidas de mitigação. 3 ENTRE A PRECAUÇÃO E A PREVENÇÃO Reichardt e Santos (2019) apontam que a noção de “precaução” tem origem entre os gregos e significa “ter cuidado” e “estar ciente” (MYHR; TRAAVIK, 2003). Na década de 1970, como resposta à poluição industrial, o conceito é resgatado pelo direito germânico de onde emerge o Princípio da Precaução. Vinte anos depois, o Princípio de Precaução estava estabelecido em praticamente todos os países da Europa Ocidental e foi estendido aos diferentes setores da economia (MACHADO, 2004) Segundo esses autores, precaução é um dos princípios que guia as atividades humanas e incorporam parte de outros conceitos como justiça, equidade, respeito, senso comum e prevenção (NODARI; GUERRA, 2003). É importante pontuar a diferença entre o Princípio da Precaução e o Princípio da Prevenção. O Princípio da Precaução, indica estratégias para lidar com a incerteza decorrente da impossibilidade de se antecipar as consequências de uma atividade humana. O Princípio da Prevenção indica estratégias para lidar com as consequências danosas de certas atividades para o meio ambiente, consideradas conhecidas (há conhecimento científico sobre isso), isto é, antecipáveis. Assim, a distinção precaução/prevenção baseia-se na distinção certeza/incerteza em relação às consequências de uma dada atividade para o meio ambiente (ZAPATER, 2020). Embora o Princípio da Precaução tenha origem no campo ambiental, hoje em dia, qualquer situação em que um possível agravo possa ocorrer, por exemplo, uma questão que ocorre atualmente em relação ao retorno das aulas frente a pandemia da Covid-19, esse Princípio sempre é resgatado. É exatamente o que estamos fazendo, ao evocá-lo diante das incertezas em relação a moderna biotecnologia e a nanotecnologia. Esses princípios, quando contextualizados às novas tecnologias, que permeiam vários campos, com impactos positivos e negativos ao bem-estar do ser humano, e ao Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8761 43948 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.5, p. 43939-43954 may. 2021 planeta, acentuam, sobremaneira, a necessidade cada vez maior de uma atenção a biosseguramça. 4 BIOSSEGURANÇA E A CONVERGÊNCIA TECNOLÓGICA Por convergência tecnológica, entende-se a ação sinérgica da nanotecnologia, biotecnologia, tecnologias de comunicação e informação e ciências cognitivas / neurociência (MENEZES, 2020; CAVALHEIRO, 2007). Cavalheiro (2007, p.24) Diferentes abordagens são colocadas em torno do tema (CAVALHEIRO, 2007): • Possibilidade das nanotecnologias se combinarem, no futuro, com outras tecnologias (THE ROYAL SOCIETY & THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING, 2004). • É o estudo interdisciplinar das interações entre sistemas vivos e sistemas artificiais para o desenho de novos dispositivos que permitam expandir ou melhorar as capacidades cognitivase comunicativas, a saúde e a capacidade física das pessoas e, em geral, produzir um maior bem-estar social (CONSEJO SUPERIOR DE INVESTIGACIONES CIENTÍFICAS, 2005). • É um rótulo atual que aponta para a emergente interação entre áreas de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico, anteriormente separadas. Tal mudança resulta em novas possibilidades tecnológicas do ponto de vista qualitativo com impactos potencialmente revolucionários (DOORN, 2006). Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8761 43949 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.5, p. 43939-43954 may. 2021 A lógica da convergência tecnológica está no fato de que possibilita o estudo e a criação de novas estruturas e organismos a partir da interação entre sistemas vivos e sistemas artificiais a ponto de falar-se em biologia sintética (GILMAN et al., 2021; O`BRIEN; NELSON, 2020). Desenvolvimentos recentes em técnicas de biologia sintética estão impulsionando a comercialização de uma ampla gama de produtos para saúde humana, meio ambiente, agricultura, entre outros. A moderna biotecnologia sempre gerou discussão na sociedade sobre as implicações éticas, jurídicas, ambientais e econômicas, basta recordar as seções do Supremo Tribunal Federal na análise da Lei de Biossegurança, em março de 2008, no questionamento sobre a permissão legal para utilização de células-tronco de embriões humanos em pesquisas e terapias (COSTA; COSTA, 2021a). Por outro lado, a nanotecnologia tem gerado pouca ou nenhuma discussão no meio acadêmico e mesmo fora das universidades, e ressaltando que a nanotecnologia não tem ainda, nenhum arcabouço legal (BERGER FILHO, 2009). O mesmo autor (BEGER FILHO, 2009, s.p.), resume os questionamentos relativos às implicações da nanotecnologia. Acrescentamos que essas dúvidas se ampliam, se considerarmos a convergência tecnológica bio-nano: Direito Constitucional: Quais vínculos podem ser estabelecidos entre os direitos fundamentais e o desenvolvimento da nanotecnologia? Qual deve ser o papel do Estado e do mercado no desenvolvimento da nanotecnologia? Direito da Propriedade Intelectual: Qual o limite para a apropriação imaterial (privatização) da vida e dos elementos da matéria? Direito do Consumidor: Como garantir a segurança no consumo de produtos derivados da nanotecnologia? Como informar de forma adequada o consumidor? Direito Sanitário: Quais critérios devem ser adotados para avaliar a toxicidade dos alimentos e dos medicamentos oriundos da nanotecnologia para o ser humano e para outros seres vivos? Direito do Trabalho: Quais os impactos da nanotecnologia nas relações de trabalho e na saúde do trabalhador? Direito Internacional: Como regular o comércio de substâncias tóxicas e de resíduos da nanotecnologia no plano internacional? Quais instrumentos regulatórios podem ser utilizados para fazer frente à produção, uso e comércio ilegal de "nanobiotecnologia"? Direito Ambiental: Quais os riscos ambientais aceitáveis da manipulação e uso da nanotecnologia? Como responsabilizar os causadores de danos ambientais decorrentes da Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8761 43950 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.5, p. 43939-43954 may. 2021 nanotecnologia? Quais políticas seriam apropriadas para gestão de riscos da nanotecnologia? Como aplicar o princípio da precaução de forma adequada à nanotecnologia? Esses questionamentos mostram que a difusão e a popularização da biossegurança, constitui-se em um instrumento fundamental para a identificação de um eixo condutor que direcione estas discussões, de tal forma, que os objetivos demandados pela sociedade sejam alcançados e suportados pela ciência, pela técnica, e principalmente pela ética. Cavalheiro (2007, p.30) cita que: O certo é que a Convergência Tecnológica abre possibilidades e encerra dilemas éticos importantes demais para que seu monopólio pertença a quem quer que seja, inclusive a cientistas. Deve, portanto, interessar, implicar e mobilizar todos nós. Porque, para além de ser um tema de interesse para a ciência de ponta, certamente pressupõe dimensões de uma nova cidadania planetária (CAVALHEIRO, 2007, p. 30). 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Novas tecnologias podem trazer muitos benefícios, mas também, vários riscos agregados, alguns conhecidos, outros desconhecidos. Essas incertezas, porém, não justificam a falta de atenção aos processos e produtos da nanotecnologia, que podem gerar danos sérios e irreversíveis no futuro. Devemos observar cotidianamente os Princípios da Prevenção e o da Precaução. Esse alerta, somado às incertezas da convergência tecnológica, especificamente das interações bio-nano, acentuam ainda mais a necessidade da inclusão da biossegurança nessas discussões, que infelizmente não estão ocorrendo na velocidade desejada. Há necessidade de que a sociedade esteja devidamente esclarecida sobre às questões que envolvem essas novas tecnologias, e que as “fake news”, passem longe desse processo, embora saibamos que os diversos interesses enraizados, principalmente os comerciais, ainda estarão presentes. Portanto, é importante que haja o fortalecimento das parcerias universidade- indústria-sociedade de modo a estabelecer mecanismos e instrumentos de monitoramento e rastreamento para que essas novas tecnologias sejam vetores de desenvolvimento e não de agravos à saúde humana e ambiental. AGRADECIMENTO Ao CNPq pelo apoio financeiro a vários projetos na área do ensino da biossegurança. Brazilian Journal of Development ISSN: 2525-8761 43951 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.5, p. 43939-43954 may. 2021 REFERÊNCIAS AREOSA, J.; RAPOSO, H. J. As novas tecnologias médicas e a reconfiguração da saúde: entre riscos e incertezas. 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