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Independência no continente africano: rupturas e permanências

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África: fracassos da independência	
	É interessante notar, após a independência dos países africanos, os resquícios na mentalidade e na vida material das pessoas. Fragmentos da sociedade europeia que ao mesmo tempo colidiam com as culturas locais, mesclando essas duas sociedades. 
	Portanto, as sociedades africanas que surgem após esse processo árduo de independência, surgem como sociedades cosmopolitas, mescladas por diferentes culturas num só espaço de tempo. A vida cotidiana se tornou heterogênea em seus diversos âmbitos materiais e culturais. Desde o consumo material à língua, houveram modificações nas concepções originais. A urbanidade das cidades se modificaram. E, na maioria das vezes, a guerra se torna um instrumento para recomposição social como aponta Mbembe em seu livro Sair da Grande Noite. Ensaio sobre a África descolonizada: “[...] origem das recomposições sociais do último quartel do séc. XX – a guerra – é, em todas as vertentes, a consequência de um imbricamento de diversos processos, de entre os quais, alguns são de ordem política” (p.166).
Para ilustrar toda mescla entre as sociedades, Appiah em seu livro Na Casa de Meu Pai: A África na filosofia da cultura, nos relata o que era viver naquela época: “Eu sabia que meu pai era e fazia questão de ser um achanti, e que era e fazia questão de ser um nacionalista ganês: orgulhoso de seu papel na luta por nossa independência da Grã-Bretanha, mas empenhado, não obstante, em que aprendêssemos inglês - não como o idioma do colonizador, mas como a língua unificadora de nossa nação nova e poliglota” (p. 221). 
Com isso, percebe-se que houveram alterações nas estruturas sociais africanas, principalmente nas cidades. A mentalidade de uma nação, de um novo Estado, de desenvolvimento, começa a surgir ao mesmo tempo que os costumes locais estavam logo ali. 
Após as independências, a vida religiosa se manteve heterogênea e com isso a emergência de um individualismo religioso passou a fazer parte do dia-a-dia. Religiões como o islã e o cristianismo buscavam impor e manter os costumes pelo zelo da família e da vida sexual, na ideia de soberania de Deus e o gosto pela disciplina e pelo trabalho. Sempre em coexistência com as práticas religiosas tradicionais.
No plano econômico possui uma economia dominada por atores estatais que estão apegados ao poder e pelos monopólios da era colonial. Há um conflito entre as elites locais africanas e a economia internacional. Desde 1970 com a informalização da economia ocorrem consequências nas estruturas políticas e econômicas. Com a dispersão do Estado, devido à fragilidade econômica, há toda uma generalização das práticas informais que acabam gerando violência, principalmente nas cidades onde houve a concentração seguida de processos de gentrificação social. As lutas políticas são mediadas pelos interesses de poder. Aumenta-se as redes de corrupção e há a emergência de milícias e gangues que, nesse jogo de poder, são financiadas pelas elites políticas. Posteriormente, essas gangues se tornam autônomas e lutam por seus poderes e interesses. A criminalidade urbana aumenta e o que reina é uma mentalidade de desconfiança e incertezas. A corrupção aumenta para níveis altíssimos, contando com a participação de coronéis e generais no contrabando, revenda de armas, tráfico de marfim e pedras preciosas, drogas e facilitação na alfândega dos países. 
	Mbembe, novamente em seu livro Sair da Grande Noite. Ensaio sobre a África descolonizada, aponta como essas questões econômicas modificaram a vidas pessoas: “No contexto de grande flutuação econômica e de volatilidade intensa, característica do último quartel do séc. XX, a fragmentação social afectou particularmente as estruturas familiares como aconteceu, designadamente, com as grandes metrópoles” (p. 172). Portanto, ocorreu uma mudança nas formas de união das famílias que acompanharam esse modelo de desenvolvimento da sociedade em sua inserção nas economias internacionais. 
	Mas como renascer diante de toda essa mesclagem das sociedades? Ki-Zerbo pontua possíveis soluções para uma vida mais harmoniosa diante desse cenário. Primeiro, ele cria um termo para ser usado: “desenvolvimentiroso”. Segundo ele, esse desenvolvimento reduz os seres humanos apenas a dimensões monetárias, portanto é preciso fugir. Seguindo, o autor aposta na solidariedade, conveniência, compaixão, alteridade e equilíbrio para que haja uma sociedade melhor. Em seu livro Para quando a África?, ele faz um comentário: “É preciso partir do seu centro, ultrapassando a periferia por meio do espírito, fundando-se e refundando-se em si mesmo. Considero que o progresso, o que se chama de desenvolvimento, é “dar o máximo” da sua capacidade como ser humano para ser um emissor e receptor de valores” (pg. 158). 
Em seguida ele aponta que: “A Europa continua a olhar-se principalmente no espelho do século XIX. Reduz o itinerário da África às últimas décadas em que foi colonizada e mal descolonizada. Enquanto não resolver esse mistério da dificuldade de sair de si, de escapar de si mesma, de ir ao encontro dos outros, de os conhecer e reconhecer, de os compreender e de adotar um mínimo de alteridade, a Europa não se compreenderá e todo o mundo sofrerá com isso” (p. 159). 
Por fim, Ki-Zerbo conclui: “Nesse momento, uns e outros ficarão libertos, como dizia Marx, dos aspectos puramente materialistas da produção. A humanidade poderá finalmente dar o poder à imaginação e à criatividade, isto é, à cultura” (p. 160).

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