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Oratória Oratória O ra tó ri a Angela Paiva Dionisio Iara Bemquerer Costa Luiz Roberto Dias de Melo Marilsa de Sá Rodrigues Tadeucci Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-2994-5 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Oratória Angela Paiva Dionisio Iara Bemquerer Costa Luiz Roberto Dias de Melo Marilsa de Sá Rodrigues Tadeucci IESDE Brasil S.A. Curitiba 2012 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Todos os direitos reservados. © 2012 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________________________ O72 Oratória / Angela Paiva Dionisio... [et al.]. - 1.ed. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012. 208p. : 24 cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-2994-5 1. Oratória. 2. Comunicação oral. 3. Retórica. I. Dionisio, Angela Paiva. 12-5121. CDD: 808.51 CDU: 808.51 19.07.12 01.08.12 037570 ________________________________________________________________________________ Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Pós-Doutorado – University of California – Santa Barbara, UCSB, Estados Unidos. Doutorado em Letras – UFPE. Mestrado em Letras – UFPE. Especialização em Lin- guística Aplicada ao Ensino do Português – UFPB. Graduação em Letras – UFPB. Angela Paiva Dionisio Doutora em Administração pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Gra- duada em Psicologia pela Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras. É professora de carreira da Universidade de Taubaté, ministra disciplinas de Psico- logia Organizacional e Trabalho na graduação em Psicologia, Gestão de Pessoas nos programas de MBA de Recursos Humanos e Gerência Empresarial. Professora do Programa de Mestrado em Gestão e Desenvolvimento Regional. Marilsa de Sá Rodrigues Tadeucci Doutora em Ciências (Linguística) pela Universidade Estadual de Campinas (Uni- camp). Mestre em Linguística pela Unicamp. Graduada em Letras-Português pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Iara Bemquerer Costa Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP). Bacharela- do e Licenciatura em Letras: Português e Italiano pela Universidade de São Paulo (USP). Ministra várias disciplinas ligadas aos cursos de Publicidade e Propaganda, como Redação Publicitária, Teoria da Comunicação e Planejamento de Mídia. É sócio-diretor da Gemma Comunicação e presidente do Instituto Saber-Aprender, organização do terceiro setor. Luiz Roberto Dias de Melo Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Sumário Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação ............................................ 11 A especificidade da conversação ......................................................................................... 11 Os turnos de fala ........................................................................................................................ 12 Tópico conversacional ............................................................................................................. 16 Pares adjacentes ........................................................................................................................ 19 A hesitação .................................................................................................................................. 23 Conclusão ..................................................................................................................................... 24 Estratégias de organização do diálogo ............................ 35 A paráfrase ................................................................................................................................... 35 A correção .................................................................................................................................... 38 A repetição ................................................................................................................................... 40 Os marcadores conversacionais ........................................................................................... 41 Conclusão ..................................................................................................................................... 46 Pragmática: atos de fala, implicaturas e máximas conversacionais ...................................................... 55 A Teoria dos Atos de Fala ........................................................................................................ 58 Princípio de cooperação e máximas conversacionais .................................................. 62 Implicaturas conversacionais ................................................................................................ 65 A pressuposição ......................................................................................................................... 66 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Análise retórica da argumentação ..................................... 77 A Retórica Clássica e sua revitalização na Nova Retórica ............................................ 78 Conceitos fundamentais da Nova Retórica ...................................................................... 82 O ethos: imagem do autor projetada no discurso ............................................................ 89 Conclusão ..................................................................................................................................... 90 Relações com a mídia e gestão de crise .........................101 É preciso saber orientar a mídia .........................................................................................102 É preciso saber responder à mídia ....................................................................................105 É preciso se preparar para o cara a cara com a mídia .................................................108 Conceito de crise institucional ...........................................................................................109 Comunicação durante a crise .............................................................................................112 Fundamentos da comunicação interpessoal ...............125 Melhorando o relacionamento no trabalho ..................................................................125 Estilos interpessoais ...............................................................................................................129 Gestão de conflitos .................................................................................................................131 A linguagem corporal traduz emoções e pensamentos ...........................................143 Como liderar reuniões ..........................................................155 As reuniões: princípios gerais .............................................................................................155 Como distribuirpapéis em reuniões para que sejam produtivas ..........................163 Preparação e condução de reuniões ................................................................................165 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Eficácia na comunicação oral .............................................175 Falar em público com segurança: fundamentos de oratória ...................................175 Como fazer apresentações ...................................................................................................186 Preparação de discursos .......................................................................................................194 Excelência em improviso ......................................................................................................198 Timidez ........................................................................................................................................200 Palestra de negócios ..............................................................................................................202 Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Apresentação A comunicação é uma característica humana, é o elemento que os distingue: o ser humano é um animal que fala. Nos dias de hoje, nossos modernos meios de comunicação, também chama- dos tecnologias de informação e comunicação (TIC), ampliam a capacidade do in- divíduo para se comunicar, para interagir com os seus semelhantes. Porém, esse incremento tecnológico não torna obsoleta a velha e boa comunicação direta, de pessoa para pessoa. Mais que isso, os modernos meios não dispensam a exigên- cia de bem articular a comunicação como base para esta outra comunicação que se vale de máquinas sempre mais avançadas. Dito de outra forma, podemos afirmar com acerto que desde a Antiguidade até os nossos dias o poder de comunicação é uma condição basilar para a vida humana – e isso continuará a ser uma verdade nos dias que virão. A oratória, também chamada arte de bem falar, foi praticada na Antiguidade e segue sendo praticada, continua “na ordem do dia”. Este material fornece as estratégias básicas para bem organizar a comunica- ção oral, atendendo tanto à necessidade de algum embasamento teórico como à necessidade de direcionamentos práticos sobre como organizar um diálogo ou uma reunião, e como alcançar eficácia na comunicação interpessoal. E vale a velha máxima popular: “é falando que a gente se entende”. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Iara Bemquerer Costa A primeira questão que surge quando anunciamos a apresentação de conceitos fundamentais para a Análise da Conversação é se haveria real- mente a necessidade de conceitos específicos para o estudo dessa moda- lidade de uso da língua. A conversação não poderia ser estudada com o uso dos mesmos conceitos teóricos e metodologias de análise desenvolvi- dos pela Linguística Textual para a análise de textos orais ou escritos? Para justificar a necessidade de formulações teóricas e metodológicas específicas para o estudo da conversação, é interessante chamar a aten- ção para algumas propriedades do texto conversacional que o distinguem de outros tipos de texto. A especificidade da conversação A propriedade mais evidente da conversação é que os interlocutores alternam-se nos papéis de falante e ouvinte. Assim, o estudo do texto con- versacional deve necessariamente contemplar o estudo das formas de al- ternância dos papéis no diálogo e da atuação conjunta dos interlocutores para a construção de um texto coerente. Deve levar em conta também que a conversação, ao contrário de outros textos, é produzida sem um planeja- mento prévio. Mesmo que um dos interlocutores defina antecipadamente o que pretende falar, há sempre a necessidade de rever seu planejamento a cada intervenção dos demais participantes, para que suas intervenções constituam uma sequência adequada às falas anteriores. O texto falado deixa transparecer o processo de sua construção, como explica Koch (2006, p. 45): [...] ao contrário do que acontece com o texto escrito, em cuja elaboração o produtor tem maior tempo de planejamento, podendo fazer rascunhos, proceder a revisões e correções, modificar o plano previamente traçado, no texto falado planejamento e verbalização ocorrem simultaneamente, porque ele emerge no próprio momento da interação: ele é o seu próprio rascunho. Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação 11Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 12 Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação Koch (2006, p. 46) usa também a metáfora do quadro e do filme para compa- rar a recepção do texto oral ou escrito: Para o leitor, o texto se apresenta de forma sinóptica: ele existe, estampado numa página – por trás dele vê-se um quadro. Já no caso do ouvinte, o texto o atinge de forma dinâmica, coreográfica: ele acontece, viajando através do ar – por trás dele é como se existisse não um quadro, mas um filme. As várias peculiaridades da conversação justificam a adoção de conceitos específicos que ajudam a compreender tanto os princípios que organizam a al- ternância de papéis entre os interlocutores quanto as formas de planejamento/ construção textual na conversação. Estas distinguem-se das formas de planifica- ção e produção de outros textos: pela simultaneidade entre planejar e executar – na conversação, os parti- � cipantes não têm tempo para elaborar esquemas prévios. pelo caráter coletivo da construção textual – ao contrário da maioria dos � gêneros textuais, em que o texto é produzido por um autor único, a con- versação resulta das contribuições de pelo menos dois autores. pelo fato de a conversação ser resultado de um planejamento coletivo – � cada pessoa, ao tomar a palavra, tem de levar em conta as contribuições anteriores dos demais participantes da conversa. Para dar conta do estudo dessas especificidades, a Análise da Conversação formulou um conjunto de conceitos que permitem a análise de eventos con- versacionais. Neste capítulo, vamos apresentar quatro conceitos que são instru- mentos importantes para esse estudo: os turnos de fala, o tópico conversacional, os pares adjacentes e a hesitação. Os turnos de fala Uma das formas de compreender como a conversação é organizada é ob- servar como se dá a alternância entre os participantes. Para isso, a Análise da Conversação incorporou e adaptou o conceito de turno, usado em diversas situ- ações: num jogo de xadrez, nos plantões de profissionais da saúde, em corridas de revezamento, enfim, qualquer situação em que o indivíduo disponha de um tempo, cuja duração pode ser ou não predeterminada para a realização de de- terminada tarefa. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação 13 Na conversação, entende-se por turno qualquer intervenção dos interlocuto- res, independente de sua extensão. Segundo Galembeck (1995, p. 60): O conceito de turno [...] valoriza todas as intervenções dos interlocutores, tanto aquelas que possuem valor referencial ou informativo (ou seja, que desenvolvem o assunto tratado num fragmento de diálogo), como aquelas intervenções breves, sinais de que um dos interlocutores está “seguindo” ou “acompanhando” as palavras do seu parceiro conversacional. Os turnos resultam da aplicação de um princípio válido em todas as cultu- ras: fala um de cada vez. O turno de fala é, portanto, aquilo que cada falante diz enquanto está com a palavra, havendo mesmo a possibilidadede que a pessoa fique em silêncio em alguns turnos. Estamos acostumados a assistir reportagens na TV em que os repórteres “bombardeiam” as pessoas com perguntas inconve- nientes e não recebem resposta alguma. Dirigir uma pergunta ao interlocutor é uma forma de indicar que ele deve assumir o turno de fala em seguida. Em casos específicos, a pessoa que deveria fazer uso do turno conversacional prefere ficar em silêncio. A alternância de papéis entre os participantes não se dá de maneira caótica. Em qualquer cultura há normas que organizam o diálogo. A mudança de turno (passagem de um participante a outro) ocorre basicamente de duas formas, que são relevantes especialmente em conversas de que participam mais de duas pessoas. O falante pode escolher quem deve assumir a palavra em seguida e encerrar seu turno por meio de alguma indicação de que tem a expectativa de que o outro assuma o papel de falante (uma pergunta dirigida especificamente a um dos participantes; a menção do nome do interlocutor escolhido) ou pode concluir sua participação e esperar que alguém tome a palavra. Nesse caso, se houver mais de dois participantes na conversação, há um processo de autoes- colha, ou seja, fala quem quiser tomar a palavra no momento. Se a conversação se der entre duas pessoas apenas, quando um interrompe a sua participação, o outro está automaticamente convidado a assumir o turno. A forma mais evi- dente de indicação do responsável pelo turno seguinte é fazer uma pergunta. Segundo as regras de interação, a pergunta cria a obrigação de uma resposta. Vejamos um exemplo de identificação dos turnos em um trecho de conversação1: L1 então o desen/ o desenvolvimento é bom porque ele dá chance de em-prego para mais gente... Turno 1 1 Dados do projeto Nurc de São Paulo. As entrevistas do projeto foram realizadas na década de 1970. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 14 Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação L2 mas você está pegando uma coisin::nha assim, sabe? um cara que esteja desempregado também eu posso... usar o mesmo exemplo num num sentido contrário... o cara que está desempregado porque não conse- gue se empregar né? na verdade não quer ou um outro que:: assim... muito bem empregado executivo-chefe de empresa e tal mas cheio das neuroses dele eu não sei qual está melhor... Turno 2 L1 então você tem que abstrair desse aspecto porque você pode ter am- bos os ca::sos... você tem que pegar na média esquecendo esse aspecto particular... Turno 3 Nesse trecho de conversa entre L1 e L2 observa-se uma participação equili- brada entre os falantes. Os dois se alternam e cada um espera que o outro con- clua sua intervenção para assumir a palavra e apresentar sua contribuição para o tema da conversa – a relação entre desenvolvimento e nível de emprego. No turno 1, o primeiro participante apresenta sua opinião sobre o tópico tratado e afirma que o desenvolvimento abre possibilidade de emprego para mais gente; no turno 2, o segundo participante contrapõe-se ao primeiro, apontando casos particulares que enfraquecem a argumentação apresentada no primeiro turno; no terceiro turno, o primeiro participante contesta a observação do seu inter- locutor, e insiste para que ele observe a média, não os casos particulares. Os três turnos trazem contribuições para o conteúdo informacional que está sendo desenvolvido. Além disso, não há superposições entre as falas dos dois interlo- cutores: as trocas de turno se dão em momentos em que cada um conclui seu raciocínio e faz uma pausa. Casos de conversação como esse, em que os participantes contribuem efe- tivamente para o desenvolvimento do tema, são chamados de conversação simétrica. Os turnos conversacionais podem também indicar uma interação assimétrica. Nas conversações assimétricas, um dos participantes apresenta as contribuições efetivas para o assunto tratado, os demais simplesmente dão sinais de que estão acompanhando a conversa, mediante o uso de intervenções curtas de assentimento, de estímulo para o falante continuar sua exposição. Ga- lembeck (1995, p. 60) apresenta o seguinte esquema para caracterizar as confi- gurações básicas dos turnos nos eventos conversacionais: Simetria – ambos os interlocutores contribuem para o desenvolvimento do tópico conversacional. Assimetria – um dos interlocutores desenvolve o tópico; o outro “vigia” ou “segue” o seu parceiro. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação 15 Galembeck reconhece dois tipos de turnos: turnos nucleares e turnos inseri- dos. Nos nucleares observa-se uma contribuição informacional clara do falante. Já nos turnos inseridos, a participação do falante não traz contribuição informa- cional para o tópico da conversação, mas apenas indica que o participante está acompanhando o raciocínio do seu interlocutor. É o que acontece em geral com o uso de expressões curtas como: tá, certo, sei, é, hum hum, ahn ahn ou com a repetição de palavras usadas pelo interlocutor. Mas há também casos em que um participante, mesmo diante de sinais claros de que tem o direito (e o dever) de falar, mantém-se em silêncio e, quando muito, faz algum gesto indicando que não vai fazer uso do turno que lhe é pro- posto pelo interlocutor. Nesses casos, a análise das motivações para o silêncio é também muito interessante. Veja, por exemplo, o trecho de uma entrevista reali- zada em Salvador entre uma professora universitária (L1) e um menino morador de rua (L2)2: L1 É bom uma pessoa ter família? Turno 1 L2 É. Turno 2 L1 É? Por que que uma família é bom pra pessoa? Diga aí o que é que você acha assim por que que ter família é bom pra pessoa? Turno 3 L2 É... Turno 4 L1 Que é que você acha? Turno 5 L2 [silêncio] Turno 6 L1 Não tem importância da forma como você fale, o que você achar você diz. Turno 7 L2 [silêncio] Turno 8 L1 Você acha que um garoto como você, uma menina da tua idade, mais velho, mais novo, pra essas pessoas, pra gente, é importante ter famí- lia? Turno 9 L2 [gesto] Turno 10 L1 É. Por quê? O que que a família faz pra gente? Turno 11 L2 [silêncio] Turno 12 2 Dados de Machado (2003, p. 66-67). A transcrição adotada nesse estudo – e mantida na citação – é diferente da utilizada nos estudos do Nurc. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 16 Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação L1 Você não sabe? Não tá querendo falar? Turno 13 L2 [silêncio] Turno 14 L1 O que é uma família? É pai, mãe, né isso – você não tem pai que seu pai morreu, sua mãe tá viva – irmãos, como é que os irmãos, a mãe podem ajudar a gente? Turno 15 L2 [pausa] Trabaiando [voz fraca] Turno 16 L1 Trabalhando? E aí? Turno 17 L2 [silêncio] Turno 18 L1 Quem trabalhando? A gente ou eles? Turno 19 L2 Eles e a gente. Turno 20 Esse trecho de conversação mostra uma interação assimétrica entre os parti- cipantes. L1 é adulta, com escolaridade alta, professora universitária. L2 é crian- ça, morador de rua atendido por um programa assistencial, o Projeto Axé. Na interação entre essas duas pessoas observa-se que todos os turnos de fala de L1 são encerrados por perguntas, que são uma forma de passar o turno ao interlo- cutor, de indicar explicitamente que ele tem a obrigação de dar uma resposta. No entanto, L2 recusa-se a fazer uso dos turnos que lhe são concedidos, certa- mente porque não quer falar sobre o tema proposto – a importância da família para a criança. É um menino que tem uma experiência de convívio familiar muito diferente do modelo divulgado pela sociedade, tanto que trocou a casa da famí- lia pela rua. Tópico conversacional Imagine uma situação trivial: um grupo de amigos seus está conversando, você se aproxima e quer participar do bate-papo do grupo. Para conseguir se integrar rapidamente, sua estratégia é perguntar:“Sobre o que vocês estão conversando?” A resposta a essa questão será o tópico conversacional, ou seja, o assunto sobre o qual o grupo fala naquele momento. Mesmo que você não dirija ao grupo uma pergunta direta, que leve algum dos participantes a explici- tar o tópico, basta escutar a conversa durante alguns minutos para identificar o tópico, pois a percepção do tema da conversação é uma condição para que cada um possa se engajar na conversação e fazer intervenções adequadas. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação 17 Favero (1995, p. 39) afirma que o conceito de tópico conversacional (ou dis- cursivo) é nuclear para compreensão de como os participantes de um evento interativo organizam, gerenciam suas intervenções no diálogo: O tópico é, assim, uma atividade construída cooperativamente, isto é, há uma correspondência – pelo menos parcial – de objetivos entre os interlocutores. A noção de tópico é de fundamental importância para o entendimento da organização conversacional e é consenso entre os estudiosos que os usuários da língua têm noção de quando estão discorrendo sobre o mesmo tópico, de quando mudam, cortam, criam digressões, retomam etc. Identificar o tópico de uma conversação é uma tarefa simples, basta reconhe- cer e sintetizar o assun to sobre o qual os participantes falam. Observe o seguinte trecho de uma conversa: L2 a sua família é grande? L1 nós somos:: seis filhos L2 e a do marido? L1 e a do marido... eram doze agora são nove L2 ahn ahn L1 quer dizer somos de famílias GRANdes e::... então ach/ acho que::... dado esse fator nos acostumamos a:: muita gente L2 ahn ahn L1 e:: L2 e daí o entusiasmo para NOve filhos L1 exatamente nove ou dez L2 ( ) L1 é e:: mas... depois diante da dificuldade de conseguir quem me ajudasse... nó::s pa-ramos no sexto filho L2 ahn ahn L1 não é?... e estamos muito contentes e... Nesse trecho de conversa, o tópico conversacional é o tamanho da família. O desenvolvimento desse tópico se faz principalmente nos turnos ocupados por Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 18 Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação L1: é ela quem dá informações sobre a composição de sua família, da família do marido, sobre o projeto do casal de ter nove ou dez filhos, sobre as razões que a le- varam a ter menos filhos do que o planejado. As intervenções de L2 também estão centradas no mesmo tópico: ela incentiva L1 a continuar falando sobre o tema e, com suas perguntas e comentários, direciona a interlocutora para a apresentação de novas informações, fazendo progredir a conversa em torno do tópico. O tópico é fundamental na organização da sequência de turnos da conversa- ção. Jubran (2006, p. 89-90) destaca: [...] importa salientar inicialmente que a quase simultaneidade entre a elaboração e a manifestação verbal, característica das interações face a face, particularmente da conversação, não afasta o teor de organização do texto falado, então processado. Desenvolvida com base em troca de turnos entre pelo menos duas pessoas, a conversação implica uma construção colaborativa, pela qual um turno não é simples sucessor temporal do outro, mas é produzido, de algu ma forma, por referência ao anterior. Há, portanto, uma projeção de possibilidades que um elemento no turno antecedente desencadeia no turno seguinte. A organização sequencial dos tópicos ao longo de um evento conversacional pode assumir configurações diversas, relacionadas a dois fenômenos básicos: a continuidade e a descontinuidade. Observa-se a continuidade quando os tópicos na conversação organizam-se em uma sequência linear: cada tópico é iniciado, desenvolvido e concluído antes da introdução do tópico seguinte. Imagine uma conversa entre amigos em que tenham sido tratados os seguin- tes tópicos: A: o aniversário de W; B: o início do namoro entre V e Y; C: a ida de W ao shopping para fazer a troca de dois presentes; D: o show musical anunciado para o fim de semana seguinte. Haverá relação de continuidade entre esses quatro tópicos se os interlocuto- res encerrarem o tratamento de cada um antes de darem início ao seguinte. Ou seja, se um tópico como A (o aniversário de W) não voltar a ser abordado a partir do momento em que os interlocutores passarem a conversar sobre o tópico B (o início do namoro entre V e Y). Cada tópico é concluído antes da introdução do tópico seguinte. Podemos representar a relação de continuidade entre os quatro tópicos pelo seguinte esquema, em que a abertura dos parênteses indica o início de um tópico, o fechamento dos parênteses seu encerramento e a seta a sequência linear entre os temas. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação 19 (A) → (B) → (C) → (D) Mas pode haver entre esses tópicos uma relação de descontinuidade. Pode acontecer, por exemplo, que um tópico seja anunciado na conversação, mas inter- rompido por alguma razão. Esse tópico pode retornar depois ou não. Pode ocorrer também que um tópico seja interrompido pelo surgimento de outro e depois os interlocutores o retomem para continuar falando sobre ele até esgotá-lo. Os mesmos quatro tópicos apresentados acima poderiam surgir na conver- sação em uma relação de descontinuidade. Imagine o seguinte: o grupo inicia a conversa falando sobre o aniversário de W, mas interrompe o tratamento desse tema para falar sobre o início do namoro entre V e Y. O tema A (o aniversário) volta à conversa, mas é interrompido novamente pela inserção da narrativa sobre a ida de W ao shopping para fazer a troca dos presentes. A conversa sobre o aniversário retorna e, depois de encerrado o tratamento desse tema, o grupo passa a falar sobre o show musical do fim de semana. Teríamos aí o seguinte esquema, em que foram introduzidas as reticências para indicar a interrupção de um tópico: (A... → (B) → ...A... →(C) → ...A) → (D) A descontinuidade entre o tratamento dos tópicos pode assumir várias formas. Uma forma comum de realização da descontinuidade é a inserção de uma digressão, ou seja, a introdução no meio do tratamento de um tópico de uma conversa não relacionada com o tópico em andamento. Terminada a di- gressão, o tema da conversa é retomado. O esquema da digressão seria: (A... → (B) → ...A) Pares adjacentes Ficou suficientemente claro, a partir do exposto até aqui, que a conversação é construída de forma colaborativa. Essa característica do texto conversacional tem várias consequências na sua organização. Uma delas é a presença de sequên- cias de turnos altamente padronizadas quanto à sua estruturação. Todas as lín- guas apresentam pares de turnos, que aparecem juntos (um segue imediata- mente o outro) e que são fundamentais na organização local da conversação. A produção do primeiro elemento do par por um dos falantes desencadeia a produção do segundo elemento por outro falante, como uma regra social de conversação praticamente obrigatória. Schegloff (1972, p. 346-348) denominou Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 20 Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação essas sequências de turnos de pares adjacentes, expressão incorporada aos estu- dos da conversação. Veja alguns exemplos de pares adjacentes: a produção de um � cumprimento por um dos falantes conduz a um cumpri- mento do interlocutor; o uso de uma expressão de � despedida desencadeia outra expressão de despedida; se um dos falantes fizer uma � pergunta, o turno seguinte deve conter uma resposta; se um interlocutor der uma � ordem, o interlocutor deve em seguida apre- sentar uma indicação de execução; se fizer um � pedido, a sequência deve indicar o atendimento do que foi so- licitado ou uma desculpa pelo nãoatendimento; se fizer um � convite, deve vir em seguida a aceitação ou a recusa; um � xingamento tem como resposta uma defesa (ou outro xingamento); uma � acusação leva a uma defesa ou a uma justificativa; um � pedido de desculpas é normalmente seguido do perdão. Os turnos que constituem pares adjacentes têm algumas características que justificam o seu estudo como um fenômeno especial na organização da conver- sação. Trata-se de sequências de dois turnos produzidos por falantes diferen- tes. As duas partes dos pares adjacentes têm uma ordenação predeterminada (o perdão não pode vir antes do pedido de desculpas, nem a defesa antes da acusação, por exemplo). A primeira parte do par adjacente seleciona o próximo falante e determina sua ação. Entre os pares adjacentes mais estudados e mais relevantes para a constru- ção conversacional estão o cumprimento-cumprimento, despedida-despedida e a pergunta-resposta. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação 21 Sequências fáticas de abertura e fechamento: pares adjacentes de cumprimento e despedida Se pensarmos sobre as formas de que o português dispõe para os falantes iniciarem e encerrarem uma conversa, veremos que há uma diversidade bem grande: bom dia, boa tarde, boa noite, oi, olá, alô, tchau, até logo. O falante que dá início à interação escolhe, entre as possibilidades que a língua lhe oferece, uma forma de assinalar sua disposição para o diálogo. Mas sua liberdade de escolha é muito restrita. A seleção da forma do cumprimento tem uma função fática na conversação, ou seja, serve para assinalar que os interlocutores estão em con- tato e marcar o início ou o fim do diálogo. A escolha dessas formas é regida por regras sociais. Um dos critérios para a escolha é a formalidade da situação: iniciar uma en- trevista na televisão cumprimentando o entrevistado com um “oi” é inadequado, considerado uma falta de polidez. Mas em situações informais (num bar, numa festa, numa academia de ginástica, num salão de beleza) essa forma de cumpri- mento é aceita e esperada. Outro critério é a simetria ou assimetria da relação entre os interlocutores. Na interação entre pessoas da mesma faixa etária ou do mesmo grupo social, os cumprimentos e despedidas mais informais são esperados. Quando o falante escolhe a forma de cumprimentar seu interlocutor, ele determina, de certa forma, o turno seguinte: A oi, tudo bem? B tudo bem! R bom dia! V bom dia! F alô! J alô! Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 22 Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação H até logo! Y até logo! Os pares adjacentes de cumprimento-cumprimento ou despedida-despedi- da tendem a ser selecionados de forma espelhada. Quando o falante dá início à conversação, ele seleciona uma maneira de cumprimento a partir de sua avalia- ção do grau de formalidade daquela situação e de sua relação de simetria ou as- simetria com o interlocutor. A seleção feita determina a forma a ser usada pelos demais participantes da conversação. O segundo turno de um par adjacente de cumprimento ou despedida é determinado pelo turno anterior, ao qual faz eco. O par pergunta-resposta As sequências de perguntas e respostas estão entre as formas mais comuns de fazer progredir uma conversação. A pergunta seleciona o responsável pelo turno seguinte, marca o final de um turno e define o tema e a forma do turno seguinte. A pergunta pode ser: Direta ou indireta Reconhecemos como perguntas tanto as formulações feitas sob forma inter- rogativa quanto aquelas que usam uma forma indireta: Perguntas diretas: “Você encontrou o Carlos ontem?”, “O professor já chegou?”, “Ainda está chovendo?” Perguntas indiretas: “Não sei se você sabe o nome do livro que o professor recomendou.”, “Quem sabe você me diz onde guardou a chave.” Aberta ou fechada As perguntas abertas em geral solicitam alguma informação, levam o inter- locutor a falar sobre um tema específico. É comum conterem expressões como: Quem? Qual? Como? Por quê? Onde? Quando? D quanto tempo demora... essa refeição? Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação 23 L ah essa refeição demora... normalmente leva meia hora mais ou menos... porque eles comem bastante coisa realmente... quer dizer que então:: é demorado... depois ainda tem que escovar dente pra sair... Já as perguntas fechadas podem ser respondidas com “sim” ou “não”. Em por- tuguês, é mais comum que a resposta afirmativa seja formulada com a repeti- ção do verbo ou de outra expressão importante contida na pergunta. Em várias outras línguas, a resposta típica é um sim. A Você já leu o livro? B Já. R Sua irmã gostou do vestido? P Gostou muito. A hesitação Ao observarmos um evento conversacional, podemos perceber a presença de várias hesitações, que se distribuem de maneira diferenciada entre os partici- pantes. Há aqueles que falam pausadamente, com várias hesitações na formula- ção, e há também os que revelam um grande controle sobre seu ritmo de fala e apresentam poucas hesitações. A questão que surge inicialmente é: a presença de hesitações na conversação seria um indício de um problema cognitivo ou interativo do falante? A Análise da Conversação dedica-se ao estudo dessa questão e conclui, conforme mostra Marcuschi (2006, p. 48), que “a hesitação é intrínseca à com- petência comunicativa em contextos interativos de natureza oral e não uma disfunção do falante.” A hesitação tem um papel importante no processamen- to da conversação: como o planejamento das intervenções do falante se dá de forma simultânea a sua produção, as tomadas de decisão do falante resultam, muitas vezes, em hesitações na fala. São decisões relativas, por exemplo, à es- colha das palavras mais adequadas para fazer uma afirmação naquele momen- to; ou sobre a sequência em que as afirmações serão organizadas; ou a escolha do modo mais adequado de comunicar algo aos interlocutores que participam da conversação. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 24 Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação Pode-se dizer que a hesitação tem um papel importante no processamento textual. Ela funciona como um indicador de que o falante está organizando seu texto ao mesmo tempo em que o produz, é uma pista para o processo de plane- jamento que possibilita a organização do tópico conversacional. A hesitação manifesta-se no texto através das pausas, dos alongamentos vo- cálicos, de expressões típicas de hesitação (é..., ah..., ahn...), de repetição de pala- vras. Veja um exemplo de formulação textual repleta de hesitações: A tinha o vidro pra... pra... pra... pra... iluminação do... do... do... do recinto... não é? mui- tas vezes vidros coloridos... que dava um ar assim de... de... de cafonice altamente simpática... né? lá... o sol batia ali... tinha um vidro colorido... não é? ((riso)) e essa casa era assim... no fundo da casa tinha um... um galinheiro... As hesitações não interferem na organização do texto, apenas em sua apre- sentação, na maneira como cada falante apresenta-se no evento comunicativo. São elementos que podem ser apagados do texto, pois não interferem na sua estruturação, apenas na sua apresentação. O texto anterior teria o mesmo efeito se as hesitações não fossem consideradas, se ao fazer a transcrição, as marcas da hesitação do falante não fossem registradas, como se pode ver abaixo: A Tinha o vidro pra iluminação do recinto, muitas vezes vidros coloridos, que dava um ar assim de cafonice altamente simpático. O sol batia ali, tinha um vidro colorido e essa casa era assim. No fundo da casa tinha um galinheiro. Conclusão Procuramos mostrar neste capítulo como o uso de alguns conceitos desen- volvidosespecialmen te para a Análise da Conversação permite que se perceba como se dá a construção do texto conversacional. A análise dos turnos e dos tó- picos coloca em evidência o caráter de construção colaborativa típico da conver- sação. Os pares adjacentes revelam a importância das normas sociais que regem a participação dos falantes na conversação. A hesitação nos dá indícios impor- tantes sobre o processamento da conversação, sobre a simultaneidade entre o planejamento e a produção da fala. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação 25 Texto complementar O par dialógico pergunta-resposta Preliminares (FAVERO; ANDRADE; AQUINO, 2006, p. 133-136) Partindo-se do pressuposto de que a linguagem não é só uma atividade verbal, mas também social, aqui se privilegia o estudo da língua falada numa perspectiva interacional, em que se evidencia a maneira pela qual os falantes utilizam sua competência tanto linguística quanto comunicativa, em situa- ções concretas de interação. A necessidade de se proceder a uma descrição do par dialógico pergunta e resposta (P–R) no português falado deve-se ao fato de serem elementos cruciais na interação humana. Na verdade, é difícil imaginar uma conversa- ção sem elas (STESNTRÖM, 1984, p. 295). A partir do exame desse par dialógico, básico para a instauração da coe- rência textual, é estabelecida uma tipologia de P-R, quanto à sua função na organização tópica do texto falado, quanto à sua natureza e à estrutura de Ps e Rs. Torna-se necessário ressaltar que, no estabelecimento dessa tipologia, as funções textual-interativas do par P-R serão privilegiadas em relação à sua forma. É ainda abordada a questão da adequação da R à P, levando-se em conta não só a perspectiva do falante, mas também a do ouvinte. Par dialógico Schegloff e Sacks (1973, p. 295) denominam par adjacente essa unidade dialógica mínima de P-R. Para alguns, trata-se da unidade fundamental de organização conversacional. Segundo Levinson (1983), os enunciados pares devem ser: adjacentes; � produzidos por falantes diferentes; � ordenados, isto é, uma primeira parte é seguida de uma segunda parte; � Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 26 Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação formados de duas partes; cada primeira parte tem uma segunda es- � pecífica; governados por uma regra conversacional: tendo produzido a primei- � ra parte do par, o falante corrente para de falar e o próximo falante deve produzir, naquele instante, a segunda parte do mesmo par. Essas propriedades configuram a estrutura básica do par dialógico P-R: P R (S), em que P é a primeira parte proferida por um dos falantes, R é a segunda parte produzida pelo interlocutor, contígua à primeira, e (S) é um segmento opcional que pode seguir a R como uma reação a esta última: (1)1 L1 – mas qual é o tempo que tem que se falar sobre esse ass... assunto? (P) Doc. – uma hora e vinte minutos (R) L1 – NÃ:::O ((risos)) (S) L2 – NÃ:::O ((risos)) (S) No exemplo (1), (S) é uma reação dos interlocutores L1 e L2 à R dada pelo Doc. Já no (2), (S) é uma manifestação de polidez de L1, diante do ato de R de L2. (2) L1 – você sabe que horas são? (P) L2 – dez (R) L1 – obrigado (S) Os pares dialógicos são – no aspecto semântico-pragmático – tomados como indícios de existência de compreensão, na medida em que a segunda parte do par só pode ser produzida se a primeira foi, de alguma forma, com- preendida (DITMAN, 1979, p. 10). 1 A exemplificação, nesse item 1, serve-se ora de exemplos criados, ora de exemplos retirados do corpus do Nurc estabelecido como mínimo para o Projeto da Gramática do Português Falado, ora de exemplos indicados por Marcuschi (1986, 1991). São criados os exemplos que não apresentam identificação da fonte. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação 27 Identificação de Ps e Rs Para que um enunciado possa ser identificado como uma P, o fator de- terminante é a sua atualização num contexto particular em que as marcas lexicais, a entonação e a forma sintática, em geral, apresentam-se como ca- racterísticas funcionais. As marcas lexicais e as características de entonação podem-se colocar como desambiguizadoras. A entonação ascendente, quase sempre aponta- da como um critério que determina a função de um certo enunciado como P, é considerada uma marca possível de reconhecimento de uma P, já que se podem encontrar Ps com entonação ascendente/descendente ou com entonação descendente. Evidências de Ps que não apresentam entonação ascendente, visto tratar-se de um ato indireto de fala, podem ser observados no exemplo a seguir: (3) L1 – agora eu só queria saber pra que é que elas querem essa conversa besta to-dinha L2 – sei lá Há casos em que um enunciado pode funcionar como R, apesar de apre- sentar traços que normalmente identificariam uma P, como seu contorno en- tonacional ascendente e sua forma sintática (pronome interrogativo-sujeito), que não evidenciam com clareza as marcas que identificam uma R: (4) Doc. – você gosta de literatura de cordel? (P) L1 – e quem não gosta... quem não gosta? (R) L2 – é todo mundo gosta (S) L1 – quem não gosta? (R) L2 – é uma beleza (S) Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 28 Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação Segundo Stubbs (1987), as Ps podem fazer restrições sintáticas às Rs, mas essas restrições não são absolutas, sendo fundamentais as de caráter pro- posicional. Ao serem formuladas, as Ps acionam um frame do que se supõe comum ou normal a uma P. Observa ainda que, embora as restrições princi- pais sejam de caráter semântico, intervêm fatores de ordem pragmática. No exemplo (5), há uma P fechada, feita pelo Documentador. A P fecha- da deveria restringir sintática e semanticamente sua R correspondente, que seria sim ou não, ou alguma formulação equivalente a sim ou não. Mas as Rs, tanto de L1 quanto a de L2 são de outro tipo, que preenche as condições de uma P aberta (sobre algo). Cabe lembrar que o fator que permite esse tipo de ocorrência é de ordem pragmática, já que não é comum que se de- senvolva uma conversação apenas com respostas afirmativas ou negativas simplesmente. (5) Doc. – agora uma viagem... assim de um grande navio fi... fizeram alguma vez? L2 – eu fiz... L1 – eu fiz uma pequena... certa vez entre Recife e Salvador... no antigo Vera Cruz... que era aquele navio da... português... mas como viagem assim... mesmo que... re- almente uma beleza o Vera Cruz L2 – bom... eu fiz... eu fiz... L1 – extraordinário L2 – eu fiz num navio de mais categoria do que Esse... fui daqui a São Paulo... Santos... no D. Pedro II ((risos)) que era irmão gêmeo do Almirante Jaceguay... uma beleza de navio... Atividades 1. Reflita sobre a interação estabelecida em cada uma das situações descritas a seguir. Em cada caso, indique se os turnos tendem a ser simétricos ou assi- métricos. a) O repórter R. V. faz uma entrevista na televisão com um candidato que acabou de ser eleito para o cargo de prefeito do município. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação 29 b) P. e A. trabalham na mesma empresa. Diante do computador, A. explica a P. como fazer o controle de estoque. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 30 Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação c) Em uma reunião geral com os empregados, o gerente de um supermerca- do apresenta e discute propostas de mudanças na estrutura da empresa. 2. As perguntas são elementos importantes na organização da conversação.Qual é o papel da pergunta na organização: dos turnos? � dos tópicos conversacionais? � Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação 31 3. Imagine uma conversa entre um grupo de amigos que falem dos seguintes tópicos: A: Férias e planos de viagens. B: Roubo ocorrido na casa de praia de M. C: Tratamento médico previsto por D. para o período de férias. Mostre como esses tópicos podem ser organizados em relação de continui- dade ou descontinuidade. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 32 Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação Referências FÁVERO, Leonor Lopes. A informatividade como elemento de textualidade. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 2, n. 18, p. 13-20, 1985. _____. O Tópico Discursivo. In: PRETTI, Dino (Org.). Análise de Textos Orais. 2. ed. São Paulo: FFLCH/USP, 1995. FÁVERO, Leonor Lopes; ANDRADE, Maria Lúcia. C. V. O. ; AQUINO, Zilda G. O par dialógico pergunta-resposta. In: JUBRAN, Clélia Spinardi; KOCH Ingedore (Org.). Gramática Falado no Brasil. Campinas: Unicamp, 2006. JUBRAN, Clélia Cândida Abreu Spinardi. Tópico discursivo. In: JUBRAN, C.C. A.S.; KOCH, I.G.V. Gramática do Português Culto Falado no Brasil. Volume 1. Cons- trução do texto falado. Campinas: Unicamp, 2006. KOCH, Ingedore G. Villaça (Org.). Gramática do Português Falado. Volume VI: desenvolvimentos. Campinas: Unicamp, 2003. _____. Argumentação e Linguagem. São Paulo: Cortez, 1987. _____. Especificidade do texto falado. In: JUBRAN, Clélia; KOCH, I.G.V. (Orgs.). Gramática do Português Culto Falado no Brasil. Volume 1. Construção do texto falado. Campinas: Unicamp, 2006. DITMANN, J. Einleitung – Was ist, zu welchen zwecken und wie treiben wir Konver- sations analyse?, Arbeitein zur Konversationsanalyse. Tübingen: Max Niemeuer, 1979, p. 1-43. GALEMBECK, Paulo de Tarso. O turno conversacional. In: PRETTI, Dino (Org.). Análise de Textos Orais. 2. ed. São Paulo: FFLCH/USP, 1995. LEVINSON, S. Pragmatics.Cambridge: Cambridge University Press, 1983. Marcuschi, Luiz Antônio. Análise da Conversação. São Paulo: Editora Ática, 1986. _____. Análise da conversação e análise gramatical. Boletim da ABRALIN, 10, 1991, p. 11-34. _____. Repetição. In: JUBRAN, Clélia; KOCH, I. G. V. (Orgs.). Gramática do Portu- guês Culto Falado no Brasil. Volume 1. Construção do Texto Falado. Campinas: Unicamp, 2006. MARX, K. Manuscritos Econômicos Filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2001. SCHEGLOFF, E.A.; SACKS, H. Opening us closings. Semiótica, 8,1973, p. 361-82. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação 33 STENSTRÖN, A.B. Questions and Responses in English conversations. Tese (Doutorado), Liber Förlag. Suécia, 1984. STRUBBS, M. Analisis del Discurso. Madrid: Alianza Editorial, 1987. Gabarito 1. a) Os turnos devem apresentar assimetria. Os participantes apresentam diferença na posição social. Além disso, a situação define os papéis do jornalista e do político: cabe ao jornalista fazer perguntas supostamente de interesse público e compete ao candidato respondê-las. b) Os turnos devem apresentar simetria. Os interlocutores têm posição so- cial semelhante e a situação dá condições para que participem da con- versação em condições de igualdade. c) Os turnos devem apresentar assimetria. O gerente está em posição hie- rarquicamente superior aos demais funcionários e, pelo tema da reunião, cabe a ele definir os tópicos e fazer uso preferencial da palavra. 2. Uma pergunta assinala normalmente o encerramento de um turno conver- sacional e, ao mesmo tempo, indica quem deve assumir o turno seguinte. Ao mesmo tempo, a pergunta determina o tópico do turno seguinte, seja indicando a continuidade do que já foi falado antes, seja introduzindo um tópico novo. 3. Há várias possibilidades de resposta. Os alunos podem se valer do esquema usado no texto da aula para mostrar a organização dos tópicos. O fundamental na relação de continuidade é que cada tema seja encerrado antes de dar início ao outro. Exemplos: (B) → (A) →(C) (A) → (C) → (B) Na relação de descontinuidade, um tópico é interrompido pela inserção de outro, podendo ser, ou não, retomado. Exemplos: (A... → (B) → (C) → ...A) (A... → (B... → (C) → ...B) Além desses exemplos, há várias formas de trabalhar com a descontinuidade dos mesmos tópicos. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Iara Bemquerer Costa Ao organizar suas intervenções na conversação os falantes dispõem de uma série de recursos que são, em grande parte, diferentes dos utilizados na escrita. A fala apresenta um volume considerável de repetições, ao con- trário da escrita, em que a repetição é evitada. Os diálogos estão também repletos de retificações do que foi dito, seja porque o falante percebe que poderia ter se expressado de forma mais adequada, seja porque o inter- locutor deu alguma indicação ou de não ter compreendido o que foi dito ou de ter feito uma interpretação diferente da pretendida. Nos primeiros itens deste capítulo vamos tratar de alguns procedimentos relacionados à formulação e à reformulação dos tópicos na conversação: a paráfrase, a correção e a repetição. A língua dispõe também de um conjunto de expressões que não acres- centam informações novas quando são inseridas na conversação, mas que são elementos importantes na organização dos diálogos: os marcadores conversacionais, também chamados de marcadores discursivos. São ex- pressões que expressam as atitudes dos falantes diante dos tópicos trata- dos ou que contribuem para a organização do texto oral. Na escrita, contamos com elementos visuais auxiliares para marcar a divisão de tópicos: os parágrafos, que dividem os blocos de tratamento de cada tópico, e os sinais de pontuação que marcam a separação entre as frases. Na oralidade, são os marcadores conversacionais que dão conta desse papel de delimitação. A paráfrase A paráfrase é um procedimento de reformulação textual que toma uma afirmação apresentada anteriormente e a reelabora em outras pa- lavras. Há uma equivalência semântica entre o que é dito antes e depois. A paráfrase é constituída por duas partes, dois segmentos textuais que podem ser ligados por expressões que indicam essa equivalência: ou seja, quer dizer, isto é. Estratégias de organização do diálogo 35Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 36 Estratégias de organização do diálogo Hilgert (1995, p. 107) chama a atenção para o fato de que a participação do falante na conversação é uma atividade de formulação em que ele dá forma a um conteúdo, a uma intenção comunicativa. Ora, uma das características essen- ciais da conversação é que o texto que o falante produz em suas intervenções no diálogo não é antecipadamente planejado, ele tem apenas uma vaga ideia do que vai dizer ao iniciar cada turno. Construir o texto é também planejá-lo: na conversação, o planejamento e a produção ocorrem de forma simultânea. Essa preocupação em gerenciar ao mesmo tempo “o que dizer” (planejamen- to) e “o dizer” (produção) leva o falante a recorrer muitas vezes a recursos de re- formulação. Os principais são a paráfrase, em que o falante mantém o sentido do que disse anteriormente, mas recorre a novas formas de dizer a mesma coisa e a correção, em que o falante reformula o conteúdo de suas afirmações anteriores. Essas atividades de reformulação estão presentes também no texto escrito, mas se tornam imperceptíveis porque são apagadas na versão final. Quando es- crevemos, fazemos várias alterações nas versões preliminares do texto. No tra- balho dereescrita, realizado entre a produção dos primeiros rascunhos de um texto e a versão final, fazemos várias alterações, seja para melhorar a maneira de expressar alguma coisa, seja para retificar alguma afirmação que consideramos errada. Como a conversação é, ao mesmo tempo, o rascunho e o texto final, ela conserva os sinais da reformulação. Hilgert (1995, p. 111) define a paráfrase nos seguintes termos: Paráfrase é, portanto, um enunciado que reformula um enunciado anterior, mantendo com este uma relação de equivalência semântica. Em termos mais simples, a paráfrase retoma, com outras palavras, o sentido de um enunciado anterior. Ela, portanto, supõe sempre um enunciado de origem com o qual está em relação parafrástica. O segundo enunciado (segunda frase) de uma paráfrase distingue-se neces- sariamente do primeiro enunciado por apresentar diferenças sintáticas e lexi- cais (de vocabulário). Os dois enunciados que estão em relação de paráfrase em uma conversação podem se apresentar lado a lado, em posição adjacente, mas podem também estar distanciados. Veja exemplos de diálogos com paráfrases dos dois tipos1: (1) L1 mas pega um clínico geral... por incrível que pareça é o que mais... estuda... certo? é o que tem a MAIOR especialização... 1 Os exemplos apresentados aqui foram retirados de entrevistas do projeto Nurc de São Paulo, realizadas na década de 1970. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Estratégias de organização do diálogo 37 Nesse trecho, o falante faz uma afirmação sobre o clínico geral inicialmente em uma linguagem bem simples – “é o que mais estuda” – depois resolve dizer a mesma coisa de uma forma mais técnica, e faz uma paráfrase do seu enun- ciado anterior: “É o que tem a maior especialização”. Os dois enunciados que constituem a paráfrase encontram-se lado a lado, constituindo uma paráfrase adjacente. A posição dos dois enunciados é diferente no exemplo a seguir: L1 A situação do médico... também é uma situação difícil em termos de mercado de trabalho também é uma situação difícil... Hoje já está existindo também... muita quantidade... está existindo uma certa facilidade inclusive parece que existe... leis aí... eh::... leis em termos de fiscalizar essas escolas de Medicina porque uma escola de Medicina tem que ter... naturalmente um::... um hospital... tem que estar ligada a um hospital para poder atender::... atender as::... exigências do curso do curso de Medicina L2 do curso L1 O médico hoje em dia ele está... se sujeitando mui::to... a empre::gos tal...a situação do médico eu acho que está... bastante difícil Os trechos da fala de L1 destacados com itálico são as duas partes de uma paráfrase. Há uma afir mação que é simplesmente repetida nos dois trechos des- tacados: a situação do médico está difícil. Mas há também uma afirmação que é reformulada, apresentada de outra maneira, que mantém o que foi dito anterior- mente. Nas linhas iniciais, L1 explicita sua afirmação de que a situação dos mé- dicos está difícil situando essa dificuldade em relação ao mercado de trabalho: “Também é uma situação difícil... em termos de mercado de trabalho também”. Após inserir outro tópico em sua fala – as exigências para funcionamento dos cursos de Medicina – retoma as afirmações anteriores sobre a dificuldade dos médicos em relação ao mercado de trabalho e faz uma reformulação, que equi- vale ao que foi dito antes, e dá informações mais específicas sobre o que foi men- cionado antes apenas como mercado de trabalho: “O médico hoje em dia ele está se sujeitando mui::to... a empregos tal...”. Além dos casos em que o próprio falante reformula suas afirmações anterio- res mediante o uso de paráfrases, é comum encontrarmos também na conversa- ção situações em que um participante apresenta uma paráfrase de enunciados do seu interlocutor. É o que se observa no exemplo abaixo: L1 então tem eh:: o paulistano é mais fechado mesmo eu acho que:: uma das influências seria a natureza e o nosso próprio clima entende? Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 38 Estratégias de organização do diálogo L2 é o clima tem realmente uma influência diREta no comportamento da pessoa inclu-sive nas atitudes L1 certo... e que que você acha dessa polui/poluição que tanto falam... que vão controlar vão fazer isso vão criar a área metropolitana o que que você acha? Este trecho de conversação mostra a elaboração coletiva de uma paráfrase: o primeiro enunciado foi produzido por L1 e o enunciado semanticamente equi- valente foi apresentado logo a seguir por L2. A correção A correção, que é também uma estratégia de reformulação textual, comparti- lha várias características com a paráfrase. Segundo Barros (1995, p. 137), “os atos de reformulação textual são aqueles que têm por objetivo levar o interlocutor a reconhecer a intenção do locutor, ou seja, procuram garantir a intercompreensão na conversação ou em qualquer outro tipo de texto.” As correções são uma forma específica de reformulação, em que o falante pro- cura corrigir “erros” que tenha eventualmente cometido em suas intervenções na conversação. A palavra “erros” foi colocada aqui entre aspas para destacar que não estamos assumindo o conceito corrente nas gramáticas tradicionais. Não se trata de ocorrências em desacordo com as normas do português padrão, mas de escolhas que o falante já fez, de expressões que ele já produziu e que o próprio falante ou seu interlocutor julgaram inadequadas. É como se o falante dissesse: “O que eu queria dizer não era x, mas y.” As correções podem envolver escolhas de palavras ou expressões, construções sintáticas, formas de organização do texto ou entonação. Nem sempre é fácil diferenciar uma correção de uma paráfrase. Ambas são compostas por dois enunciados, numa relação tal que o segundo enunciado deve ser considerado um substituto do primeiro. A diferença está na relação se- mântica estabelecida entre as duas partes da reformulação. Enquanto na pará- frase há a reiteração do que foi dito, na correção há uma retificação. Na paráfrase, a relação entre os dois elementos seria de igualdade (x, isto é, y; x, ou seja, y); quando a correção envolve dois enunciados, a relação entre eles é de diferença, de retificação (não x, mas y). A correção envolve também, com frequência, ex- pressões menores do que a paráfrase; são comuns as retificações que abrangem apenas uma palavra. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Estratégias de organização do diálogo 39 Tal como ocorre na paráfrase, a correção pode ser uma iniciativa do próprio falante ou do interlocutor. Vejamos um exemplo de correção feita a partir de uma iniciativa do próprio falante2: A ... então como eu ia explicando... no início do século vinte ou melhor no século deze- nove... só existiam... a Europa e a... Ásia... bom... formadas... por culturas diferentes... atravessando situações históricas de feudalismo diferentes... Nesse trecho de uma aula, o professor apresenta uma informação aos alunos (no início do século XX), mas percebe imediatamente que essa informação é in- correta e faz a correção (ou melhor no século XIX). Às vezes é o ouvinte que percebe que uma informação está equivocada e toma a iniciativa de assumir o turno e propor a correção. É o que se observa no exemplo abaixo3: L1 ...a irmã dela eu conheço que é jornalista né? é uma moça jornalista... L2 poetisa L1 poetisa... Nesse trecho de conversa, L1 caracteriza alguém como jornalista, mas seu interlocutor considera essa informação incorreta. L2 assume a palavra e propõe imediatamente uma correção, destaca que a tal moça não é jornalista, mas “po- etisa”. A correção proposta é aceita por L1, que repete a expressão escolhida por L2, incorporando a retificação à sua própria fala. Destacamos acima que as correções na conversação estão relacionadas es-sencialmente a uma busca de intercompreensão, mas às vezes os falantes fazem correções do que já foi dito devido ao cuidado com a própria fala; retificam o que foi dito porque percebem que usaram uma forma “errada” do ponto de vista da norma culta. É o que se observa no seguinte exemplo4: L1 ... ao secretário evidentemente... levar: ao presidente... todas aquelas questões que diz que dizem respeito... aos associados 2 Dado do Projeto Nurc – Rio de Janeiro. Entrevista realizada na década de 1970. 3 Dado do Projeto Nurc – São Paulo. Entrevista realizada na década de 1970. 4 Dado do Projeto Nurc – São Paulo. Entrevista realizada na década de 1970. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 40 Estratégias de organização do diálogo A repetição O volume de repetições na oralidade é uma das características que diferen- ciam essa modalidade de uso da língua da modalidade escrita. Uma das prin- cipais operações na elaboração e revisão de textos escritos está relacionada a evitar e eliminar repetições. Mas, ao contrário do que ocorre nos textos escritos, na oralidade a repetição não é um problema, é uma característica do texto oral, decorrente do processo de formulação desse tipo de texto, é uma consequência da simultaneidade entre o planejamento e a produção do texto oral. Boa parte das repetições observadas na conversação tem a ver com o proces- so de planejamento textual. Enquanto o falante decide o que vai dizer em segui- da, ele repete frases, expressões, palavras, como uma estratégia (inconsciente, é claro) de garantir a continuidade do seu turno conversacional, de não passar a palavra ao interlocutor enquanto dá forma ao que vai dizer em seguida. Mas a repetição tem outras funções, não é uma simples estratégia para o fa- lante ganhar tempo para organizar sua fala. Se alguém responde a um pedido com uma frase como: – Não, não, não, de jeito nenhum! O uso da repetição não está relacionado ao planejamento, mas é uma forma de reiteração, de ênfase. Observe o uso das repetições do exemplo abaixo5, em que o falante recorre a várias repetições (destacadas com itálico): L2 Eu acho que o meu conceito de morar bem é diferente um pouco da maioria das pesso- as que eu conheço... a maioria das pessoas pensa que morar bem é morar num apar- tamento de luxo... é morar no centro da cidade... perto de tudo... nos locais onde tem mais facilidade até de comunicação ou de solidão como vocês quiserem... meu conceito de morar bem é diferente... eu acho que morar bem é morar fora da cidade... é morar onde você respire... onde você acorde de manhã como eu acordo... É fácil perceber que o falante neste trecho não usa as repetições simples- mente como uma estratégia para ganhar tempo enquanto decide o que vai falar em seguida. Ele constrói toda sua argumentação a partir da oposição entre dois conceitos de “morar bem”: o seu e o da “maioria das pessoas”. Para eviden- ciar a diferença entre as duas concepções, L2 recorre à repetição sistemática de 5 Dado do Nurc – Recife. Entrevista realizada na década de 1970. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Estratégias de organização do diálogo 41 expressões e construções sintáticas, que lhe permitem destacar as diferenças entre os dois pontos de vista. Além da variedade de funções, Marcuschi (2006, p. 223-224) mostra que as repetições na conversação podem assumir formas variadas: podem ser feitas pelo próprio falante, mas também podem partir do in- � terlocutor; podem ser adjacentes, com a repetição apresentada imediatamente após � o primeiro uso da expressão, mas podem também apresentar um distan- ciamento entre o primeiro e o segundo elemento; pode haver identidade de forma entre o primeiro elemento e sua repeti- � ção, mas também pode haver diferença de forma entre os dois elementos; quanto maior o trecho repetido, maior será, evidentemente, a possibilida- de de diferenças entre as duas realizações; os elementos repetidos podem ser de diferentes categorias gramaticais: � repetições fonológicas (aliteração, alongamento, entonação etc.); � repetições de morfemas (prefixos, sufixos etc.); � repetições de itens lexicais (geralmente substantivos ou verbos); � repetições de expressões; � repetições de estrutura de orações. � As múltiplas formas e funções associadas à repetição nos eventos conversacio- nais são reveladoras da diferença entre o estatuto da repetição na oralidade e na escrita. Se no texto escrito a repetição é um problema a ser evitado, na conversa- ção está entre os recursos de formulação textual mais importantes e produtivos. É interessante fazer uma ressalva sobre o uso da repetição na escrita. Os mesmos recursos conde nados na maioria dos textos escritos são incorporados à linguagem poética como recursos expressivos. Os marcadores conversacionais A conversação apresenta uma série de elementos que não contribuem para o conteúdo informacional propriamente, mas que têm um papel importante tanto na articulação das informações quanto na organização das intervenções dos in- Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 42 Estratégias de organização do diálogo terlocutores. Esses elementos são chamados de marcadores conversacionais, ou marcadores discursivos. Alguns deles não são lexicalizados e não têm, portanto, nenhum significado: eh, ah, ah ah, ahn ahn, hum hum. Outros são itens lexicais, que têm seu significado esvaziado quando usados como marcadores conversa- cionais: sabe?, certo?, tá?, viu? né? Quando usamos “sabe?” como um marcador conversacional não estamos perguntando se o interlocutor sabe alguma coisa, estamos fazendo uma delimitação na organização do fluxo de fala e, ao mesmo tempo, dando um sinal para testar a atenção do ouvinte. Os marcadores conversacionais mostram que a conversação tem elementos organizadores diferentes da escrita. Os sistemas de escrita desenvolveram re- cursos gráficos para a delimitação das unidades, como os sinais de pontuação, a divisão em parágrafos, o destaque do tópico como título do texto. Desenvolve- ram também formas de expressar a ênfase, os destaques, a opinião do autor. Há itens lexicais que têm a função de modalizadores, que revelam o ponto de vista do autor sobre aquilo que ele afirma: infelizmente, de certo modo, certamente etc. É possível enfatizar trechos da escrita com o uso de recursos gráficos como o tamanho das letras, o uso de maiúsculas, negrito, itálico, sublinhado. Na oralidade, os marcadores conversacionais fazem o papel de delimitar as unidades comunicativas. Funcionam também como sinais de que os interlocu- tores estão atentos, de que cada um entende o que o outro fala, e do julgamento que faz sobre o que fala ou ouve. As gramáticas tradicionais, voltadas para a descrição da língua escrita, classi- ficam os marcadores conversacionais na classe das “palavras denotativas” e de- dicam pouquíssimo espaço ao seu estudo. Marcuschi (1986, p. 66-68) apresenta um quadro geral, em que destaca as prin- cipais funções dos marcadores conversacionais e faz também uma lista dos princi- pais itens do português falado para cada uma das classes. Esse autor considera ini- cialmente uma grande divisão entre os marcadores produzidos pelo falante (nos turnos nucleares) e os que são produzidos pelos ouvintes (nos turnos inseridos). A principal função dos marcadores conversacionais produzidos pelos falan- tes é de demarcação. Assim, Marcuschi trabalha com dois tipos de unidades relevantes na organização da conversação e procura identificar o conjunto de marcadores conversacionais usados normalmente para assinalar o início e o fim dessas unidades. A primeira unidade apontada é o turno de fala, ou seja, o pe- ríodo total de intervenção de cada um dos participantes. A segunda unidade relevante para o uso dos marcadores conversacionais é a unidade comunicativa, que seria ocorrespondente à frase na escrita. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Estratégias de organização do diálogo 43 Já os marcadores conversacionais produzidos pelo ouvinte estão nos turnos inseridos, ou seja, naqueles turnos que não apresentam unidades informativas relevantes e que servem para indicar que o ouvinte está atento, que segue as afirmações do falante. Esses marcadores conversacionais orientam o falante, pois indicam a reação do interlocutor ao que ele está ouvindo. Marcuschi agrupa os marcadores em três conjuntos, que correspondem a três atitudes do ouvinte: os marcadores convergentes sinalizam que ele concorda; os marcadores indaga- tivos, que duvida, ou que não compreendeu alguma coisa, e os divergentes, que ele discorda do falante. Veja a seguir o quadro proposto por Marcuschi, que não tem a preocupação de exaustividade, ou seja, que não pretende ser uma lista completa dos marca- dores, mas que dá indicações interessantes para o estudo desses elementos de organização textual. Quadro 1 Quadro dos sinais conversacionais verbais (M A RC U SC H I, 19 86 , p . 6 8) Sinais do falante (orientam o ouvinte) Sinais do ouvinte (orientam o falante) Pré-posicionados Pós-posicionados Conver- gentes Indagativos Divergentes No início de turno No início de uni- dade comuni- cativa No final de turno No final de unidade comuni- cativa “olha” “veja” “bom” “mas eu” “eu acho” “não, não” “epa” “peraí” “certo, mas” “sim, sei, mas” “quanto a isso” “nada disso” “você esquece” “como assim?” etc. “então” “aí” “daí” “portanto” “agora veja” “porque” “e” “mas” “assim” “por exemplo” “digamos assim” “quer dizer” “eu acho” “como vê” etc. “né” “certo?” “viu?” “enten- deu?” “sacô?” “é isso aí” “que acha?” “e então?” “diga lá” “é ou não é?” etc. “né” “não sabe?” “certo?” “entende?” “de acordo?” “tá?” “não é?” etc. “sim” “ahã” “mhm” “claro” “pois não” “de fato” “claro, claro” “isso” “ah sim” “ótimo” “taí” etc. “será?” “não diga” “mesmo?” “é?” “ué?” “como?” “como assim? “o quê?” etc. “não” “duvido” “discordo” “essa não” “nada disso” “nunca” “peraí” “calma” etc. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 44 Estratégias de organização do diálogo O trecho de conversação a seguir6 mostra o uso de diversos marcadores con- versacionais, que foram destacados em itálico. L1 agora... eu estou achando o do... os estudantes muito mais desinibidos... muito mais abertos... estão na... naquela deles... então... eu não acho mais esse problema dele se comunicar com o doente difícil... eu acho que todo estudante se comunica muito bem com o doente...viu... porque o do... o doente também não está vendo mais o médico... nem o estudante de Medicina... como o médico... como aquela pessoa que ele... às vezes... fica até apavorado... amedrontado... não é? L2 hum hum L1 então... o estudante já entra na... na escola de calça Lee... com o seu blusão... seu cabelo grande... levando... arrastando o chinelo né?... a sandália... então...o doente já olha aquele estudante como se ele fosse uma pessoa mais ou menos... L2 Normal né? ((rindo)) Se observarmos o papel das expressões destacadas nesses quatro turnos conversacionais, veremos que elas não são fundamentais para o significado, tanto que poderiam ser eliminadas sem prejudicar o entendimento. Os marca- dores conversacionais destacados na fala de L1 têm o papel de delimitadores das unidades comunicativas e dos turnos de fala. Alguns deles marcam sistema- ticamente o início de uma unidade (agora, então), outros marcam seu encerra- mento (viu, né?, não é?). O marcador hum hum destacado no primeiro turno de L2 (que é um turno inserido) indica sua concordância com as afirmações de L1. No último turno de L2, o né? marca o final do turno. Mostramos até aqui a classificação dos marcadores conversacionais propos- ta por Marcuschi (1986). Outros trabalhos apresentam classificações diferentes, mas igualmente interessantes. É o que vamos apresentar a seguir, tomando como ponto de partida os estudos de Risso (2006) e Urbano (2006). Esses tra- balhos propõem a classificação dos marcadores conversacionais (eles preferem a denominação marcadores discursivos) em dois grandes grupos: marcadores discursivos basicamente sequenciadores e marcadores discursivos basicamente interacionais. Marcadores basicamente sequenciadores Os marcadores sequenciadores são palavras ou locuções que fazem a liga- ção entre as partes do texto falado. São elementos articuladores, responsáveis 6 Dado do Projeto Nurc – Salvador. Entrevistas realizadas na década de 1970. Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br Estratégias de organização do diálogo 45 pela coesão na conversação. Risso (2006, p. 427) sintetiza a atuação desses marcadores: Entre os exemplos mais frequentes de unidades articuladoras estão formas como: agora, então, depois, aí, mas, bem, bom, enfim, finalmente, quer dizer, por exemplo, assim, primeiro ponto... segundo... terceiro..., etc. e tal... Às vezes, essas formas aparecem duplicando-se em ocorrências conjuntas como: agora então, então aí, aí depois, mas então, mas aí, etc. e tal, então por exemplo... Outras vezes, aparecem acumulando-se com marcadores lexicais que explicitam mais claramente os movimentos de encaminhamento, fecho e retomada de tópicos discursivos, bem como a avaliação de particularidades da informação contidas em seu interior: agora... o que eu acho é o seguinte:; bem, voltando ao assunto; então, para terminar; então, resumindo; mas, como eu dizia há pouco, entre outras ocorrências. O ponto de partida para a classificação proposta por Risso (2006) é diferente do utilizado por Marcuschi (1986). Essa autora toma como critério principal para o agrupamento dos marcadores as duas principais funções desempenhadas por essas expressões: a articulação textual e a sinalização da interação falante/ouvinte. Como a função de articulação textual e de orientação da interação entre os interlocutores são exercidas muitas vezes cumulativamente, para classificar o marcador em um ou outro conjunto, é necessário observar a predominância de uma das funções. Marcadores basicamente interacionais Urbano (2006, p. 499) dedica-se ao estudo do segundo conjunto dos articu- ladores, aqueles que são predominantemente orientadores da interação. O que é um elemento orientador da interação? Na classificação de Marcuschi (1986, p. 68) comentada acima, os marcadores conversacionais classificados como “sinais do ouvinte” desempenham esse papel de orientar a interação, uma vez que revelam se o ouvinte concorda com o que ouve, se discorda ou se tem dúvi- das/questiona. Urbano tem uma visão mais abrangente da função interacional: Esclarecemos que o conceito de interação tem uma abrangência considerável, não se referindo apenas ao processo de relação interpessoal bem caracterizado (envolvimento do falante com o ouvinte ou vice-versa), mas também ao processo de manifestação pessoal, quando, por exemplo, o falante verbaliza avaliações subjetivas a propósito das significações proposicionais, envolvendo-se, pois, com o conteúdo, ou compromete, retoricamente, seu interlocutor. (URBANO, 2006, p. 499) Urbano (2006, p. 496) apresenta uma lista dos principais grupos de marca- dores conversacionais que desempenham a função interacional no português falado: Ah, ahn, hem, uhn Certo, claro, exato É, é claro, é verdade Entende? Entendeu? Sabe? Tá? Viu? Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br 46 Estratégias de organização do diálogo Mas Não é verdade? Não é? Né? Olha/olhe, vamos ver, veja, vem cá Pois é, sei, sim Com as indicações feitas por esses autores, temos um bom instrumento para a análise do papel dos marcadores conversacionais usados nos diálogos que ocorrem nas mais diferentes
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