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0 FACULDADE CATHEDRAL DE ENSINO SUPERIOR CURSO DE BACHAREL EM DIREITO WERLEY DE OLIVEIRA E OLIVEIRA CRUZ O PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO NO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS: EMENDATIO E MUTATIO LIBELLI NA DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE USO (ART. 28) Boa Vista – RR 2018 1 FACULDADE CATHEDRAL DE ENSINO SUPERIOR CURSO DE BACHAREL EM DIREITO WERLEY DE OLIVEIRA E OLIVEIRA CRUZ O PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO NO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS: EMENDATIO E MUTATIO LIBELLI NA DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE USO (ART. 28) Monografia como requisito parcial no processo de avaliação do TCC do Curso de Bacharel em Direito. Orientador: Profª. Leonardo Paradela Boa Vista – RR 2018 2 TERMO DE APROVAÇÃO WERLEY DE OLIEIRA E OLIVEIRA CRUZ O PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO NO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS: EMENDATIO E MUTATIO LIBELLI NA DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE USO (ART. 28) Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Faculdade Cathedral, com a nota:____, atribuída pela Banca Examinadora formada pelos Professores: Prof. Leonardo Paradela – Orientador __________________________ Componente da Banca Examinador _________________________________ Componente da Banca Examinador _________________________________ Boa Vista – RR 2018 3 DEDICATÓRIA Dedico esta conquista à minha família, especialmente a meus pais que me possibilitaram a dedicação integral aos estudos; à minha namorada e futura esposa Sonaly; e aos meus grandes amigos, especialmente ao amigo e colega de curso Leonardo. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por seus cuidados e pela capacidade que me concedeu de concluir o curso de Direito. Agradeço, também, à minha família que me proporcionou a oportunidade de me dedicar exclusivamente aos estudos. À minha namorada e futura esposa Sonaly, pelo companheirismo sempre. Aos amigos, pelos momentos compartilhados. E, por fim, a todos os professores que estiveram presente durante a caminhada no curso, o meu muito obrigado. 5 RESUMO De maneira muito usual, os processos de tráfico de drogas são desclassificados para o crime de consumo pessoal de drogas, previsto no art. 28 da Lei 11.343/06. Por possuírem 5 (cinco) núcleos dos tipo iguais, há verdadeira relação de especialidade entre os tipos penais, estabelecida no elemento subjetivo “para consumo pessoal” inserido no referido art. 28. No momento da desclassificação, é mister observar o principio da correlação entre acusação e sentença de forma que o réu não seja condenado por fato a ele não imputado na inicial acusatória. Em decorrência, dois institutos jurídicos são aplicados, a Emendatio Libelli e a Mutatio Libelli, com previsão nos art. 383 e 384 do CPP, respectivamente. Ocorre que, a jurisprudência do STJ diverge sobre qual dos institutos se amolda melhor a desclassificação do tráfico de drogas ao crime de uso. Ora entendendo se tratar de Emendatio, ora entendendo se tratar de Mutatio. A análise desta divergência é de fundamental importância para o processo penal por envolver competência, prescrição, possibilidade de desclassificação em segundo grau, contraditório, sistema acusatório, dente outros. Palavras-chave: Tráfico de Drogas, Desclassificação, Emendatio Libelli, Mutatio Libelli. 6 ABSTRACT In a very usual way, the processes of drug trafficking are disqualified for the crime of personal consumption of drugs, foreseen in article 28 of Law 11.343 / 06. Because they have 5 (five) kernel of the same type, there is a true specialty relationship between the criminal types, established in the subjective element "for personal consumption" inserted in said article 28. At the time of disqualification, it is necessary to observe the principle of the correlation between prosecution and sentence so that the defendant is not convicted for fact that he was not charged in the initial accusation. As a result, two legal institutes are applied, Emendatio Libelli and Mutatio Libelli, with provision in article 383 and 384 of the CPP, respectively. It happens that, the jurisprudence of the STJ diverge on which one of the institutes better conforms the disqualification of the drug traffic to the crime of use. Praying that it is Emendatio, now understanding that it is Mutatio. The analysis of this divergence is of fundamental importance for the criminal process by involving competence, prescription, possibility of disqualification in second degree, contradictory, accusatory system, among others. Keywords: Drug Trafficking. Disqualification. Emendatio Libelli. Mutatio Libelli. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................... 8 1. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE A ACUSAÇÃO E SENTENÇA .. 12 1.1. Sistemas processuais e princípios correlatos............................................................ 12 1.1.1. Sistemas inquisitório e acusatório ............................................................................ 12 1.1.2. Princípio do contraditório ............................................................................................ 15 1.1.3. Princípio da Ampla Defesa ........................................................................................... 15 1.1.4. Princípio da Inercia da Jurisdição .............................................................................. 16 1.2. Conceito.................................................................................................................................... 17 1.3. Identidade entre o fato imputado e o fato constante na sentença .................... 18 2. EMENDATIO E MUTATIO LIBELLI ........................................................... 22 2.1. Emendatio Libelli ................................................................................................................. 22 2.2. Mutatio Libelli ........................................................................................................................ 26 3. TRÁFICO DE DROGAS NA LEI 11.343/06 ............................................... 33 3.1. Conceito de Drogas .............................................................................................................. 33 3.2. Crime de Tráfico de Drogas .............................................................................................. 35 3.3. Análise do artigo 33 da Lei 11.343/06 ......................................................................... 36 3.4. Analise do artigo 28 da Lei 11.343/06 ......................................................................... 39 3.5. Prescrição dos crimes de tráfico de drogas e de porte de drogas para consumo pessoal ................................................................................................................................ 43 3.6. Procedimento Penal ............................................................................................................ 45 4. A DESCLASSIFICAÇÃO DO TRÁFICO PARA O USO ............................ 49 4.1. Recurso Especial Nº 1.445.469 – RS (2014/0074686-0) ..................................... 50 4.2. Recurso Especial Nº 1.435.727-RS (2014/0037533-9) ........................................ 52 4.3. Análise da divergência jurisprudencial ............................................................................ 54 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 58 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 61 8 INTRODUÇÃO O presente trabalho consiste em elaboração final de Monografia, resultado do processo de pesquisa do tema tratado neste Trabalho de Conclusão do Curso de Direito. O estudo versou a respeito do princípio processual penal da correlação entre acusação e sentença no crime de tráfico de drogas, com ênfase nos institutos jurídicos da emendatio libelli e mutatio libelli na hipótese da ocorrência da desclassificação do crime de tráfico de drogas, previsto no art. 33, caput, para o crime de uso de drogas, previsto no art. 28, ambos da lei 11.343/06 – Lei de Drogas. A pesquisa se debruçou sobre o principio da correlação entre a acusação e sentença no processo penal voltando os olhos especificamente ao crime de tráfico de drogas. Para tanto, serão abordados no decorrer do trabalho os conceitos dos institutos jurídicos da emendatio libelli e mutatio libelli e sua aplicação específica na desclassificação do crime de tráfico de drogas, previsto no art. 33 da Lei 11.343/06, para o denominado crime de uso, previsto no art. 28 da mesma lei. Além disso, a jurisprudência e a doutrina crítica sobre o tema serão o fundamento teórico das hipóteses levantadas. O objetivo geral do presente trabalho é conceituar o principio da correlação entre acusação e sentença no processo penal brasileiro e analisar suas implicações e institutos correlatos nos crimes de tráfico e uso de drogas contidos na Lei 11.343/06. Em especial, o estudo objetiva: a) Apresentar o conceito doutrinário do principio da correlação entre acusação e sentença, a legislação pertinente ao assunto e sua implicação prática no processo penal; b) Analisar a atual legislação brasileira sobre o crime de tráfico de drogas; 9 c) Demonstrar a divergência jurisprudencial sobre a aplicação dos institutos da mutatio e emendatio libelli na desclassificação e as consequências de cada segmento jurisprudencial Na atualidade, a lei 11.343/06 tipifica as condutas relacionadas ao denominado tráfico de drogas. O art. 33, caput, da referida lei estabelece 18 (dezoito) núcleos do tipo, ou seja, 18 (dezoito) condutas que, uma vez praticadas, configuram o crime de tráfico de drogas, dentre as quais: adquirir, guardar, ter em depósito, transportar e trazer consigo. O art. 28 da mesma lei prescreve as mesmas 5 (cinco) condutas citadas acima, porém, prevê um dolo específico de que a droga seja para consumo pessoal. Verifica-se que, na prática, é possível, durante a instrução processual referente ao delito do art. 33, a hipótese de desclassificação para o tipo normativo do art. 28 por restar demonstrado o elemento subjetivo específico “para consumo pessoal”. Diante deste cenário, a análise do princípio da correlação entre a acusação e sentença revela-se de suma importância. Importante garantia processual penal, o princípio da correlação, também chamado de princípio da congruência ou princípio da adstrição, visa garantir que o juiz, na hora de prolatar a sentença, mantenha-se nos limites do pedido. Ou seja, não pode o magistrado julgar ultra, citra ou extra petita em relação à peça acusatória, seja ela uma denúncia ou uma queixa-crime. O processo Penal se apresentaria com uma perfeita harmonia entre a inicial acusatória e a sentença, entretanto, na inicial acusatória eventualmente pode ocorrer de a tese ministerial conter erros, fatos não comprovados, ou ainda, não conter fatos posteriormente demonstrados na instrução probatória. Disciplinados nos artigos 383 e 384 do Código de Processo Penal, os institutos da mutatio libelli e emendatio libelli auxiliam o magistrado a cumprir com a garantia/princípio da correlação. 10 Ocorre que, esta situação é objeto de grande divergência entre a doutrina e a jurisprudência dos tribunais brasileiros. Um lado da jurisprudência afirma que a desclassificação do crime de tráfico de droga para o delito de uso caracteriza emendatio libelli. Outro lado diz que a mesma desclassificação é caso de mutatio libelli. A adoção de qualquer das posições reflete de forma prática no processo e apresenta relevantes distinções sobre matéria como nulidade, prescrição, contraditório, ampla defesa, duração razoável do processo, economia processual e etc. Portanto, a escolha do tema do presente trabalho justifica-se pela necessidade compreender melhor o referido princípio no crime de tráfico de drogas e a divergência existente na doutrina e jurisprudência, de modo a construir uma análise crítica com fundamento prático. Dessa forma, foi desenvolvida a pesquisa tentando explicitar os obstáculos enfrentados para se conseguir aplicar o Princípio da correlação entre a acusação e sentença. Para tanto, utilizou-se o método dedutivo, assim, a pesquisa que ora se apresenta, está delineada da seguinte forma. Neste contexto, o método que mais se encaixa à abordagem enfrentada é o dedutivo, que na visão de Eva Maria Lakatos e Marina de Andrade Marconi (2007) seria aquele que “tem o propósito de explicar o conteúdo das premissas, ou seja, corresponde à extração discursiva do conhecimento a partir de premissas gerais aplicáveis a hipóteses concretas, pois procede do geral para o particular”. Ainda levando em consideração a visão das ilustres autoras, pode- se dizer que, “para a metodologia, é de vital importância compreender que, no modelo dedutivo, a necessidade de explicação não reside nas premissas, mas, ao contrario, na relação entre as premissas e a conclusão (que acarretam)”. 11 Com relação à abordagem, a espécie empregada no presente trabalho, foi a abordagem qualitativa, tendo em vista que esta se preocupa com a lógica que rodeia investigação da verdade dos fatos. Quanto às técnicas de pesquisas, o meio utilizado foi a pesquisa bibliográfica e a explicativa, extraindo diversas opiniões de doutos doutrinadores e da jurisprudência com respeito ao tema. 12 1. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO ENTRE A ACUSAÇÃO E SENTENÇA 1.1. Sistemas processuais e princípios correlatos Antes de adentrar no conceito e nas aplicações do princípio da correlação entre a acusação e sentença, é mister a abordagem sobre os sistemas processuais penais e os princípios processuais que estão intimamente ligados ao princípio da congruência. 1.1.1. Sistemas inquisitório e acusatório Ensina Nestor Távora que “a depender dos princípios que venham a informá-lo, o processo penal, na sua estrutura, pode ser inquisitivo, acusatório e misto.”1. Por outro lado, adverte Renato Brasileiro que “Nos dias de hoje, não existem sistemas acusatórios ou inquisitórios “puros”. Na verdade, ora o processo penal é predominantemente acusatório, ora apresenta características peculiares dos sistemas inquisitoriais.”2 O sistema inquisitorial teve sua origem no Direito Canônico a partir do século XIII, tendo como principal característica a concentração das funções de acusar, defender e julgar em uma única pessoa. Surgindo a figura do juiz inquisidor.3 Nesse sistema, facilmente se percebe que o acusado passa a ser objeto do processo e não sujeito de direitos. 4 À luz de Nestor Távora5: No sistema inquisitivo (ou inquisitório), permeado que é pelo princípio inquisitivo, o que se vê é a mitigação dos direitos e garantias individuais, em favor de um pretenso interesse 1Távora, Nestor. Curso de Direito Processual Penal/ Nestor Távora, Rosmar Rodrigues Alencar – 12. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. pág. 54. 2Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. pág. 17. 3Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador:JusPodivm, 2017. pág. 17. 4Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág 23. 5Távora, Nestor. Curso de Direito Processual Penal/ Nestor Távora, Rosmar Rodrigues Alencar – 12. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. pág. 54. 13 coletivo de ver o acusado punido. É justificada a pretensão punitiva estatal com lastro na necessidade de não serem outorgadas excessivas garantias fundamentais. Por sua vez, o sistema acusatório é caracterizado pela existência de duas partes opostas e em igualdades de condições e, ainda, de um juiz equidistante e imparcial, havendo separação entre as funções de acusar, defender e julgar. Aqui, predomina a oralidade e a publicidade, enquanto que no sistema inquisitivo, a escrita e o sigilo6. Ponto importante de distinção entre os dois modelos, refere-se à gestão da prova, ou, nas palavras de Renato Brasileiro, iniciativa probatória. Sobre este ponto, ensina o autor7: “(...) sob o ponto de vista probatório, aspira-se uma posição de passividade do juiz quanto à reconstrução dos atos. Com o objetivo de preservar sua imparcialidade, o magistrado deve deixar a atividade probatória para as partes. Ainda que se admita que o juiz tenha poderes instrutórios, essa iniciativa deve ser possível apenas no curso do processo, em caráter excepcional, como atividade subsidiária da atuação das partes. No sistema acusatório, a gestão das provas é função das partes, cabendo ao juiz um papel de garante das regras do jogo, salvaguardando direitos e liberdades fundamentais. Diversamente do sistema inquisitorial, o sistema acusatório caracteriza-se por gerar um processo de partes, em que autor e réu constroem através do confronto a solução justa do caso penal. O sistema misto, por sua vez, remonta à Revolução Francesa, tendo como marco inicial o Code d ’Instruction Criminelle francês, de 1808, conhecido como código napoleônico. Segundo Nestor Távora8, caracteriza-se “por uma instrução preliminar, secreta e escrita, a cargo do juiz, com poderes inquisitivos no intuito da colheita de provas, e por uma fase contraditória (judicial) em que se dá o julgamento, admitindo-se o exercício da ampla defesa e de todos os direitos dela decorrentes. Dissecando toda a persecução no sistema misto, 6Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2017. pág. 18. 7 Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2017. pág. 18. 8 Távora, Nestor. Curso de Direito Processual Penal/ Nestor Távora, Rosmar Rodrigues Alencar – 12. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. págs. 56 e 57. 14 temos: (a) investigação preliminar, a cargo da polícia judiciária; (b) instrução reparatória, patrocinada pelo juiz instrutor; (c) julgamento: só este último, contudo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa; (d) recurso: normalmente há o "recurso de cassação", no qual se impugnam apenas as questões de direito, mas também é possível o recurso de apelação", no qual são impugnadas as questões de fato e de direito.” Nas lições de Renato Brasileiro9 e Nestor Távora10, a Constituição Federal brasileira adotou o sistema processual penal acusatório, conquanto estabeleceu em seu artigo 129, inciso I, a propositura da ação penal de forma privativa pelo Ministério Público. Entretanto, Eugênio Pacelli11 ressalva que a Constituição de 88 não estabelece nenhum sistema processual e afirma que: “Há explicitação de um sistema de garantias, inerente às determinações normativas de um Estado Democrático de Direito, cuja função, essencial, é realização dos direitos fundamentais. A função jurisdicional penal vem bem demarcada até pela titularidade da ação penal atribuída ao Ministério Público. Mas daí pretender a vedação e qualquer iniciativa probatória ao juiz na fase processual, na suposição da existência de um sistema acusatório nacional, vai grande distância. Entendemos que nosso modelo se pauta, de fato, pelo princípio acusatório (o que não significa a identificação com um tipo específico ou puro de sistema acusatório) Tudo isto vem destacar a intima conexão entre o princípio da correlação e o sistema acusatório. Uma vez bem definidas as funções: o papel de acusar cabendo ao Ministério Público (ou ao querelante, nas ações privadas) e o de julgar ao juiz imparcial, não se pode falar em decisão judicial por parte do acusador e nem em acusação ex officio12. Dessa forma, conclui Gustavo Badaró13: 9 Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2017. pág. 19. 10 Távora, Nestor. Curso de Direito Processual Penal/ Nestor Távora, Rosmar Rodrigues Alencar – 12. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. Pág 55. 11 Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência / Eugênio Pacelli, Douglas Fischer. – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017. Págs. 359 e 360. 12 Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. págs. 26 e 27. 13 Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 27. 15 Em suma, a regra da correlação entre a acusação e sentença só tem razão de ser em um sistema acusatório. Os dispositivos legais que disciplinam o principio da correlação entre acusação e sentença representam mecanismos que dão efetividade e concretizam, na dinâmica processual, o principio constitucional do contraditório, que só pode estar presente no sistema acusatório, sendo impensável sua aplicação num sistema em que o réu é mero objeto do processo e não um sujeito de direitos que participe da relação jurídica processual. 1.1.2. Princípio do contraditório Segundo lição clássica, o princípio do contraditório é compreendido como a ciência bilateral dos atos e termos do processo e a possibilidade de contraria-los14. Tem previsão constitucional no artigo 5º, inciso LV, dizendo que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Importante garantia processual, o contraditório visa garantir que a parte, seja a parte autora ou a parte ré, não seja surpreendida com a decisão judicial, de modo que, sempre que possível, deve o juiz oportunizar a manifestação das partes sobre fatos processuais novos. Assevera Nestor Távora que a regra do contraditório é de relevante importância quando da aplicação do instituto da emendatio libelli, a frente analisado, pois “verificando o magistrado que poderá haver incidência de tipo penal mais gravoso ao acusado, cujos fundamentos não foram objeto de debate, deverá declarar essa possibilidade e abrir oportunidade para as partes se pronunciarem a respeito, invocando, para tanto, dispositivo do CPC/2015 por analogia (art. 3°, CPP). Tal solução se coaduna perfeitamente com o sistema acusatório.” 15. 1.1.3. Princípio da Ampla Defesa 14 Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 485. 15 Távora, Nestor. Curso de Direito Processual Penal/ Nestor Távora, Rosmar Rodrigues Alencar – 12. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. Pág. 77. 16 Ligado umbilicalmente com o contraditório, mas com este não se confundindo, a ampla defesa, na visão de Gustavo Badaró, retrata uma das formas de exercício do contraditório16. Esclarece, ainda, Badaró que “No planodialético, a acusação apresenta-se como a tese e a defesa como a antítese, sendo o julgamento a síntese”17. A doutrina divide este princípio em defesa técnica, aquela feita por profissional habilitado, e em autodefesa, realizada pelo próprio acusado. Para Nestor Távora, “A primeira é sempre obrigatória. A segunda está no âmbito de conveniência do réu, que pode optar por permanecer inerte, invocando inclusive o silêncio.”18 1.1.4. Princípio da Inercia da Jurisdição Consagrado no brocado ne procedat judex ex officio, o princípio da inércia afirma que o juiz, como órgão executor da jurisdição, não pode iniciar o processo de ofício, devendo, pois, ser provocado pelas partes. Dessa forma, em clara decorrência da adoção do sistema acusatório, a Constituição Federal (art. 129, inciso I) atribui a iniciativa da ação penal privativamente ao Ministério Público e, uma vez separadas as funções, cabe ao juiz, e somente ao juiz, apenas julgar.19 Ensina Gustavo Badaró que do brocado ne procedat judex ex officio deriva a impossibilidade de o juiz prover sem que haja pedido e, por consequência, a impossibilidade de prover diversamente do que lhe foi pedido. 20Dessa forma, “surge a vedação do juiz pronunciar-se sobre algo que não 16 Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 40. 17 Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 38. 18 Távora, Nestor. Curso de Direito Processual Penal/ Nestor Távora, Rosmar Rodrigues Alencar – 12. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. Pág. 77. 19Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 37. 20 Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 37. 17 integrou o objeto do processo, isto é, (...); o juiz estaria agindo de oficio e violando a regra da inércia da jurisdição.”21 Portanto, a relação do princípio da inércia com o princípio da correlação entre a acusação e sentença reside no fato de que este decorre daquele. 22 1.2. Conceito O princípio da correlação entre acusação e sentença, também conhecido por princípio da congruência ou, ainda, por princípio da adstrição, consiste em que “a sentença deve guardar plena consonância com o fato delituoso descrito na denúncia ou queixa, não podendo dele se afastar.” 23 Dessa forma, é vedado ao juiz julgar extra petita, ultra petita ou citra petita. Em caso de extra petita, ou seja, fora do pedido, o magistrado, por exemplo, reconhece a prática de outro crime, cuja descrição fática não conste da peça acusatória. Situação de ultra petita, leia-se, além do pedido é quando, por exemplo, o juiz reconhece qualificadora não imputada ao acusado.24 Por outro, será caso de citra petita, ou seja, aquém do pedido, quando, por exemplo, imputado dois crimes, o juiz julgue apenas um ou, ainda, quando o juiz deixa de considerar algo que foi imputado ao réu na denúncia. 25 Portanto, a sentença não pode apreciar algo que não foi imputado ao réu na inicial acusatória, mas também não pode deixar de apreciar algo que foi imputado ao réu na inicial acusatória. O princípio da congruência estabelece 21 Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 38. 22 Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 38. 23 Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 1028. 24 Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 1028. 25 Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Págs. 140 e 141. 18 que a sentença julgue apenas o que foi objeto da imputação, mas também tudo o que foi objeto da imputação26, sob pena de afronta ao princípio da ampla defesa, do contraditório, da inércia e, até mesmo, ao próprio sistema acusatório27, gerando nulidade do processo. Deste princípio decorre a afirmação que o réu se defende dos fatos narrados na acusação, não importando a capitulação jurídica atribuída aos fatos narrados. Dessa forma, não está o juiz vinculado à classificação imposta pelo Ministério Público, pois, nas palavras de Renato Brasileiro, “vigora, nesse caso, o princípio iuria novit curia, ou seja, o juiz ou tribunal conhece o direito, ou, como preferem alguns, narra mihi factum dabo tibi ius (narra-me o fato e te darei o direito).”28 Este entendimento também é pacífico nos tribunais brasileiros. Para o Supremo Tribunal Federal29 “o princípio da congruência, dentre os seus vetores, indica que o acusado defende-se dos fatos descritos na denúncia e não da capitulação jurídica nela estabelecida. Destarte, faz-se necessária apenas a correlação entre o fato descrito na peça acusatória e o fato pelo qual o réu foi condenado, sendo irrelevante a menção expressa na denúncia de eventuais causas de aumento ou diminuição de pena” 1.3. Identidade entre o fato imputado e o fato constante na sentença De fundamental importância o aprofundamento neste ponto do trabalho, uma vez que essencial para a aplicação do princípio da correlação no 26 Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 140. 27 Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 1028. 28 Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 1029. 29STF, Ia Turma, HC120.587/SP, Rei. Min. Luiz Fux, j. 20/05/2014 19 processo penal. Inicialmente, faz-se necessário esclarecer o que vem a ser fato e o que vem a ser identidade. Para o estudo do princípio da congruência, importante é distinguir o conceito de fato para o direito penal do conceito de fato para o processo penal.30 Nas palavras de Gustavo Badaró31: “O fato processual penal é um acontecimento histórico concreto, um fato naturalístico. Diversamente, o fato na concepção do direito penal é uma entidade extraída de uma situação hipotética, de um tipo penal, e não um fato concreto que foi realizado pelo autor e que foi introduzido no processo através da imputação.” Essa distinção se torna mais relevante quando da análise de quanto se pode alterar o fato durante o processo sem que isso quebre a correlação entre a imputação e a sentença. Isto porque, em que pese a alteração quanto a fatos essenciais ou acidentais possam ter relevância para o direito penal, para o processo penal, tal distinção é inconcebível por ser o fato processual um acontecimento real, concreto e indivisível.32 Em relação à identidade que deve existir entre o fato imputado e o fato sentenciado, cabe ressaltar que “essa identidade, porém, não é lógica, mas jurídica, não requerendo uma absoluta coincidência e igualdade de ambas representações.”33. Com isso, a doutrina tenta estabelecer até que ponto pode ser alterado o fato imputado ao réu na acusação sem que seja quebrada a identidade com o fato apreciado pelo juiz na sentença. 30 Badaró. Gustavo HenriqueRighi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 112 31 Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 113 32 Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 114 33 Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 117 20 Há doutrina que não admite a alteração dos elementos do tipo penal, porém, imperioso lembrar que o fato processual não se confunde com o fato penal, não podendo ser limitado às elementares previstas no direito material. Por outro lado, há quem entenda que mesmo variando a atividade delitiva, haverá identidade de imputações se ainda se dirigir ao mesmo bem penalmente tutelado. Também existe a doutrina que relaciona o direito de defesa com o limite de alteração do fato, afirmando que se a diversidade causou prejuízo à defesa, então houve alteração no fato processual imputado. Entretanto, Gustavo Badaró 34 conclui que todas estas teorias se baseiam, erroneamente, no fato penal, e afirma: “A questão(...) não pode ser resolvida senão em face do caso concreto. Inútil, portanto, discutir, por exemplo, se uma imputação por recepção é possível passar a outra por furto, mas examinar, caso a caso, se o fato imputado, qualificado erroneamente como receptação, contém todos os elementos de fato para ser qualificado como furto. Pensar de outra forma é admitir que um mesmo fato concreto pode ser adequado, simultaneamente, ao tipo penal da receptação e do furto, o que é um verdadeiro absurdo.” Entrementes, vale frisar que uma alteração do fato pode ser penalmente relevante, mas nada importar para o processo e vice-versa. Neste ponto, merece fiel transcrição a exemplificação trazida por Gustavo Badaró35: “Exemplificando, suponha-se que a Tício seja imputado ter matado caio com um fuzil, e ele demonstra em sua defesa que não possuía nem poderia ter usado tal arma. Poderia o juiz condena-lo, por ter matado caio com um revolver? Suponha-se que a Tício seja imputado ter matado Caio no dia 10 de janeiro em Palermo; demonstrado que em tal dia ele se encontrava em Veneza, pode o juiz condená-lo, considerando o crime praticado em 18 de Janeiro? 34 Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 129 35 Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 130 21 Em face do tipo penal do homicídio, é irrelevante se a morte ocorreu com um fuzil ou com um revolver. É irrelevante, ainda, se ocorreu no dia 10 de janeiro ou no dia 1 daquele mês. Isso, porém, não quer dizer que, sendo a imputação a de ter o acusado utilizado um fuzil, no dia 10 de janeiro, a sentença possa condená-lo por ter efetuado disparo de revolver no dia 18. Embora tais alterações sejam irrelevantes do ponto de vista do fato penal, podem ser relevantes do ponto de vista processual.” Isto posto, é imperioso concluir que, tendo em visa que o princípio da correlação visa preservar o princípio do contraditório e evitar prejuízos e surpresas ao réu, a relevância ou não de determinada alteração em relação ao fato imputado, se dará pela defesa apresentada.36 Nesse mesmo sentido, se a alteração factual prejudicar os direitos da acusação, tem-se determinada uma alteração que viola o princípio da correlação.37 36 Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 131. 37 Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 138. 22 2. EMENDATIO E MUTATIO LIBELLI 2.1. Emendatio Libelli Conforme visto, cabe ao ministério Público o oferecimento da denúncia com a descrição dos fatos imputados ao réu. Ocorre que, por vezes, pode o Parquet se equivocar quanto à capitulação jurídica e atribuir ao fato narrado tipo penal não condizente. Sendo assim, o Código de Processo Penal, em seu art. 383, estabeleceu a possibilidade de o juiz, na sentença, atribuir definição jurídica diversa. Prevê o artigo 383 do CPP: Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. § 1o Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. § 2o Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos. Trata-se do instituto da Emendatio Libelli, em que “o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave”38 Nas palavras de Eugênio Pacelli39, o juiz “não está e nem poderia estar subordinado ao entendimento do órgão da acusação quanto à pena a ser aplicada, e, por isso, quanto ao tipo penal em que se subsumiria a conduta 38 Távora, Nestor. Curso de Direito Processual Penal/ Nestor Távora, Rosmar Rodrigues Alencar – 12. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. Pág. 1107. 39 Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência / Eugênio Pacelli, Douglas Fischer. – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017. Pág. 838 23 imputada na peça acusatória, deve ele, por ocasião da sentença, corrigir ou emendar a classificação dada pela acusação, sem alterar, um mínimo que seja, os fatos e suas circunstâncias.”40 Para Renato Brasileiro41, na Emendatio “o fato delituoso descrito na peça acusatória permanece o mesmo, ou seja, é mantida inalterada a base fática da imputação, limitando-se o juiz a corrigir uma classificação mal formulada, o que poderá ser feito ainda que haja a aplicação de pena mais grave” Percebe-se, então, que a expressão definição jurídica diversa, contida no caput do artigo 383, refere-se à capitulação jurídica contida na acusação, de modo que o juiz adequará a tipificação feita pelo Ministério Público.42 A título de exemplo, a doutrina traz a hipótese em que o Ministério Público, embora narrando um caso de subtração violenta, classifica o crime no artigo 155(furto) do Código Penal. Ou, ainda, a hipótese em que constando na Denúncia que o autor usou de fraude para burlar a vigilância da vítima sobre a coisa subtraída, o Parquet atribui a capitulação jurídica do crime de estelionato (artigo 171,CP), ao invés do crime de furto mediante fraude (artigo 155, §4º, inciso II). São três43 as formas de emendatio libelli que podem ser aplicadas pelo juiz na sentença a fim de que não seja violado o princípio da correlação. 40Nesse mesmo sentido, Gustavo Badaró(Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 167.): “A emendatio libelli, por sua vez, é uma correção, uma emenda ao libelo, sem que se altere a essência da acusação. São correções ou alterações em aspectos acidentais ou secundários da acusação que serão mudados, permanecendo ela substancialmente idêntica.” 41 Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 1028. 42Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 1028. 43Eugênio Pacelli (Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência / Eugênio Pacelli, Douglas Fischer. – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017. Pág. 839) destoa desse entendimento entendendo que a hipótese de emendatio por supresão de elementar ou circunstância, na verdade se trata de desclassificação e não de emendatio, Nesses termos: “Pode ser que a denúncia narre fatos que 24 A primeira delas, chamada pela doutrina de emendatio libelli por defeito de capitulação, ocorre quando o juiz ao sentenciar o faz em exata conformidade com os fatos narrados na inicial acusatória, apenas reconhecendo capitulação jurídica, diversa da imputada pelo Parquet44. Exemplificando: “suponha-se que o Ministério Público ofereça denúncia contra alguém imputando-lhe a prática de crimes contra a ordem tributária, dos quais tenha resultado um prejuízo superior a R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais). Por ocasião da classificação constante da denúncia, consta pedido expresso para que o acusado seja condenado pela prática do crime previsto no art. I o, incisos I e II, da Lei n. 8.137/90, olvidando- se o órgão ministerial, todavia, quanto à majorante do art. 12, I, do referido diploma legal, que prevê um aumento de pena de 1/3 (um terço) até 1/2 (metade) quando o crime ocasionar grave dano à coletividade. Nesse caso, como o acusado defende-se dos fatos que lhe são imputados na denúncia e não da classificação jurídica nela estabelecida, por mais que a causa de aumento de pena sob comento não tenha sido expressamente mencionada por ocasião da classificação constante da peça acusatória, como ela foi descrita na denúncia – não se pode negar a eloquência da quantia sonegada de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), indubitavelmente capaz de provocar grave dano à coletividade - , é perfeitamente possível a aplicação da referida pelo magistrado sentenciante, sem que se possa objetar eventual violação ao princípio da congruência;”45 A segunda, é a Emendatio Libelli por interpretação diferente. Como o próprio nome sugere, o que ocorre nesta hipótese é uma avaliação diferente de ultrapassam os elementos contidos no tipo penal resultante da emendatio: No exemplo anterior, suponha- se que a denúncia narre a subtração violenta da coisa, capitulando-a, porém, como hipótese de furto (art. 155, CP). Suponha-se, mais, que o juiz, entendendo não comprovada a violência, resolva aplicar aos fatos a sanção do crime de furto, tal como descrito, equivocadamente, na denúncia. Aqui, teria havido um erro na classificação (deveria ter sido capitulado o art. 157 e não o art. 155, relativo ao furto), já que efetivamente imputada a prática de subtração violenta da coisa (roubo e não furto). No entanto, não se trataria, a rigor, de emendatio libelli. Nesta, o juiz não pode modificar a descrição do fato contido na denúncia, nos termos do art. 383, CPP. A decisão de condenação significaria, então, hipótese de desclassificação, mediante a qual o juiz rejeita a existência de uma situação de fato, e, aí sim e só por isso, faz capitulação diversa daquela que deveria constar (mas não constou) da peça acusatória.” 44Távora, Nestor. Curso de Direito Processual Penal/ Nestor Távora, Rosmar Rodrigues Alencar – 12. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. Pág. 1108. 45Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 1028. 25 determinada circunstância, atribuindo-lhe valor jurídico diferente do atribuído na acusação. Nestor Távora ensina que essa forma de Emendatio libelli é “ilustrada na hipótese em que o Ministério Público oferece denúncia por homicídio qualificado por meio cruel (art. 121, § 2°, UI, CP) enquanto que o magistrado, com amparo na mesma situação fática, vislumbra, em oposição, a qualificadora de recurso que impossibilitou a defesa do ofendido (art. 121, § 2°, rv, CP), conferindo, assim, nova capitulação ao fato.”.46 Por último, pode ocorrer que, na prolação da sentença, o magistrado entenda que determinada elementar do tipo ou circunstância do crime descrita na Denúncia não restou por comprovada durante a instrução probatória. Nesse caso, o juiz atribuirá nova definição jurídica ao fato, aplicando a Emendatio libelli por supressão de elementar ou circunstância.47 Renato brasileiro48 destaca que, nesse caso, “haverá certa alteração fática, mas não para acrescentar, como ocorre nas hipóteses de mutatio libelli, mas sim para subtrair elementares e/ou circunstâncias do fato descrito, supressão esta que acaba por provocar uma mudança da capitulação do fato delituoso.”. Ultrapassado o conceito e as formas de emendatio libelli, passar-se- á à análise do momento adequado em que deve ser aplicado o referido instituto processual. Prevalece o entendimento de que a correção da capitulação jurídica, ou seja, a Emendatio libelli, deva ser feita na sentença.49 A razão encontra-se 46Távora, Nestor. Curso de Direito Processual Penal/ Nestor Távora, Rosmar Rodrigues Alencar – 12. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. Pág. 1108. 47Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 1030. 48Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 1030. 49Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 1030. 26 no fato de que, além de estar previsto no título que dispõe sobre a sentença no Código de Processo Penal, no recebimento da denúncia deve o magistrado apenas fazer juízo de admissibilidade.50 Entretanto, o Supremo Tribunal Federal admitiu exceção no caso em que, em razão da nova capitulação jurídica do fato, será alterada a competência, hipótese em que o juiz remeterá os autos ao juízo competente.51 Por fim, cabe ressaltar disposição do artigo 617 do Código de Processo Penal que prevê a aplicação da Emendatio Libelli em segundo grau. Nesses termos: Art. 617. O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença. Isto posto, Renato Brasileiro52 diz que “é plenamente possível que a emendatio libelli seja feita pelo órgão jurisdicional de 2ª instância por ocasião do julgamento de eventuais recursos, desde que respeitado o princípio da ne reformado in pejus.” 2.2. Mutatio Libelli Como o próprio nome sugere, na Mutatio Libelli, diversamente do que ocorre na Emendatio Libelli, há alteração do fato processual imputado ao réu na Denúncia, em razão de prova constituída durante a instrução processual. Dessa forma, visando preservar o principio da correlação entre acuação e sentença, prevê o artigo 384 do Código de Processo Penal: 50"(...) não é lícito ao Juiz, no ato de recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória. Poderá fazê-lo adequadamente no momento da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver a emendatio libelli ou a mutatio libelli, se a instrução criminal assim o indicar". (STF, HC 87.324/SP, Rei. Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJ 18/5/07). Em sentido semelhante: STF, 1 aTurma, HC 111.445/PE, Rei. Min. DiasToffoli, j. 16/04/2013 51STF- Primeira Turma- HC 115831- Rei. Min Rosa Weber- DJe 19/11/2013 52 Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm,2017. Pág. 1034 27 Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. § 1o Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código. § 2o Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento. § 3o Aplicam-se as disposições dos §§ 1o e 2o do art. 383 ao caput deste artigo. § 4o Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento. § 5o Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá. Em suma, surgindo prova de elementar ou circunstância que altere a base fática da imputação, faz-se necessário que ocorra o aditamento da denúncia e a renovação da instrução processual, principalmente no que atine ao interrogatório do réu, para que não seja condenado por fato a ele não imputado, respeitando, assim, os princípios do contraditório, ampla defesa, correlação e o próprio sistema acusatório. 53 De maneira brilhante, conclui Pacelli54 que “a mutatio ocorre, então, a partir do reconhecimento da existência de provas que, em princípio, indicariam a presença de outros fatos e/ou circunstâncias, suficientes para alterar, de modo relevante, a acusação inicial.” É dizer, na mutatio, não se dá nova definição jurídica ao fato imputado, mas, para além disso, permite-se nova imputação de fato, o que, obviamente, implicará a alteração do tipo penal. Mas, veja-se: não por uma questão de interpretação do fato à norma (juízo de subsunção); mas pela 53 Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Págs. 1039 e 1040. 54 Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência / Eugênio Pacelli, Douglas Fischer. – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017. Pág. 839 28 constatação de novo fato (ou circunstância) que justifica alteração na definição jurídica esboçada na inicial.” Exemplifica Renato Brasileiro55: “denúncia oferecida pelo Ministério Público imputa ao acusado a prática do crime de furto simples, corretamente classificado pelo Parquet no art. 155, caput, do Código Penal. Durante o curso da instrução probatória, todavia, ofendido e testemunhas são uníssonas em afirmar que, durante a subtração, teria havido o emprego de violência, elementar do crime de roubo (CP, art. 157) que não teria constado da peça acusatória. Nesse caso, é evidente que o juiz não pode, de imediato, proferir sentença condenatória pelo crime de roubo, por mais que esteja convencido quanto ao emprego de violência. (...)ver- se-ia condenado por fato delituoso que não lhe fora imputado, contrariando o princípio da congruência ou correlação entre acusação e sentença. De mais a mais, também teria havido violação ao próprio sistema acusatório, já que, por não haver imputação em relação ao fato diverso - no exemplo citado, roubo - , estaria o juiz usurpando função que é primordial e característica do titular da ação penal pública, em clara e evidente afronta ao art. 1 2 9 ,1, da Constituição Federal” Conceitos importantes devem ser esclarecidos após a leitura do artigo 384 do CPP. É cediço que será aplicado instituto da Mutatio Libelli quando surgir prova de elementar ou circunstância da infração penal não constante na denúncia. Por elementares, entende-se os dados essenciais constante no tipo penal cuja ausência possa configurar atipicidade, seja ela absoluta ou relativa 55 Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 1040. 29 (desclassificação). Por sua vez circunstâncias são os dados secundários que estão ao redor do crime com a finalidade de aumentar ou diminuir a pena.56 A doutrina traz ainda a importante distinção entre fato novo e fato diverso. O primeiro é aquele que não guarda relação com o fato originalmente imputado, por seus elementos constituírem crime inteiramente diferente. 57 Como conclui Badaró58, “se o novo fato não guardar qualquer relação com o fato inicialmente imputado, possibilitando uma nova imputação autônoma, não haverá porque se aplicar a regra do art. 384.” Por outro lado, fato diverso é aquele que seus elementos guardam relação, ainda que parcial, com o crime inicialmente atribuído ao réu mas com o acréscimo de elementos que o modifique.59 Para Badaró60, “deve existir uma relação, um liame, que uma esses dados fáticos com o próprio fato imputado. Isso não quer dizer que, do ponto de vista do fato penalmente considerado, não possa surgir nova tipificação legal.” Antes da reforma ocorrida em 2008, o Código de Processo Penal previa duas hipóteses de mutatio libelli no que se refere à necessidade de aditamento da denúncia. Previa a anterior redação do artigo 384: Art. 384. Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de circunstância elementar, não contida, explícita ou 56 Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 1040. 57 Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 1041. 58 Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 188 59 Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 1041. 60 Badaró. Gustavo Henrique Righi Ivahy. Correlação entre acusação e sentença/Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2000. Pág. 189. 30 implicitamente, na denúncia ou na queixa, baixará o processo, a fim de que a defesa, no prazo de oito dias, fale e, se quiser, produza prova, podendo ser ouvidas até três testemunhas. Parágrafo único. Se houver possibilidade de nova definição jurídica que importe aplicação de pena mais grave, o juiz baixará o processo, a fim de que o Ministério Público possa aditar a denúncia ou a queixa, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, abrindo-se, em seguida, o prazo de três dias à defesa, que poderá oferecer prova, arrolando até três testemunhas Dessa forma, na vigência da anterior redação, se a alteração do fato processual resultasse a aplicação de pena inferior ou igual ao fato originalmente imputado, não haveria necessidade de aditamento da denúncia, bastando que a defesa se manifestasse. Por outro lado, se a alteração acarretasse possibilidade de pena mais grave, haveria necessidade de aditamento da denúncia pelo Ministério Público.61 Com o advento da lei 11.719/08, que promoveu uma pequena reforma no Código de Processo Penal, o artigo 384 recebeu a atual redação, mudando de forma sensível a necessidade de aditamento da denúncia nas hipóteses de mutatio libelli. Nestor Távora, ao discordar da corrente que defende que o aditamento não será necessário se o delito retificado não for mais grave, declara que o aditamento sempre será necessário, não importando se em razãode elemento explícito ou implícito. 62 Posição esta adotada pelo Superior Tribunal de Justiça63 ao afirmar que “o fato imputado aos réus na inicial acusatória, em especial a forma de cometimento do delito, da qual se infere o elemento subjetivo, deve guardar correspondência com aquele reconhecido na sentença, a teor do princípio da 61Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 1042. 62Távora, Nestor. Curso de Direito Processual Penal/ Nestor Távora, Rosmar Rodrigues Alencar – 12. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. Pág. 1110. 63STJ, 6a Turma, REsp 1,388.440/ES, Rei. Min. Nefi Cordeiro, j. 05/03/2015, DJe 17/03/2015. 31 correlação entre a acusação e a sentença. Encerrada a instrução criminal, concluindo- -se que as condutas dos recorrentes subsumem-se à modalidade culposa do tipo penal e ausente a descrição de circunstância elementar, atinente ao elemento subjetivo do injusto na denúncia, imperativa a observância da regra inserta no art. 384, caput, do CPP, ainda que a nova modalidade de delito comine pena inferior, baixando-se os autos ao Ministério Público para aditar a inicial, sob pena violação ao princípio da ampla defesa e contraditório. (...) Recurso parcialmente provido para anular a sentença condenatória e julgar extinta a punibilidade dos recorrentes". Disto, conclui e ensina Renato Brasileiro64 que “a correlação entre acusação e sentença é indispensável, independentemente da pena aplicada ao fato imputado. É o que pode ocorrer, a título de exemplo, quando, no curso de processo penal instaurado em relação ao crime de peculato doloso, restar comprovado que, na verdade, o agente não teria dado causa ao resultado de maneira consciente e voluntária, mas sim em virtude de conduta manifestamente culposa. Nesse caso, é bem verdade que a pena aplicada ao peculato culposo é bem mais branda que a do peculato doloso. Porém, independentemente do quantum de pena cominado ao delito, o certo é que, fosse o acusado condenado por peculato culposo sem que houvesse o aditamento da denúncia para que lhe fosse imputada uma conduta imprudente, negligente ou imperita, ter-se-ia evidente violação ao sistema acusatório, porquanto o acusado seria condenado por um crime que não lhe foi imputado.” Quanto à possibilidade ou não da aplicação do instituto da muttatio libelli em 2ª instancia, diferente do que ocorre com a emendatio libelli, o entendimento que prevalece é sobre sua inaplicabilidade. Nesse sentido, é a súmula nº 453 do Supremo Tribunal Federal: Súmula n. 453 do STF: Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que 64Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 1042. 32 possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa. A justificativa para tal entendimento reside na aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição. Este princípio garante que a matéria fática e a matéria de direito passe por um reexame integral. Dito isto, admitir a aplicação de mutatio libelli em sede recursal, seria admitir que o novo fato não passasse por um reexame, sendo examinado pela primeira vez perante o tribunal. Conclui Renato Brasileiro65 afirmando que “não se pode admitir que o Tribunal faça o exame direto de determinada matéria pela primeira vez, sob pena de supressão do primeiro grau de jurisdição, o que também seria causa de violação ao duplo grau de jurisdição. É exatamente este o motivo pelo qual não se admite a mutatio libelli na 2ª instância.” 65 Lima, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado/ Renato Brasileiro de Lima – 2 ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, 2017. Pág. 1700 33 3. TRÁFICO DE DROGAS NA LEI 11.343/06 3.1. Conceito de Drogas Em vigor desde Outubro de 2016, a Lei 11.343/06, além de outras providências, estabelece normas para repressão e define crimes relacionados ao tráfico de drogas no Brasil. Importante destacar, de pronto, a problemática acerca da definição e conceituação de Droga. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XLIII, afirma: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; (grifo nosso) Percebe-se que o constituinte brasileiro, ao se referir ao Tráfico de Drogas, fala em “tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins”, sugerindo, assim, uma equivalência entre “entorpecente” e “droga”. Termo diferente adotado pelo legislador que, por toda a atual Lei de Drogas, traz a expressão “tráfico ilícito de drogas”. O Direito Internacional, por sua vez, apresenta outra terminologia que, por ser mais genérica, encerra qualquer discussão acerca da terminologia adotada. Na conhecida Convenção de Viena de 1988, o termo utilizado é “tráfico ilícito de entorpecente e de substâncias psicotrópicas”, conforme preceitua o item 1 do artigo 2 desta convenção: 34 1 - O propósito desta Convenção é promover a cooperação entre as Partes a fim de que se possa fazer frente, com maior eficiência, aos diversos aspectos do tráfico ilícito de entorpecentes e de substâncias psicotrópicas que tenham dimensão internacional. No cumprimento das obrigações que tenham sido contraídas em virtude desta Convenção, as Partes adotarão as medidas necessárias, compreendidas as de ordem legislativa e administrativa, de acordo com as disposições fundamentais de seus respectivos ordenamentos jurídicos internos.(grifo nosso) A lei 11.343/06 dispõe, em seu artigo 1º, Parágrafo Único, que “para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.”. Dessa forma, o Poder Executivo, através da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, regulamenta o disposto na lei de Drogas por meio da portaria 344 de 1998, especificando as substâncias que, uma vez em desacordo com a legislação pertinente, serão consideradas drogas. Importante ressaltar que, embora determinada substância tenha capacidade de causar dependência, esta capacidade, por si só, não lhe confere a qualidade de droga, necessitando estar presente na lista expedida pelo poder executivo. Nesse sentido, ensina Renato Brasileiro de Lima66: “Destarte, ainda que determinada substância seja capaz de causar dependência física ou psíquica, se ela não constar da Portaria SVS/MS 344/98,não haverá tipicidade na conduta daquele que pratique quaisquer das condutas previstas na Lei 11.343/06.” Portanto, sendo a substância entorpecente, psicotrópica ou de qualquer outra natureza, tendo a capacidade de causar dependência física ou 66 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único. 5ª Ed. Salvador: JusPODIVM, 2017.pág. 964 35 psíquica e presente na portaria mencionada, é considerada droga para efeitos penais. 3.2. Crime de Tráfico de Drogas De início, observa-se que a Lei 11.343/06, em seu capítulo II, que define os crimes a serem punidos pela mesma, não traz, como faz o Código Penal Brasileiro, o nomen iuris dos tipos penais, ou seja, não há na Leide Drogas a denominação jurídica dos tipos penais. Com isso, o primeiro trabalho a ser feito, quando do estudo do crime de tráfico de drogas, é a definição de quais artigos se denominam como o crime de tráfico de drogas. Esta analise é de fundamental importância, por exemplo, para a identificação da hediondez ou não do fato típico. A doutrina, utilizando a jurisprudência construída com base na lei de drogas anterior (Lei 6.369/76), bem como o disposto no artigo 44 da atual lei, conclui que o crime de tráfico de drogas e seus equiparados são os previstos nos artigos 33, caput e §1º, 34, 36 e 37. Nesse sentido, ensina Renato Brasileiro de Lima67: Em outras palavras, se a tais delitos foi estabelecida uma série de restrições, algumas delas próprias dos crimes hediondos equiparados, somos levados a acreditar que, à exceção do art. 35 (associação para fins de tráfico), que jamais foi considerado equiparado a hediondo n vigência da Lei anterior (art. 14 da Lei nº 6.368/76), os delitos citados no art. 44, caput, da Lei nº 11.343/06 (art. 33, caput, e §1º, art. 34, art. 36 e art. 37) são tidos como “tráfico de drogas”. Partindo para a análise dos artigos em questão, uma vez já enquadrados como Tráfico de Drogas, tem-se a previsão legal: 67 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único. 5ª Ed. Salvador: JusPODIVM, 2017. Pág 1004 36 Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. § 1o Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas. Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa. Art. 36 Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa. Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa. Vale frisar que, tanto o crime de tráfico de drogas quanto o crime de porte de droga para uso pessoal, a seguir analisado, são crimes de ação penal pública incondicionada. Significando que a ação será movida pelo Ministério Público, independente de qualquer representação ou condição. 3.3. Análise do artigo 33 da Lei 11.343/06 37 Importa destacar, para os fins propostos por esse trabalho, o caput do artigo 33 da Lei de Drogas, por trazer, em seu corpo, cinco núcleos do tipo penal iguais aos previstos no art. 28 da mesma lei, que será analisado posteriormente. A doutrina classifica o crime previsto no artigo 33 como crime comum, ou seja, qualquer pessoa pode praticar o crime, sem que haja qualquer qualidade especial exigida. Renato Brasileiro68, entretanto, adverte para uma exceção em relação ao verbo “prescrever”, pois “apenas aquele que exerce profissão habilitada à prescrição de drogas pode figurar como sujeito ativo do delito, como por exemplo, médicos e dentistas.”. O delito visa proteger a saúde pública, nos ensinamentos de Vicente Greco Filho69, “a deterioração causada pela droga não se limita àquele que a ingere, mas põe em risco a própria integridade social”. O mesmo autor completa70 afirmando que para a configuração do delito “não há necessidade de ocorrência do dano. O próprio perigo é presumido em caráter absoluto, bastando para a configuração do crime que a conduta seja subsumida num dos verbos previstos.”. Quanto ao elemento subjetivo, o artigo 33 pune apenas a título de dolo, devendo o agente ter consciência e vontade de praticar qualquer das condutas previstas. 68LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único. 5ª Ed. Salvador: JusPODIVM, 2017. Pág 1005. 69GERCO FILHO, Vicente. Tóxicos: prevenção-repressão. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011 Pág. 173 70 GERCO FILHO, Vicente. Tóxicos: prevenção-repressão. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011 Pág. 172 38 Nesse sentido, explica Renato Brasileiro71: “Apesar de a expressão “tráfico de drogas” estar relacionada à ideia de mercancia e lucro, fato é que a tipificação desse crime dispensa a presença de qualquer elemento subjetivo específico, bastando a consciência e a vontade de praticar um dos 18(dezoito) verbos constantes no art. 33” O delito é classificado, ainda, como crime misto alternativo. Dessa forma, praticando o autor do crime, em um mesmo contexto fático, mais de uma ação prevista no tipo penal, responderá apenas por um crime. Dentre as 18 condutas escolhida pelo legislador, cinco merecem especial atenção: adquirir, guardar, ter em depósito, transportar e trazer consigo. Tais verbos também se encontram no artigo 28 da mesma lei, que prevê o “crime de uso”. Adquirir, nas palavras de Vicente Greco Filho72, significa obter, ter incorporado em seu patrimônio, podendo ser de forma gratuita ou onerosa. Renato Brasileiro73 lembra que evidenciada a existência de um acordo de vontades sobre a droga e o preço, não há necessidade de tradição da droga ao seu adquirente, nem tampouco o pagamento do valor acordado. Ter em depósito e guardar são núcleos próximos que, por vezes, se tornam de difícil diferenciação na prática. Ambos estão relacionados com a ação de reter ou deter a droga, entretanto, o primeiro verbo possui características de mobilidade e transitoriedade, enquanto que o segundo está baseado em uma ocultação, tomando conta da substância. 71 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único. 5ª Ed. Salvador: JusPODIVM, 2017.pág. 1012 72GERCO FILHO, Vicente. Tóxicos: prevenção-repressão. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011 Pág. 176 73 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único. 5ª Ed. Salvador: JusPODIVM, 2017. Pág. 1006 39 Nesse sentido, ensina Vicente Greco Filho74: “... ambos têm o mesmo conteúdo físico que é o reter, a detenção; mas o primeiro[ter em deposito] tem um sentido de provisoriedade e mobilidade do depósito, ao passo que ‘guardar’ não sugere essas circunstâncias, compreendendo a ocultação pura e simples, permanente ou precária.” As duas ultimas ações também possuem certa similaridade, sendo o trazer consigo modalidadede transportar.75. Dessa forma, Renato Brasileiro76 sintetiza que transportar consiste em levar a droga de um lugar para outro, por meio não pessoal, enquanto que trazer consigo é transportar junto ao corpo ou em seu interior. Dessa forma, se o agente pratica qualquer das ações acima, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar está sujeito à pena de 05 (cinco) a 15 (quinze) anos. 3.4. Analise do artigo 28 da Lei 11.343/06 À semelhança do artigo 33, caput, o artigo 28, denominado crime de usou crime de posse de droga para consumo próprio, é um tipo penal misto alternativo, porém, como dito anteriormente, não possui as mesmas 18 (dezoito) condutas, apenas 5 (cinco) delas. Sem dúvida alguma, uma das mais importantes tarefas do operador do direito no campo da Lei 11.343/06 é estabelecer a correta distinção entres o crime de tráfico de drogas (art. 33) e o crime de uso (art. 28). De pronto, o artigo 28 traz um elemento subjetivo específico responsável por diferenciar a conduta entres os crimes analisados. Trata-se da 74GERCO FILHO, Vicente. Tóxicos: prevenção-repressão. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011 Pág. 176 75GERCO FILHO, Vicente. Tóxicos: prevenção-repressão. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011 Pág. 177 76 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único. 5ª Ed. Salvador: JusPODIVM, 2017. Pág. 1007 40 expressão “para consumo pessoal”. “Portanto, além do dolo, que pressupõe a consciência e vontade de, por exemplo, trazer consigo a droga, o tipo penal sob comento também faz referencia a uma intenção especial do agente: ‘para consumo pessoal’.”77 Sendo um elemento subjetivo, o especial fim do agente é de difícil comprovação na seara processual. Visando solucionar esse problema, existem dois sistemas utilizados pelos diversos ordenamentos jurídicos. O primeiro é o sistema da quantificação legal, em que o Estado define uma quantidade limite padrão de consumo diário de drogas. Nesse sentido, realizada a apreensão de entorpecentes em quantidade superior ao limite diário, estará configurado o crime de tráfico de drogas. Do mesmo modo, verificada que a quantidade não ultrapassa o limite diário, estará em frente a um usuário. O segundo é o sistema da quantificação judicial que, ao contrário do anterior, não há limite fixo defino, deverá o juiz “analisar as circunstancias fáticas do caso concreto e decidir se se trata de porte de drogas para consumo pessoal ou tráfico de drogas.”78 O §2º do artigo 28 da lei de Drogas adota o sistema da quantificação judicial, indicando, ainda, ao magistrado quais os elementos ele deve utilizar na valoração da conduta. Assim dispõe o §2º: § 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. 77 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único. 5ª Ed. Salvador: JusPODIVM, 2017.pág. 976 78 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único. 5ª Ed. Salvador: JusPODIVM, 2017. Pág. 977 41 Em síntese, além da quantidade e natureza da droga (sistema da quantificação legal), deve o julgador atentar para as demais circunstâncias do crime sob o risco de traficantes passarem a, por exemplo, transportarem pequenas quantidades de drogas e se verem livre do edito condenatório. Nesse sentido, ensina Vicente Greco Júnior79: A quantidade da droga, não se nega, é fator importante, mas não pode ser exclusivo, devendo, pois, o juiz apreciar as demais circunstâncias em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, bem como a conduta e os antecedentes do agente.” Uma vez distinguido os crimes de porte de droga para consumo pessoal e de tráfico de drogas, passa-se a importante análise acerca da constitucionalidade do artigo 28. Os que alegam a inconstitucionalidade da criminalização prevista no artigo 28, afirmam que o dispositivo viola o direito a intimidade, uma vez que a droga para consumo pessoal diz respeito unicamente à intimidade do individuo, não podendo o Estado adentrar em tal seara. Há, também, posicionamento que afirma a falta de ofensividade da conduta pois não haveria lesão concreta ou real, transcendental, grave ou significante e intolerável, de modo que mereça a tutela penal. De outra sorte, prevalece a orientação que defende a constitucionalidade do artigo 28, sob fundamentos que as condutas previstas colocam em risco a saúde pública, representando risco potencial a difusão do consumo de drogas. Ademais, defende essa corrente que o usuário serve de forte estímulo ao tráfico de drogas, uma vez que é o alvo da mercancia ilícita. 79GERCO FILHO, Vicente. Tóxicos: prevenção-repressão. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011 Pág. 155 42 Outro debate importante que surge com a promulgação da Lei 11.343/06 é sobre a natureza jurídica do artigo 28. Três correntes se levantam para definir a natureza: A primeira, defendida pro Luiz Flavio Gomes, afirma se tratar de infração penal sui generis, pois não é punida com pena de reclusão, detenção ou prisão simples, elementos conceituadores de crime e contravenção penal de acordo com o artigo 1º do Decreto-Lei nº 3.914/41 (Lei de Introdução ao Código Penal. Uma segunda corrente, a menos prestigiada no direito brasileiro, afirma que, com o advento da Lei 11.343/06, ocorreu verdadeira abolitio criminis, funcionando agora como infração do Direito judicial sancionador. A terceira corrente, adotada pelo Supremo Tribunal Federal, prega manutenção do status de crime e ocorrência de despenalização, uma vez que a lei adota processos ou medidas substitutivas à aplicação de pena privativa de liberdade. Conforme dito, o art. 28 da Lei de drogas não comina nenhuma pena privativa de liberdade. O tipo normativo prevê: Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Os §§ 3º e 4º estabelecem o tempo máximo de duração das penas previstas nos incisos II e II, dispondo que a prestação de serviços à comunidade e a medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo terão prazo máximo de 5 (cinco) meses, exceto em casos de reincidentes, em que a pena pode ser alongada até 10 (dez) meses. 43 Não sofrendo limitações em seu direito de liberdade, é comum o descumprimento das medidas impostas ao usuário de drogas. Dessa forma, o §6º estabelece medidas garantidoras do cumprimento das penas imposta na condenação. Prevê o §6º: § 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a: I - admoestação verbal; II – multa. 3.5. Prescrição dos crimes de tráfico de drogas e de porte de drogas para consumo pessoal Importante análise, para o fim proposto por este trabalho, é quanto à prescrição da pretensão punitiva dos crimes de tráfico de drogas e porte de drogas para consumo pessoal. Cometido um delito, surge para o Estado a possibilidade de aplicar a punição legalmente prevista ao autor do crime. À essa possibilidade se dá o nome de pretensão punitiva. Ocorre o ius puniendi do Estado não é ilimitado. Dentre as limitações existentes, surge a prescrição, uma limitação temporal que impede que a pretensão punitiva se alastre durante os anos. Explica Cleber Masson80: “Prescrição
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