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Awake #05 - Dead Asleep - Ashleigh Giannoccaro

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Sinopse 
 
Kian e Ivy retornam para a última parte da série Awake. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Capítulo Um 
 
Ivy 
 
— Kian. – Meu coração dispara e para ao mesmo tempo, por 
que ele está em meu apartamento? Estou paralisada e os meus pés 
não se movem. Quando ele se levanta e diz meu nome novamente, 
o medo me paralisa, e o vejo cair no chão, com o seu grande corpo 
caindo como um peso morto, atingindo o tapete com um baque 
pesado. 
Minha mão cobre minha boca sufocando o grito que escapa 
sem permissão. 
— Kian! – grito, ainda incapaz de me mover. Minha mente diz 
que ele está com problemas, que devo ajudá-lo, mas a minha 
próxima respiração diz que eu estou com problemas e que devo 
correr. Não consigo encontrar os meus movimentos ou minha 
reações, apenas fico lá com lágrimas caindo no meu rosto, 
encarando a pilha de um homem no meu chão. A falta de sua voz 
soa como um sino de igreja nos meus ouvidos, reverberando 
 
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através do meu corpo como um tremor secundário. Quando olho 
em volta, vejo tudo. A mesa posta para dois, a comida queimando 
no forno e a taça de vinho na mesinha onde ele estava sentado. 
Sinto o cheiro de loção pós-barba e xampu. Ele está aqui há um 
tempo. 
Está ficando cada vez mais difícil respirar, e eu estendo a mão 
para me apoiar contra a parede. Fechando os olhos, bloqueando 
tudo, forço ar nos meus pulmões. Quando abro os olhos e Kian 
ainda está inconsciente no chão da minha sala de estar, pego na 
minha bolsa meu celular e ligo para o 911. 
— Ele tem um pulso, senhora? 
— Eu não sei. Eu não o toquei. 
— Você pode colocar dois dedos no pescoço dele, como você 
vê na TV, e me dizer se consegue sentir o coração dele batendo? – 
A atendente diz, mas ainda estou paralisada na entrada do meu 
apartamento. 
— Acho que não posso. 
— Senhora, você está ferida? 
— Não, eu simplesmente não consigo me aproximar dele. – eu 
estou lutando para respirar novamente, e respirações irregulares 
pesadas ecoam no celular. 
— Eu preciso da sua ajuda, senhora. Por favor, você pode ver 
se ele tem um pulso? 
— Ivy! Meu nome é Ivy, e não quero chegar perto dele, eu 
estou com medo! – grito com ela agora. — Apenas envie uma 
 
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ambulância, por favor. Por favor. – eu digo o último apelo através 
de ranho e lágrimas, me abraçando firmemente com um braço e 
segurando o celular no ouvido com uma mão trêmula. 
— Eles estão quase aí, Ivy. – diz ela, com seu tom muito mais 
suave agora. — Ivy, você está bem? Está machucada? Aconteceu 
alguma coisa? 
— Estou grávida, com medo e sozinha. – eu soluço. — E ele 
está aqui no meu apartamento, e ele não deveria estar. Ele caiu, eu 
não fiz nada. Apenas aconteceu. 
— Ok, Ivy. Apenas fique na linha comigo até a ambulância 
chegar aí. Você conhece o homem que está inconsciente? Você 
pode me dizer algo sobre ele? 
— Kian, ele está - ele está doente. Ele não consegue dormir. 
Posso ouvir sirenes. Eles estão quase aqui. - ele não deveria estar 
aqui, ele não deveria. 
— Qual é o sobrenome dele, querida, para que eu possa enviar 
seu prontuário médico aos paramédicos, se encontrar algum. 
— Stanton, Kian Stanton. – eu gaguejo quando os socorristas 
entram pela minha porta ainda aberta. — Eles estão aqui. – eu 
deixei o celular cair no chão e deslizei pela parede que estava me 
apoiando. Há barulho e um monte de pessoas, o som de máquinas 
e bipes. 
— Ivy. 
— Ivy. 
 
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— Ivy, senhora! Você pode me ouvir? Você está bem? Você 
está machucada? – eu saio do meu torpor. Há uma chama furiosa 
dentro do forno e o apartamento está cheio de fumaça. Há um 
paramédico ajoelhado na minha frente e eles estão amarrando 
Kian em uma maca. — Você precisa ir ao hospital? Acho que 
você deveria vir conosco, provavelmente está em choque - isso 
não é bom para você ou para o bebê. 
Não estou ouvindo, estou ouvindo as palavras, mas elas não 
estão afundando. Olho para todos os pequenos detalhes na mesa 
de jantar. O mundo se inclina no seu eixo, e eu sussurro: — Não o 
deixe morrer, por favor. Não o deixe morrer. Eu o amo. 
— Ele está em boas mãos. Você acha que pode caminhar 
comigo e segui-los até a ambulância? 
Há um som estridente quando eles apagam o fogo do jantar, e 
eu aceno. A fumaça está ardendo meus olhos e grudando no fundo 
da minha garganta. — Apenas me segure. – diz ele, enquanto eu 
fico com as pernas trêmulas. 
 
 
Existe um tipo diferente de medo que passa por mim enquanto 
me sento na maca no pronto-socorro, se eu me deitar, não consigo 
ver o que está acontecendo ao meu redor. Estou desesperada para 
ouvir algo sobre Kian, esforçando-me para ouvir todas as 
enfermeiras, médicos e rapazes, caso digam algo - qualquer coisa - 
 
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sobre como ele está. Não sei por que me importo, não deveria me 
importar se está vivo ou morto. Ele estava em meu apartamento, o 
invadiu - eu deveria me sentir violada, não confortada. Mas de 
alguma forma, agora que eu processei um pouco, eu estou 
estranhamente à vontade com o fato de que ele voltou para mim e 
que estava lá esperando por mim. 
Nunca tivemos uma resolução, não houve um final definitivo 
para nós. Acabei indo e nunca olhei para trás. Não considerei por 
um segundo que pudéssemos ficar juntos. Minha raiva e medo 
dominaram o amor que ainda permanece até agora. Eu sei que ele 
me amava e que eu inegavelmente o amava até os meus ossos. 
Fomos deixados em aberto, essa coisa inacabada que ficou 
comigo. Eu nunca parei de amá-lo, simplesmente não conseguia 
parar de odiar o que ele havia feito. O ódio pode dominar o amor 
dez vezes, se você deixar, e quando ele nunca estendeu a mão ou 
me contatou, eu presumi que não era mais o que ele queria. Se ele 
não podia me observar, me perseguir ou invadir minha vida, então 
eu não era boa para ele. Eu me permiti acreditar que já não 
satisfazia as suas necessidades doentias. 
Passei meses me convencendo de que Kian não me queria 
mais, quando fui eu quem me afastou. Fui eu quem foi embora e 
agora, aqui sozinha no hospital com um bebê na minha barriga, 
me pergunto se cometi um erro. Quantas noites eu sonhei com ele 
enquanto estava deitada ao lado de Will? Quantos dias comparei 
silenciosamente os dois na minha cabeça? Kian nunca me deixou, 
ele correu atrás de mim naquela noite e eu nem lhe dei a chance de 
dizer o que ele queria dizer. 
 
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Eu era uma covarde. Eu fui cruel. 
— Ivy, eu quero fazer um ultra-som apenas para garantir que 
seu bebê esteja bem. – A doce obstetra de plantão fala comigo, sua 
voz é tranquilizante e suave. — Existe alguém que possamos ligar 
para você? O pai do bebê, talvez? 
— Não, não, está tudo bem. – eu balanço minha cabeça, 
tentando dissipar a névoa, não apenas a fumaça. 
— Você tem certeza? Não é bom estar sozinha neste lugar. 
— Ele já está aqui. – digo e engulo o caroço do tamanho de 
uma bola de golfe na minha garganta. — Ele estava na ambulância 
comigo. 
— Ah, querida, você deve estar preocupada e doente. Deixe-
me dar uma olhada em você, então vou te atualizar sobre seu 
marido. – ela diz enquanto a gel frio atinge minha barriga, me 
fazendo ofegar. 
— Ele não é meu marido. – eu a corrijo. 
— Ah, desculpe. – diz ela, com as bochechas coradas, 
envergonhada por seu erro. — Eu apenas supus. 
— Está tudo bem. – digo. 
Quando as machas em preto e branco no monitor se movem, 
posso distinguir os bracinhos e pernas do meu bebê. Eu conto os 
dedos e os pés. — Doutora... – eu começo a perguntar, porque 
agora estou me perguntando. — Se o pai do bebê tem uma doença 
hereditária, existe uma maneira de testar o bebê antes de ele 
nascer? 
 
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— Isso depende da doença e se vale a pena arriscar uma 
amniocentese1 para descobrir. 
— Insônia familiar fatal. – eu gaguejo as palavras, porque 
passei muitas horas nos últimos seis meses lendo todas as 
informações que pude encontrardela. 
— Nunca ouvi falar disso, mas deixe-me descobrir para você. 
– diz ela, parecendo desconfortável e fora de profundidade. — É 
isso que está errado com ele? Com o pai do bebê, é isso? – eu 
aceno com a cabeça e abaixo minha camisa de volta para o meu 
ventre. — Você e seu filho parecem estar perfeitamente bem, mas 
gostaria de mantê-la aqui por algumas horas para ter certeza. 
Então, deixe-me ter uma atualização e voltarei. Qual o nome dele? 
— Kian Stanton. 
— Já volto. – ela puxa a cortina em volta de mim novamente e 
me deixa lá cercada pelo caos. Observo as pessoas se movendo 
como formigas operárias, nenhuma delas parando para ver o que 
está acontecendo ao seu redor. Tudo focado apenas no trabalho em 
questão. Observo o pai de Kian entrar correndo pelas portas de 
vidro, empurrando as pessoas para fora do caminho. Ele está no 
posto de enfermagem, seu rosto está pesaroso e suas mãos agitam 
com o que ele está dizendo. Quando a enfermeira sai da mesa para 
ir buscar as respostas, não tenho dúvida de que ele está exigindo, 
ele se vira e nossos olhos se encontram. Posso ver a cor drenando 
de seu rosto, e as linhas de preocupação em sua testa se 
 
1 amniocentese é um método de diagnóstico pré-natal que consiste na 
aspiração transabdominal de uma pequena quantidade de fluido amniótico 
da bolsa amniótica, que envolve o feto. É tipicamente aconselhada aos pais 
perante a probabilidade de deformações genéticas durante a gravidez. 
 
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aprofundarem. Depois de alguns segundos paralisados, ele olha 
para a minha barriga e lentamente começa a andar em minha 
direção. Eu não deveria ter medo, mas o meu coração dispara e 
minhas mãos suam - eu mantive esse bebê em segredo. Estava 
errado, e eu sei disso. Eu estava sendo egoísta, deixei minha raiva 
dirigir minhas ações. 
— Ivy. – Sua voz sai como um sussurro quase silencioso. 
— Dr. Stanton. – eu o cumprimento. Meu lábio treme com a 
ameaça de lágrimas de medo que estão prestes a escorrer dos meus 
olhos. — Sinto muito. – eu deixo escapar sem pensar. 
— Esse é... esse é o bebê de Kian? – eu concordo com a 
cabeça em resposta à sua pergunta gaguejada. 
— Eu não poderia contar a ele. Eu estava com medo, me 
desculpe. Você tem que entender, o que ele fez, não estava certo. – 
eu tento justificar minhas ações desprezíveis. 
— Entendo. Você o viu? – ele me pergunta cautelosamente. 
— Ele estava em meu apartamento casa hoje à noite. – digo, 
com meu peito apertando com a ansiedade que o pensamento 
evoca. — Ele caiu, eu não pude ajudá-lo. Eu entrei em pânico. 
Sinto muito... – eu começo a soluçar. Choros ofegantes pesados 
escapam de mim e o monitor conectado à minha barriga começa a 
soar e emitir um sinal sonoro. 
— Sinto muito, Ivy, isso não é culpa sua. Você não precisava 
se desculpar. Acalme-se, querida. Não fique chateada, vai ficar 
tudo bem. Não importa o que, tudo ficará bem, eu vou garantir que 
você e meu neto sejam cuidados. Você não precisa se preocupar. 
 
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Ele cautelosamente coloca a mão no meu ombro, me olhando nos 
olhos, sua preocupação genuína é clara como o dia. Eu sei que ele 
não está mentindo para mim, que ele garantirá que não faltará 
nada para esse bebê 
— Estou preocupado com ele. – sussurro. 
— Eu também, eu também, Ivy. Eu preciso ir até ele. 
Concordo, engolindo meu choro. — Eu sei. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Capítulo Dois 
 
Kian 
 
Dormir/Dor-mir/substantivo. 
Uma condição do corpo e da mente que normalmente se 
repete por várias horas todas as noites, na qual o sistema nervoso 
está inativo, os olhos fechados, os músculos posturais relaxados e 
a consciência praticamente suspensa. 
Insônia/In-sô-ni-a/substantivo. 
Insônia habitual; incapacidade de dormir. 
 
Duas palavras que controlaram muito da minha realidade, 
oscilando entre dois extremos em que eu vivi por tanto tempo. 
Ciente de que estava pressionando os limites do que minha mente 
e o meu corpo podiam suportar, eu ainda não conseguia dormir - 
estou permanentemente acordado. Incapaz de sonhar. Uma 
 
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benção e uma maldição. A cura para minha dor de cabeça, mas a 
doença que roubaria minha felicidade. O sono é uma faca de dois 
gumes e que finalmente veio e me derrubou. 
Pelo menos ela foi a última coisa que vi. Se esse é o meu fim 
prematuro, pelo menos Ivy foi a última coisa que pus os olhos. 
Porque, mesmo agora, eu posso vê-la. Eu gostaria que fosse um 
sorriso que vi, mas não foi. Havia medo, um horror profundo em 
seus olhos, onde antes havia amor. Dizem que a sua vida irá 
aparecer diante de você quando você morrer - mas não há flash. 
Não estou pronto para ir, até que eu conte a ela. Preciso que ela 
saiba que fiz isso porque a amei no momento em que a vi. 
Eu não posso ficar longe; o universo continua me colocando 
de volta em seu caminho. Ela é a razão de eu não ir, é a razão de 
eu estar sempre acordado. Isso é tudo para que eu possa vê-la. 
Talvez ela seja a razão de eu estar dormindo agora. 
Pela primeira vez, eu quero reagir mais do que tudo, dessa 
maldição, desse demônio em minha mente que me impede de 
descansar. Quero cavar no meu DNA e removê-la da minha 
essência. Eu preciso viver - eu tenho que permanecer vivo por ela, 
por eles. Pelo o meu filho. 
Porque se pudessem me consertar, isso significaria que pode 
ser desfeito que eu amaldiçoe o meu filho. — Filho. – eu posso 
ouvir meu pai. Ele está aqui. Claro que ele está. — Estou aqui, 
estamos fazendo tudo o que podemos. Mas você tem que reagir. 
Não é como nas outras vezes, você tem que reagir mesmo, meu 
filho. – A voz dele é dolorosa de ouvir. Como se estivesse ferida e 
 
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hesitante. Ele não acredita em suas próprias palavras, desta vez 
ele acha que eu vou morrer. — Ivy está aqui, no hospital. 
É difícil respirar, ela está bem? Ela se machucou? É o meu 
bebê? É minha culpa? Meu monitor cardíaco está emitindo um 
bipe incontrolavelmente, e posso sentir meu peito apertando. Eu 
mereço morrer se os machuquei. 
— Ela está bem. – diz ele, colocando a mão na minha. Eu 
posso sentir, mas ainda não consigo acordar. Eu desejei dormir 
por tanto tempo, e agora eu mataria apenas para abrir meus 
olhos. — É o seu bebê, você será pai. Eu vou ser avô. Filho, você 
precisa reagir. – Há um momento longo, silencioso e tranquilo, 
acho que ele silenciou as máquinas de bip. — Por favor, filho. – 
ele está negociando, ele já está me entristecendo e nem sequer 
morri. Meu pai está sofrendo com a perda do filho há muito 
tempo. Pela primeira vez, entendo o que ele sente, porque sinto 
essa conexão com meu filho e ele ainda nem nasceu. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Capítulo Três 
 
Ivy 
 
Ele está naquela cama, com os lençóis brancos puxados até o 
pescoço e os olhos fechados, para que eu não possa ver o que ele 
está pensando. Não que já soubesse o que Kian estava pensando. 
Não consegui sair do hospital mesmo estando perfeitamente bem. 
Eu estou presa aqui por um fio invisível com ele. Minha cabeça 
quer odiá-lo, quer temer o monstro e fugir, mas meu coração está 
preso com o dele e não posso libertá-lo. 
Eu me pergunto como é, como deve ser a sensação de nunca 
encontrar descanso? Não é à toa que ele é louco. Ainda tento 
justificar as coisas que ele fez, porque não quero que ele seja um 
monstro, eu ainda o amo. 
— Você ainda está aqui? – Seu pai pergunta, chegando atrás 
de mim. 
 
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— De alguma forma, eu não posso ir embora. – eu respondo, 
virando-me para ver o seu rosto exausto. Os pés de galinha nos 
olhos dele são mais profundos do que eram quando eu o vi pela 
última vez, e as profundas olheiras embaixo deles carregam a 
bagagem de um filho doente. — Quero que eles façam aquela 
coisa amniótica e testem o bebê, receio que fique doente como ele. 
Ele está ao meu lado na porta, com os ombros um pouco 
curvados. — Acho bom saber. Eu teria gostado de saber antes de 
termos Kian. Eu poderia estar preparado,se soubesse. Perdi minha 
esposa e agora tenho que ver o mesmo destino levar meu filho. – 
sua voz treme. — Faria qualquer coisa para salvá-lo, para impedir 
que isso consumisse sua mente. Você deve saber, deve saber para 
poder saborear o tempo antes que a maldição os reivindique. 
— Ele irá morrer? 
— Eventualmente, sim. – ele me olha nos olhos agora. — 
Espero que não seja agora, eu estou negociando com Deus e o 
diabo para mantê-lo vivo e ver seu filho. Se você deixar, é claro. – 
ele diz: — Eu entenderia se você não quiser deixá-lo perto de você 
ou do bebê. 
— Ele invadiu meu apartamento, isso me assusta. – É a minha 
vez de lutar contra uma voz trêmula. — No entanto, quando olho 
para ele, não consigo desligar o amor que sinto por ele. Isso me 
cega para o perigo. 
— Eu não sei o que dizer para você, Ivy. Ele é meu filho, e até 
eu tenho medo dele às vezes. Eu sei que ele te ama, que em algum 
nível você o tornou melhor, por um tempo curto. Se ele acordar, 
acho que ele não vai deixar você ir, ele não vai parar. Então, se 
 
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seu medo é mais profundo que o seu amor, você precisa ir 
enquanto ele dorme. Vá muito longe e torne impossível para ele 
encontrar você, porque ele tentará. 
— Você acha que se eu o deixasse entrar, ele iria parar, que 
isso o consertaria? Se eu me abrisse para ele e o deixasse entrar na 
minha vida, ele ficaria feliz e não teria que temê-lo? 
— Ele ainda não conseguiria dormir, Ivy, ele nunca dormirá. 
— Não quis dizer isso, eu quis dizer que ele iria parar de 
invadir, perseguir e me assustar? 
— Sinceramente, não sei porque não sabemos quem acordará, 
se ele acordar. Não há como saber quanto do cérebro dele foi 
afetado. 
— Se o mesmo Kian que fechou os olhos, os abrir, então eu 
quero tentar. 
— Ele vai morrer jovem, Ivy, você está preparada para isso? –
A dor de suas palavras é fisicamente dolorosa. 
— Não estou preparada para ter um filho que nunca sinta o 
amor do pai. Se for por um dia, uma semana ou um ano. – Meu 
terapeuta disse que enfrentar um medo pode curá-lo - bem, é hora 
de enfrentar o Kian. 
— Vamos ver se ele acorda, então você pode decidir se é isso 
que você quer. – ele coloca a mão no meu ombro e olha para o 
filho adormecido. — Mas faça o teste, é melhor você saber, Ivy. –
O pai de Kian toca minha barriga suavemente antes de entrar no 
quarto, me deixando parada na porta sozinha. Ele se senta na 
cadeira desconfortável de visitante ao lado da cama de Kian e 
 
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abaixa a cabeça. Parece que ele está rezando, mas não há palavras 
saindo da boca dele. Eu vejo o homem conversando com as coisas 
que não podemos ver. 
— Você vem comigo? – pergunto a ele, e ele olha para mim. 
— Tenho medo de fazer isso sozinha. Eu fico com medo no 
minuto em que vejo a agulha. – ele parece trazido de volta, e 
desconfortável. — Não importa, esqueça o que pedi. No entanto, 
vou lhe dizer como foi. 
— Eu vou com você, Ivy. Você não deveria estar sozinha. 
— Obrigada. Vou marcar a consulta e avisá-lo quando será. – 
ele acena com a cabeça antes de olhar para o filho, dormindo 
profundamente nos lençóis brancos da cama do hospital. 
Engolindo o nó na garganta, eu me viro e o deixo, vagando pelos 
corredores até encontrar a obstetra que me ajudou no pronto-
socorro. Ela está correndo e parece perturbada, mas para quando 
me vê. 
— Ivy, você está bem? 
— Não. – balanço a minha cabeça. — Eu quero fazer aquele 
teste. A coisa amniótica. – ela pega minhas mãos e me puxa para o 
lado, para não bloquear o corredor. 
— Vá para a sala 559, encontrarei você assim que terminar 
com meu paciente. Podemos conversar mais sobre isso. Você está 
bem para chegar até lá? 
— Acho que sim. 
 
 
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Depois de um ultrassom e agendando a consulta, eu me 
encontro de volta à porta do quarto de Kian. É tão estranho vê-lo 
assim – impotente e dormindo. É como se as coisas sobre ele que 
me assustassem estivessem mortas, e apenas as partes que eu amo 
estivessem lá, agarradas à vida. Lembro-me de dançar com ele, do 
jeito que ele se abriu sobre sua tristeza. 
— Sinto muito. – sussurro para ele do pé de sua cama. O bipe 
constante da máquina ao seu lado muda e eu vejo os tracinhos 
aumentarem. Ele pode me ouvir. — Eu deveria ter lhe contado. Eu 
deveria ter lhe dado uma chance de me explicar, mas você me 
assustou, Kian, você me aterroriza, mesmo agora. Mas você me 
ama, e foda-se tudo, eu também te amo. – Os traços ficam loucos e 
os bipes são enlouquecedores agora, uma enfermeira passa 
correndo por mim para ver como ele está. 
— Eu te amo, Kian. – digo, saindo do quarto antes que me 
peçam para sair. Sento-me na cadeira no corredor e espero o Dr. 
Stanton chegar, porque sei que ele virá. Ele ama seu filho, e nada 
o impediria de tentar salvar Kian. 
O caos aumenta ao meu redor, há uma enxurrada de 
enfermeiras, médicos e barulho. O sinal sonoro. É como se 
estivesse dentro da minha cabeça e não consigo parar. Tampando 
os ouvidos e fechando os olhos, bloqueio tudo o que está 
acontecendo e lembro-me de respirar, porque mesmo isso é difícil. 
 
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Quando o bipe para e o corredor fica quieto novamente, abro 
os olhos e olho pela porta aberta para o quarto dele. O Dr. Stanton 
está ao lado da cama, com a cabeça inclinada, os lábios se 
movendo enquanto as lágrimas caem livremente pelo rosto. Eu sei 
que ele está negociando, oferecendo sua vida e alma para salvar 
seu filho. Não consigo ouvir suas orações, mas posso senti-las pela 
maneira que meu bebê chuta e se move. Quando ele abre os olhos, 
ele olha para mim, com desespero delineado em seu meio sorriso. 
Ele me lembra tanto Kian que é difícil não chorar. Levanto da 
cadeira e entro no quarto. 
— Sinto muito. – digo, engolindo minha culpa. — Foi minha 
culpa. Falei com ele e acho que ele me ouviu. Tudo ficou louco. 
— Não é sua culpa, Ivy. Kian está apenas cansado. O corpo 
dele está cansado, e não sei por quanto tempo podemos continuar. 
Eu esperava, mas agora parece impossível. 
— Eu agendei o aminoácido, você ainda vem comigo? – digo, 
desesperada para evitar a bomba da verdade que ele está tentando 
lançar sobre mim. — A médica pode fazer isso ainda hoje, ela 
disse que isso não deve demorar muito. 
— Claro, eu vou com você Ivy. – ele pega minha mão na dele 
e nós apenas vemos Kian dormir em silêncio por um tempo. 
 
 
 
 
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Capítulo Quatro 
 
Kian 
 
“Ele irá morrer?” 
“Eventualmente, sim.” ele me encara agora. “Espero que não 
seja agora, eu estou negociando com Deus e o diabo para mantê-
lo vivo e ver seu filho. Se você deixar, é claro.” ele diz: “Eu 
entenderia se você não quiser deixá-lo perto de você ou do bebê.” 
Vou morrer, mas não quero morrer. Quero segurar meu bebê 
nos braços, eu quero dançar com Ivy novamente. Quero vê-la 
adormecer com o nosso filho nos braços. 
Eu posso me sentir indo cada vez mais longe. Não a sinto mais 
e isso dói. Meu pai está tentando se controlar, tanto para ele 
quanto para ela - mas eu sei que ele está desmoronando. O fato de 
ouvi-lo rezar a um Deus que sei que ele não acredita me diz tudo 
o que preciso saber. Isso é demais, eles estão sofrendo, não posso 
ser salvo, devo deixar ir. 
 
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Se morresse, eles ficariam felizes - não haveria preocupação 
ou dor, haveria paz para eles. 
"Sinto muito." Seus sussurros são como um bom vinho, tão 
suave e quente. Sinto muito também, Ivy. 
“Eu deveria ter lhe contado. Eu deveria ter lhe dado uma 
chance de me explicar, mas você me assustou, Kian, você me 
aterroriza, mesmo agora. Mas você me ama, e foda-se tudo, eu 
também te amo.” Eu te amo, eu te amo até o ponto da loucura, 
Ivy. 
"Eu amo você, Kian." Eu não posso ir - ainda não. Mas, estou 
indo embora, finalmente o sono me encontrou e é tão bom que não 
quero que pare. A maneira como a escuridão me envolve e me 
segura, é um abraço reconfortante. Esse sono sem sonhos é uma 
benção. Não posso voltar - ainda não - mas também nãoposso ir. 
Estou dormindo profundamente - mas meu coração finalmente 
está bem acordado. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Capítulo Cinco 
 
Ivy 
 
— Você não acha que um cordocentese2 daria melhores 
resultados? As células-tronco do cordão umbilical podem ser uma 
opção melhor neste caso. – Dr. Stanton pergunta a obstetra ao 
montar uma bandeja ao lado da cama. — Daria resultados mais 
conclusivos, não é? – ele parece nervoso, como se quisesse mais 
respostas do que ela está dando a ele. 
— Tínhamos planejado um amniocentese, Dr. Stanton. – diz 
ela, fazendo uma pausa para considerar o que ele acabou de 
sugerir. 
— São testes especializados que precisamos solicitar. Eu acho 
que teríamos uma amostra melhor do cordão. De fato, devemos 
extrair as duas amostras. – eles falam como se eu não estivesse 
deitada ali na cama, com medo. Essa agulha é muito longa. Tipo, 
 
2 Cordocentese: também chamada de Amostragem Percutânea de Sangue de 
Cordão Umbilical (PUBS), é um teste de diagnóstico que examina o sangue 
do feto para detectar anormalidades fetais. 
 
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eu sinto-me desmaiar só de olhar por muito tempo. Minhas mãos 
estão suadas, e eu tenho formigamentos no meu rosto, a ideia de 
ser furada em minha pele é aterrorizante. 
— Parem! – finalmente disse, eu só quero que isso seja feito. 
— Apenas façam, faça as duas coisas, o que me der as respostas 
que eu preciso. 
— Sinto muito, Ivy. – diz Stanton, pegando minha mão. As 
mãos dele parecem as de Kian, só que mais velhas, e eu me 
pergunto se meu bebê terá as mesmas mãos. Eu me pergunto se 
essa pequena pessoa segurará minha mão e se eu sentirei o mesmo 
conforto que sinto agora que seu avô segura a minha. 
— Nós podemos fazer as duas coisas, Dr. Stanton tem razão. –
diz a obstetra quando uma enfermeira entra na pequena sala 
esterilizada. Percebo os brincos dela, eles são um garfo e uma 
colher. Parece uma coisa tão bizarra pendurar isso nos seus 
ouvidos, a sombra azul brilhante deles brilham sob as luzes 
brilhantes. Ela é uma distração bem-vinda das agulhas, testes 
intermináveis e conversas médicas. 
 
 
— Não foi tão ruim, parecia uma dor de menstruação. – digo a 
Misha por telefone. Ela está em pânico e quer voltar para casa. Ela 
está presa cuidando da mãe. 
— Não faça nada, apenas vá para casa e descanse. 
 
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— Eu tenho um emprego, Misha, e estou grávida, não morta. 
— Ainda não está morta, o papai louco dele entrou em coma 
antes que ele pudesse te matar e fazer um abajur em sua pele. – ela 
está surtando, estar perto de sua mãe não é bom para ela. 
— Ele não ia me matar, ele fez o jantar e pintou o quarto do 
bebê. Eu não acho que me matar estava na agenda. – eu sei que ele 
não estava lá para me matar. 
— O homem é louco e nunca dorme, duvido que ele tivesse 
uma agenda de verdade, Ivy! – ela está ficando exaltada. 
— Misha, eu preciso te contar uma coisa. – ela fica em 
silêncio, e é como se ela soubesse. — Eu o amo, e se ele acordar, 
eu vou dizer isso a ele. 
— Agora você perdeu a sua mente sempre esperta! – ela está 
gritando agora. — E Will? 
— Vou dizer a Will que acabou. Ele está em turnê e vivendo 
seu sonho. É melhor assim... para todos. 
— Não, não, não é. Um garoto com guitarra é melhor que um 
louco! 
— Misha, eu não amo Will. Eu amo Kian. 
— Eu não ligo! – Sua voz está gritando mais alto. — Eu não 
gosto do Kian, ele é louco. 
— Não, ele está doente e ele vai morrer. Ele merece conhecer 
seu filho antes disso. 
— Por que você é uma pessoa tão legal, Ivy? Por que você não 
pode ser uma cadela apenas uma vez? 
 
28 
— Eu o amo, Misha, eu realmente o amo. – Lágrimas 
escorrem pelas as minhas bochechas enquanto estou na porta do 
seu quarto e olho para ele dormindo. 
— Eu sei que você o ama. Sua idiota. 
— Eu preciso ir. Conversamos em breve, diga um oi para sua 
mãe. 
— Foda-se, você odeia minha mãe e eu a odeio. – eu ri dela, 
porque é verdade. — Tchau, Ivy. Cuide do meu afilhado até eu 
chegar em casa. 
— Tchau, Misha, eu te amo. – eu desligo e sento ao lado de 
Kian. Eu não falo dessa vez. Tenho medo de dizer qualquer coisa, 
caso algo dê errado como antes. Em vez disso, apenas seguro sua 
mão fria e mole e olho para ele. Olho realmente. Eu capto todos os 
detalhes minúsculos de seu rosto. Eu gostaria de poder enterrar 
minha cabeça em seu peito e cheirá-lo, mas tudo o que posso 
cheirar é hospital. A ardência clínica do desinfetante desentope o 
meu nariz, e não há vestígios dele, apenas seu corpo quebrado 
deitado aqui. Eu me pergunto se isso é tudo culpa minha, se eu me 
virasse e lhe desse uma chance naquela noite no evento de 
caridade. Se eu tivesse contado a ele sobre o bebê, ele estaria 
assim agora? Eu poderia ter impedido que isso acontecesse? 
— Não é sua culpa, Ivy. – Seu pai entra no quarto, lendo 
minha mente. — Você está bem? Gostaria de uma carona para 
casa? Você deveria descansar. 
— Isso seria ótimo, obrigada. – eu só não quero ficar sozinha 
com meus próprios pensamentos. 
— Você precisa cuidar de si e do bebê. Você parece cansada 
hoje, Ivy. 
 
29 
— Estou cansada. – eu respondo honestamente enquanto 
caminhamos pelo corredor, longe do quarto de Kian. — Estou 
exausta. 
— Você está fazendo muito. 
— Estou fazendo o que preciso. 
— Você não precisa trabalhar, Ivy. Nós cuidaremos de você. 
Por mais bonito que pareça, tenho medo de ser grata a Kian de 
qualquer forma. Se fizermos isso, precisará ser em pé de 
igualdade. 
— Obrigada, mas eu gosto do meu trabalho, Dr. Stanton. 
— Apenas saiba que a oferta existe e fica de pé a qualquer 
momento. Não importa o que aconteça. – Não importa o que 
aconteça? 
— Obrigada. – eu murmuro enquanto saímos do hospital e 
entramos em um carro para a cidade. 
Dr. Stanton trabalha em seu telefone e laptop o tempo todo e, 
quando o motorista para no meu prédio, ele olha para cima e diz 
rapidamente: — Tchau, Ivy. – antes dele continuar trabalhando. 
Lá se vai a minha companhia. 
 
 
 
30 
Preciso ligar para Will, eu sei que tenho que fazer isso. Sento-
me no sofá, calculando os fusos horários, verificando o horário 
que ele me enviou, tentando descobrir se ele está por perto para 
atender uma ligação. Gostaria de poder beber uma taça de vinho 
antes de fazer isso. 
Disco o número dele e conto os toques antes que ele atenda. 
Estou quase pronta para desistir quando ele atende, com a sua voz 
grogue e grossa. Eu o acordei. 
— Will. 
— Ivy, ah, oi. – então, eu ouço os sussurros abafados e uma 
garota rindo. Eu deveria estar com raiva, desligar, ou gritar, mas 
estou secretamente aliviada. 
— Você estava dormindo? Eu te acordei? – pergunto a ele. 
— Não, não, está tudo bem. Eu estava apenas tirando uma 
soneca. Como você está? E o bebê? 
— Estou bem, na verdade... não, não estou bem. 
— O que há de errado? Aconteceu alguma coisa com o bebê? 
– ele instantaneamente parece sóbrio. 
— O bebê está bem, mas Kian veio me ver. 
— Eu vou matá-lo, Ivy! Você está bem? 
— Will, me escute. Este é o filho dele, e devo isso a ele por 
pelo menos tentar. 
— O que você está dizendo? 
 
31 
— Eu vou ficar com Kian, é o que estou dizendo. – eu fungo 
as lágrimas, porque não quero machucá-lo, mesmo que ele esteja 
na cama transando com outra pessoa agora. 
— Mas, Ivy. Porra. – eu posso ouvi-lo se afastando das vozes 
agora. 
— Will, vá perseguir seu sonho. Não estou te dando um fora, 
estou te libertando. 
— Ivy, não. 
— Will, eu preciso. 
— Por favor, Ivy. 
— Adeus, Will. Obrigada por tudo. 
— Ivy! Por favor... Porra. Eu sinto muito. 
— Não precisa se desculpar, Will, você não fez nada de 
errado. 
Não consigo mais falar, minha garganta está entupida com os 
soluços que eu estou segurando, meu rosto está molhado pelas 
lágrimas enquanto desligo o celular e olho as marcas de fumaça 
nas paredes da cozinha. Um lembrete de que Kian esteve aqui - 
sentado nesta cadeira. Pego o travesseiro e enterro minha cabeçanele, esperando que cheire um pouco como ele. 
 
 
 
 
 
32 
Capítulo Seis 
 
Kian 
 
Estou sozinho. Ninguém está aqui agora. As vozes se foram, 
seus dedos macios não estão mais entrelaçados nos meus. Está 
muito quieto, na minha cabeça eu estou gritando. Ninguém pode 
me ouvir enquanto eu grito, continuo indo até ficar sem fôlego e 
meus pulmões ardem. Minha garganta está seca e lágrimas caem 
na minha fronha, mas ainda não há ninguém aqui. Todos se foram 
- me deixando sozinho. 
Eu não quero dormir sozinho. Eu não quero dormir sozinho. 
Eu quero acordar. Eu nunca quero dormir de novo. 
 
 
 
 
 
33 
Capítulo Sete 
 
Ivy 
 
É impossível me concentrar no trabalho hoje, aguardar esses 
resultados do teste está me matando. É como se eu estivesse 
segurando uma bomba, apenas esperando ela explodir. Realmente 
quero saber se meu bebê não conseguirá dormir, perder ou não sua 
mente, enlouquecer e morrer? Eu preciso saber disso? Sim, sim, 
mas não quero. 
Continuo checando meu celular para garantir que não perdi 
uma ligação. Eles disseram três semanas até sabermos sobre a 
Insônia Familiar, já faz três semanas e um dia. Movo meu celular 
para o local da minha mesa, onde sei que tem a melhor recepção, 
mas as únicas chamadas foram de Will. Há três semanas, ele não 
para de me ligar. Prometi a mim mesma que bloquearia o número 
dele se ele ligasse novamente, mas não consigo. 
E se Kian morrer? E se eu precisar de Will então - eu sei que 
isso parece doentio. Ele é como essa proteção que não quero 
desistir, só por precaução. 
 
34 
Eu não posso mais fazer isso. 
— Bev, posso ir? Hoje não estou me sentindo bem. – minto. 
Eu me sinto bem. exceto pela minha mente estúpida que eu perdi. 
Ela olha para o relógio antes de me dar um aceno de cabeça e um 
olhar de decepção. Estou perdendo tantas bolas que deveria estar 
fazendo malabarismo agora, eu odeio falhar. No saguão, pego meu 
celular e ligo para o número de Misha, já que ela deveria estar em 
casa hoje. Eu preciso que ela esteja em casa. A solidão está me 
deixando louca. Não posso enfrentar outra visita sozinha ao 
hospital, só preciso que ela me abrace e tenha uma conversa fiada 
por tempo suficiente para que eu me sinta humana novamente. 
— Ivy. – ela atende, parecendo um pouco sem fôlego. 
— Você voltou? Diga-me que voltou, por favor. 
— Você está bem? Voltei, literalmente acabei de passar pela 
minha porta da frente. 
— Posso passar aí? Estou saindo do trabalho agora. 
— Claro que você pode. Vou deixar a chave embaixo do 
tapete, preciso muito de um banho. 
— Te vejo em breve. 
— Mal posso esperar. Senti falta da sua fofura e gravidez. 
Eu rio, já mais leve, sabendo que ela voltou. Eu nunca precisei 
de uma amiga mais do que agora. Eu chamo um Uber porque 
estou cansada, e agora um trem deixaria minha ansiedade além do 
limite. 
Felizmente, o motorista é quieto e nada tagarela. Passo a 
viagem inteira olhando para a tela do meu celular desejando que 
ele toque. Misha deixou a chave embaixo do tapete, como ela 
 
35 
disse que faria para que eu pudesse entrar. Suas malas ainda estão 
no hall de entrada e seus sapatos estão onde ela os tirou no 
caminho para o quarto. O apartamento cheira a ela e velas da 
Yankee Candle3 de limão e baunilha. 
— Estou aqui. – grito enquanto entro no quarto dela. 
— Ah, oii. – ela murmura com uma escova de dente na boca, 
saindo do banheiro privativo. — Espere. – ela levanta um dedo 
para eu esperar e volta a escovar os dentes. Quando ela termina, 
ela entra no quarto e me envolve em um abraço, seu corpo absorve 
minha ansiedade, amortecendo a dor implícita que carrego comigo 
há semanas. 
— Deus, eu senti sua falta. – digo. 
— Também senti sua falta. Minha mãe me deixou louca. – ela 
diz, me puxando para sentar com ela na cama. — Diga-me tudo o 
que eu perdi. Como está meu afilhado? – ela esfrega as mãos na 
minha barriga, e o bebê chuta como um louco. — Ah, veja, ele já 
me ama. Eu serei a tia legal que permite que faça todas as coisas 
legais. Estou lhe dizendo. 
Eu sei que ela não está errada, ela será a melhor tia do mundo. 
— Ainda estou esperando os resultados do teste. Não tenho 
certeza se quero saber. 
— E Kian? 
 
3 Yankee Candle: é uma fabricante e varejista americana de velas 
perfumadas, castiçais, acessórios e louça. Seus produtos são vendidos por 
milhares de lojas de presentes em todo o país, por meio de catálogos e on-
line, e em quase 50 países ao redor do mundo. 
 
 
36 
— Ainda o mesmo, ele está tecnicamente em coma. Eles estão 
começando a desistir de acordá-lo, ouvi o médico dele dizendo ao 
pai que é hora de começar a tomar decisões. Dr. Stanton ficou 
louco com ele, não foi uma conversa agradável. 
— Você quer que ele acorde? – ela me pergunta, ainda 
tocando minha barriga. 
— Mais do que nada. Mesmo que seja apenas por um 
momento em que este bebê nasça, apenas um minuto para ver seu 
filho. Eu só quero um momento. Preciso que ele saiba que o amo, 
mesmo que tenha medo dele. – eu não posso mentir para ela. Vê-
lo desaparecer me cortou profundamente. Eu estou tão zangada 
comigo mesma pelos seis meses que perdi com medo e raiva. 
— Então você continua esperando por esse momento. – diz ela 
com um sorriso reconfortante. 
— Conte-me sobre sua casa? – pergunto a ela, mudando de 
assunto. — E todos os homens que foram abandonados por causa 
do quadril quebrado de sua mãe. 
Ela ri e abraça um travesseiro no peito. — Havia apenas um, 
um homem solteiro, o tempo todo. 
— Você está mentindo! 
— Sem mentiras, apenas um. – ela está sorrindo como o gato 
que recebeu leite. 
— Quem é você e onde está minha amiga promíscua? 
Ela balança a cabeça. — Ele é um treinador de tênis, um 
treinador profissional de tênis. – Suas bochechas coram e há um 
brilho estranho nela. — Ele tem a melhor bunda que você já viu 
 
37 
em sua vida! Por que eu nunca assisti tênis? Você já viu as bundas 
deles? 
Eu ri dela agora, ela nunca assistia esporte por qualquer outro 
motivo. Antes que ela possa me dizer mais, meu celular toca no 
bolso. Eu tenho que me deitar para tirá-lo, porque minha barriga 
de gravidez está no caminho de tudo. 
— Alô, Ivy falando. – digo, sem reconhecer o número. 
— Oi Ivy, a médica tem os resultados dos seus testes. Você 
poderia vir hoje à tarde para vê-la? 
— Sim, sim eu posso. Que horas? 
— Você pode chegar aqui em uma hora? – eu olho para o meu 
relógio. Vai ser uma corrida daqui, mas não fico mais esperando. 
— Eu posso. 
— Perfeito, nós nos veremos em uma hora. – eu me levanto da 
cama e vou em direção à porta antes mesmo de desligar. Misha me 
segue instintivamente. 
— Eu preciso que você me leve ao hospital, em menos de uma 
hora. 
— Eu não sou Mika Häkkinen4, você sabe. – ela diz. — Mas 
farei o possível para violar todas as leis de trânsito para você. 
Esses são os resultados do teste? 
Concordo, pegando a minha bolsa enquanto ela coloca seus 
sapatos descartados. 
 
4 Mika Häkkinen: é um ex-automobilista finlandês. Conquistou dois títulos 
mundiais na Fórmula 1, onde teve grande rivalidade com Michael 
Schumacher. 
 
38 
 
Chegamos aqui com alguns minutos de sobra. Liguei para o 
Dr. Stanton no caminho, ele já estava aqui com Kian. A sala de 
espera está cheia de casais e posso sentir lágrimas de nervoso 
começando a aparecer nos meus olhos. Eu não quero fazer isso 
sozinha. 
A médica me chama no consultório e o pai de Kian vem 
comigo. Deixo Misha na sala cheia de mulheres grávidas e ela está 
pirando um pouco. Os dois médicos na sala trocam um monte de 
conversas médicas antes de ela se dirigir a mim. 
— Ivy, sua filhinha não tem o gene para insônia familiar fatal. 
Ela vai ficar bem. 
— Uma menina? Eu estou tendo uma menina? 
— Ah, me desculpe, você não sabia? – ela tapa a boca, 
visivelmente pedindo desculpas por estragar a surpresa que eu 
tentava tanto manter. Não consigo parar de chorar - meu bebênão 
está doente, mas o pai dela vai morrer. Eu estou tendo uma 
menininha, uma filha. Ah, Deus, por favor, não a deixe ser um 
desastre como eu. Por favor, deixe-a ser tão forte quanto seu pai e 
tão sã quanto seu avô. — Sinto muito, Ivy, eu não sabia. 
— Tudo bem. – eu fungo, olhando-a nos olhos. — Ela está 
bem? Não há nada de errado com o meu bebê? 
— Não, não há nada errado, você tem trinta e duas semanas e 
tudo está perfeito. Estou feliz por termos feito esse teste. Você 
pode relaxar agora. 
 
39 
Minha mente nunca está relaxada. Minha mente está 
quebrada, e meu coração também. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
40 
Capítulo Oito 
 
Kian 
 
Há longas horas de silêncio. Não sei ao certo quanto tempo 
passa antes de senti-la entrar no meu quarto novamente. Só sei 
que quando ela não está lá, sinto falta dela. Ela não fala muito, 
mas sei que ela está aqui - eu posso sentir o cheiro dela. Sinto-a. 
Ela é minha Ivy, eu sempre soube que ela seria minha. Mesmo 
agora ela não pode me deixar - eu sabia que ela nunca iria. 
Jen me visita também, ela vem quando está quieto. Ela diz que 
posso ir com ela, posso deixar tudo o que me machuca, posso 
ficar dormindo e ficar com ela para sempre. Ela me deixa abraçá-
la, e é tão bom. Eu a amo, sempre a amarei. Mas, toda vez que 
volto, Ivy está perto. 
Ivy está aqui agora, ela está ao meu lado. Sinto o cheiro das 
lágrimas dela, ela está chorando. Os sons suaves de fungadas que 
ela está tentando esconder fazem meu peito apertar. Eu posso 
sentir sua mão macia na minha enquanto ela a levanta. Ela é tão 
quente que seu toque é como a luz do sol entrando pela janela em 
 
41 
uma manhã de outono. Ela coloca minha mão na barriga. Eu 
gostaria de poder movê-la, que eu pudesse senti-la do jeito que 
costumava. 
"Estamos tendo uma menininha", ela sussurra, e uma lágrima 
fria cai na minha pele, que queima como água fervente. "Você 
pode senti-la?" Ela me pergunta, com sua voz trêmula rachando 
de dor. "Ela está bem. Ela não está doente - sem maldição. Ela 
vai dormir profundamente.” - A voz dela é tão baixa. Tanta dor e 
alívio em sua voz. Sinto a vibração do meu bebê se movendo 
dentro dela e uma lágrima escorre pela minha bochecha. Não sei 
se ela pode ver, mas espero que sim, espero que ela saiba que 
posso ouvi-la. 
"Por favor, não morra, Kian. Por favor, acorde novamente. 
Você pode vê-la dormir, eu vou a ver com você. 
"Ivy". É a voz do meu pai que rouba nosso momento. Ele 
parece cansado e velho. Posso imaginar que o cabelo dele é mais 
grisalho e as rugas dos olhos são mais profundas. A gravata 
estará solta e o botão superior estará aberto. "Podemos 
conversar?" 
"Claro." Ela coloca minha mão de volta ao meu lado, com a 
conexão com a minha família arrancada muito cedo. 
"Existe uma maneira de salvar Kian." Não posso ser salvo, 
pai, pare - deixe-me ir. 
"O que você quer dizer?" Eu posso ouvir a outra cadeira se 
mover, ele está sentado ao lado dela, como eles fizeram tantas 
vezes. 
"Seu bebê não está doente." 
"Não, a médica disse que ela está bem." 
 
42 
“Exatamente, seu bebê tem células-tronco, as que eles tiraram 
para fazer o teste. É experimental, mas acredito, e alguns outros 
médicos da Europa, que a terapia com células-tronco poderia 
salvar Kian. Essas células podem reprogramar seu corpo.” Ele 
está gaguejando, as palavras são confusas. Há um "mas" lá 
dentro. "Mas estamos preocupados que ele esteja ficando sem 
tempo e precisamos colher células do cordão umbilical agora. É 
arriscado, mas você tem trinta e duas semanas, o bebê é viável." 
“Eu não tenho certeza do que você está me pedindo?” 
“Quero que você doe células-tronco de sua filha para salvar 
Kian. Eu quero fazer uma coletagem de células-tronco assim que 
pudermos.” 
"Não podemos fazer isso quando ela nascer?" Espere, o que? 
Não faça nada para machucar meu bebê. 
"Poderíamos, mas o tempo não está do nosso lado, Ivy." 
"Quais são os riscos?" 
"O mesmo que com o teste de amniocentese, parto prematuro, 
aborto." 
"Não", ela diz suavemente. "Eu já fiz uma vez, sei que ela está 
bem. Eu não vou fazer isso de novo. Não estou arriscando perder 
ela e ele.” 
"Por favor, Ivy." 
"Você tem que esperar até ela nascer." 
"Ivy, por favor." Ouça ela, pai. Não quero isso se isso 
significa arriscar minha filha. Eu gostaria de poder gritar. Eu 
quero gritar com ele para ouvi-la. 
 
43 
Capítulo Nove 
 
Ivy 
 
Eu não consigo. Ela está bem. Não posso arriscar machucá-
la. 
Não por algo que pode nem funcionar. É muito cedo, ela é 
muito pequena. Tenho medo do que acontecerá quando ele 
acordar, se acordar. 
— Eu não posso fazer isso. Sinto muito. – digo e o deixo lá no 
quarto com Kian. Misha me disse que esperaria na cafeteria por 
mim. Eu preciso sair daqui, isso é demais. 
 
 
 
44 
Dr. Stanton me pediu para parar de trabalhar, para eu me 
cuidar melhor. Ele colocou dinheiro na minha conta bancária - 
nem sei como ele conseguiu os detalhes da minha conta. Quando 
eu não parei de trabalhar, ele obviamente usou sua influência na 
indústria porque eu fui demitida. Ele se pergunta de onde Kian 
consegue suas maneiras loucas de controle - um palpite, do seu 
pai. Tento visitar Kian quando sei que ele não estará lá. 
Usei o dinheiro dele para comprar tudo rosa que a loja de 
bebês tinha, então sentei no chão no mar de cores pastel e chorei 
por uma hora. Nada disso é o que eu esperava, nada me preparou 
para tudo o que estou sentindo. Hormônios, sentimentos, seja o 
que for, não estou pronta para nada disso. 
Kian está piorando. Seu pai está ficando mais desesperado 
todos os dias. Estou quase com medo de que ele me sequestre 
apenas pela pequena chance de que essa célula-tronco possa 
funcionar. A madrasta dele está me dando um chá de bebê hoje. 
Isso parece estranho, eu não quero ir. É como se eles achassem 
que esse bebê pode preencher a lacuna que Kian vai deixar, que eu 
vou fazer parte da vida deles - eu nem os conheço. 
Não acho que sobrou nenhuma parte de Kian, ele está se 
afastando e todos nós estamos guardando uma lembrança. 
— Sente-se quieta. – diz Misha enquanto enrola meu cabelo 
ao redor do babyliss. — Deixe-me fazer você parecer bonita hoje. 
Hoje é um dia feliz - você acha que pode tentar sorrir? 
— Não, não realmente. – digo, abanando meu rosto tentando 
não deixar minhas lágrimas ardentes caírem e estragar a minha 
maquiagem. Sinto-me como uma baleia encalhada e perdi 
completamente o controle da bexiga e das emoções. 
 
45 
— Anime-se, docinho. Estarei lá com você. Vamos aproveitar 
todos os presentes e o bolo de pessoas ricas. Então vamos para 
casa e você pode chorar no meu colo. 
— Ok. – digo, respirando fundo. É só um dia. Eu posso fazer 
isso. — Podemos parar e visitar Kian depois? 
— É claro que podemos. – ela tira o babyliss e me abraça, seu 
rosto sorridente no espelho me faz sorrir também. Não posso 
deixar de me sentir um pouco triste, ela vai embora amanhã para 
visitar seu playboy do tênis. Eu vou ficar sozinha - de novo. 
A festa é rosa, muito rosa. Com cupcakes e doces rosa. Todas 
as nuances, do magenta ao salmão, não há nada que não seja rosa. 
Sou rodeada de parabéns de estranhos e recebo presentes caros 
que não cabem no meu pequeno apartamento. 
Eu sorrio e digo obrigada até as minhas bochechas doerem, há 
mil 'ahhs' e 'fofos' murmurados. Todos bebem champanhe rose e 
morro um pouco por dentro, desejando poder tomar uma garrafa 
inteira apenas para me entorpecer a tristeza que me domina. 
Quando a festa finalmente termina, meus pés estão inchados e 
meus olhos estão pesados - eu só quero ir para casa. 
Eu digo a Misha para não ir ao hospital. Estou muito cansada e 
ela me leva para casa com o máximo de presentes que poderíamos 
colocar no carro dela. O restante será entregue e não terei espaço 
para morar em minha casa. 
 
 
46 
 
Misha saiu cedo esta manhã, medeixando sozinha com uma 
montanha de coisas de bebê e meus próprios pensamentos de 
companhia. Quando isso se torna esmagador, pego um táxi para o 
hospital. Ninguém está lá com Kian, então me sento ao lado dele, 
coloco a mão na minha barriga e esvazio todos meus pensamentos 
para ele. Falo sobre todas as coisas cor-de-rosa que estão tomando 
conta do meu apartamento, e sobre o bolo, e o quanto queria beber 
o champanhe rose. Eu falo com ele como se ele pudesse me ouvir. 
Eu não sei se ele pode, as máquinas de bip não ficam loucas 
quando falo mais. Gostaria de saber se ele ainda está lá. Ele está 
dormindo há tanto tempo que é difícil imaginá-lo abrindo os 
olhos. Faz cinco semanas desde que seu pai me pediu para arriscar 
a vida de minha filha para salvar a de Kian - e ainda não consigo. 
Todo dia eu a amo mais, e ele se afasta ainda mais de nós. Seu 
cérebro está morrendo - ele está morrendo, e o meu coração está 
morrendo com ele. 
Movendo-me na cadeira desconfortável para que sua mão 
descanse onde o bebê chuta, minhas costas doem. Fecho os olhos 
e apenas descanso, o conforto de seu toque é a pequena coisa que 
me faz sentir bem no oceano de loucura ao meu redor. 
— Eu te amo, Kian, mas a amo mais. Sinto muito. – sussurro 
com os olhos fechados. Eu cochilo, sonhando com outra vida em 
que fizemos escolhas diferentes. Onde eu nunca fui embora - onde 
ele não estava doente. Permitindo-me imaginar um futuro juntos, 
como uma família. Isso me faz sentir quente, com uma sensação 
de calor irradiando da mão dele para o meu núcleo. 
 
47 
O calor é dominado pela dor que me faz chorar e me sentar 
acordada. A dor volta e eu me curvo e choro. As máquinas do bipe 
estão ficando loucas de novo, as linhas onduladas são planas e 
quando me levanto, uma corrente de líquido quente escorre pela 
minha perna, encharcando minhas leggings. 
— Por favor, se afaste, Ivy. – diz a enfermeira, tentando 
chegar a Kian. 
— Eu não posso. Acho que minha bolsa acabou de estourar. 
Ela olha para a poça em que estou antes de começar a gritar 
ordens para a outra enfermeira do quarto. Eu me sinto engraçada, 
confusa da minha cabeça. O quarto está movendo como se eu 
estivesse de ressaca e não consigo parar de fechar os olhos. Eu 
vou cair. Eu alcanço a parede atrás de mim e a perco. Caindo de 
joelhos, o grito que me escapa pode quebrar o vidro - os sinais da 
linha plana na tela são mais altos. Eles gritam com a minha alma. 
Eu esperei muito, é tarde demais. Ele vai morrer. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
48 
Capítulo Dez 
 
Kian 
 
"Kian, Kian, vamos lá", Jen chama por cima do ombro. Ela 
está puxando minha mão e caminhando em direção ao lago onde 
demos nosso primeiro beijo. Sinto o cheiro do filtro solar em sua 
pele e seu cabelo está soprando com o vento forte da tarde. A 
água brilha com o brilho do sol e a luz dança na superfície 
irregular. 
Há um feliz entusiasmo que faz minha pele suar. Estamos 
correndo em direção à água agora, e o som de sua risada me faz 
sorrir. 
Quando a água fria bate nos meus pés, paro. Eu não posso ir 
com Jen. 
"Vamos lá", diz ela de brincadeira. 
"Ainda não." 
 
49 
"Kian, já é hora", ela sussurra, com sua mão segurando meu 
rosto enquanto ela me olha nos olhos. "Você não pode ficar 
dormindo para sempre." 
"Eu não quero deixá-los, ainda não." 
"Eles são melhores sem você, Kian, você não foi feito para o 
mundo deles. Estou esperando há tanto tempo por você." 
"Jen, espere." Ela está me puxando agora para a água, mais 
fundo do que eu quero ir. Está frio - tão frio. Não sinto mais Ivy, 
não sinto o cheiro dela. Eu sinto falta dela. Eu a quero de volta. 
"Não." 
Eu posso ouvi-la gritando enquanto saio da água, deixando 
Jen para trás em um rastro de devastação. Algo está errado. 
Alguém precisa ajudá-la. 
Mas, por mais que eu tente, não consigo sair da água, não 
consigo escapar do frio. Eu quero acordar. Eu preciso vê-la 
novamente. Meus pulmões ardem quando deslizo para baixo da 
superfície e tudo o que estava preso se foi. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
50 
Capítulo Onze 
 
Ivy 
 
— Como você está se sentindo? – Dr. Stanton pergunta do 
lado da minha cama. 
— Como se eu tivesse apenas uma cesariana de emergência. 
Eu me machuco, fico triste e feliz ao mesmo tempo. – Quando 
olho nos olhos dele, vejo palavras não ditas. — Eles conseguiram 
o que precisavam para ajudar Kian? – ele assente, e eu vejo seus 
olhos cheios de lágrimas. 
— Eles conseguiram, mas é um tiro no escuro agora. Kian está 
desaparecendo mais rápido do que isso pode salvá-lo. 
— Sinto muito, sinto muito. – eu choro, incapaz de controlar 
minhas emoções. Meus soluços acordam a criança pequena no 
berço ao meu lado. 
— Está tudo bem, Ivy. Eu entendo. Eu entendo. – ele me dá 
um lenço para enxugar meus olhos. — Ela é perfeita. Tão perfeita. 
– ela é tudo, é o universo inteiro e muito mais. Há uma sensação 
 
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avassaladora de calma que me atinge no momento em que a 
seguro contra mim. — Eu vim para perguntar se eu poderia levar 
vocês duas para vê-lo. Pode ser a única chance que temos. – eu 
não sei o que dizer, o que ele quer dizer? — Amanhã, Kian será 
transferido para uma clínica onde poderão administrar a terapia 
com as células-tronco. E se não der certo, então... – ele não precisa 
terminar sua frase. Eu aceno com a cabeça, segurando o pequeno 
pacote rosa mais perto de mim ainda. 
— Vamos ver seu pai, pequenina. – sussurro para a minha 
filha ainda sem nome. 
— Vou pegar uma cadeira de rodas, eles não vão deixar você 
sair daqui, receio. Ainda não, de qualquer forma. – ele se levanta e 
há um leve sorriso no rosto quando vê o bebê. 
Kian está murchando. Seu corpo parece frágil e magro na 
cama e sua pele é acinzentada. Seus lábios estão rachados e ele 
tem um tubo de respiração agora. Há um sinal sonoro constante do 
monitor ao lado dele e, quando a enfermeira nos vê entrar, ela 
abaixa o volume e nos deixa sozinhos com ele. 
— Eu vou deixar você ter alguns momentos, Ivy. Eu estarei lá 
fora. – diz o pai dele. Ainda não consigo parar de chorar porque 
meu coração sabe que isso é um adeus e que a culpa é minha. 
Quando ele se foi, eu me movo para poder tocar sua mão. Fecho 
os olhos e tento me lembrar do sorriso dele, dos olhos dele, de 
tudo e rezo para que os veja em nossa filha. 
— Sinto muito. – eu sussurro enquanto choro. — Você tem 
uma filha, ela é nossa. Ela é tão perfeita. Eu gostaria que você 
pudesse vê-la, cheirá-la, sentir sua mãozinha envolver em torno de 
seu dedo. Eu gostaria de poder lhe dar tudo isso. – Minhas mãos 
estão tremendo enquanto eu a seguro. Eu posso sentir como meus 
olhos estão inchados, e tudo se mistura através das lágrimas. 
 
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Levantando-me com as pernas trêmulas, puxo o lençol branco que 
o cobre e coloco o pequeno embrulho no peito exposto entre todos 
os fios e monitores. 
Com a mão na bunda dela, deixei meu bebê sentir o batimento 
cardíaco do pai porque talvez não houvesse outra chance. Quero 
que eles conheçam o coração um do outro. Mordo o interior da 
minha boca para silenciar meus gritos enquanto a vejo descansar a 
cabecinha contra ele. 
Eu gostaria que ele abrisse os olhos e olhasse para ela. Rezo 
para que ele possa senti-la, que seu cheiro esteja gravado em sua 
mente quebrada, que ele saiba que ela o ama, como eu. Naqueles 
minutos preciosos, meu coração se despede dele. Eu sei que Kian 
se foi e eu e nossa filhinha teremos que continuar sem ele. Não há 
bala de prata ou varinha mágica que possa consertá-lo agora. 
Inclinando-me, beijo sua bochecha e abraço minha família por 
alguns momentos. — Eu amo você, Kian, e prometo que vou 
cuidar dela. – O monitor começa a gritar, e o som deve me fazer 
afastar, devo pedir ajuda. Mas não posso abandoná-lo. Eu apenas 
seguro esse minuto precioso pelo tempo que posso. Quando a 
porta se abre e a equipe entra, gritando para eu sair, sou empurrada 
para a cadeirade rodas e saio do quarto, seguida por uma 
enfermeira segurando meu bebê chorando. 
Sei que foi um adeus e peço para ser levada de volta para o 
andar de cima. Não posso sentar aqui e ouvi-lo morrer. Meu 
coração não pode partir mais do que já está quebrado. 
 
 
 
 
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— Você está bem? – Misha pergunta enquanto olho pela 
janela para o apartamento que agora sei que era dele. Não ouvi 
uma palavra de sua família desde o dia em que fui levada para fora 
de seu quarto quando ele morreu. Eu acho que eles me culpam. E 
eles deveriam - eu poderia ter ajudado, mas protegi egoisticamente 
minha filha e deixei o seu filho morrer. 
— Eu estou bem. – minto. Há essa manta de tristeza ao meu 
redor, não há nada que possa passar por ela. Estou falhando como 
mãe. Graças a Deus Misha está por perto para ajudá-la, porque 
não sei o que estou fazendo. 
— Eu acho que você precisa falar com alguém, Ivy. Eu acho 
que você tem depressão pós-parto, depressão ou algo assim. Estou 
preocupada com você. 
— Estou bem. – eu continuo mentindo, na esperança de que 
ela fique em silêncio, e me distraio com o bebê que não para de 
chorar. 
— Você não está e sua filha precisa de você. Então, estou lhe 
dizendo para ir tomar banho e marcar uma consulta com seu 
psiquiatra, hoje. É hora de ser forte, Sunshine. Não posso ficar por 
perto a cada minuto do dia, em algum momento você precisará 
fazer isso. 
Suas palavras duras são como uma bomba explodindo – um 
choque de realidade que eu não sabia que precisava. 
 
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— Ok. – eu gaguejo, virando-me para encará-la agora. Ela está 
segurando Kassia nos braços, e seus olhos estão pesados com a 
mesma tristeza que sinto até os ossos. 
— Você precisa de ajuda, Ivy. Não posso ajudá-la, você 
precisa de mais do que posso lhe dar. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Capítulo Doze 
 
Kian 
 
Você é tão linda quando dorme, eu não consigo parar de 
observá-la. Naquela noite, a luz ainda está acesa no canto, e há 
uma mamadeira na mesa de centro onde costumava estar sua taça 
de vinho. Eu posso sentir o leve cheiro do seu perfume pairando 
no ar. 
A música toca suavemente, com uma canção de ninar de notas 
suaves e vozes roucas cantando para você dormir todas as noites. 
Você está fazendo um trabalho incrível de mãe, e eu posso sentir o 
quanto você ama Kassia, apenas observando você com ela. 
Eu silenciosamente arrumo os brinquedos no chão da sala e 
os coloco na cesta ao lado do sofá. Então eu coloco a mamadeira 
na pia para ser lavada antes de entrar no quarto dela e ficar de pé 
sobre o berço. Ela está dormindo profundamente, o barulho suave 
do monitor do bebê ao lado da cama me impedindo de pegá-la. 
Mas apoio minha mão em seu pequeno peito e apenas a sinto 
respirar por um tempo antes de dizer um suave boa noite. 
 
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Ajoelho-me ao lado da sua cama antes de sair e dou um beijo 
de boa noite, mas você nunca saberá que eu estive aqui. Você está 
dormindo profundamente. 
 
 
 
 
 
 
 
Fim

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