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Como Trabalhamos com Grupos - Zimerman&Osório

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Z'7lc Zimerman, David E.
Como trabalhâmos colì ì gruì l i s . D:L\ ir l E. Ztncfi Ì ì :1._.. L: iz Ciìrìos
Osorio.. . [ct. al] - Porlo Al.cr. : . \ Írs \ Íédì.â!. I99:.
l . Técnicas psicoteÍápir$. L O\orio. L.C. IL TÍLrìo
cDU 615.85 r
Câtalogaçl io na publicâção: \ Íôn i( r Baììcjo Canlo - CR B l0/ 1023
ISBN 35 7:07-212-2
DAVID E. ZIMER]VIAN
LUIZ CARLOS OSORiO
H COLABORAI)ORES
COMO TRABALHAMOS COM
GRUPOS
PORTO ALEGRE, I997
õs
-?, -ã-
Sumário
Pref4nin
Clqudio M. Martins
PrÁìnon
Davìd E. Zímerman
PARTE 1- REVISÃO GERAL SOBR-E GRUPOS
I Fundamentos teóricos .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .23
David E. Zimerman
2 Fundamentos técnicos... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .33
Dqvid E. Zimerman
3 Atributos desejáveis para um coordenador de grupo ............. .................41
David E. Zímemun
4 A famíl ia como grupo primordial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .49
Luiz CarLos Osorío
5 Grupos espontâneos: as turmâs e gangues de adolescentes....................59
David E. Zímerman
ó Processos obstrutivos nos sistemas sociais, nos grupos e
nas inst i tuições. . . . . . . . . .69
Luíz Carlos Osorío
7 Classi f icação gerâl dos grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .75
David E. Zimerman
8 Como supervisionamos em grupoterapia .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .83
Luiz Carlos Osorio
PARTE 2 - PRÁTICA COM GRUPOS OPERATIVOS E PSICOTER(PICOS
9 Como agem os grupos operativos? .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .95
Janíce B. Fiscmann
l0 Grupos comunitários... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . l0l
Salv,ador Celia
11 Grupos de auto-ajuda... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
Carlos A.S.M. de Barros
12 Como agem os grupos terapêuticos? .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
David E. Zìmennan
13 Grupoterapia psicânalít ica .. . . . . . . . . . . . . . .127
Davìd E. Zimernnn
L4 Psicanál ise compart i lhada: atual ização.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143
Gerqrdo Steín
15 Grupoterapia das configurações vinculares .. . . . . . . . . . . . . . .153
Waldemar José Fernandes
16 Laboratór io terapêut ico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
Francísco BapÍista Neto
17 Psicodrama. . . . . . . . . . . . . .169
Nedío Seminotti
PARTE 3. PRÁTICA COM GRUPOS ESPECIAIS
18 Grupoterapia com pacientes somáticos: 25 anos de experiência.......... 185
Júlio de Mello Filho
19 Grupos com portadores de transtomos al imentares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .205
Rubén Zukerfeld
20 Grupoterapia para alcoolistas. ...........219
Sérgio de Paula Ramos
2l Grupos com drogadictos .. . . . . . . . . . . . . . . . . .229
Sílvía Brasiliqno
22 Grupo com deprimidos .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .241
Gilberto Brofman
23 Grupos com autistas... . . . . . . . . . . . . . . . . . , . . . . .249
Soni Mariq dos Santos Lewis
Viviane Costa de Leon
24 Psicoterapia com pacientes intemados e egressos .. . , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .269
José Onildo B. Contel
PARTE 4. PRT(TICA COM GRTJPOS NA ÁREÁ DE FAMÍLIA
25Ocasal :umaent idadepsicanal í t ica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .283
Janine Puseí
xvlIl
26A famíl ia como grupo e o gnÌpo como famíI ia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .293
.lí. C ri s t itú Rav azzo lct
Susana Barilari
Gastórt Mazieres
Grupos com gestantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .305
Geraldiv Rantos Viçosa
Grupos com cr ianças.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .311
Ruth Blay Levislq
. . . . .321
Luiz Carlos Osorio
Grupos com idosos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Guite L Zimerman
PARTE 5 - PRÂTICA COM GRUPOS NA AREA DO ENSINO E DA
APRENDIZAGEM
27
28
t0
30 .. . . . . . . . . . .331
Luiz Carlos llLafont Coronel
32 Grupos de educação médicâ ...
David E. Zímerman
33 O trabalho com gnìpos na escoIa.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .359
José Ouoni Outeiral
J4 Grupos de or ientação prof issional com alunos adolescentes.. . . . . . . . . . . . . . .373
Aidê Knijník Wainberg
PARTE 6 - PRÁTICA COM GRUPOS NA ÁREA INSTITUCIONAL
35 Terapia inst i tucional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .389
Luiz Cqrlos Osorio
36 Formação de l íderes: o grupo é o fórum adequado.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .399
Mauro Nogueíra de Olíveíra
37Atendimentoagruposeminst i tu ições.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .405
Neidí Margareth Schneider
38 Laboratório: exercício da autoridade, modelo Tavistok .......................413
Neidí Margareth Schneíder
Luiz Carlos Osorío
Mauro Nogueira de Olìveira
Mônica Guazellí Estrougo
Epí logo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .421
Luiz Carlos Osorio
PARTE 1
Revisão Geral
sobre Grupos
Fundamentos Teóricos
DAVIDE, ZIMERMAN
Coerente com a proposição geral deste livro, que é a de manter uma simplificação de
natureza didática dos assuntos pertinentes aos grupos, o presente capítulo vai abordar
unicamente alguns aspectos que fundamentam a teoria - tendo-se em vista a sua
aplicabilidade prática -, sem a menor pretensão de esgotar ou de explorar toda a
complexidade de um aprofundamento teórico que a dinâmica de grupo permite, pro-
picia e merece.
Inicialmente, a fim de situar o leitor que ainda não esteja muito familiarizado
com a área de grupos, mencionaremos e faremos uma breve referência a alguns dos
autores mais citados na literatura e que mais contribuíram para o desenvolvimento do
movimento grupalista. A seguir, será feita uma necessária revisão acerca da conce!
tuação de grupo e, por último, uma abordagem dos aspectos psicológicos contidos na
dinâmica do campo grupal.
ALGUNS AUTORES IMPORTANTES
J. Pratt. As grupoterapias estão comemorando o seu primeiro centenrírio de existên-
cia. Isso se deve ao fato de que a inauguração do recurso grupoteriípico começou com
este tisiologista americano que, a partir de 1905, em uma enfermaria com mais de 50
pacientes tuberculosos, criou, intüitivamente, o método de "classes coletivas", as
quais consistiam em uma aula prévia, ministrada por Pratt, sobre a higiene e os pro-
blemas da tuberculose, seguida de perguntas dos pacientes e da sua livre discussão
com o médico. Nessas reuniões, criava-se umclima de emulação, sendo que os pacien-
tes mais interessados nas atividades coletivas e na aplicação das medidas higieno-
dietéticas eram premiados com o privilégio de ocupar as primeiras filas da sala de
aula.
Esse método, que mostrou excelentes resultados na aceleração da recuperação
física dos doentes, está baseado na identificação desses com o médico, compondo
uma estrutura familiar-fratemal e exercendo o que hoje chamamos "função continen-
te" do grupo. Pode-se dizerque essa se constitui naprimeira experiência gmpoterápica
registrada na literatura especializada e que, embora tenha sido realizada em bases
empíricas, serviu como modelo para outras organizações similares, como, por exem-
plo, a da prestigiosa "Alcoólicos Anônimos", iniciada em 1935 e que ainda se man-
tém com uma popularidade crescente. Da mesma forma, sentimos uma emoção fasci-
nante que sentimos ao percebermos que na atualidade a essência do velho método de
24 . ZMERìaAN & osoRlo
Pratt está sendo revitalizada e bastante aplicada justamente onde ela começou, ou
seja, no campo da medicina, sob a forma de grupos homogêneos de auto-ajuda, e
coordenada por médicos (ou pessoal do corpo de enfermagem) não-psiquiatras.
Freud. Embora nunca tenha trabalhado diretamente com grupoterapias, Freud
trouxe valiosas contribuições específicas à psicologia dos grupos humanos tanto im-
plícita (petos ensinamentos contidos em toda a sua obra) como também explicita-
mente, através de seus 5 conhecidos trabalhos: As perspectivas futuras da terapêu-
ticapsicanalítica (1910), Totetn e tabu (1913), Psicologia das massas e aruilise do
ego (1921), O futuro de uma ilusdo (1927) e Mal-estar na civilização (1930).
Já no trabalho de 1910, Freud revela uma de suas geniais previsões ao conceber
que "... o êxito que 1 terapia passa a ter no indivíduo haverá de obtêla na coletivida-
de". Em Totem e tabu, aÍravés do mito da horda selvagem, ele nos mostra que, por
intermédio do inconsciente, a humanidade transmite as suas leis sociais, assim como
estas produzem a cultura. No entanto, o seu trabalho de 1921 ê considerado como
particularmente o mais importante para o entendimento da psicodinâmica dos gru-
pos, e nele Freud traz as seguintes contribuições teóricas: umarevisão sobre a psicolo-
gia das multidões; os grandes grupos artificiais (igreja e exército); os processos iden-
tificatórios (projetivos e introjetivos) que vinculam as pessoas e os grupos; as lideranças
e as forças que influem na coesão e na desagregação dos grupos. Nesse mesmo traba-
lho, Freud pronuncia a sua clássica âfirmativa de que "a psicologia individual e a
social não diferem em sua essência", bem como aponta para as forças coesivas e as
disruptivas quejuntam e separam os indivíduos de um grupo. Esta última situação é
ilustrada por Freud com uma metáfora que ele tomou emprestada do filósofo
Schopenaueq a qual alude à idéia de uma manada de porcos espinhos, no invemo,
procura se juntar em um recíproco aconchego aquecedor; no entanto, a excessiva
aproximação provoca ferimentos advindos dos espinhos e força uma separàção, num
contínuo e interminável vaivém.
J. Moreno. Em 1930, este médico romeno introduziu a expressão "terapia de
grupo". O amor de Moreno pelo teatro, desde a sua infância, propiciou a utrlização da
importante técnica grupal do psicodrama, bastante difundido e praticado na atualidade.
K, Lewin. A vertente sociológica do movimento grupalista é fortemente inspi-
rada em KuÍ Lewin, criador da expressão "dinâmica de grupo", com a qual ele subs-
tituiu o conceito de "classe" pelo de "campo". Desde 1936, são relevantes os seus
estudos sobre a estrutura psicológica das maiorias e das minorias, especialmente as
judaicas. Da mesma forma são importantes as suas concepções sobre o "campo grupal"
e a formação dos papéis, porquanto ele postulava que qualquer indivíduo, por mais
ignorado que seja, faz parte do contexto do seu grupo social, o influencia e é por este
fortemente influenciado e modelado.
S,H.Foulkes. Este psicanalista britânico inaugurou a prática da psicoterapia
psicanalítica de grupo a partir de 1948, em Londres, com um enfoque gestáltico, ou
seja, para ele um grupo se organiza como uma nova entidade, diferente da soma dos
indivíduos, e, por essa razão, as interpretações do grupoterapeuta deveriam ser sem-
pre dirigidas à totalidade grupal. Foulkes introduziu uma série de conceitos e posnÌlados
que serviram como principal referencial de aprendizagem a sucessivas gerações de
grupoterapeutas, sendo considerado o líder mundial da psicoterapia analítica de gru-
DO.
j
I
COMOI RABAL}IAMOs COM ARUPOS . 25
Pichon Rivière. Trata-se de um psicanalista argentino altamente conceituado,
tendo se tornado o grande nome na área dos grupos operativos, com contribuições
originais, mundialmente aceitas e praticadas. Este autor, partindo do seu "esquema
conceitual-referencial-operativo"(ECRO), aprofundou o estudo dos fenômenos que
surgem no campo dos grupos e que se instituem para a finalidade não de terapia, mas,
sim, a de operar numa determinada tarefa objetiva, como, por exemplo, a de ensino-
aprendizagem. A partir das postulações de Pichon Rivière, abriu-se um vasto leque
de aplicações de grupos oper'Ìtivos, as quais, com algumas variações técnicas, são
conhecidas por múltiplas e diferentes denominações.
W.R.Bion. Durante a década 40, este eminente psicanalista da sociedade britânica
de psicanálise - fortemente influenciado pelas idéias de M. Klein, com quem se ana-
lisava na época -, partindo de suas experiências com grupos realizadas em um hospi-
tal militar durante a Segunda Guerra Mundial, e na Tavistock Clinic, de Londres,
criou e difundiu conceitos totalmente originais acerca da dinâmica do campo grupal.
Entre as suas contribuições vale destacar a sua concepção de que qualquer gru-
po se movimenta em dois planos: o primeiro, que eÌe denomina "grupo de trabalho",
opera no plano do consciente e está voltado para a execução de alguma tarefa; subja-
cente a esse existe em estado lâtente, o "grupo de pressupostos básicos", o qual está
radicado no inconsciente e suas manifestações clínicas correspondem a um primitivo
atavismo de pulsões e de fantasias inconscientes. Bion formulou três tipos de supos-
tos básicos: o de dependência (exige um líder carismático que inspire a promessa de
prover as necessidades existenciais básicas), o de /ata e fuqa (de nafireza, paranóide,
requer uma liderança de natureza tirânica para enfrentar o suposto inimigo ameaça-
dor) e o de apareaìnento (também conhecido como "acasalamento", alude à forma-
ção de pares no grupo que podem se acasalar e gerar um messias salvador; portanto,
é um suposto inconsciente que, para se manter, exige um líder que tenha algumas
características místicas). Além disso, Bion contribuiu bastante para o entendimento
da relação que um indivíduo portador de idéias novas (que ele chama de "místico" ou
"gênio") trava com o establishnlent no qual ele está inserido. Esta úÌtima concepção
tem se revelado de imprescindível importância para a compreensão dos problemas
que cercam as instituições.
Pela importância que Bion representa para o movimento grupalista, vale a pena
mencionar alguns dos aspectos que ele postulou:
. O grupo precede ao indivíduo, isto é, as origens da formação espontânea de gru-
pos têm suas raízes no grupo primordial, tipo a horda selvagem, tal como Freud a
menclonou.
. Os supostos básicos antes aludidos representam um atavismo do grupo primitivo
que está inserido na mentalidade e na cultura grupal.
. A cultura grupal consiste na permanente interação entre o indivíduo e o seu gru-
po, ou seja, entre o narcisismo e o socialismo.
. No plano tran ;-subjetivo, este atavismo grupal aparece sob a forma de mitos
grupais, como são, por exemplo, os mìtos de Eden (Deus versas Conhecimento,
sob ameaças de punição); Babel (Deus versrs Conhecimento, através do estabele-
cimento de confusão); Esfinge (tem o Conhecimento, porém luta pelo não-conhe-
cimento, tal como aparece na clássica sentença "decifra-me ou te devoro", ou,
"me devoro (suicídio) se me decifrares"); Edipo (castigado pela curiosidade ano-
sante e desafiadora).
2ó . zlltERrlÂN & osoRlo
. Organizâção da cultura, através da instituição de normas, Ìeis, dogmas, conven-
ções e um código de valores morais e éticos.
. O modelo que Bion propôs para a relação que o indivíduo tem com o grupo é o da
relação continente-conteúdo, a qual compoÍa três tipos: parasitiírio, comensal e
simbiótico.
. A relação ql'l.e o establÌshmeÌrÍ mantém com o indivíduo místico, sentido como
um ameçador portador de idéias novas, adquire uma dessas formas: simplesmen-
te o expulsam, ou ignoram, ou desqualificam, ou co-optam através da atribuição
de funções administrativas, ou ainda, decorrido algum tempo, adotam as suas
idéias, porém divulgam-nas como se elas tivessem partido dos pró-homens da
cúpula diretiva.
. A estruturação de qualquer indivíduo requer a sua participação em grupo.
Escola Francesa. Na década de 60, começam a surgir os trabalhos sobre a dinâ-
mica dos grupos com um novo enfoque, a partir dos trabalhos dos psicanalistas fran-
ceses D. Anzieu e R. Kàes, os quais, retomando alguns dos postulados originais de
Freud, propõem o importante conceito de "aparelho psíquico grupal", o qual está
dotado das mesmas instâncias que o psiquismo inconsciente individl:al, mas não dos
mesmos princípios de funcionamento. Com as concepções teóricas desses dois auto-
res, o edifício que abriga as grupoterapias começa a adquirir alicerces referenciais
específicos e representa uma tentativano sentido de as grupoterapias adquirirem uma
identidade própria.
Escola Argentina. Os nomes dos psicanalistas argentinos L. Grinberg, M. Langer
e E. Rodrigué já são bastante conhecidos, porquanto o seu livro Psicoterapia del
grupo tornou-se uma espécie de bíblia para algumas gerações de grupoterapeutas em
formação. Na atualidade, é necessário destacar: Geraldo Stein, com as suas concep-
ções originais a respeito do que ele denomina "psicanálise compartida"; Rubén
Zuckerfeld, com as suas importantes contribuições na utilização de técnicas grupais
no atendimento a pacientes portadores de transtornos de alimentação; e grupo de
autores argentinos - no qual, entre outros, pontifica o nome de Janine Puget - que
vêm estudando e divulgando a modema " psicanálise das configurações vinculares",
notadamente com casais, famílias e grupos.
Brasil. No Brasil, a psicoterapia de grupo de inspiração psicanalítica teve co-
meço com Alcion B. Bahia; outros nomes importantes e pioneiros são os de Walderedo
Ismael de Oliveira e Wemer Kemper, no Rio de Janeiro; Bernardo Blay Neto, Luis
Miller de Paiva e Oscar Rezende de Lima, em São Paulo, e Cyro Martins, David
Zimmermann e Paulo Guedes, em Porto Alegre. Na atualidade, há no Brasil uma
série de pessoas, em diversas e múltiplas áreas, trabalhando ativamente em busca de
novos caminhos e de uma assistência mais ampla e abrangente com a aplicação dos
recursos da dinâmica grupal.
coNcErTUAçAO DE GRUPO
O ser humano é gregário por nâtureza e so.Iente existe, ou subsiste, em função de
seus inter-relacionamentos grupais. Sempre, desde o nascimento, o indivíduo partici-
pa de diferentes gÍupos, numa constante dialética entre a busca de sua identidade
individual e a necessidade de uma identidade sruDâl e social.
COMO I'RÂBALHAMOS COM ORUPO5 
' 
27
Um conjunto de pessoas constitui um grupo, um conjunto de grupos constitui
uma comunidade e um conjunto interativo das comunidades configura uma socieda-
de.
A importância do conhecimento e a utilização da psicologia gmpal decorre jus-
tamente do fato de que todo indivíduo passa a maior parte do tempo de sua vida
convivendo e interagindo com distintos grupos. Assim, desde o primeiro grupo natu-
ral que existe em todas as culturas - a família nuclear, onde o bebê convive com os
pais, avós, irmãos, babá, etc., e, a seguir, passando por creches, escolas maternais e
bancos escolares, além de inúmeros grupos de formação espontânea e os costumeiros
cursinhos paralelos -, a criança estabelece vínculos diversificados. Tais grupamentos
vão se renovando e ampliando na vida adulta, com a constituição de novas famílias e
de grupos associativos, profissionais, esportivos, sociais, etc.
A essência de todo e qualquer indivíduo consiste no fato dele ser portador de
um conjunto de sistemas: desejos, identificações, valores, capacidades, mecanismos
defensivos e, sobretudo, necessidades básicas, como a da dependência e a de ser
reconhecido pelos outros, com os quais ele é compelido a conviver. Assim, como o
mundo interior e o exterior são a continuidade um do outro, da mesma forma o indi-
vidual e o social não existem separadamente, pelo contrário, eles se diluem,
interpenetram, complementam e confundem entre si.
Com base nessas premissas, é legítimo afirmar que todo indívíduo é um grupo
(na medida em que, no seu mundo interno, um grupo de personagens introjetados,
como os pais, irmãos, etc., convive e interage entre si), da mesma maneira como todo
grupo pode comportar-se como uma individualidade (inclusive podendo adquirir a
uniformidade de uma caracterologia específica e típica, o que nos leva muitas vezes
a referir determinado grupo como sendo "um grupo obsessivo", ou "atuadoÍ", etc.).
É muito vaga e imprecisa a definição do termo "grupo", porquanto ele pode
designar conceituações muito dispersas num amplo leque de acepções. Assim, a pa-
lavra "grupo" tanto define, concretamente, um conjunto de três pessoas (para muitos
autores, umarelação bipessoaljá configuraum grupo) como também pode conceihrar
uma famflia, uma turma ou gangue de formação espontânea; uma composição artifi-
cial de grupos como, por exemplo, o de uma classe de aula ou a de um grupo
terapêutico; uma fila de ônibus; um auditório; uma torcida num estádio; uma multi-
dão reunida num comício, etc. Da mesma forma, a conceituação de grupo pode se
estender até o nível de uma abstração, como seria o caso de um conjunto de pessoas
que, compondo uma'audiência, esteja sintonizado num mesmo programa de televi-
são; ou pode abranger uma nação, unificada no simbolismo de um hino ou de uma
bandeira, e assim por diante.
Existem, portanto, grupos de todos os tipos, e uma primeira subdivisão que se
faz necessária é a que diferencia os grandes grupos (pertencem à iírea da macro-
sociologia) dos pequenos grupos (micropsicologia). No entanto, vale adiantar que,
em linhas gerais, os microgrupos - como é o caso de um grupo terapêutico - costu-
mam reproduzir, em miniatura, as características sócio-econômico-políticas e a dinâ-
mica psicológica dos grandes grupos.
Em relação aos microgrupos também se impõe uma necessária distinção entre
grupo propriamenÍe dito e agrupamento. Por "agrupamento" entendemos um con-
junto de pessoas que convive partilhando de um mesmo espaço e que guardam entre
si uma certa valência de inter-relacionamento e uma potencialidade em virem a se
constituir como um grupo propriamente dito. Pode servir de exemplo a situação de
uma "serialidade"de pessoas, como no caso de uma fila à espera de um ônibus: essas
pessoas compartem um mesmo interesse, apesar de não estar havendo o menor víncu-
28 . ZMERMAN & (xoRlo
lo emocional entre elas, até que um determinado incidente pode modificar toda a
configuração grupal. Um outro exemplo seria a situação de uma série de pessoas que
estão se encaminhando para um congresso científico: elas estão próximas, mas como
não se conhecem e não estão interagindo elas não formam mais do que um agrupa-
mento, até que um pouco mais adiante podem participar de uma mesma sala de dis-
cussão clínica e se constituírem como um interativo grupo de trabalho. Pode-se dizer
que a passagem da condição de um agrupamento para a de um gnrpo consiste na
transformação de "interesses comuns" para a de "interesses em comum".
O que, então, caracteriza um grupo propriamente dito? Quando o grupo, quer
seja de natureza operativa ou terapêutica, preenche as seguintes condições básicas
mínimas, está caracterizado:
. Um grupo não é um mero somatório de indivíduos; pelo contrário, ele se consti-
tui como nova entidade, com leis e mecanismos própfios e específicos.
. Todos os integrantes do grupo estão reunidos, face a face, em tomo deuma tarefa
e de um objetivo comuns ao interesse deles.
. O tamanho de um grupo não pode exceder o limite que ponha em risco a indis-
pensável preservação da comunicação, tanto a visual como a auditiva e a conceitual.
. Deve havera instituição de um enquadre (seÍing) e o cumprirnento das combina-
ções nele feitas. Assim, além de ter os objetivos claramente definidos, o grupo
deve levar em conta a preservação de espaço (os dias e o local das reuniões), de
tempo (horiários, tempo de duração das reuniões, plano de férias, etc.), e a combi-
nação de algumas regras e outras variáveis que delimitem e normatizem a ativi-
dade grupal proposta.
. O grupo é uma unidade que se comporta como uma totalidade, e vice-versa, de
modo que, tão importante quanto o fato de ele se organizar a serviço de seus
membros, é também a recíproca disso- Cabe uma analogia com a relação que
existe entre as peças separadas de um quebra-cabeças e deste com o todo a ser
arÍnado.
. Apesar de um grupo se constituir como uma nova entidade, com uma identidade
grupal própria e genuína, é também indispensável que fiquem claramente preser-
vadas, separadamente, as identidades específicas de cada urn dos indivíduos com-
ponentes do grupo.
. Em todo grupo coexistem duas forças contraditórias peÍmanentemente emjogo:
uma tendente à sua coesão, e a outra, à sua desintegração.. A dinâmica grupal de qualquer grupo se processa em dois planos, tal como nos
ensinou Bion: um é o da intencionalidade consciente (grupo de trabalho), e o
outro é o da interferência de fatores inconscientes (grupo de supostos básicos). É
claro que, na prática, esses dois planos não são rigidamente estanques, pelo contrá-
rio, costuma haver uma ceÍa flutuação e superposição entre eles.
. É inerente àconceituação degrupo a existência entre os seus membros de alguma
forma de interação afetiva, a qual costuma assumir as mais variadas e múltiplas
formas.
Nos gmpos sempre vai existir uma hierárquica distribuição de posições e de pa-
péis, de distintas modalidades.
É inevitável a formação de um campo grupal dinâmico, em que gravitam fantasi-
as, ansiedades, rnecanismos defensivos, funções, fenômenos resistenciais e trans-
ferenciais, etc., além de alguns outros fenômenos que são próprios e específicos
dos grupos, tal como pretendemos desenvolver no tópico que segue.
coMo TRÂaALHAIVÍOS coM CRUPOS . 29
O CAMPO GRUPAL
Como mencionado anteriormente, em qualquer grupo constituído se fonna um cam-
po grupal dinâmico, o qual se comporta como uma estrutura que vai além da soma de
seus componentes, da mesma forma como uma melodia resulta não da soma das
notas musicais, mas, sìm, da combinação e do arranjo entre elas.
Esse campo é composto por múltiplos fenômenos e elementos do psiquismo e,
como trata-se de uma estrutura, resulta que todos estes elementos, tanto os intra como
os inter-subjetivos, estão articulados entre si, de tal modo que a alteração de cada um
deles vai repercutir sobre os demais, em uma constante interação entre todos. Por
outro lado, o campo grupal representa um enorme potencial energético psíquico, tudo
dependendo do vetor resultante do embate entre as forças coesivas e as disruptivas.
Também é útil realçar que, embora ressalvando as óbvias diferenças, em sua essên-
cia, as leis da dinâmica psicológica são as mesmas em todos os grupos.
Como um esquema simplificado, vale destacar os seguintes aspectos que estão
alivamente presentes no campo grupal:
. Uma permanente interação oscilatória entre o grupo de trabalho e o de supostos
básicos, antes definidos.
. Uma presença permanente, manifesta, disfarçada o\ oculta, depulsões- libidinais,
agressivas e narcisísticas - que se manifestam sob a forma de necessidades, dese-
jos, demandas, inveja e seus derivados, ideais, etc.
. Da mesma foma, no campo grupal ctrcúam ansiedades - as quais podem ser de
natureza persecutória, depressiva, confusional, aniquilamento, engolfamento,
perda de amor ou a de castração - que resultam tanto dos conflitos intemos como
podem emergir em função das inevitáveis, e necessárias, frustrações impostas
pela realidade externa.
. Por conseguinte, para contrarrestar a essas ansiedades, cada um do grupo e esse
como um todo mobilizam mecanismos defensivos, que tanto podem ser os muito
primitivos (negação e controle onipotente, dissociação, projeção, idealizaçío,
defesas maníacas, etc.) como também circulam defesas mais elaboradas, a re-
pressão, deslocamento, isolamento, formação reativa, etc. Um tipo de defesa que
deve mereceruma atenção especial porparte do coordenador do grupo é a que diz
respeito às diversas formas de negação de certas verdades penosas.
. Em particular, para aqueles que coordenam grupoterapias psicanalíticas, é neces-
sário ressaltar que a psicanálise contemporânea alargou a concepção da estrutura
damente, em relação àtradicional fórmula simplista do conflito psíquico centrado
no embate entre as pulsões do ld versas as defesas do ego e aprolÏsiçáo do superego-
Na ahralidade, os psicanalistas aplicam na prática clínica os conceitos de: ego
anxiliar (ê uma parte do superego resultante da introjeção, sem conflitos, dos
necessários valores normativos e delimitadores dos pais); ego recl (conesponde
ao que o sujeito reolmente é emcontraposição ao que ele imagina ser); ego ideal
(herdeiro direto do narcisismo, corresponde a uma perfeição de valores que o
sujeito imagina possuir, porém, de fato, o sujeito não os possui e nem tem possi-
bilidades futuras para tal, mas baseia a sua vida nessa crença, o que o leva a um
constante conflito com a realidade exterior); ideal do ego (o sujeito fica prisio-
leiro das expectativas ideais que os pais primitivos inculcaram nele); alÍer-ego
(é uma parte do sujeito que está projetada em uma outra pessoa e que, portanto.
representa seÍ um "duplo" seu); contrã-ego ( é uma denominação que eu propo-
nho para designar os aspectos que, desde dentro do sefdo sujeito, organizam-se
30 . znasru.aeN a osor.ro
de forma patológica, e agem contra as capacidades do próprio ego. Como fica
evidente, a situação psicanalítica â paÍir destes referenciais da estruhrra da men-
te ganhou em complexidade, porém com isso também ganhou uma riqueza de
horizontes de abordagem clínica, sendo que a grupoterapia psicanalítica propicia
o surgimento dos aspectos antes referidos.
Um outro aspecto de presença importante no campo gmpal é o surgimento de um
jogo ativo de identirtcações, tanto as projetivas como as introjetivas, ou até mes-
mo as adesivas. O problema das identificações avulta de importância na medida
em que elas se constituem como o elemento formador do senso de idenúdade.
A comunicação,nias suas múltiplas formas de apresentação - as verbais e as não-
verbais -, representa um aspecto de especial importância na dinâmica do campo
grupal.
Igualmente, o desempenho de papáis, em especial os que adquirem uma caracte-
ística de repetição estereotipada - como, por exemplo, o de bode expiatório -, é
uma excelente fonte de observação e manejo por parte do coordenador do grupo.
Cada vez mais está sendo valorizada a forma como os vínculos (de amor, ódio,
conhecimento e reconhecimento), no campo grupal, manifestam-se e articulam
entre si, quer no plano intrapessoal, no interpessoal ou até no transpessoal. Da
mesma maneira, há uma forte tendência em trabalhar com as configurações vin-
cularcs, tal como elas aparecem nos casais, famílias, grupos e instituições.
No campo grupal, costuma aparecer um fenômeno específico e típico: a resso-
nâncìa, qu.e, como o seu nome sugere, consiste no fato de que, como um jogo de
diapasões acústicos ou de bilhar, a comunicação trazida por um membro do gru-
po vai ressoar em um outro; o qual, por sua vez, vai transmitir um significado
afetivo equivalente, ainda que, Fovavelmente, venha embutido numa naÍrativa
de embalagem bem diferente, e assim por diante. Pode-se dizer que esse fenôme-
no equivale ao da "livre associação de idéias" que acontece nas situações indivi-
duais e que, por isso mesmo, exige uma atenção especial por parte do coordena-
dor do grupo.
O campo grupal se constitui como uma galeria de espelftos, onde cada um pode
refletir e ser refletido nos, e pelos outros. Particularmente nos grupos psicotera-
pêuticos, essa oportunidade de encontro do sefde um indivíduo com o de outros
configura uma possibilidade de discriminar, afirmare consolidar a própria identi-
dade.
Um grupo coeso e bem constituído, por si só, tomado no sentido de uma abstra-
ção, exerce uma importantíssima função, qual seja, a de ser um continente das
angrístias e necessidades de cada um e de todos- Isso adquire uma importância
especial quando se trata de um grupo composto por pessoas bastante regressivas.
Apesar de todos os avanços teóricos, com o incremento de novas corentes do
pensamento grupalístico -ê a teoria sistêmica é um exemplo disso-, ainda não se
pode proclamar que a ciência da dinâmica do campo grupal já tenha encontrado
plenamente a sua autêntica identidade, as suas leis e referenciais próprios e ex-
clusivos, porquanto ela continua muito presa aos conceitos que tomou empresta-
do da psicanálise individual.
Creio ser legítimo conjecturar que, indo além dos fatos, das fantasias e dos confli-
tos, que podem ser percebidos sensorial e racionalmente, também existe no cam-
po grup;l muitos aipectos que perÍnanecem ocultos, enigmáticos e secretos. À
moda de uma conjectura imaginativa,cabe ousar dizer que também existe algo
cercado de algum mistério, que a nossa "vã psicologia ainda não explica", mas que
muitas vezes se manifesta por melhoras inexplicáveis, ou outras coisas do gênero.
COMO I'RABÂLHAMOS COM GRUPOS . 31
. Da mesma forma como, em termos de micropsicologia, foi enfatizada a relação
do indivíduo com os diversos grupos com os quais ele convive, é igualmente
relevante destacar, em termos macroscópicos, a relação do sujeito com a cultura
na qual ele está inserido. Uma afirmativa inicial que me parece importante é a de
que o fator sócio-cultural somente altera o modo de agir, mas não a natureza do
reagir.Explico melhor com um exemplo tirado da minhaprática como grupotera-
peuta, para ilustrar o fato de que, diante de uma mesma situação - a vida genital
de uma mulherjovem e solteira - foi vivenciada de forma totalmente distinta em
duas épocas distantes uns vinte anos uma da outra. Assim, na década 60, uma
jovem estudante de medicina levou mais de um ano para "confessar" ao grupo
que mantinha uma atividade sexuaì com o seu namorado, devido às suas culpas e
ao pânico de que sofreria um repúdio generalizado pela sua transgressão aos
valores sociais vigentes naquela época. Em contrapartida, em um outro grupo,
em fins da década 80, uma outra moça também levou um longo tempo até poder
poder partilhar com os demais o seu sentimento de vergonha e o temor de vir a ser
ridicularizada e humilhada por eles pelo fato de "ainda ser cabaçuda". Em resu-
mo, o modo de agir foi totalmente oposto, mas a natureza (medo, vergonha, cul-
pa, etc.) foi a mesma. Cabe tirarmos duas conclusões: uma, é a de que costuma
haver o estabelecimento de um conflito entre o ego individual e o ideal de ego
coletivo; a segunda constatação é a de que o discurso do Outro (pais e cultura) é
que determina o sentido e gera a estrutura da mente.
. Todos os elementos teóricos do campo grupal antes enumerados somente adqui-
rem um sentido de existência e de validade se encontrarem um eco de reciproci-
dade no exercício da técnica e prática grupal. Igualmente, a técnica também não
pode prescindir da teoria, de maneira que ambas interagem e evoluem de forma
conjugada e paralela. Pode-se afirmar que a teoria sem a técnica vai resvalar para
uma prática abstrata, com uma intelectualização acadêmica, enquanto a técnica
sem uma fundamentação teórica corre o risco de não ser mais do que um agir
intuitivo ou passional. Por essas razões, no capítulo que segue, tentaremos estabe-
lecer algumas inter-Íelações entre â teoria e a técnica da prática grupal.
Fundamentos Técnicos
DAVID E. ZIMERMAN
Conquanto os fundamentos teóricos e as leis da dinâmica grupal que presidem os
grupos, de forma manifesta ou latente. sempre estejam presentes e sejam da mesma
essência em todos eles, é inegável que as técnicas empregadas são muito distintas e
variáveis, de acordo, sobretudo, com a finalidade para a qual determinado grupo foi
criado. Em outras palavras: da mesma forma como todos os indivíduos que nos procu-
ram - pacientes, por exemplo - são portadores de uma mesma essência psicológica,
é óbvio que, no caso de um tratamento, para cada sujeito em especial igualmente vai
ser necessário um planejamento de atendimento particular, com o emprego de uma
técnica adequada às necessidades, possibilidades e peculiaridades de cada um deles.
Diante do fato de que existe um vasto polimorfismo grupalístico e que, por
conseguinte, também há uma extensa e múltipla possibilidade de variação nas estraté-
gias, técnicas e táticas, toma-se impossível pretender, em um único capítuÌo, esgotar
ou fazer um detalhamento minucioso de todas elas. Por essa razão, vamos nos limitar
a enumerar, de forma genérica, os principais fundamentos da técnica, que dizem respei
to ao cotidiano da prática grupal, tentando rastreá-los desde o planejamento da forma-
ção de um grupo, o seu funcionâmento durante o curso evolutivo, procurando acentu-
ar algumas formas de manejo técnico diante dos diferentes aspectos e fenômenos que
surgem no campo grupal dinâmico.
Planejamento. Inicialmente, creio ser útil fazer uma discriminação entre os
conceitos de logística, estratégia, técnica e tritica, termos que, embora provindos da
terminologia da área militar, parecem-me também adequados ao campo da psicolo-
gia. Por logística entendemos um conjunto de conhecimentos e equipamentos e um
lastro de experiência que servem de suporte para o planejamento de uma ação (no
caso, o da formação de um grupo). Estratégia destgna um estudo detalhado de como
utilizar a logística para atingir e alcançar um êxito operativo na finalidade planejada
(como hipótese, um grupo psicoterápico para pacientes de estrutura neurótica).Técnica
se refere a um conjunto de procedimentos e de regras, de aplicabilidade prática, e que
fundamentam a exeqüibilidade da operação (na hipótese que está nos servindo de
exempÌo, poderia ser a utilização de uma técnica de fundamentação psicanalítica).
Tótica alude às variadas formas de abordagem existentes, que, de acordo com as
circunstâncias da operação em curso e com o estìlo peculiar de cada coordenador,
embora a técnica permaneça essencialmente a mesma (ainda no nosso exemplo hipoté-
tico, é a possibilidade de que um grupoterapeuta prefira a interpretação imediata e
sistemática no "aqui-agora-comigo" da transferência, enquanto um outro grupotera-
peuta i,qualmente capaz, e de uma mesma corrente grupanalítica, opte pela tática de
34 . ZMERMAN su osoRlo
evitaÍ o emprego sistemático e exclusivo dessa forma de interpretar, como uma tática
capaz de criar um clima mais propício de acessibilidade aos indivíduos e ao todo
grupal).
Destarte, diante da resolução de criar e compor um gÍupo, devemos estâr aptos
a responder a algumas questões fundamentais, como as seguintes: Quem vai ser o
coordenador? (Qual é a sua logística, Qual é o seu esquema referencial?, etc.).PaÍao
què e para qual frnalidade o grupo está sendo composto? (E um grupo de ensino-
aprendizagem? De auto-ajuda? De. saúde mental? Psicoterápico? De família?, etc.).
Para quem ele se destina? (São pessoas que estão motivadas? Coincide com uma
necessidade por pane de um conjunto de indivíduos e que o grupo em planejamento
poderá preencher? São crianças, adolescentes, adultos, gestantes, psicóticos, empre-
siírios, alunos, etc.?). Como ele funcionará? (Homogêneo ou heterogêneo, aberto ou
fechado, com ou sem co-terapia, qual será o enquadre do número de participantes, o
número de reuniões semanais, o tempo de duração das mesmas, será acompanhado
ou não por um supervisor?, etc.). Onde, em quais circunstâncias, e com quais recur-
sos? (No consultório privado? Em uma instituição e, neste caso, tem o apoio da cúpu-
la administrativa? Vai conseguir manter a necessária continuidade de um mesmo
local e dos horários combinados com o grupo?, etc.).
Como uma tentativa de sintetizar tudo isso, vale afirmar que a primeira reco-
mendação técnica para quem vai organizar um grupo é a de que ele tenha uma idéia
bem clara do que pretende com esse grupo e de como vai operacionalizar esse seu
intentoi caso contrário, é muito provável que o seu grupo patinará num clima de
confusão, de incertezâs e de mâl-entendidos.
Seleção e grupamento. Os grupoterapeutas não são unânimes quanto aos crité-
rios de seleção dos indivíduos para acomposição deum grupo, quer esse seja operativo,
quer seja terapêutico. Alguns preferem aceitar qualquer pessoa que manifestar um
interesse em participar de um determinado grupo, sob a alegação de que os possíveis
contratempos serão resolvidos durante o próprio andamento do grupo. Outros, no
entanto, entre os quais particularmente me filio, preferem adotarum certo rigorismo
na seleção, ancorados nos argumentos que seguem:
É muito impoÍante e delicado o problema das indicações e contra-indicações.
Uma motivação por demais frágil acarreta uma alta possibilidade de uma partici-
pação pobre ou a de um abandono prematuro.
Esse tipo de abandono causa um mal-estar e uma sensação de fracasso tanto no
indivíduo que nãoficou no grupo como também no coordenador e na totalidade
do grupo; além disso, este último vai ficar sobrecarregado, ao mesmo tempo,
com sentimentos de culpa e.comum estado de indignação por se sentir desrespeita-
do e violentado, não unicamente pelo intruso que teve acesso à intimidade dos
participantes e fugou, mas também contra a negligência do coordenador.
Um outro prejuízo possível é o da composição de um inadequado "grupamento"
(esse termo não tem o mesmo significado de "agrupamento" e alude a uma gestalt,
ou seja, a uma visão globalística, à forma como cada indivíduo interagirá com os
demais na composição de uma totalidade grupal singular).
Além desses, podem acontecer outros incovenientes, como possibilidade de um
permanente estado de desconforto contratransferencial, assim como também po-
dem oconer certas situações constrangedoras quando, por exemplo, muito cedo
fica patente entre as pessoas componentes um acentuado desnível de cultura,
inteligência, patologia psíquica, etc.
col\lo 1RÂBÂLHAMOS COÌiÍ CRUPOS o 35
Pode servir como uma exemplificação mais completa do impoÍante processo
de seleção, particularmente para os leitores mais interessados em grupoterapia psica-
nalítica, a exposição presente no capítuÌo específico, na Parte 2 deste livro.
Enquadre (seÍrng). Uma importante recomendação de técnica grupalística con-
siste no estabelecimento de um enquadre e a necessidade de preservação do mesmo.
O enquadre é conceituado como a soma de todos os procedimentos que organizam,
noÍTnatizam e possibilitam o funcionamento grupaÌ. Assim, ele resulta de uma con-
junção de regras, atitudes e combinações, como, por exemplo, o local das reuniÕes.
os horários, a periodicidade, o plano de férias, os honorários (na eventualidade de
que haja alguma forma de pagamento, a combinação desse aspecto deve ficar bem
claro), o número médio de participantes, etc.
Todos esses aspectos formam "as regras dojogo", mas não ojogo propriamente
dito. O.retlirrg não se comporta como uma situação meramente passiva, pelo contrá-
rio, ele é um importante elemento técnico porque representa as seguintes e imponan-
tes funções:
. A criação de um novo espaço para reexperimentar e ressignificar fortes e antigas
experiências emocionais.
. Uma forma de estabelecer uma necessária delimitação de papéis e de posições,
de direitos e deveres, entre o que é desejável e o que é possível, etc.
. Este último aspecto ganha relevância nos grupos com pacientes regressivos, como,
por exemplo, os borderline, porquanto eles costumam apresentar uma "difusão
de identidade" por ainda não estarem claramente delimitadas as representações
do sefe dos objetos; portanto é imprescindível a colocação de limites, tal como
o settÌng pÍopicia.
. O enquadre está sob uma contínua ameaça de vir a ser desvirtuado pelas pressões
oriundas do interior de cada um e de todos, sob a forma de demandas insaciáveis,
por distintas manobras de envolvimento, pela ação de algumas formas resistenciais
e transferenciais, etc., e, por isso mesmo, o enquadre exige um manejo técnico
adequado, tendo por base a necessidade dele ser preservado ao máximo.
. Um aspecto que merece a atenção do coordenador se refere ao grau de ansiedade
no qual o grupo vai trabalhar, de rraneira a que não haja uma angústia excessiva,
porém uma falta total de ansiedade deve ser discriminada do que pode estar sen-
do um conformismo com a tarefa, uma apatia.
. Ainda um outro elemento inerente ao enquadre é o que podemos denominar "at-
mosfera grupal", a qual depende basìcamente da atitude afetiva intema do coor-
denador, do seu estilo pessoal de trabalhar e do emprego de táticas dentro de um
determinado referenciaÌ técnico.
. Os principais elementos a serem levados em conta na configuração de um J?/Íilg
grupal são os seguintes:
- E um grupo homogêneo (uma mesma categoria de patologia, ou de idade,
sexo, grau cultural, etc.) ou heterogêneo (comporta variações no tipo e grau
de doença, no caso de um gÍïpo terapêutico; no tipo e nível de formação e
qualificação profissional, no caso de um grupo operativo de aprendizado.
etc.)?
- E um grupo fechado (uma vez composto o grupo, não entra mais ninguém) ou
aberto (sempre que houver vaga, podem ser admitidos novos membros)?
- A combinação é a de duração limitada (em reláìção ao tempo previsto para a
existência do grupo ou da permanêncìa máxima de cada indivíduo nesse sru-
36 . znamull, c osonro
po, como comumente ocorre nas instituições), ou ele será de duração ilimita-
da (como pode ser no caso dos grupos abertos)?
- Quanto ao número de participantes, poderá variar desde um pequeno gmpo
com três participantes - ou dois, no caso de uma terapia de casal -, ou pode se
tratar do grupo denominado "numeroso", que comporta dezenas de pessoas.
- Da mesma forma, também abrigam uma ampla gama de variações - confor-
me o tipo e a finalidade do grupo - outros aspectos relevantes do enquadre
grupal, como é o caso do número de reuniões semanais (ou mensais), o tempo
de duração de cada reunião, e assim por diante.
Manejo das resistências. O melhor instrumento técnico que um coordenador
de grupo pode possuir para enfrentar as resistências que surgem no campo grupal é o
de ter uma idéia clara da função que elas estão representando para um determinado
momento da dinâmica de seu grupo. Assim, uma primeira observação que se impõe é
a que diz respeito à necessidade de o coordenador discriminar entre as resistências
inconscientes que de fato são obstrutivas e que visam a impedir a livre evolução
exitosa do grupo, e aquelas outras resistências que são benvindas ao campo grupal,
porquanto estão dando uma clara amostragem de como o sefde cada um e de todos
aprendeu a se defender na vida contra o risco de serem humilhados, abandonados,
não-entendidos, etc.
Da mesma forma, é útil que o coordenador possa reconhecer contra quais ansi-
edades emergentes no grupo uma determinada resistência se organiza: é ela de natu-
reza paranóide? (medo da situação nova, de não ser reconhecido como um igual aos
outros e de não ser aceito por esses, do risco de vir a passar vergonha e humilhações,
de vir a ser desmascarado, etc.), ou é de natureza depressiva? (no caso de uma
grupoterapia psicanalítica, é comum surgir o medo de enfrentâr o respectivo quinhão
de responsabilidade ou de eventuais culpas e o medo de se confrontar com um mundo
intemo destruído e sem possibilidade de repamções, o temor de ter que renunciar ao
mundo das ilusões, etc.,), e assim por diante.
Nos grupos operativos em geral (porexemplo, um grupo de ensino-prendizagem),
um critério que o coordenador pode utilizar como sinalisador da presença de resis-
tências é quando sucedem excessivos atrasos e faltas, aliados a um decréscimo da
leiora dos textos combinados, acompanhados por uma discussão não mais do que
moma, caracterizando um clima de apatia. Um outro sinal preocupante, porque invi-
sível na maioria das vezes, é quando o grupo elege os corredores como fórum de
debate de sentimentos, idéias e reivindicações. Da mesma forma, o condutor de um
grupo operativo deve estar alerta para a possibilidade de que os "supostos básicos"
estejam emergindo e interferindo no cumprimento da finalidade da tarefa do "grupo
de trabalho". Nestes últimos casos, é recomendável que o coordenador da tarefa
operativa solicite ao grupo que façam uma pausa na sua tarefa a fim de poderem
entender o que está se passando.
Ainda em relação às resistências, mais duas observações são necessárias e ambas
dizem respeito à pessoa do coordenador, qualquer que seja a natureza do grupo que
ele está conduzindo. A primeira é a possibiÌidade de que a resistência do grupo esteja
representando uma natural, e até sadia, reação contra as possíveis inadequações do
cooordenador na sua forma de conceber e conduzir o grupo. A segunda, igualmente
importante, diz respeito àpossível formação de um, inconsciente, "conluio resistencial"
entre o coordenador c os demais, contra o desenvolvimento de certos aspectos da
tarefa na qual estão trabalhando.
coMo TRABALHAì!íoScov cnupos . 37
Manejo dos aspectos transferenciais. Da mesma forma como foi Íeferido em
relação às resistências, é necessário frisar que, diante do inevitável surgimento de
situações transferenciais, um manejo técnico adequado consiste em reconhecer e dis-
criminá-las. Assim, cabe afirmar que o surgimento de um movimento transferencial
está muito longe de representar que esteja havendo a instalação de uma "neurose de
transferência", ou seja, é legítimo dizer que no carnpo grupal, inclusive no grupana-
lítïco, há transferência em tudo, mas nem tudo é transferência a ser trabalhada.
No campo grupal, as manifestações transferenciais adquirem uma compÌexida-
de maior do que no individual, porquanto nele surgem as assim denominadas "transfe-
rências cruzadas", que indicam apossibilidade da instalação de quatro níveis de iransfe-
rência grupal: de cada indivíduo para com os seus pares, de cada um em relação à
figura central do coordenador de cada um para o grupo como uma totalidade, e do
todo grupal em relação ao coordenador.
Um aspecto que está adquirindo uma crescente importância técnica é o fato de
os sentimentos transferencias não representarem exclusivamente uma mera repetição
de antigas experiências emocionais com figuras do passado; eles podem também
estar refletindo novas experiências que estão sendo vivenciadas com a pessoa real do
coordenador e cada um dos demais.
Em relação aos sentimenÍos contratransferenciais, o impoÍante é que o coordena-
dor saibaque eles são de surgimento inevitável; que o segredo do êxito técnico consiste
em não permitir que os sentimentos despertados invadam a sua mente, de modo a se
tomarem patogênicos; pelo contrário, que eles possam se constituir como um instru-
mento de empatia; e que, finalmente, o coordenador esteja atento para o risco de,
inconscientemente, poder estar envolvido em algum tipo de "conluio inconsciente"
com o grupo, o qual pode ser de natureza narcisística, sado-masoquista, etc.
Manejo dos dcÍr'rrgs. Todos os técnicos que trabalham com grupos reconhecem
que a tendência ao acíing ("a açío") é de curso particularmente freqüente, e que a
intensidade deles cresceráem uma proporção geométrica com a hipótese de que indiví-
duos de caracterologia psicopática tenham sido incluídos na sua composição. Do
ponto de vista de ser utilizado como um instrumento técnico, é necessário que o
coordenador reconheça que os acllngs representam uma determinada conduta que se
processa como uma forma de substituir sentimentos que não conseguem se manifes-
tar no plano consciente. Isso costuma ocorrer devido a uma das cinco condições
s€guintes: quando os seltimentos re!relados ig:espqndelrygos, fantasias e ansie-
dades que estão reprimidas e que não são recoÈladas (como Freud ensinou), ou que
não são pensadas (segundo Bion), ou que não são comunicadas pela verbalização, ou
que não conseguem ficar contidas dentro do próprio indivíduo e, finalmente, o impor-
tante aspecto de que o acting pode estar funcionando como um recurso de comunica-
ção muito primitivo.
As atuações adquirem um extenso leque de manifestações; no entanto, o que de
fato mais importa é a necessidade de o coordenador do grupo saber discriminar com
segurança quando se trata de actings benignos (como é o caso das conversas pré e
pós-reuniões, encontros sociais entre os participantes, às vezes acompanhados dos
respectivos cônjuges, ou o exercício de alguma ação transgressora, mas que, no fun-
do, pode estar significando uma saudável tentativa de quebrar alguns tabus e este-
reotipias obsessivas) e de quando se ÍaÌz de actings malignos, como são, por exem-
plo, os de natureza psicopática. Há uma forma de atuação que, embora seja de apareci-
mento comum, apresentauma repercussão deletéria, devendo, por isso, ser bem traba-
lhada pelo coordenador: é a que se refere à divulgação, para fora do grupo, de alguma
38 . ãìíERMAN & osoRlo
situação muito sigilosa e privativa da intimidade deste. Não custa repetir qu" u.à
adequada seleção e composição na formação de um gmpo minimiza o risco de atua-
ções malignas.
Comunicação. Partindo da afirmativa de que "o grande mal da humanidade é o
problema do mal-entenlido", pode-se aquilatar a importância que os aspectos da
normalidade e patologia da comunicação nos gmpos representa para a técnica e a
prática grupalísticas. Dessa forma, o grupo é um excelente campo de observação de
como são transmitidas e recebidas as mensagens verbais, com as possíveis distoÍções
e reações por paÍe de todos. Um aspecto da comunicação verbal que merece atenção
especial é o que aponta para a possibilidade de que o discurso esteja sendo usado de
fato não para comunicar algo, porém, pelo contrário, que ele esteja a serviço da
incomunicação.
Por outro lado, não é unicamente a comunicação verbal que importa, porquanto
cada vez mais se toma relevante a importância das múltiplas formas de linguagem
não-verbais (gestos, tipo de roupas, maneirismos, somatizações, silêncios, choros,
actings, etc.).
Atividade interpretativa. Utilizo a expressão "atividade interpretativa" em
lugar de "interpretação", pelo fato desta última ser de uso mais restrito às situações
que visam a uma forma psicanalítica de acesso ao inconsciente individual e grupal,
enquanto a primeira expressão permite suporuma maior abrangência de recursos por
parte do coordenâdor de um grupo, como é o uso de perguntas que instiguem refle-
xões; claÍeamentos; assinalamentos de paradoxos e contradições; um confronto entre
arealidade e o imaginário; a abertura de novos vértices de percepção de uma determi-
nadaexperiência emocional, etc. Com "atividade interpretativa" tamMm estou englo-
bando toda a paÍicipação verbal do coordenador que, de alguma forma, consiga pro-
mover a integração dos aspectos dissociados dos indivíduos, da tarefa e do grupo.
Assim concebida, a atividade interpretativa no grupo constitui-se como o seu
principal instrumento técnico, sendo que não existem fórmulas acabadas e "certas"
de como e o que dizer, pois as situações práticas são muito variáveis e, além disso,
cada coordenador deve respeitar o seu esfilo peculiar e autêntico de formular e deser.
No caso de grupoterapia psicanalítica, a questão mais polêmica gira em tomo daque-
les gnrpoterapeutas que preferem interpretar sempre se dirigindo ao grupo como uma
totalidade gestáltica, enquanto outros advogam que a interpretação pode (ou deve) ser
dirigida aos indivíduos sepaÌadamente, desde que ela venha acompanhada de uma adi-
culação com a dinâmica da totalidade do grupo. Esse assunto é paÍticularmente rele-
vante e será abordado mais detidamente no capítulo sobre grupoterapias psicanalíticas.
Creio ser necessário sublinhar que, assim como existe a possibilidade de uma
"violência da interpÍetaçãÕ ' (como é o caso de um grupoterapeuta pretender impor
os seus próprios valores e expectativas, ou de apontar verdades doloridas sem uma
sensibilidade amorosa), também existe a "violência da imposição de preconceitos
técnicos universais", sem levar em conta as peculiaridades de cada tipo de grupo, ou
de situações e circunstâncias especiais.
Funções do ego. A situação do campo grupal propicia o surgimento das funções
do ego, isto é, de como os indivíduos utilizam a capacidade depercepção, pensamen-
to, conhecimento, juízo crítico, discrimínaçã.o, comunicação, açAo, etc.; por essa
razão, trabalhar com esses aspectos é parte importante da instrumentagão técnica.
Para dar um único exemplo, vale mencionar que a essência de uma terapia de casal,
ou de famflia, consiste basicamente em "ensinar" os participantes a usarem as fun-
ções de saber eJcrtdr o outro (é diferente de simplesmente "ouvir"), de cada um yer
o outro (é diferente de "olhar"), de po der pensar no que está escutando e nas experiên-
cias emocionais pelas quais eles estão passando, e assim por dianle.
Papéis. Convém enfatizar que uma das caracteísticas mais relevantes que per-
meiam o campo grupal é a transparência do desempenho de papéis por paíe de cada
um dos componentes. A importância desse fenômenogrupal consiste no fato de que
o indivíduo também está executando esses mesmos papéis nas diversas áreas de sua
vida - como a familiar, profirssional, social, etc.
Eum deverdo coordenadordo grupo estar atento àpossibilidade de estar ocorren-
do uma fixidez e uma estereotipia de papéis patológicos exercidos sempre pelas mes-
mas pessoas, como se estivessem programadas para assim agirem ao longo de toda
vida. O melhor exemplo de como a atribuição e a assunção de papéis pode represen-
tar um recurso técnico por excelência é o que pode ser confirmado pelos
grupoterapeutas de famíli4 que tão bem conhecem o fenômeno do "paciente identifica-
do" (a família elege alguém para servir como depositário da doença oculta de todos
os demais) e outros aspectos equivalentes.
Vínculos. Cada vez mais, os técnicos da área da psicologia estão valorizando a
configuração que adquirem as ligações vinculares entre as pessoas. Indo muito além
do exclusivo conflito do vínculo do amor contra o do ódia, na atualidade, considera-
se mais importante a observação atenta de como se manifestam as diferentes formas
de amar, de agrediÍ e as interações entre ambas. Além disso, Bion introduziu o impor-
tantíssimo vínculo do conhecimento, que possibilita um melhor manejo técnico com
os problemas ligados às diversas formas de "negação" que explicam a gênese de
muitos quadros de psicopatolgia, assimcomo também favorece ao técnico uma maior
clareza na compreensão da circulação das verdades, falsidades e mentiras no campo
grupal. Particularmente, tenho proposto a existência de um quarto vínculo, o do reco-
nhecimento, através do qual é possível ao coordenador perceber o quanto cada indi-
víduo necessita, deformavital, ser reconhecido pelos demais do grupo como alguém
que, de fato, pertence ao grupo (é o fenômeno grupal conhecido como "pertencência"),
e também alude à necessidade de que cadarmreconheça ao outro como alguém que
tem o direito de ser diferente e emancipado dele.
Tendo por base esses quatro vínculos, e as inúmeras combinações e arranjos
possíveis entre eles, a compreensão e o manejo dos mesmos tomam-se um excelente
recurso técnico no trato de casais, famílias, grupos ou instituições.
Término. Termo que designa duas possibilidades: uma é a de que o grupo termi
ne, ou por uma dissolução dele, ou para cumprir uma combinação pÉvia, como é no
caso dos grupos "fechados"; a segunda eventualidade é a de que determinada pessoa
encerre a sua participação, embora o grupo continue, como é no caso dos grupos
"abertos". Saberte rminar algo, qu.epode ser uma tarcfa, um tratamento, um casamento,
etc., representâ um significativo crescimento mental. Daí considerarmos que deve
haver por parte do coordenador de qualquer grupo uma fundamentação técnica que
possibilite uma definição de critérios de término e um manejo adequado para cada
situação em particular, sempre levando em conta a possibilidade do risco de que os
resultados alcançados podem ter sido enganadores. Isso vale especialmente paÍa os
grupos de frnalidade terâpêutica, embora na atualidade o grupoterapeuta possa con-
tar com claros critérios de um verdadeiro crescimento psíquico.
coMo TRABALHAMoS cov cnuPos . 39
40 . zn .lgwaN E ..t.tt
Atributos de um coordenador de grupo. Decidi incorporaÍ este tópico como
integrante da fundamentação técnica, porque me parece impossível dissociarum ade-
quado manejo técnico em qualquer modalidade de grupo, sem que haja uma simultâ-
nea atitude intema na pessoa real do profissional.
Assim, além dos necessários crnliec imentos (provindos de muito estudo e leitu-
ras), de habilidades (treino e supervisáo), as atitudes (üm tratamento de base psica-
nalítica ajuda muito) são indispensáveis, e elas são tecidas com alguns atributos e
funções como as mencionadas a seguir:
. Gostar e acreditar em grupos.
. Ser continente (capacidade de conter as angústias e necessidades dos outros, e
também as suas próprias).
. Empatia (pder colocar-se no lugaÍ do outro e assim manter uma sintonia afetiva).
. Discrìminação (para não ficar perdido no cipoal das cruzadas identificações
projetivas e introjetivas).
. Novo modelo de identiJìcaçõo (contribui para a importante função de desidentifi-
cação e dessignificação de experiências passadas, abrindo espaço para neo-identifi-
cações e neo-significações).
o Comunìcação (tanto como emissoÍ ou receptor , com a linguagem verbal ou a
não-verbal, com a preservação de um estilo próprio, e como uma forma de mode-
lo para os demais do gnrpo).
. Sq verdadeiro (se o coordenador não tiver amor às verdades e Dreferir não
enfrentá-las, não poderá servir como um modelo para o seu grupo, e o melhor
será trocar de profissão).
. Senso de humor (um coordenador pode ser firme sem ser rígido, flexível sem ser
frouxo, bom sem seÍ bonzinho e, da mesma forma, pode descontrair, rir, brincar,
sem perder o seu papel e a manutenção dos necessários limites).
. Integração e síntese (ê acapacidade de extrair o denominador comum das mensa-
gens emitidas pelos diversos componentes do grupo e de integrá-las em um todo
coerente e unificado, sem artificialismos forçados).
Ao longo da leitura dos capítulos da prática clínica dos diversos autores deste
livro, nas suas entrelinhas, o leitor poderá identificar todos esses atributos, e outros
mais, como constituintes básicos da fi:ndamentação técnica.
Atributos Desejáveis para
um Coordenador de Grupo
DAVIDE, ZIMERMAN
Ao longo de virtualmente todos os capítulos deste livro, de uma forma ou de outra,
sempre há um destaque à pessoa do coordenador do grupo no tema que está sendo
especificamente abordado, como sendo um fator de fundamental importância na evo-
lução do respectivo grupo, seja ele de que naturezâ for. Creio que basta essa razão
parajustificar a inclusão de um capítulo que aborde de forma mais direta, abrangente
e enfática as condições necessárias, ou pelo menos desejáveis, para a pessoa que
coordena grupos. De certa forma, portanto, este capítulo é uma síntese de aspectos já
suficientemente destacados neste livro, tanto de modo explícito quanto implícito.
Inicialmente, é útil escÌarecer que o termo "coordenador" está aqui sendo empre-
gado no sentido mais amplo do termo, desde as situações que se formam naturalmen-
te, sem maiores formalismos (como pode ser, por exemplo, uma atendente com um
_erupo de bebês de uma creche, ou com criancinhas de uma escolinha matemal;um
grupo de auto-ajuda, no qual sempre surgem lideranças naturais que funcionam como
coordenadores; um professor universitário em uma sala de aula, um empresário com
a sua equipe de trabalho, etc.), passando por grupos especialmente organizados para
aÌguma tarefa, até a situação mais sofisticadae complexa de um grupoterapeuta coorde-
nando um grupo psicanaÌítico.
Vale ressaltar que, indo muito além do importante papel de figura transferencial
que qualquer condutor de grupo sempre representa, a ênfase do presente texto incidirá
de forma mais particular na pessoa real do coordenador, com o seu jeito verdadeiro
de ser, e, por conseguinte, com os âtributos humanos que eìe possui, ou lhe faltam.
Fazendo a necessária ressalva de que cada situação grupal específica também
eriee atributos igualmente especiais para a pessoa do coordenador, considero perfeita-
m:nte legítimo ressaltar que a essámcia das condições intemas deve ser a mesma em
:ada um deles. Uma segunda ressalva é a de que a discriminação em separado dos
Civersos atributos a seguir mencionados pode dar uma falsa impressão de que estamos
:resando uma enormidade de requisitos para um coordenador de grupo, quase que
:..ntìgurando uma condição de "super-homem". Se realmente for essa a impressão
i:irada. peço ao leitor que releve, pois tudo se passa de forma simultânea, conjunta
: :atural. e a quantidade de itens descritos não é mais do que um esquema de propósi-
:-. didático.
Destarte, seguindo uma ordem mais de lembrança do que de importância, vale
::ite.ar os seguintes atributos como um conjunto de condições desejáveis e, para
j i:r. !ituacòes. imoresc ind íveis:42 . znasrM,c,N a osorro
. Gostar e acreditar €m grupos, E claro que qualquer atividade profissional
exige que o praticante goste do que faz, caso contrário ele trabalhará com um enoÍïne
desgaste pessoal e com algum grau de prejuízo em sua tarefa. No entanto, atrevo-me
a dizer que, paÍicularmente na coordenação de grupos, esse aspecto adquire uma
relevância especial, porquanto a gestalt de um grupo, qual um "radar", capta com
mais facilidade aquilo que lhe é "passado" pelo coordenador, seja entusiasmo ou
enfado. verdade ou falsidade. etc
Cabe deixar bem claro que o fato de se gostar de trabalhar com grupos de modo
algum exclui o fato de vir a sentir transitóÍias ansiedades, cansaço, descrenças, etc.
. Amor às verdades. Não é exagero afirmar que essa é uma condiçâo sine qua
non para um coordenadorde qualquer grupo - muito especialmente para os de propósi-
to psicanalítico -, pois ninguém coniesta que a verdade é o caminho régio para a
confiaça, a criatividade e a liberdade.
E necessário esclarecer que não estamos aludindo a uma caça obsessiva em
busca das verdades, até mesmo porque as mesmas nunca são totalmente absolutas e
dependem muito do vértice de observação, mas, sim, referimos-nos à condição do
coordenador ser verdadeiro. O coordenador que não possuir esse atributo também
terá dificuldades em fazer um necessário discemimento entre verdades, falsidades e
mentiras que correm nos campos grupais. Da mesma forma, haverá um prejuízo na
sua importante função de servircomo um modelo de identificação, de como enfrentar
as situações difíceis da vida.
No caso dos grupos psicoterápicos, o atributo de o coordenador ser uma pessoa
veraz, além de um dever ético, também é um princípio técnico fundamental, pois
somente através do amor às verdades, por mais penosas que elas sejam, os pacientes
conseguirão fazer verdadeiras mudanças internas. Ademais, tal atitude do
grupoterapeuta modelará a formação do indispensável clima de uma leal franqueza
entre os membros que partilham uma grupoterapia.
. Coerênciâ. Nem sempre uma pessoa verdadeira é coerente, pois, conforme o
seu estado de espírito, ou o efeito de uma determinada circunstância exterior, é pos-
sível que ele próprio se "desdiga" e modifique posições assumidas. Pequenas incoe-
rências fazem paÍe da conduta de qualquer indivíduo; no entanto, a existência de
incoerências sistemáticas por parte de algum educador - como são aquelas provindas
de pais, professores, etc. - leva a criança a um estado confusional e a um abalo na
construção dos núcleos de confiança básica. De fato, é altamente danoso para o psi-
quismo de urna criança que, diante de uma mesma "arte", em um dia ela seja aplaudi-
da pelos pais e, num outro, seja severamente admoestada ou castigada; assim como é
igualmente patogênica a possibilidade de que cada um dos pais, separadamente, se-
jam pessoas coerentes nas suas posições, porém manifestamente incoerentes entre as
respectivas posições assumidas perante o filho. Essa atitude do educador constitui
uma forma de desrespeito à criança.
O mesmo raciocínio vale integralmente para a pessoa de coordenador de algum
grupo, porquanto, de alguma forma, ele também está sempre exercendo um certo
grau de função educadora.
. Senso de ética. O conceito de ética, aqui, alude ao fato de que um coordenador
de grupo não tem o direito de invadir o espaço mental dos outros, impondoìhes os
seus próprios valores e expectativas: pelo contrário, ele deve propiciar um alarga-
C OMO'I RAEA LHAMOS COV CRUPOS 
' 
43
mento do espaço interior e exterior de cada um deles, através da aquisição de um
senso de liberdade de todos, desde que essa liberdade não invada a dos outros.
Da mesma forma, falta com a ética o coordenador de grupo que não mantém um
mínimo de sigilo daquilo que lhe foi dado em confiança, ou pelas inúmeras outras
formas de faltar com o respeito para com os outros.
. Respeito. Este atributo tem um significado muito mais amplo e profundo do
que o usualmente empregado. Respeito vem de re (de novo) + specíore (olhar), ou
seja, é a capacidade de um coordenador de grupo voltar a olhar para as pessoas com
as quais ele está em íntima interação com outros oÌhos, com outras perspectivas, sem
a miopia repetitiva dos rótulos e papéis que, desde criancinha, foramJhes incutidos.
Igualmente, faz parte deste atributo a necessidade de que haja uma necess âriadistân-
cia ótima entre ele e os demais, uma tolerância pelas falhas e limitações presentes em
algumas pessoas do grupo, assim como uma compreensáo e paciência pelas eventu-
ais inibições e pelo ritmo peculiar de cada um.
Tudo isso está baseado no importante fato de que a imagem que uma mãe ou pai
(o terapeuta, no caso de uma grupoterapia) tem dos potenciais dos seus filhos (paci-
entes) e da família como um todo (equivale ao grupo) se toma parte importante da
imagem que cada indivíduo virá a ter de si próprio.
. Paciência. Habitualmente, o significado desta palavra está associado a uma
idéia de passividade. de resignação, e o que aqui estamos valorizando como um impor-
tante atributo deum coordenador de grupo é frontalmente oposto a isso. Paciência deve
ser entendida como uma atitude dtiva, como um tempo de espera necessi4rio para que
uma determinada pessoa do grupo reduza a sua possível ansiedade paranóide inicial,
adquira uma confiança basal nos outros, permita-se dar uns passos rumo a um terreno
desconhecido, e assim por diante. Assim concebida, a capacidade de paciência faz
parte de um atributo mais contingente, qual seja, o de funcionar como um continente.
. Continente. Cada vez mais, na literatura psicológica em geral, a expressão
"continente" (é original de Bion) amplia o seu espaço de utilização e o reconhecimento
pela importância de seu significado. Esse atributo alude originariamente a uma capa-
cidade que uma mãe deve possuir para poder acolher e conteÍ as necessidades e an-
gústias do seu filho, ao mesmo tempo que as vai compreendendo, desintoxicando,
emprestando um sentido, um significado e especialmente um nome, para só então
devolvêJas à criança na dose e no ritmo adequados às capacidades desta.
A capacidade do coordenador de grupo em funcionar como um continente é
impoÍante por três razões:
l. Permite que ele possa cor,rter as possíveis fu que podem emergir no
campo grupal provindas de cada um e de todos e que, por vezes, são colocadas de
forma maciça e volumosa dentro de sua pessoa.
3.
Possibilita que ele contenha as suas próprias angústias, como é o caso, por exem-
plo, de não saber o que está se passando na dinâmica do grupo, ou a existência de
dúvidas, de sentimentos despertados, etc. Essa condição de reconhecer e conter
as emoções negativas costuma ser denominada capacidade negativa e será me-
lhor descrita no tópico qne segue abaixo.
Faz parte da capacidade de continente da mãe (ou do coordenador de um grupo)
a assim denominada, por Bion, função alfa, que será descrita um pouco maìs
adiante, em "Função de ego auxiliar".
2.
44 . ZMERMAN & osoRlo
. Capacidade negativa. Como antes referido, no contexto deste capítulo, esta
função consiste na condição de um coordenador de gnrpo de conter as suas próprias
angrístias, que, inevitavelmente, por vezes, surgem em alguma forma e grau, de modo
a que elas não invadam todo espaço de sua mente.
Não há porque um coordenador de um grupo qualquer ficar envergonhado, ou
culpado, diante da emergência de sentimentos "menos nobres" despertados pelo todo
grupal, ou poÍ determinadas pessoas do gÍupo, como podem ser, por exemplo, um
sentimento de ódio, impotência, enfado, excitação erótica, confusão, etc., desde que
ele reconheça a existência dos mesmos, e assim possa conter e administrálos. Caso
contriário, ou ele sucumbiná a uma contra-atuação ou trabalhará com um enorme desgaste.
. Função de ego auxiliar. A "função alfa" antes referida, originariamente, con-
siste na capacidade de uma mãe exercer as capacidades de ego (perceber, pensar,
conhecer, discriminar, juízo crítico, etc.) que ainda não estão suficientemente desen-
volvidas na criança.A relevância deste atributo se deve ao fato de que um filho
somente desenvolverá uma determinada capacidade - digamos, para exemplificar, a
de ser um continente para si aos demais - se a sua mãe demonstrou possuir essa
capacidade.
Igualmente, um coordenador de grupo deve estar atento e disponível para, du-
rante algum tempo, emprestar as suas funções do ego às pessoas que ainda não as
possuem, o que acontece comumente quando se trata de um grupo bastante regressi-
vo. Creio que, dentre as inúmeras capacidades egóicas que ainda não estão suficien-
temente desenvolvidas para determinadas funções, tarefas e comportamentos, e que
temporariamente necessitam de um "ego auxiliar" por paÍte do coordenador do gru-
po, meÍecem um registro especial as funções de pensar, discriminar e comunicar.
. Função de pensar. É bastante útil que um coordenador de grupo, seja qual for
a natureza deste, permaneça atento para perceber se os paÍticipantes sabem pensar âs
idéias, os sentimentos e as posições que são verbalizados, e ele somente terá condi-
ções de executar essa taÍefa se, de fato, possuir esta função de saber pensar.
Pode parecer estranha a afirmativa anterior; no entanto, os autores contempo-
râneos enfatizam cada vez mais a importância de um indivíduo pensar as suas expe-
riências emocionais, e isso é muito diferente de simplesmente "descarÍegar" os nas-
centes pensamentos abrumadores para fora (sob a forma de um discurso vazio, proje-
ções, actings, etc.) ou para dentro (somatizações). A capacidade para "pensar os pen-
samentos" também implica escutar os outros, assumir o próprio quinhão de responsa-
bilidade pela natureza do sentimento que acompanha a idéia, estabelecer confrontos
e correlações e, sobretudo, sentir uma liberdade para pensaÍ.
Vou me permitir observar que: "muitos indivíduos pensam que pensam, mas
não pensam, porque estão pensando com o pensamento dos outros (submissão ao
pensamento dos pais, professores, etc.), pâra os outros (nos casos de "falso sef'),
contra os outros (situações paranóides) ou, como é nos sujeitos excessivamente narci-
sistas: "eu penso em mim, só em mim, a partir de mim, e não penso em mim com os
outros, porque eu creio que esses devem gravitaÍ em tomo do meu ego".
. Discriminação. Faz parte do processo de pensar. Capacidade de estabelecer
uma diferenciação entre o que pertence ao próprio sujeito e o que é do outro, fantasia
e realidade, intemo e extemo, presente e passado, o desejável e o possível, o claro e
o ambíguo, verdade e mentira, etc. Particularmente para um cooÍdenador de grupo,
este atributo ganha relevância em razão de um possível jogo de intensas identifica-
A
ts
o
u
o
n
€
o
col\ro 1R^BÀLH^Ì!Íos coM cRUPos . 45
ções projetivas cruzadas em todas as direções do campo grupal, o qual exige uma
clara discriminação de "quem é quem", sob o risco do grupo cair em uma confusão de
papéis e de responsabilidades. Acredito que os terapeutas que trabalham com casais
e famflias podem testemunhar e concordar com esta última colocaçào.
. Comunicação, Para atestar a importância da função de comunicar - tânto no
conteúdo quanto na forma da mensagem emitida - cabe a afirmativa de que a lingua-
gem dos educadores determina o sentido e as significações das palavras e gerc as
estruturas da mente.
O atributo de um coordenador de grupo em saber comunicar adequadamente é
pârticularmente importante no caso de uma grupoterapia psicanalítica, pela respon-
sabilidade que representa o conteúdo de sua atividade interpretativa, o seu estilo de
comunicá-la e, sobretudo, se ele está sintonizado no mesmo canal de comunicação
dos pacientes (por exemplo, não adianta formular interpretações em termos de com-
plexidade simbólica para pacientes regressivos que ainda permanecem numa etapa
de pensamento concreto, e assim por diante). Em relaçío ao estiLo, deve ser dado um
destaque ao que é de natureza narcisista, tal como segue logo adiante.
Um aspecto parcial dacomunicação é o que diz respeito à atividade interpretativa,
e como essa está intimamente ligada ao uso das verdades, como antes foi ressaltado,
torna-se necessário estabelecer uma importante conexão entre a formulação de uma
verdade penosa de ser escutada e a manutenção da verdade. Tomarei emprestada de
Bion uma sentença que sintetiza tudo o que estou pretendendo destacar: anlor sent
verdade não é mais do aue naixão, no entanlo, verdade sem amor é crueldade.
É igualmente impo.tont" qu. ,r .oordenrdor de grupo qualquer valorize o fato
de que a comunicação não é unicamente verbal, porquanto tanto ele como o seu
grupo estão continuamente se comunicando através das mais sutis formas de lingua-
gem não-verbaì.
. Tfaços caracterológicos. Tanto meÌhor trabalhará um coordenador de grupo
quanto melhor ele conhecer a si próprio, os seus valores, idiosincrasias e caracterologia
predominante. Dessa forma, se eÌe for exageradamente obsessivo (embora com a
ressalva de que uma estrutura obsessiva, não excessiva, é muito útil, pois determina
seriedade e organização), vai acontecer que o coordenador terá uma absoluta intolerân-
cia a qualquer atraso, falta e coisas do gênero, criando um clima de sufoco, ou geran-
do uma dependência submissa. Igualmente, uma caracterologia fóbica do coordena-
dor pode determinar que ele evite entrar em contato com determinadas situações
angustiantes, e assim por diante.
No entanto, vale destacar aqueles traços caracterológicos que são predominan-
temente de natnÍezà narcisìsta. Nestes casos, o maior prejuízo é que o coordenador_-
estará mais voltado para o seu bem-estar do que para o dos demais. A necessidade de
receber aplausos pode ser tão imperiosa, que há o risco de que se estabeÌeçamconluios
inconscientes, com o de uma recíproca fascinação narcisista, por exemplo, onde o
valor máximo é o de um adorar o outro, sem que nenhuma mudança verdadeira ocor-
ra. Uma outra possibilidade nociva é a de que o coordenador seja tão brilhante que
eÌe deslumbra ("des" + "lumbre", ou seja, ofusca porque "tira a luz") às pessoas do
grupo, como seguidamente aconÍece entre plofessores e alunos, mas tambóin pode
aconlecer com grupoterapeu(as e seus pacientes.
Neste último caso, o dogmático discurso interpretativo pode estar mais a servi-
ço de uma fetichização, isto é, da manutenção do ilusório, de seduzir e dominar, do
t-
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46 . zMsrÌ,r,aN a osoRro
que propriamente a uma comunicação, a uma resposta, ou a abertura para reflexões.
A retórica pode substituir a produção conceitual.
Um outro inconveniente que decorre de um coordenador excessivamente narci-
sista é que ele tem a sensação de que tem a propriedade privada sobre os ..seus pacien-
tes", do futuro dos quais ele crê ter a posse e o direito de determinar o valoi deles.
Nestes casos, é comum que este terapeuta trabalhe mais sobre os núcleos conflitivos
e os aspectos regressivos, descartando os aspectos mais maduros e as capacidades
sadias do ego.
Da mesma forma, um grupoterapeuta assim pode ser tentado a fazer exibição de
uma cultura erudita, de fazer frases de efeito que, mais do que um simples brilho que
lhe é tão necessário, o que ele basicamente visa, no plano inconsciente, é manter uma
larga diferença entre ele e os demais do grupo.
. Modelo de identiÍicação. Todos os grupos, mesmo os que não são especifica-
mente de natureza terapêutica, de uma forma ou outra, exercem uma função
psicoterápica. Isso, entre outras razões, deve-se ao modelo exercido pela figurado
coordenadordo grupo, pela maneira como ele enfrenta as dificuldades, pensaos proble-
mas, estabelece limites, discrimina os distintos aspectos das diferentes situações,
maneja com as verdades, usa o verbo, sintetiza, integra e dá coesão ao grupo. Òom
outras palavras, o grupo também propicia uma oportunidade para que os paÍicipan-
tes introjetem a figura do coordenador e, dessa forma, identifiquem-se com murtas
características e capacidades dele.
Nos casos de grupoterapia psicanalítica, vale acrescentar que a atividade
interpretativa_do

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