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21 1 INTRODUÇÃO A presente pesquisa é fruto dos estudos realizados no Curso de Serviço Social do Centro Universitário Católico de Vitória, e tem como tema a “Política de Assistência Social destinada as Pessoas em Situação de Rua”. A exacerbada expansão da globalização tem sido cada vez mais um “divisor de águas na sociedade” (ARAUJO, 2012, p. 9), principalmente concerne às condições de vida das pessoas. Aquelas pessoas que tem maior acesso à tecnologia, informação e educação, acabam tendo maior chance de se posicionar no atual mercado globalizado e tendo maiores e melhores condições de vida (ARAUJO, 2012). As Pessoas em Situação de Rua estão, por norma, à margem desse cenário e fora dos limites da expansão da globalização, tendo em vista que não possuem acesso às essas evoluções tecnológicas, à informação e à educação (ARAUJO, 2012). É possível então visualizar que a globalização funciona diferentemente entre grupos distintos, mas, também, em países distintos. Às vezes, nem sempre ter acesso à tecnologia garante os “benefícios” da globalização, inclusive é possível perceber que tanto a globalização quanto o avanço tecnológico algumas vezes têm gerado consequências negativas, principalmente quando relacionada à proliferação de desigualdades sociais e a falta de garantias sociais para a grande maioria populacional (ARAUJO, 2012). Para compreensão do fenômeno “pessoas em situação de rua” é preciso considerar um vasto número de variáveis que estariam relacionados a sua ocorrência, sendo: 1ª) biográficos – relativo a história de vida dos indivíduos, ou seja rompimentos de relações familiares, doenças mentais, alcoolismo, uso de drogas; 2ª) desastres naturais – inundações, secas, deslizamentos de terras; 3ª) estruturais – escassez de trabalho, baixa renda, habitação (SILVA, 2009). Atendendo ao exposto até aqui, a realidade das pessoas em situação de rua vem sendo tratadas por meio de programas e projetos elaborados voltados para esta população e, especialmente, por meio da Política Nacional para as Pessoas em Situação de Rua, o qual define “[...] objetivos, princípios e diretrizes para a formulação de políticas integradoras entre as pessoas em situação de rua e os demais membros da sociedade [...]” (ARAUJO, 2012, p. 9). 22 Neste sentido, este estudo tem o propósito de responder o seguinte questionamento: qual o projeto desenvolvido para a população em situação de rua pela Política de Assistência Social do município de Vitória/ES? Para tanto, o objetivo geral é identificar e descrever qual projeto desenvolvido para a população em situação de rua pela Política de Assistência Social no município de Vitória/ES, e para conseguir respostas para o objetivo traçado, os objetivos específicos são: 1) descrever como funciona o serviço oferecido no Albergue para Migrantes de Vitória/ES; e, 2) identificar o perfil sociodemográfico dos usuários atendidos nesse espaço. No ano de 2004, a PNAS-NOB/SUAS reconheceram a atenção à população em situação de rua no âmbito do SUAS. No parágrafo único do art. 23, da LOAS, Lei n° 11.258, ficou estabelecido que, na organização dos serviços da Assistência Social, deverão ser criados programas destinados às pessoas em situação de rua (BRASIL, 2006). Os indivíduos em situação de rua têm todo direito garantido em lei. A Resolução do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), n° 109, de 11 de novembro, de 2009, define características dos serviços socioassistencias em âmbito nacional dentre os quais: o serviço de atendimento a população em situação de rua na Proteção Especial (BRASIL, 2009). O interesse pelo tema partiu do estágio supervisionado enquanto disciplina e experiências profissionais vividas junto aos usuários em situação de rua no Albergue para Migrantes de Vitória/ES. Espera-se com este estudo a oportunidade de ampliar o conhecimento e entendimento a respeito dos programas, projetos desenvolvidos no equipamento, compreendendo sua política, desafios, demandas e possibilidades de práticas de intervenção com a população em situação de rua assistida pelo projeto, que de acordo com o Decreto Nº 7.053 de 2009 (BRASIL, 2009), caracteriza essa população. A possibilidade de conhecer e melhor compreender quem são as pessoas em situação de rua atendidas no equipamento Albergue para Migrantes de Vitória/ES, a Política Nacional para População em Situação de Rua, as leis que regulamentam tal 23 política, seus princípios e diretrizes, são fatores que justificam a presente pesquisa. Por isso, a relevância social do estudo. A elaboração deste estudo partiu da tentativa de conhecer, entender e aprofundar estudos teóricos, por meio de análise documental de Leis, portarias e documentos da Secretaria Municipal do Trabalho, Assistência e Cidadania do Município de Vitória, tendo como finalidade perceber se a formulação de estratégias de atendimento a essa população está de acordo com o que preconiza a lei, observando como essas políticas estão interagindo para cumprir seus objetivos de forma satisfatória a População em Situação de Rua. O estudo abordou os objetivos dos projetos desenvolvidos no Albergue para Migrantes de Vitória/ES, com foco nos indivíduos e/ou famílias em situação de risco social e pessoal, em processo migratório ou residente há um período igual ou inferior a 06 meses, que estejam a procura de trabalho para fixar residência no município ou que desejam se deslocar para outra cidade, e as atividades desenvolvidas nesse espaço para que as pessoas que ali se encontram possam ter maior apoio, e a partir dos programas e serviços oferecidos possam voltar a ter uma vida social, com dignidade, respeito, livres de agressões e preconceitos, conforme explicitado pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) que todas as pessoas têm direito a uma vida digna. O tipo de pesquisa utilizado para este estudo foi documental e descritiva, de abordagem qualitativa. A estrutura do trabalho está organizada da seguinte forma: o tópico 2 trata do Referencial Teórico, onde apresenta-se uma breve introdução dos conceitos de políticos públicas, uma contextualização da formação da população em situação de rua, e da Política Nacional de Assistência Social; no tópico 3 é apresentado os procedimentos metodológicos para realização deste estudo; o tópico 4 trata dos resultados da pesquisa; e, por fim, no tópico 5 apresenta-se as considerações finais. 24 25 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 UMA BREVE INTRODUÇÃO AOS CONCEITOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS A gestão pública é uma expressão que gera uma área de conhecimento e de trabalho relacionados as organizações onde o objetivo seja de interesse público ou alcance este. Compreende áreas como Finanças Públicas, Recursos Humanos, Politicas Publicas dentre outras. Com interesses que interferem em toda sociedade, uma organização pode ser pública ou privada, podendo haver “gestão pública” em instituições públicas e privadas, apesar de não ser comum os entes privados se preocuparem realmente com a coletividade. Exemplo disso são as Organizações não Governamentais (ONGs), que são entidades privadas, mas na maioria das vezes visam algum tipo de bem público (BRUM, 1988). Por sua vez, as políticas públicas podem ser entendidas como medidas estimuladas pelo Poder Executivo nas três esferas do Governo (dos Governos Federal, Estadual e Municipal) com intuito de gerar o bem-estar social e a satisfação da sociedade (STOFFEL, 2004). Souza (2006), afirma ainda que existem quatro tipos de políticas públicas - distributivas, regulatórias, redistributivas e constitutivas. Sechi (2012, p. 17) conceitua esses tipos de políticas públicas como: Política regulatória - determina modelos de comportamento, serviço ou produto para agentes públicos e privados. Política distributiva: está relacionada ao que é decidido pelo governo e “distribuído”a certos grupos. Política redistributiva: abrande uma quantidade maior de pessoas, sendo compreendida políticas sociais “universais. Políticas constitutivas: está relacionada aos procedimentos, definem competências, regras de disputa política e da elaboração de políticas públicas. A importância da gestão pública, segundo Alcoforado (2006), está em promover o desenvolvimento de um país ou região, contendo em sua capacidade de criar otimização e melhoria dos fatores de produção existentes, na organização da infraestrutura econômica e social, e na implementação de ações que possam diminuir as desigualdades sociais. Segundo Rua (2009, p. 36), As políticas públicas ocorrem em um ambiente tenso e de alta densidade política, marcada por relações de poder, extremamente problemáticas, entre 26 atores do Estado e da sociedade, entre agências intersetoriais, entre os poderes do Estado, entre o nível nacional e níveis subnacionais, entre comunidade política e burocracia. Segundo Araujo (2012, p. 18): Os objetivos principais das Políticas Públicas são atender as demandas sociais, especialmente as que atendem as necessidades da população menos favorecida economicamente; concretizar os direitos de cidadania; promover o desenvolvimento social; criar oportunidades de geração de emprego e renda, através de políticas sociais e de incentivos fiscais; mediar os conflitos entre os diversos setores da sociedade e o poder público e fazer com que, através da Gestão Participativa, a sociedade possa, além de participar da elaboração da política, mas também discutir os pontos de interesse na política, não deixando as decisões apenas nas mãos dos gestores e, conhecendo a política de forma mais profunda, possa fiscalizar a aplicação dos recursos destinados à mesma. A seguir neste estudo, serão tratadas Políticas Públicas voltadas para pessoas em situação de rua, em especial a Política de Assistência Social. 2.2 POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA A existência de indivíduos em situação de rua é um fenômeno presente na sociedade brasileira desde a formação das primeiras cidades (Carvalho, 2002). Também Stoffel (2004) menciona que há relatos da existência de pessoas itinerantes, que habitavam as ruas desde a Grécia Antiga, decorrentes de desapropriações de terras e do crescimento das cidades. Essas pessoas sem trabalho ou casa fixa encontravam dificuldades de obter renda, então, passavam a fazer das ruas sua moradia e seu meio de sobreviver. Considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória (BRASIL, 2009a). Silva (2009) aponta a caracterização do surgimento da população em situação de rua, dizendo que eles eram camponeses e trabalhadores rurais possuíam o seu próprio espaço para habitação e uma área para estabelecerem o cultivo de seus bens e criarem os seus animais para a sua sobrevivência. O Decreto 7.053 de dezembro de 2009 define a população em situação de rua da seguinte forma: 27 [...] um grupo populacional heterogêneo, composto por pessoas com diferentes realidades, mas que têm em comum a condição de pobreza absoluta, vínculos interrompidos ou fragilizados e inexistência de moradia convencional regular, sendo compelidos a utilizarem a rua como espaço de moradia e sustento, por contingência temporária ou de forma permanente (BRASIL, 2009). A definição de “população de rua” é complexa entre os pesquisadores. O universo dessa população pode incluir desde os que fazem da rua sua “residência” permanente, quanto os que apenas “tiram” da rua seu sustento sem, no entanto dela se utilizarem como “moradia” (ARAUJO, 2012). Segundo Mendes (2007, p. 4), nesse universo de pessoas, podem se encaixar como população de rua migrantes, “catadores de papel, prostitutas, trabalhadores itinerantes, mendigos, desabrigados e camelôs, entre outros”, com suas múltiplas motivações para permanecerem parte de sua vida na rua. Tiengo (2016) citado por Araujo (2012, p. 22) menciona: A principal dificuldade para separar aquelas que se encaixam ou não na definição de população de rua é saber dividi-las entre as pessoas que vivem nas ruas, as que vivem do que recolhem ou conseguem (de forma licita ou ilícita) das ruas ou que vivem em condições precárias de habitação. Assim, menciona Tiengo (2016) citado por Araujo (2012, p. 22) que: Entre as que tiram seu sustento das ruas, incluem-se as prostitutas e os catadores de papel e de material reciclável, os quais geralmente residem em locais distantes dos grandes centros urbanos e eventualmente dormem nas ruas por causa da dificuldade de retornar às suas casas devido, principalmente aos custos desse translado. D‟Incao (1992) citado por Araujo (2012) acrescenta nesse conceito, que: as pessoas que vieram do meio rural para o meio urbano a procura novas chances de emprego e que acabaram vagando pelas grandes cidades principalmente por problemas de adaptação e pela falta de qualificação profissional, o que impossibilitou sua contratação. A rua, então, passa de lugar público e de passagem, para local público de moradia, no qual diferentes classes sociais transitam, mas que ao invés de conviverem se evitam, apesar de tão próximas, aumentando cada vez mais o abismo que as separa. Para autora D‟Incao (1992, p. 95), “o processo que exclui a rua como local de sociabilização elimina a convivência social das diferentes classes sociais” (D´INCAO, 1992, p. 95). Escorel (2000) menciona em seu estudo uma diferença entre o significado de “pessoas em situação de rua” e “moradores de rua”, apontando que a diferença maior entre ambos os termos é que os moradores de rua são aqueles que fazem uso da rua como “moradia” permanente. Já as pessoas em situação de rua são as 28 que as usam por um período restrito, ou seja, cuja permanência na rua é transitória (ESCOREL, 2000). D‟Incao (1995) trata o comportamento errante desses trabalhadores como consequência da falta de oferta de empregos fixos satisfatórios que atendam as suas necessidades. Araujo (2012, p. 23) menciona que: O migrante seria aquele individuo que vai de uma região para outra, geralmente em busca de melhores condições de trabalho, mas que possui, comumente, um local para o qual ele pode retornar. Os trabalhadores itinerantes seriam os trabalhadores que saem das suas cidades para realizar trabalhos temporários em outros locais, tais como os trabalhadores rurais que saem de sua região para trabalhar nas colheitas em outras regiões; as pessoas que vivem do comércio ambulante, os garimpeiros e outros trabalhadores que garantem seu sustento com trabalhos temporários, os chamados “bicos”. Esses indivíduos se deslocam de forma sazonal e geralmente tem para onde voltar. Os trabalhadores itinerantes e o migrantes se caracterizem por sua mobilidade em busca de um trabalho que lhe permita uma vida menos sacrificada, mantendo os laços familiares, os moradores de rua se caracterizam pelo seu nomadismo e pelo processo de desterritorialização, na medida em que não tem um ponto de retorno e geralmente rompem com os laços familiares. A população de rua é caracterizada por Escorel (1999, p. 18) como uma “[...] condição limítrofe, que pode ser verificada empiricamente no cotidiano de pessoas que moram nas ruas da cidade, é parte de uma trajetória composta por situações extremamente vulneráveis”. O mesmo autor define mendigo como “[...] aquele que sobrevive pedindo esmola, o que não toma banho, não escova os dentes; é o ponto final da degradação humana” (ESCOREL, 1999, p. 163). Já, segundo Araujo (2012, p.23), “para a Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, as pessoas em situação de rua são compelidas a habitar logradouros públicos, áreas degradadas e ocasionalmente utilizar abrigos e albergues para pernoitar”. As definições da população de rua trazem consequências que se retratam as manifestações sociais que as envolve, levando-se em conta seu conceito e o nomadismo que a caracteriza (ARAUJO, 2012). “De forma mais didática, usam-se os termos “morador de rua” e “pessoa em situação de rua” como sinônimos para definir as que têm a rua como habitat e dela também tiram o seu sustento, mesmo que não façam dela seu local de moradia” (ARAUJO, 2012, p. 23). 29 O Censo dos Moradores de Rua da cidade de São Paulo (2000, p. 5) definiu a população de rua ou a população moradora de rua como: [...] todas as pessoas que não têm moradia e que pernoitam nos logradouros da cidade – praças, calçadas, marquises, jardins, baixos de viadutos – ou casarões abandonados, mocós, cemitérios, carcaças de veículos, terrenos baldios ou depósitos de papelão e sucata. [...] foram igualmente considerados moradores de rua aquelas pessoas, ou famílias, que, também sem moradia, pernoitam em albergues ou abrigos, sejam eles mantidos pelo poder público ou privados. Vieira, Bezerra e Rosa (1994) citado por Araujo (2012, p. 24), identificam três situações em relação à permanência na rua: As pessoas que ficam na rua – configuram uma situação circunstancial que reflete a precariedade da vida, pelo desemprego ou por estarem chegando à cidade em busca de emprego, de tratamento de saúde ou de parentes. Nesses casos, em razão do medo da violência e da própria condição vulnerável em que se encontram, costumam passar a noite em rodoviárias, albergues, ou locais públicos de movimento. As pessoas que estão na rua – são aquelas que já não consideram a rua tão ameaçadora e, em razão disso, passam a estabelecer relações com as pessoas que vivem na ou da rua, assumindo como estratégia de sobrevivência a realização de pequenas tarefas com algum rendimento. É o caso dos guardadores de carro, descarregadores de carga, catadores de papéis ou latinhas. As pessoas que são da rua – são aqueles que já estão faz um bom tempo na rua e, em função disso, foram sofrendo um processo de debilitação física e mental, especialmente pelo uso do álcool e das drogas, pela alimentação deficitária, pela exposição e pela vulnerabilidade à violência. Bulla e outros (2004, p. 113) observam que, “embora se apresentando com vestimentas sujas e sapatos surrados, as pessoas em situação de rua, nos pertences que carregam, expressam sua individualidade e seu senso estético”. Araujo (2012, p. 24) expõe que: Esse grupo populacional foi mais bem definido na Pesquisa Nacional Sobre a População em Situação de Rua, que identificou 31.922 pessoas vivendo em situação de rua nos 71 municípios pesquisados. Essas pessoas informaram viver em locais públicos (calçadas, praças, rodovias, parques, viadutos, praias, túneis, prédios abandonados, becos e lixões), privados (postos de gasolina, barcos, depósitos ou ferro-velho) ou pernoitando em instituições (albergues, abrigos, igrejas, casas de passagem e de apoio). Como essa pesquisa não abrangeu todos os municípios brasileiros, esse número não corresponde ao total de pessoas em situação de rua no país que deve ser muito superior ao contingente descrito nessa pesquisa. Araujo (2012, p. 24) ainda menciona que: Os municípios de São Paulo, Belo Horizonte e Recife, embora se enquadrem nos critérios definidos para essa pesquisa, não foram incluídos na mesma por terem realizado pesquisa própria sobre esse mesmo tema nos anos de 2003 e 2005, respectivamente. Porém, em se comparando os resultados da Pesquisa Nacional Sobre a População em Situação de Rua 30 com os resultados das pesquisas realizadas nesses municípios, constatou- se que os índices encontrados foram semelhantes. Sobre Pesquisa Nacional Sobre a População em Situação de Rua, Araujo (2012, p. 25) esclarece que: foi realizada entre agosto de 2007 e março de 2008 em 71 municípios brasileiros, sendo deles 23 capitais e 48 municípios com mais de 300 mil habitantes. A pesquisa buscou responder a diversas questões sobre essa população, reunindo dados que possibilitassem a elaboração de uma política voltada para esse segmento da população que é, muitas vezes, invisível ao poder publico e à sociedade em geral. Essa pesquisa foi realizada a partir de um acordo de cooperação entre a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS, sendo selecionado para a execução da pesquisa, por meio de licitação pública, o Instituto Meta, empresa fundada em 1991 e que realiza, entre outras, pesquisas nas áreas de investigação de segmentos populacionais e suas características socioeconômicas e recenseamento de segmentos populacionais e cadastramento de grupos específicos. 2.2.1 Breve contextualização histórica da formação da população de rua no Brasil Desde a Antiguidade registraram-se fatos históricos marcados pela coerção do poder político com o objetivo de manter as diferenças entre as classes sociais, o que evidenciava quão trabalhosa seria a luta para modificar tal sistema dominante (SILVA, 2009). No contexto histórico brasileiro, os registros demonstraram que desde o Brasil Colônia, até o início do século XIX, as desigualdades sociais foram reforçadas com a vinda da Corte Portuguesa (SILVA, 2009). De acordo com Dannemann (2013, [s.p.]): Com a chegada da família real do Brasil, em 1808, foi criada a Lei das Aposentadorias. Por meio dela, representantes da comitiva real escolhiam as moradias que lhes interessavam, mesmo estando ocupadas, e o Juiz Aposentado fazia as intimações, transformando-as em propriedades da realeza. Na prática funcionava assim: o representante da comitiva que precisasse de casa para acomodar sua família andava pelas ruas acompanhando de um funcionário da Corte e, quando encontrava a que lhe agradasse, este funcionário emitia uma intimação ao proprietário, que era obrigado a abandonar o imóvel em prazo máximo de três dias, deixando para trás todos os móveis que lhe pertenciam, bem como seus veículos e escravos. Em seguida, a casa era marcada, a giz ou tinta, com as letras PR, que significava “Príncipe Regente”, mas logo elas foram traduzidas pela população como as iniciais da ordem “Ponha-se na Rua”. Sem condições de enfrentar aquilo que era imposto pela família real, os moradores da cidade tinham que improvisar situações para conseguir afastar os olhares dos 31 portugueses de suas casas, e não correr o risco de risco sem ela. Foi a partir desta artimanha de improvisar situações repentinas que nasceu a famosa expressão “jeitinho brasileiro”1. O que eles faziam para desviar a atenção dos portugueses de suas casas era fazer parecer que eram obras inacabadas, ou seja, deixavam as casas sem reboco, sem portas e janelas, as vezes com andaimes à frente, e assim as casas pareciam não ter condições de ser habitada. Muitos brasileiros que aqui residiam foram moras nas ruas, outros moravam em casas que não lhes pertenciam por tempo indeterminado (DANNEMANN, 2013). Os moradores conviviam com a desordem e a insegurança, além do medo da contaminação de doenças providas da falta de saneamento básico e higiene proporcionada, principalmente, pelo comércio de escravos na cidade, que eram tratados como mercadorias, sem as mínimas condições de higiene. A insegurança gerada no interior da Colônia também causava séria preocupação aos moradores criminosos, escravos cativos, escravos libertos, escravos foragidos, ciganos e homens de “estranhas vestimentas” – todos estes refletiam verdadeiras ameaças aos olhos dos brancos pertencentes à classe dominante (CATARIN, 2017).O tráfico de escravos trouxe pavor e preocupação para a população que transitava pelas ruas das cidades. Muitas “peças” ficavam expostas numa espécie de loja de escravos. Aqueles que não tinham compradores definidos permaneciam na cidade por dias, semanas e até meses, até serem vendidas ou comercializadas. Havia imundice e mau cheiro em toda parte pelas ruelas da cidade. Os negros satisfaziam todo tipo de necessidade fisiológicas ao ar livre. Vale esclarecer que este fato ocorria no cotidiano dos negros pelo fato deles não serem vistos como cidadãos com direitos a espaço privado para a satisfação de suas necessidades fisiológicas, mas eram vistos e tratados como mercadorias e “bichos”. Outros, ainda, reuniam-se para práticas religiosas e “recreativas”, tocando seus tambores madrugada a dentro (SILVA, 2009). A expectativa do modo de vida na sociedade estava baseada na ordem escravista. Este cenário estava presente nas cidades em todo Brasil Colonial e Brasil-Império. Posteriormente, a Proclamação da República constituía-se num estímulo às mudanças sociais, porém estas não aconteceram (SILVA, 2009). 1 A expressão “jeitinho brasileiro” está relacionada a maneira do povo brasileiro improvisar soluções para certas situações consideradas problemáticas. 32 Como consequência, houve o excesso de mão-de-obra nos centros urbanos. A modernização favoreceu a concentração de renda, e também o aumento da miséria, da desigualdade, da exclusão social e da violação dos direitos humanos (SILVA, 2009). Contudo, o Brasil Contemporâneo pós Segunda Guerra Mundial era uma mistura paradoxal. De um lado apresentava belíssimas paisagens responsáveis pela visita de milhares de turistas todo ano, mas por outro estava presente a proliferação de favelas instaladas principalmente nos morros e em regiões de manguezais, o que marcava a ocupação desordenada do solo urbano e ampliava a discrepância entre cidadãos com direitos garantidos e cidadãos excluídos de direitos (SILVA, 2009). A alegria e o colorido do samba presentes anualmente nos desfiles de carnaval harmonizam-se com as históricas partidas de futebol, saudosismos que cada vez mais se rivalizavam com a exclusão social. Os momentos populares típicos brasileiros que “minimizavam” as desigualdades sociais e supunham uma pretensa harmonia das diferenças sociais históricas eram o carnaval e o futebol, único momento em que o folião e o torcedor se colocam no mesmo patamar social (SILVA, 2009). 2.2.2 Pontuações teóricas do processo de exclusão/inclusão social e suas implicações na formação da população de rua Segundo o Dicionário Aurélio a palavra exclusão significa “ato de excluir-se”. No entanto, para fornecer maior clareza sobre este termo, faz-se necessário esclarecer que excluir denota também outras ideias, como: ser incompatível com; eliminar; pôr fora, expulsar, retirar; privar, despojar; isentar-se. Em referência à palavra social, o dicionário Aurélio diz significar: “da sociedade ou relativo a ela; sociável”. De acordo com estes conceitos, exclusão social denota a incompatibilidade de inserção de alguns indivíduos na sociedade em geral. Exclusão social, para Assmann e Sung (2000, p. 90), está relacionada a “impossibilidade ou grande dificuldade que uma pessoa encontra para satisfazer seus desejos de consumo e suas necessidades básicas para uma vida digna”. Sendo assim, ambos conceitos traduzem a situação vivenciada pela população de rua, pois quando estes buscam as ruas ou o abrigamento, significa que tiveram, na 33 infância ou na vida adulta, seus direitos de convivência familiar e comunitária violados ou não garantidos. A palavra “exclusão” tornou-se um termo familiar no cotidiano das sociedades modernas e está presente nas comunidades dos países pobres, avançando num ritmo acelerado, atingindo milhares de pessoas no mundo inteiro. Isso se deve as transformações impostas pelo avanço tecnológico globalizado na dimensão trabalhista, gerando desigualdades sociais e, consequentemente, a redução da qualidade de vida do indivíduo/cidadão (ASSMANN; SUNG, 2000). De acordo com a Revista Exame (2016), o município de Uiramutã, no nordeste de Roraima, é a cidade com maior índice de exclusão social do Brasil, concentrando as piores condições de emprego, pobreza, desigualdades sociais, alfabetização, escolaridade, juventude e violência, como mostra a Tabela 01. De acordo com a Revista Exame (2016), seguida o município de Uiramutã (RO), os cinco municípios com maior índice de exclusão social no Brasil são: Itamarati (AM), Amajari (RR), Jutapi (AM), Marajá do Sena (MA) e Santana Isabel do Rio Negro (AM), todos com índices em torno de 0,3%. Tabela 01 – Índice de exclusão social da cidade de Uiramutã Índice Peso Descrição Pobreza 17% Proporção de domicílios com renda igual ou menor que ½ salário mínimo. Emprego 17% Proporção de trabalhadores com carteira assinado e funcionários públicos estatutários na população economicamente ativa. Desigualdade 17% Índice de Gini da renda domiciliar per capita da população residente. Alfabetização 5,70% Taxa de alfabetização das pessoas com 5 anos ou mais de idade. Escolaridade 11,30% Proporção de pessoas com 17 anos ou mais que concluíram o Ensino Médio. Juventude 17% Proporção da população com até 19 anos de idade. Violência 15% Taxa de homicídios por 100 mil habitantes. Fonte: Revista Exame (2016, [s.p.]). A representatividade da exclusão social está firmada em determinadas situações inseridas numa série de processos e manifestações que demarcam as rupturas dos vínculos sociais, dentre os quais pode-se citar: pessoas com deficiência, idosos, perda da moradia, preconceito racial, homofobia, desqualificação profissional, desemprego, alcoolismo. Neste sentido, Paugam (1996, p. 51) menciona que: Dentre essa população, encontram-se pessoas com rupturas sociais graves no centro de sua vida profissional e para as quais a „queda‟ foi brutal e 34 severa [...] No caso das pessoas que as pessoas perderam, ao mesmo tempo, o emprego e a moradia e que acumulam inúmeras deficiências, pode-se falar não de fragilização, mas de ruptura dos vínculos sociais. Cabe ressaltar que a exclusão social é um processo complexo-histórico, onde se configuram diferentes nuances no que diz respeito às desigualdades sociais, éticas e subjetivas. Grande parte das pessoas estão inseridas em atividades laborais que não suprem sequer as suas necessidades básicas. Vista como sinônimo de pobreza, a exclusão abre prerrogativas para a discriminação do sujeito que não se enquadra no modelo exigido pela sociedade em geral (SOUZA, 2016). A presença de pessoas menos favorecidas (mendigos, pedintes, marginais) sempre existiu em meio à sociedade e aos espaços públicos. No entanto, foi nos anos 90 que a percepção da palavra exclusão surgiu como uma nova ideia, centrada no debate público e intelectual, mostrando a degradação do mercado de trabalho. Por tudo isso, a exclusão não pode ser entendida como um fenômeno a ser abordado pelo plano individual, mas sim de forma que atinja o todo (SOUZA, 2016). Pode-se destacar como causas da exclusão social o crescimento rápido e desordenado da urbanização, o sistema impróprio da educação escolar, o nomadismo profissional, as desigualdades financeiras e a falta de acesso aos serviços (SOUZA, 2016). Vale ressaltar que a exclusão está alcançando uma enorme camada da sociedade, sem fazer distinção. Segundo Xiberras (1993) citado por Wanderley (2001, p. 17), “excluídos são todos aqueles que são rejeitados de nossos mercados materiais ou simbólicos, de nossos valores”. A exclusão social coloca o indivíduo em uma situação de afastamento geral, como se ele fosse um ser que não fizesse parte da sociedade organizada, ou seja, ele é visto como um desigual, como se não pertencesseao meio comum, excluído das formas de consumo, dos bens e serviços, bem como das relações sociais inclusivas (SOUZA, 2016). Cabe ressaltar que a exclusão social está relacionada à pobreza. No entanto, não se pode considerar somente esse fato para explicar uma situação tão complexa. As adversidades que fazem parte da vida dos sujeitos, como a desqualificação profissional, a escassez de trabalho, a fragilização dos vínculos familiares, da comunidade e das instituições, a dependência química, tudo isso são fatores que favorecem a exclusão social (SOUZA, 2016). 35 Carvalho (1995) citado por Wanderley (2001, p. 81) ressalta que: A cultura da tutela e do apadrinhamento, tão enraizada no cenário brasileiro, nada mais é do que a ratificação da exclusão e da subalternização dos chamados beneficiários das políticas públicas. Por mais que discursemos sobre o „direito‟, na prática os serviços das diversas políticas públicas ainda se apresentam aos excluídos e subordinados como um „favor‟ das elites dominantes. A sociedade prega um discurso democrático e igualitário, no entanto, as pessoas são excluídas do sistema com uma tendência a aceitar as injustiças que lhe são impostas, e mais, precisam tolerar aqueles que não fazem parte de suas relações devido ao estado de dominação a que estão sujeitos por parte daqueles que detém o poder (SILVA, 2009). Além disso, esta mesma sociedade se encarrega de excluir o indivíduo que não está integrado na relação grupal que defende os mesmos interesses, os mesmos valores e que não tem a mesma identidade. A visão que eles têm do próprio ou encontra-se interligada ao grupo a que pertencem, buscando uma posição de defesa de seus ideais, o qual, automaticamente, gera diferenciação e exclusão daqueles que não estiverem integrados no mesmo grupo (SILVA, 2009). No tocante à pessoas em situação de rua, o enfraquecimento dos vínculos sociais remete o morador de rua e o indivíduo acolhido, a um patamar de aceitação dos serviços prestados pelo Estado, pois os mesmos acumulam uma série de problemas, como: falta de emprego, falta de moradia, saúde precária, perda de contato com os familiares, carência afetiva e vínculos afetivos, dependência química, marginalização, dentre outros. O sentimento presente entre os moradores de rua é a incapacidade de reverter a posição na qual se encontram. Esse sentimento mostra claramente o estado de desilusão e impotência em que vive o morador de rua o também o indivíduo acolhido em abrigos (JODELET, 2001). Sobre esse assunto, Jodelet (2001, p. 80) menciona ainda que: Todos esses resultados convergem indicando que a ruptura dos vínculos sociais é o resultado de um processo: a vida de um morador de rua após meses ou anos de privação parece uma fuga sem esperança, onde muitos não tem mais nada a perder. Após terem interiorizado sua condição marginal passam a procurar, antes de tudo, satisfazer suas necessidades imediatas. Para concluir as reflexões expostas a luz destes texto, pode-se dizer que a exclusão social não é uma situação restrita ao estado de pobreza de um indivíduo, pois ela também esta presente em várias outras situações como racismo, preconceitos ao 36 deficiente físico, ao profissional do sexo, ao travesti, ao transexual, ao migrante e a qualquer pessoa que não se enquadre no modelo dito “normal” imposto pela sociedade (SILVA, 2009). 2.2.2.1 O paradoxo da globalização com a tecnologia na sociedade capitalista Paira no mundo contemporâneo um grande abismo separando os povos com denominações de Primeiro e Terceiro Mundos. Essas expressões mostram claramente as desigualdades entre os países pobres e os países ricos. De um lado, um número pequeno de países capitalistas – Estados Unidos, Canadá, Japão, Alemanha, França, Inglaterra, Itália e outros países da Europa Ocidental – e de outro lado uma quantidade expressiva de países subdesenvolvidos, espalhados pelos três continentes: África, Ásia e América Latina (FREITAS, 2017). A distância entre os ditos países pobres e países ricos é gerada por processos globalizados, tecnológicos e pelo sistema capitalista. Paradoxalmente, pode-se dizer que o mundo globalizado é contraditório e duvidoso. Existem os defensores desses temas, que vislumbram o crescimento econômico, o avanço tecnológico, a integração das pessoas e o consumo universalizado. Por outro lado, há aqueles que acreditam que os termos acima são potenciais geradores de processos que causam a exclusão social (WERCHEIN; NOLETO, 2003). Diante de tal situação, percebe-se que diversas sociedades vivem em um mundo contrastante. De um lado, a restrita sociedade de privilegiados – os incluídos – usufruindo de bens e serviços sofisticados, como shoppings, roupas de grife, restaurantes luxuosos, aeroportos, automóveis, computadores, dentre outros privilégios. E, por outro lado, a imensa massa de indivíduos que vivem à margem da sociedade – os excluídos-, que recebem as migalhas do sistema globalizado, afligidos pelos fantasmas do desemprego, da pobreza, da falta de moradia, entre outros problemas sociais (WERCHEIN; NOLETO, 2003). Neste sentido o autor, Sonntag (2000, p. 62) diz que: Nas últimas décadas, o desnível entre países ricos e pobres tem se ampliado ainda mais. Estudos demonstram que, no ano de 2000 a renda dos 20% mais ricos era 74 vezes maior que o dos 20% mais pobres, quando em 1960 essa diferença era de 30 vezes. 37 A globalização iniciou-se nos séculos XV e XVI, na época da expansão marítima e comercial europeia e teve continuidade com a Revolução Industrial, nos séculos XVIII e XIX. Esses acontecimentos fizeram com que os países tivessem um crescimento de independência econômica. Com a queda da Bolsa de Nova York, ocorreu uma pausa no processo de globalização, sendo que em 1949, após a Segunda Guerra Mundial, a globalização foi revitalizada e retornou com toda a força no sistema capitalista. No entanto, foi no final da Guerra Frua que ela passou a ser percebida efetivamente. As trocas nos continentes aumentaram mais ainda com o ingresso dos países da antiga sociedade comunista no comércio internacional (BENJAMIN et al., 1998). [...] Assim, a parte moderna da economia capitalista deixa de referenciar-se em um conjunto das econômicas nacionais vinculadas entre si por fluxos de comércio e investimento, para converter-se em uma rede única, tanto no nível produtivo como no financeiro (BENJAMIN ET AL., 1998, p. 29). Muitos são os fatores que caracterizam a globalização, dentre os quais pode-se citar: queda das barreiras tarifárias que protegem a produção de um país; produção dos países voltados para o mercado internacional; rápido crescimento das empresas transnacionais; notável crescimento da informática e abertura dos países do investimento estrangeiro (BENJAMIN et al., 1998). A globalização tem o poder de agir em várias dimensões sociais, atingindo sociedades, instituições e pessoas em todo o mundo, modificando o cotidiano de populações inteiras. Inseridas neste contexto estão as Corporações Transnacionais que se instalam em vários países e assumem um caráter decisivo na economia mundial. No que se refere às sociedades comerciais, pode-se dizer que estas são consideradas de grande relevância para as mudanças que ocorrem no processo de produção de um país. Nos dias atuais, existem meios que facilitam a comunicação e o transporte e permitem a instalação de indústrias em vários lugares do planeta. Esses lugares oferecem às empresas transnacionais uma série de vantagens, entre as quais pode-se citar vantagens fiscais, mão-de-obra e matéria-prima ofertadas a um valor inferior (BENJAMIN et al., 1998). A vinda das transnacionais para países que oferecem os meios que elas precisam para desenvolver a sua produção geram situações que comprometem a qualidade de vida do trabalhador, tanto no seu local de origem como no local ondeas empresas serão instaladas. Em referência ao local de instalação das fábricas alguns 38 fenômenos podem ocorrer, como por exemplo a perda do vínculo empregatício de alguns funcionários, devido a diminuição dos empregos e ao aumentos dos custos referentes aos benefícios trabalhistas. A princípio, acreditava-se que o número de empregos onde a empresa seria instalada teria um aumento considerável. No entanto, não foi bem assim que ocorreu, pois muitas empresas transnacionais foram estabelecidas, por exemplo, no Brasil, e nem por isso os empregos aumentaram (BENJAMIN et al., 1998). Nesse sentido, pode-se considerar o que diz Benjamin e outros (1998, p. 32): [...] o desemprego aumenta, o mundo do trabalho se fragiliza, dissemina-se a insegurança na vida social, áreas geográficas são abandonadas e assim por diante. As massas humanas que se tornaram desnecessárias a rentabilidade do sistema são descartadas. Esse fato acontece porque, na medida em que as empresas se transferem para outros países, ocorre paralelamente um processo de informatização e de automação, que acaba por colocar um número considerável de trabalhadores na rua (BENJAMIN et al., 1998). A era da globalização busca povos e espaços homogêneos, com estratégias de grande produções e consumos padronizados. As redes de produção são desencadeadas entre vários países, fazendo com que as empresas multinacionais adquiram um grande poder sobre a divisão do trabalho, organizando e controlando os países de acordo com a sua vontade. As empresas transnacionais são responsáveis aproximadamente pela metade da população industrial no mundo (BENJAMIN et al., 1998). A globalização, apesar de todos os adjetivos a seu favor, não apresenta resultados satisfatórios referente ao crescimento econômico, ao aumento da produção e de empregos, como também para o crescimento da comercialização nacional e internacional (BENJAMIN et al., 1998). O impacto mais negativo da globalização está refletido na diminuição do emprego e/ou vínculo empregatício derivando deste fato, condições precárias de trabalho, serviços terceirizados, contratos temporários. Na década de 70, ocorreu uma incorporação em massa, ligando as inovações tecnológicas aos processos de produção, promovendo uma mudança geral entre as classes sociais. No anos de 80, aconteceu um conflito entre o capital e o trabalho, e este passou a incorporar uma nova estrutura nos padrões de produção (BENJAMIN et al., 1998). 39 A lógica das empresas transnacionais em relação ao campo de trabalho é bem definida: ela seleciona, reduz e qualifica, ao mesmo tempo em que exclui os trabalhadores que não se enquadram no modelo exigido. Visivelmente, a inclinação do mercado de trabalho aponta para uma tendência de redução do número de trabalhadores, empregando aqueles que são admitidos sem custos e com maior facilidade (DUPAS, 1999). Segundo Dupas (1999, p. 78), “o drama do emprego nos países da periferia do capitalismo, portanto, tende a se agravar com a baixa qualificação e a enorme oscilação da demanda, gerando problemas crônicos de subemprego e informatização”. O trabalhador se apresenta como um meio para se chegar ao objetivo concreto da produção e não mais como um indivíduo imprescindível do processo produtivo, ou seja, ela não transforma a matéria-prima no produto diretamente, apenas supervisiona a produção em máquinas de alta tecnologia (DUPAS, 1999). Em consequência à explanação sobre globalização, faz-se necessário registrar algumas colocações sobre a grande tendência tecnológica que se iniciou na era da Colonização e se estendeu até à industrialização, colocando o homem num plano inferior na vida profissional e, consequentemente, na vida social (DUPAS, 1999). Trata-se da máquina que, com seus avanços tecnológicos, excluiu cada vez mais o trabalhador de sua atividade laboral, criando um distanciamento entre as relações humanas (BOFF, 2000). [...] A mesma lógica do sistema imperante de acumulação e de organização social que leva a explorar os trabalhadores, leva a depredar a natureza. Não se trata mais de fazer correções tecnológicas e redefinições sociais, embora deva ser sempre feitas, no estilo de reformas dentro da mesma lógica, importa superar esta lógica e o sentido de ser que os humanos se deram pelo menos nos últimos três séculos (BOFF, 2000, p. 173). A revolução tecnológica atingiu o mercado financeiro mundial como um efeito cascata, passando a atuar em vários países, de forma simultânea, através da globalização e do aperfeiçoamento dos meios de comunicação. Devido a todos esses fatores, a forma de realização da atividade produtiva foi totalmente modificada: o homem foi trocado pela máquina, que produzia mais e com menos custos (BOFF, 2000). Neste contexto, paradoxalmente, algumas sociedades possuem um desenvolvimento cultural avançado e uma tecnologia sofisticada, enquanto outras 40 sofrem com a falta de tecnologia, saneamento básico, transportes, educação, saúde, etc. Boff (2000, p. 116) menciona que: A crise ecológica implica dois desequilíbrios básicos no nível social: o excesso de consumo dos ricos e a carência de consumo dos pobres. Ela significa a crise global do sistema de vida, desde a destruição das florestas, a proliferação das neuroses urbanas, até o cinismo contemporâneo face ao drama de milhões de famintos e o niilismo do rock pesado que inflama a juventude. Com a implantação de novas tecnologias muitos trabalhadores foram dispensados, pois as máquinas realizavam o trabalho com mais rapidez e produtividade, necessitando, em muitos casos, de apenas uma pessoa para operá-la. Com isso, as indústrias começaram a fazer demissões. Diante desta realidade, os trabalhadores, que superlotavam os grandes centros, ficaram desempregados e passaram a ter dificuldades para suprir as suas necessidades e as famílias (BOFF, 2000). A tecnologia, o processo de globalização e os meios de comunicação trouxeram o progresso, mas, ao mesmo tempo, a exclusão social de muitas pessoas. Muitos trabalhadores não conseguiram acompanhar a velocidade dos acontecimentos tecnológicos e se viram desqualificados frente a essa proposta inovadora de produção econômica, enquanto outros eram explorados pelo sistema capitalista. A partir desta nova perspectiva de avanços tecnológicos, a sociedade, de um modo geral, passou a vivenciar modificações em todos os âmbitos, sejam eles sociais, financeiros ou culturais, que geraram classes trabalhadoras desfavorecidas, devido à baixa qualificação técnica. Com isso, essas classes de trabalhadores passaram a ocupar espaços em zonas rurais e urbanas. Dupas (1997, p. 76) conclui que: [...] Enquanto alguns não estão totalmente empregados devido a fatores tais como variações sazonais na demanda por trabalho agrícola, outros trabalham longas horas durante todo ano, mas ganham muito pouco nesses trabalhos de baixa produtividade. Uma característica comum – baixos salários – identifica tais trabalhadores como o centro da pobreza [...]. O processo de globalização e seus rebatimentos na sociedade evidenciaram um problema social de grande complexidade: a exclusão social. O avanço tecnológico gerou grandes transformações e muitos trabalhadores que não conseguiram acompanhar o ritmo dessas transformações, principalmente pela falta de capacitação, foram excluídos do sistema tecnológico globalizado ou explorados pelo sistema capitalista (DUPAS, 1997). Nos dias atuais, as relações referentes às atividades laborativas e à produção passam por novas grandes modificações, sendo que estas estão diretamente 41 conectadas ao desenvolvimento tecnológico, como a informática, a robótica e a utilização do computador, aliados aos meios de comunicação (ALT, 2017). 2.2.2.2 O processo de globalização e seus rebatimentos na sociedade brasileira A globalização atinge as sociedade de forma cruele generalizada, inclusive o povo brasileiro, que se encontra a mercê das ações governamentais, sendo que estas se apresentam de forma equivocada quanto à promoção do bem-estar social. Um dos rebatimentos da globalização nos países em desenvolvimento, como o Brasil, é a existência de uma dívida monetárias junto aos bancos internacionais, bem como a necessidade de seu pagamento (ALT, 2017). Diante dessa questão histórica, os presidentes brasileiros procuraram saídas para o pagamento da dívida externa, que vem sendo acrescida de juros altíssimos. No processo de renegociação da dívida são tomadas medidas que impactam diretamente o modo de vida da população brasileira (ALT, 2017). Os governantes brasileiros sempre sofreram uma pressão muito grande por parte dos banqueiros internacionais no sentido do pagamento da dívida. Foi por este motivo que o então Presidente da República, Fernando Collor de Melo, tomou decisões drásticas, como o corte de salários e de gastos públicos relacionados à saúde, à educação, à aposentadoria e à moradia, dificultando a vida do trabalhador em geral (ALT, 2017). Cabe ressaltar que, tanto o trabalhador rural como o trabalhador urbano, enfrentaram situações difíceis também no período de governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Suas medidas econômicas trouxeram um amargor para o homem do campo, que teve a sua expulsão da terra acelerada. Nas cidades, quem mais sofreu o impacto das políticas econômicas foi o trabalhador assalariado, pois este vivia em áreas de classes média e baixa e precisou passar a morar e cortiços, favelas e até mesmo nas ruas dos grandes centros urbanos, sem perspectivas quanto ao que fazer para melhorar as suas condições de vida (ALT, 2017). Em relação a esse tema, pode-se dizer que: [...] Tendo como traço comum o trabalho e rendimentos irregulares, bem como a dificuldades de acesso aos bens e serviços produzidos pela sociedade, os grupos se diferenciam em relação as condições de vida, famílias moradoras de favelas na periferia, moradores de cortiços das áreas 42 centrais, peões que percorrem várias regiões do país (POPULAÇÃO DE RUA, 2004, P. 23). O Estado Brasileiro, na tentativa de ser mínimo, afastava-se cada vez mais do status de provedor de políticas públicas e de programas sociais, passando as suas responsabilidade para Instituições Filantrópicas e Organizações Não Governamentais (ONGs) (ALT, 2017). Em tempos de recessão e arrocho salarial, os trabalhadores foram expulsos do mercado de trabalho, acarretando aumento do empobrecimento das famílias brasileiras, que se viram abandonadas pelo poder público, ao mesmo tempo em que não conseguiam gerar meios para suprir as suas necessidades básicas de sobrevivência. Sempre se registrou a ideia de que o homem era o provedor do sustento familiar e quando este não conseguia realizar o seu papel de modo satisfatório, passava a ser considerado incompetente perante as suas responsabilidade de chefe de família. Assim, este homem se afastava do meio familiar e passava a aumentar o índice de excludência e de falta de cuidados. A rua passava então, a ser o seu lar (ALT, 2017). Em referência a esse tema, pode-se citar: Um contingente significativa da força de trabalho percorre esse caminho. Não especializado, pau para toda obra, vai deslocando-se para diferentes atividades e diferentes lugares, alternando trabalho e desemprego. Essa diversidade e segmentação impede a criação de vínculos estáveis com o trabalho, a família, os lugares. Sua vida está sempre recomeçando. Quase nada é permanente, a não ser a procura cotidiano de sobrevivência, o que torna sua vida extremamente fragmentada (POPULAÇÃO DE RUA, 2004, p. 23-24). Essa realidade contribuía para a geração do crescimento de pessoas morando embaixo de viadutos e marquises e nas calçadas, todas elas vivendo em total situação de miséria física, emocional e material. Esses sujeitos perdiam os vínculos empregatícios e familiares e sofriam pressões por parte da sociedade em geral, que fazia uma interpretação equivocada da situação do indivíduo em situação de rua, colocando-o num patamar de associação ao crime e à desordem social, sendo vistos, muitas vezes, como uma classe perigosa, de vagabundos e incompetentes (ALT, 2017). Esse público de brasileiros em situação de “marginalidade” social e em situação de rua representa o foco de análise desse estudo. 43 2.3 POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIAL SOCIAL As políticas sociais advém de movimentos sociais realizados por indivíduos na luta constante por seus direitos, reconhecimento político e de sua cidadania perante o governo, que em contrapartida coloca em prática medidas visando o controle da ordem social e das relações capitalistas (MACHADO; BROTTO, 2016). Ao longo da história, a proteção social se desenvolve dos moldes bismarckianos do seguro social aos benefícios universalistas berevidgianos, da ótica da cidadania regulada pelo trabalho ao Estado de Bem-Estar. Na contemporaneidade, a proteção social se esbarra com o ideário neoliberal que o subordina à satisfação dos mínimos sociais, ao encolhimento e desresponsabilização do Estado via ações focalizadas, residuais, pontuais e mercantilizadas (MACHADO; BROTTO, 2016, p. 02). A assistência social, apesar de ter um caráter universal, não consegue atender a todos que dela necessita, volta-se apenas para os mais necessitados, os que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Para essa população dita como mais necessitada, a assistência social então destina ações que visam melhorar seu bem-estar num caráter emergencial (BRASIL, 2004). Desta forma, a Política de Assistência Social tem o papel de prestar atendimento a pessoas em necessidades extremas, como pobreza, rompimento de vínculo com familiares, falta de moradia e trabalho. Assim, essas pessoas ficam sujeitas a intervenção do governo para se subsistirem, caracterizando assim o discurso da assistência social de oferecer serviço a quem dela precisa, sendo esta política um dos alicerces do sistema de proteção social no Brasil (BRASIL, 2004). De acordo com o artigo 1º da Lei Orgânica de Assistência Social: A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado é política de seguridade social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado, de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas da população usuária. (BRASIL, 1993, p.1) Machado; Brotto (2016, p. 03) afirma que: De acordo com a Política Nacional de Assistência Social (2004), a proteção social é dividida em básica e especial. A primeira tem cunho de prevenção a situações de risco social à indivíduos e famílias que vivem em fatores de vulnerabilidade. Sua estratégia central são as ações de fortalecimento de vínculos familiares e comunitários no combate as expressões da pobreza e da desigualdade social. O Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) é o equipamento responsável pelas atividades da proteção social básica que englobam o Programa Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada e o Programa de Atenção Integral à Família (PAIF), entre outros serviços sociais. 44 A proteção social especializada a função de erradicar a exclusão social, indo além do que expressa os preceitos da Questão Social o qual se limita à pobreza, miséria e desigualdades, mas abrangendo todas as situações de risco sociais que podem se configurar numa forma de violação dos direitos dos indivíduos, violência, etc (BRASIL, 2004). A proteção social especial é a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, situação de trabalhoinfantil, entre outras (BRASIL, 2004, p. 37). A Política Nacional de Assistência Social (BRASIL, 2004), prevê que a proteção social especializada é subdividida em média e alta complexidade. Na média complexidade as ações são direcionadas aos casos de violação de direitos, inserindo-se ai o Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS), o qual desenvolve ações com os indivíduos que buscam a orientação e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários (BRASIL, 2004). A assistência social mesmo tendo um caráter universal, muitas vezes não consegue atender a todos que dela necessitam, por isso, procura atender aquelas pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade social. A proteção social é dividida em básica e especial de acordo com a Política Nacional de Assistência Social (2004). A assistência social básica atua na prevenção a situações de risco social à indivíduos e famílias que vivem em fatores de vulnerabilidade. Suas principais ações são fortalecer os vínculos familiares e comunitários no combate as manifestações de pobreza e de desigualdade social. Tem como suporte o Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) que é o equipamento responsável pelas atividades da proteção social básica, tais como: Programa Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada e o Programa de Atenção Integral à Família (PAIF), entre outros serviços sociais (BRASIL, 2004). E a proteção social especial atua no combate à exclusão social, buscando combater à pobreza, miséria e desigualdades, principalmente às situações de risco, conforme explicitado. A proteção social especial é a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, 45 psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras (BRASIL, 2004, p. 37). Assim sendo, a proteção social especial é subdividida em média e alta complexidade. Para a média complexidade as estratégias de ação são voltadas para os casos de violação de direitos, mas que ainda permanecem os vínculos familiares e afetivos (BRASIL, 2004). Na alta complexidade o trabalho deve ser “voltado para a proteção integral de indivíduos e famílias que estejam em total desamparo, isto é, sem referência e, ou, em situação de ameaça, necessitando serem retirados do núcleo familiar ou comunitário” (BRASIL, 2004, p.38). A respeito do Serviço de Proteção Especial de Alta Complexidade, este atende às famílias e as pessoas que estão em situação de abandono, intimidação ou agressão de direitos, precisando ser acolhido de forma momentânea fora de seu núcleo familiar e, ou, sua comunidade (BRASIL, 2004). Para atender os usuários da proteção social especial de alta complexidade a PNAS, assegura alguns serviços que segundo Battini (2007), são: Serviços de abrigamento: Serviço socioassistencial com caráter de proteção pelo abrigamento temporário/transitório, com atendimento integral em caso de riso social ou pessoal, decorrente de abandono, maus-tratos, negligencia ou outros fatores, com suspensão momentânea ou quebra de vinculo familiar e comunitário, sendo ofertados os cuidados primários e viabilizada a convivência e as atividades de vida diária (BATTINI, 2007, p. 173-174). Família acolhedora: Serviços para atendimento por famílias cadastrada e capacitadas para oferecer abrigo, acolhimento e convívio temporário às pessoas em situação de abandono, negligencia, suspensão temporária ou com vínculos familiares rompidos ou, ainda, às pessoas impossibilitadas de conviver com suas famílias (BATTINI, 2007, p. 174). Execução da medida socioeducativa de semiliberdade: Consiste de medida socioeducativa restritiva de liberdade, aplicada aos adolescentes em conflito com alei, por determinação judicial, podendo ser determinada desde o início ou como forma de transição para o meio aberto, que possibilita a realização de atividades externas de escolarização e profissionalização, de lazer, e da preservação de vínculos familiares e comunitários (artigo 120, ECA) (BATTINI, 2007, p. 174). Execução da medida socioeducativa de internação provisória: Consiste em medida privativa de liberdade com desenvolvimento de atividades socioeducativas junto a adolescentes em conflito com alei que se 46 encontra em cumprimento de medida de internação, por determinação judicial, por um período máximo de 45 dias para o estudo do caso e decisão judicial (artigos 121, 122 e 123, ECA) (BATTINI, 2007, p. 174). Execução da medida socioeducativa de internação sentenciada: [...] aplica aos adolescentes em conflito com a lei, por determinação judicial, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição da pessoa em desenvolvimento, com a realização de atividades escolares e de profissionalização e preservação dos vínculos familiares e comunitários, cumprida em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosas separação por idade, compleição física e gravidade de infração (artigos 121, 122 e 123, ECA) (BATTINI, 2007, p. 174-175). A Política Nacional de Assistência Social é pioneira ao: [...] tornar visível àqueles setores da sociedade brasileira tradicionalmente tidos como invisíveis ou excluídos das estatísticas - população em situação de rua, adolescentes em conflito com a lei, indígenas, quilombolas, idosos e pessoas com deficiência (BRASIL, 2004, p. 17). A Política Nacional de Assistência Social ganhou força e regulamentação pós Constituição Federal de 1988, sendo incluída no âmbito da Seguridade Social em seu artigo 194, regulamentada pela Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), por meio dos artigos 203 e 204, da CF de 1988, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) de 2004 e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) de 2005 (QUINONERO et al., 2013). A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) foi aprovada pelo Congresso Nacional em 1993, “reconhecendo a Assistência Social como política pública, direito do cidadão e dever do Estado, além de garantir a universalização dos direitos sociais” (BRASIL, 1993). A LOAS recebeu alteração através da Lei nº 11.258/05 instituindo a formulação de programas de amparo à população de rua (BRASIL, 2006). A Constituição de 1988, em seu artigo 194, menciona que a Seguridade Social compreende: Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao poder público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I - universalidade da cobertura e do atendimento; II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios; V - eqüidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento; 47 VII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados (BRASIL, 1988). Os principais objetivos da assistência Social previstos pela Constituição Federal de 1988, no artigo 203, são: [...] I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo as crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoas portadoras de deficiência eao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (BRASIL, 2006, p. 133). No artigo 204, da Constituição Federal de 1988, é possível fazer a leitura das seguintes diretrizes para a Política de Assistência Social: I – Descentralização político administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II – Participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis (BRASIL, 1988). Os artigos 203 e 204 da referida Constituição foram regulamentados com a promulgação da Lei nº 8.742/1993 - conhecida como a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), que em seu artigo 1º diz: Assistência Social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento ás necessidades básicas (BRASIL, 1993). A Política Nacional de Assistência Social, em consonância com o disposto no art.2º, da LOAS, em parágrafo único profere: A Assistência Social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, a garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender contingências sociais e a universalização dos direitos sociais (BRASIL, 1993). De acordo com Brandão (2009), a LOAS foi criada com a finalidade de regulamentar e instituir benefícios, serviços, programas e projetos destinados ao enfrentamento da exclusão social dos segmentos mais vulneráveis da população. A LOAS prevê, dentre outros, que Política de Assistência Social exerça um papel estratégico no 48 enfrentamento da pobreza de forma a garantir os mínimos sociais para o atendimento às necessidades básicas da população. Assim a assistência social passou a ser representada por princípios formais que garantem direitos igualitários para toda sociedade. Segundo Di Giovanni (1998), entende-se por Proteção Social: As formas às vezes mais, às vezes menos institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros. Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais como a velhice, a doença, o infortúnio, as privações. Incluo neste conceito, também, tanto as formas seletivas de distribuição e redistribuição de bens materiais (como a comida e o dinheiro), quanto os bens culturais (como os saberes), que permitirão a sobrevivência e a integração, sob várias formas na vida social (DI GIOVANNI, 1998, p. 10). Analisando esses critérios, Pereira (1998) cita que com a Política Nacional de Assistência Social, o Estado assegurou um conjunto de condições dignas ao cidadão, ao tornar as políticas sociais um direito social e reclamável. Medidas estas fundamentais para a instituição do bem-estar social, que tem o dever de atuar em defesa e atenção dos interesses e necessidades sociais das pessoas mais empobrecidas da sociedade. Por este prisma, então, vê-se que são incumbências da Assistência Social o desenvolvimento de programas e serviços sociais que cubram, reduzam ou previnam exclusões, riscos e vulnerabilidades sociais2 (SPOSATI, 1998). Assim sendo, o serviço de proteção social atua e protege os indivíduos contra riscos que fazem parte da vida de qualquer ser humano, como: doença, velhice, desemprego, pobreza etc, tão presentes e visíveis em nossa sociedade hoje. Como política pública, começa seu percurso no campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal (ARGILES; SILVA, 2011). A Política de Assistência Social é uma Política Pública que atua de forma a possibilitar a superação de extrema vulnerabilidade, buscando proporcionar aos indivíduos uma melhor qualidade de vida, e o fortalecimento dos seus direitos e vínculos familiares, e sua autonomia na sociedade (BRASIL, 2006). 2 Apresenta-se como uma baixa capacidade material, simbólica e comportamental, de famílias e pessoas, para enfrentar e superar os desafios com os quais se defrontam, o que dificulta o acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas e culturais que provêm do Estado, do mercado e da Sociedade. BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social (Dicionário de termos técnicos da assistência social. Belo Horizonte: ASCOM, 2007, p. 132). 49 Para dar ênfase a informação contida no artigo 203 da Constituição Federal de 1988, Pereira (1996), colabora assinalando quem são os beneficiários da política de assistência social: É beneficiário da assistência social, todo cidadão pobre, isto é, todo cidadão que, por razões sociais, pessoais ou de calamidade pública, esteja em situação de incapacidade ou impedimento permanente ou temporária de prover para si e sua família, ou ter por ela provido, o acesso à renda e aos serviços sociais básicos (PEREIRA, 1996, p.106). A Lei Orgânica de Assistência Social define entre outras coisas, que a assistência social trata da organização e gestão da política e de seus benefícios e programas do financiamento da política. Um dos fatores definidos pela LOAS é que a assistência social será gerida de maneira compartilhada entre União, Estados e Municípios (BRASIL, 1993). Subtende-se que o Plano de Assistência Social: É um instrumento de planejamento estratégico da política de assistência social – elaborado pelo gestor é aprovado pelo conselho em cada esfera de governo – que organiza, regula e norteia a execução da política na perspectiva do SUAS. Sua estruturação comporta os objetivos gerais e específicos, as diretrizes e prioridades deliberadas, as ações e estratégias correspondentes para sua implementação, as metas estabelecidas, os resultados e impactos esperados, os recursos materiais, humanos e financeiros disponíveis e necessários, os mecanismos e fontes de financiamento, a cobertura da rede prestadora de serviços e os indicadores do monitoramento e avaliação (ESPIRITO SANTO, 2009, p.61-62). O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) trabalha com (BRASIL, 2004): Cidadãos e grupos que se encontram em situações de vulnerabilidades e riscos, tais como: famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos étnicos, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiência; exclusão pela pobreza e/ou no acesso às demais políticas públicas; uso de substância psicoativas; diferentes formas de violência advindas do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar risco pessoal ou social (BRASIL, 2004, p.27). Para alcançar os objetivos estabelecidos, as Políticas Públicas são submetidas às regras amparadas e definidas em documentos legais que orientam a aplicação dos recursos públicos definidos para cada fim que guiam as ações do poder público. De forma bem consistente Teixeira (2002) define tal regulamentação como: [...] diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamentos) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos públicos (TEIXEIRA, 2002, p.2). 50 De acordo com a Norma Operacional Básica – NOB/SUAS: A Política Nacional de Assistência Socialde 2004 foi aprovada pela resolução nº 145, de 15 de outubro de 2004, do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e publicada no DOU de 28/10/2004, expressa as deliberações da IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em Brasília em dezembro de 2003. O SUAS foi aprovado em julho de 2005, pelo CNAS, por meio da NOB130, de 15 de julho de 2005 (BRASIL, 2005, p. 27). Segundo a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUASNOB- RH/SUAS, “para a implantação do SUAS e para alcançar os objetivos previstos na PNAS/2004, é necessário tratar a gestão do trabalho como uma questão estratégica” (BRASIL, 2006, p. 15). A Política Nacional de Assistência Social, em consonância com o disposto na LOAS capítulo II, seção I, artigo 4º, baseia-se concepções democráticas abaixo: I – Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; II – Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; III – Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade (BRASIL, 2004, p.32). A PNAS legitima o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), criado em 2005. São dele serviços essenciais como: a garantia da segurança da sociedade, a vigilância, e a defesa dos direitos socioassistenciais. Seus principais objetivos são: enunciar responsabilidades; estabelecer níveis de gestão de cada esfera; determinar as competências das instâncias que formam a rede de proteção social e sua articulação; descrever a forma de gestão financeira, transferências e critérios de partilha (BRASIL, 2004). A Assistência Social desenvolve: ações de prevenção, proteção, promoção e inserção, bem como o provimento de um conjunto de garantias ou seguranças que cubram, reduzam ou previnam os riscos e vulnerabilidades sociais e que busquem o atendimento de necessidades tanto de caráter emergenciais quanto as consideradas permanentes (SIMÕES, 2009, p. 296). No sentido de garantir o direito à assistência social, diversos são os serviços oferecidos no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), aquelas pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade social, suas principais ações são fortalecer os vínculos familiares e comunitários no combate as manifestações de pobreza e de desigualdade social (BRASIL, 1993). 51 A presente pesquisa tem sua atenção voltada para a temática do Fenômeno População em Situação de Rua, destacando a proteção social especial oferecido no Albergue para Migrantes de Vitória/ES, um programa de acolhimento que é fundamental às famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social (BRASIL, 2004). Tais programas oferecidos no Albergue para Migrantes de Vitória, ES são mencionados ao longo da pesquisa, uma vez que julgou-se relevante caracterizar primeiro a população em situação de rua por meio de uma retrospectiva histórica. O Decreto 7.053, de 23 de dezembro de 2009a, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua, na busca de uma definição legalmente amparada, Considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória. (BRASIL, 2009a) Segundo Silva (2009, p. 91): O fenômeno social população em situação de rua constitui uma síntese de múltiplas determinações, cujas características, mesmo com variações históricas, o tornam um elemento de extraordinária relevância na composição da pobreza nas sociedades capitalistas. Para a Política Nacional para a Inclusão Social da População em Situação de Rua: as ações estratégicas em assistência social devem atender à requisitos de rede de acolhimento dessa população nos equipamentos, garantindo acesso às políticas setoriais como serviços de saúde e de educação, inclusão e acompanhamentos dos usuários no CAD-único, com vista à concessão de benefícios como Bolsa-Família e o BPC (BRASIL, 2009b). Segundo a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais: a assistência social, em consonância com a Política Nacional para Inclusão social da População em Situação de Rua, atende a esses usuários por via dos seguintes serviços: no âmbito da média complexidade, existe o Serviço Especializado em Abordagem Social, operado no CREAS, buscando realizar trabalho social, orientando e encaminhando para acolhimento institucional e o Serviço Especializado para Pessoas em Situação de rua, realizado no Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua (CREPOP ou Centro POP), que visam atender e ofertar atividades que visem o fortalecimento de vínculos, a sociabilidade e autonomia dos usuários, a partir de um espaço técnico que permita a higienização, alimentação, provisão de documentos e localização de referências familiares; no âmbito da alta complexidade, são disponibilizados o Serviço de Acolhimento Institucional e o Serviço de Acolhimento em Repúblicas, ambos ofertando o acolhimento fixo e provisório contra o abandono e a perda de moradia e rompimento de vínculos familiares, de acordo com o perfil de cada grupo atendido (BRASIL, 2009c). 52 Assim, de acordo com a observação de Couto e outros (2014), percebe-se que a variedade de ações em assistência social propõe potencializar a garantia e defesa dos direitos da população em situação de rua. No entanto, é visto que a realidade do SUAS no Brasil, em relação aos serviços e equipamentos públicos, é precária e não atende as expectativas. Couto e outros (2014) ainda mencionam que as experiências são marcadas pelo déficit no investimento público e pela segregação das ações o qual variam de acordo com o município e não seguem ao que é estipulado nas políticas sociais. A implementação do Creas constitui questão das mais desafiantes para a consolidação do Suas, sobretudo por não existir desenvolvimento anterior nessa modalidade. Traz inúmeras indagações para exame que, por sua vez, parecem exigir um novo estágio de formulações. São questões que emergem do processo de sua implementação e do próprio Suas e apontam necessidades de orientações técnico-metodológicas e desenhos de gestão e gerência para sua operacionalização (COUTO et al., 2014, p.208). Assim, é possível concluir que a assistência social é uma principais políticas para viabilização de estratégias para o enfrentamento do fenômeno população em situação de rua, mas, no entanto, é preciso defender a efetivação das proposições estabelecidas pelas normativas do SUAS para que de fato se concretize a garantia dos direitos desses indivíduos (COUTO et al., 2014). 53 3 METODOLOGIA Este estudo tem como objetivo geral identificar e descrever qual projeto desenvolvido para a população em situação de rua pela Política de Assistência Social no município de Vitória/ES, e para conseguir respostas para o objetivo traçado, os objetivos específicos são: 1) descrever como funciona o serviço oferecido no Albergue para Migrantes de Vitória/ES; e, 2) identificar o perfil sociodemográfico dos usuários atendidos nesse espaço. A metodologia apresentada ao longo da pesquisa procura mostrar os meios utilizados para atingir os objetivos da pesquisa, onde: [...] metodologia significa realizar uma escolha de como se pretende investigar a realidade. Metodologia é o caminho de estruturação do projeto, a forma de proceder do pesquisador ao longo de um percurso, onde se pode eleger os métodos
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