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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 4 2 CONSTRUÇÃO DO CAMPO DA PSICOLOGIA JURÍDICA ........................ 5 3 A PSICOLOGIA NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DO DIREITO ....... 7 4 ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA JUSTIÇA .............................................. 10 5 ÁREAS DE INSERÇÃO DO PSICÓLOGO JURÍDICO NO BRASIL ......... 10 5.1 Psicologia e o direito civil ................................................................... 11 5.2 Psicologia e o direito penal ................................................................. 12 5.3 Psicologia e o direito do trabalho ....................................................... 13 5.4 Psicologia e o direito da família .......................................................... 14 5.5 Psicologia e o direito da criança e do adolescente ............................. 14 6 A REALIZAÇÃO DE PERÍCIAS NA REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE PSICÓLOGO E O ENTENDIMENTO PROPUGNADO PELO SCP (SISTEMA CONSELHOS DE PSICOLOGIA) .............................................................................. 16 6.1 Terminologia proposta ........................................................................ 18 7 A PSICOLOGIA JUDICIÁRIA ESTÁ CONTIDA NA PSICOLOGIA FORENSE QUE ESTÁ CONTIDA NA PSICOLOGIA JURÍDICA .............................. 20 7.1 Psicologia jurídica............................................................................... 20 7.2 Psicologia judiciária ............................................................................ 20 7.3 Psicologia forense .............................................................................. 23 8 A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA E A PSICOLOGIA JURÍDICA: O PREDOMÍNIO DOS TESTES PSICOLÓGICOS ....................................................... 25 9 PERÍCIA PSICOLÓGICA, AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA, RELATÓRIOS, LAUDOS E PARECERES ......................................................................................... 41 9.1 Perícia em sentido genérico ............................................................... 41 9.2 Perícia em sentido jurídico ................................................................. 42 9.3 Perícia psicológica ............................................................................. 42 9.4 Avaliação psicológica ......................................................................... 49 9.5 Relatórios, laudos e pareceres ........................................................... 53 9.6 Relatório, laudo e parecer .................................................................. 56 9.7 O processo de psicodiagnóstico infantil ............................................. 60 9.8 A hora do jogo diagnóstica ................................................................. 60 10 SOBRE O CONTEXTO GERAL DA PSICOLOGIA JURÍDICA/ Recursos Teórico-Metodológicos .............................................................................................. 62 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 66 12 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 69 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 CONSTRUÇÃO DO CAMPO DA PSICOLOGIA JURÍDICA Fonte: psicologianova.com Historicamente, o sistema de Justiça como conhecemos hoje é muito recente. Surge a partir da ascensão da burguesia ao poder no Ocidente, associado à consolidação do Estado moderno, baseado nos princípios da revolução Francesa e seus ideais de justiça: Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Segundo Selosse, a transformação de governos monárquicos absolutistas em repúblicas livres e supostamente governadas pelo povo e para o povo tira o poder das mãos dos soberanos e o coloca sob a tutela do Estado, fazendo surgir o Direito moderno, ao qual se atribuiu a tarefa de assegurar a ordem, garantir a ordem pública e regular a convivência social. (Selosse, 1990). De acordo com Miranda Junior (1998), esse processo acarretou que os órgãos judiciais e legislativos incorporassem noções e conceitos de outras áreas, entre elas a Psiquiatria e a Psicologia. Ainda para esse autor, a aproximação entre a Psicologia e o Direito começou no campo da psicopatologia, com a realização de diagnósticos de sanidade mental solicitados por juízes, baseados no uso de testes (classificação e controle dos indivíduos). Portanto, nesse primeiro momento, a função do psicólogo era fornecer um parecer técnico (pericial) que fundamentasse as decisões do sistema judiciário (mapa subjetivo do sujeito diagnosticado, quase sempre descontextualizado). 6 Nesse sentido, a Psicologia passa a ser utilizada como um dos saberes que substitui cientificamente o inquérito na produção jurídica (Foucault, 1986). A ideia de que a Psicologia poderia auxiliar o Direito já estava presente desde o século XVIII. Jesus (2001), numa revisão de obras a respeito dessa relação, cita o livro de Eckardts Hausem, “A necessidade de conhecimento psicológico para julgar delitos”, de 1792, como uma das primeiras obras sobre o tema. O autor cita também as obras de Hoffbauer, “A Psicologia em suas em suas principais aplicações à administração da Justiça”, de 1808, e o “Manual sistemático de Psicologia Judicial”, de 1835, de Zitelman. Selosse (1989), por sua vez, cita Hans Gross, jurista alemão interessado nos métodos e procedimentos de investigação e exame de provas, que em 1898 publicou a primeira obra de Psicologia Criminal, como um marco para o surgimento da Psicologia Jurídica. No entanto, nos parece importante esclarecer que há mais de três séculos, Psicologia e Direito buscam formas conjuntas de descrição do comportamento criminoso. No Século XX, definidas as primeiras aplicações da Psicologia ao Direito, começam a surgir diferentes denominações para uma nova área de trabalho. Segundo Selosse (1989), essas denominações dependerão do objeto de estudo. Na França, aqueles que estudam os autores das infrações cunharam o termo “Psicologia Criminal”; aqueles que se dispuseram a examinar as interações entre Juristas e os usuários do sistema de justiça passaram a utilizar o termo “Psicologia Judiciária”. Finalmente, um outro grupo, interessado nas implicações da Psicologia na punição e nas sanções, vem utilizando o termo Psicologia Penal. No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia (www.crpsp.org.br) usa o termo Psicologia Jurídica para definir uma das especialidades do psicólogo e apresenta uma ampla descrição da sua área de atuação. Segundo Bonfim, o livro de Mira e Lopez, “Manual de Psicologia Jurídica”, publicado na Espanha em 1937 com tradução brasileira de 1955, se constituiu em um importante marco para a formação desse campo de atuação profissional (Bonfim 1994). No entanto, essa autora alerta parao fato de que a sua prática continua ainda muito atrelada aos processos jurídicos, mesmo que alguns profissionais tenham trabalhado no sentido de mudar essa realidade, buscando atuar também a serviço da 7 cidadania plena: “Tais profissionais acreditam na possibilidade de um exercício profissional onde a informação deva ser repassada não só aos juristas, mas também às pessoas que carecem de intervenção, de forma que o trabalho não seja estigmatizante e de controle social” (Bonfim, 1994,). É ponto pacífico que não se pode reduzir a prática do psicólogo jurídico à perícia. Miranda Junior (1998) diz que é necessária uma abertura para a escuta do outro, possibilitando a emergência do sujeito em sua singularidade na sua relação com a lei simbólica e com a lei definida nos códigos jurídicos. 3 A PSICOLOGIA NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DO DIREITO Para que haja compreensão da entrada do saber psicológico no direito é necessário fazer uma breve análise de seus principais pilares de pensamento até a forma como ele se apresenta atualmente. Sanches (2009) empreende essa análise do direito através dos tempos, partindo da premissa de que o mesmo se constitui como um fenômeno histórico e cultural. Nela faz-se um resgate das correntes de pensamento que influenciaram o direito, em especial o jusnaturalismo, o positivismo e o pós-positivismo. O jusnaturalismo foi uma corrente baseada na premissa de que cada homem ao nascer já possui direitos, configurando-se como algo natural. É inspirada em uma visão cristã e serviu de aporte para a construção da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (GROSSI, 2006, apud Alves Moema e Dias Jéssica, 2016). Porém, o pensamento jusnaturalista não permaneceu soberano pela incapacidade de explicar direitos que não são atrelados a todos, mas provenientes de condições históricas específicas. Assim no século XIX o direito moderno aderiu uma forma de pensar e fazer baseado na razão vinculada ao pensamento positivista. Em busca do patamar de ciência desvinculou-se de quaisquer outras formas de saber, fechando-se a dogmática jurídica. Tem-se o auge do isolamento de uma área que perdurou até pouco tempo em alguns países como o Brasil, por exemplo. (SANCHES, 2009). 8 Avançando por esse período marcado pelo imperativo da lei pela lei, e mediante a conjuntura social da época com acontecimentos de grande impacto sob as ciências humanas e suas discussões, como foi o caso do fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha, urgiu a necessidade de se repensar o paradigma que movia o direito. Surge então o pós-positivismo, aliando aspectos do direito posto e do direito natural, adequando-se, assim, as necessidades vigentes (SANCHES, 2009). É a partir das mudanças sofridas nos postulados filosóficos do direito para chegar-se ao pós-positivismo que baseia o saber-fazer dessa área atualmente, que se deu abertura para outras ciências, dentre elas a psicologia. Assim, a psicologia jurídica como disciplina vinculada ao direito é nova e encontra - se em fase de construção, na qual muito conhecimento precisa ser explorado e agregado. Isso pode se dar devido à frágil relação entre os saberes que constituem as ciências humanas. Desta forma, urge à ciência pós-moderna romper com o individualismo epistemológico, para construir conexões que atendam às demandas sociais latentes (TRINDADE, 2004). Em território brasileiro essa aproximação em virtude da premente necessidade de expansão e de diálogo entre as áreas do saber veio através da reformulação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em direito que, pela Resolução CNE/CES n° 09/2004, estabelecem em seu projeto pedagógico e em sua organização curricular eixos de formação (fundamental, profissional e prático) condizentes com as mudanças paradigmáticas. No eixo de formação fundamental há integração do direito com outras áreas do conhecimento, observando-se uma proeminência das ciências humanas, tais como: antropologia, ciência política, economia, ética, filosofia, história, psicologia e sociologia (BRASIL, 2004). Chaves (2014) comenta sobre a inclusão da psicologia enquanto disciplina do eixo fundamental de formação do direito, como uma busca de avanço para o campo jurídico, não mais colocando o direito no patamar de ciência autônoma, mas reconhecendo a necessidade de agregar contribuições de outras ciências. Assim, á contraposição a abordagens unidimensionais e reducionistas que privilegiam a interdisciplinaridade entre psicologia e diversas fontes de conhecimento, se coloca enquanto alvitre de compreensão de aspectos do comportamento humano em sua complexidade, deixando às claras diferenças e semelhanças existentes entre 9 sujeitos, privilegiando o campo de construção subjetiva e as possíveis implicações dessa dimensão na vida privada e coletiva (BOCK, 2007). Em concordância com o raciocínio, Crisigiovanni e Siqueira (2012), argumentam os benefícios trazidos pelo diálogo entre áreas, mostrando que estudar a dimensão subjetiva do comportamento humano e suas repercussões nos atos ocorridos no meio social permite aos juristas uma leitura mais meticulosa dos fatos atrelados à moral dos sujeitos, permitindo julgamentos mais justos. Apesar dos benefícios e avanços, outros desafios estão presentes na formação dos operadores de direito no campo multidisciplinar, em específico relacionado à psicologia. Um deles é a escassez de docentes preparados para ministrar as aulas, ocasionando perdas significativas do conhecimento e da prática que permeiam o trabalho nessa disciplina. Fica a critério de cada Instituição de Ensino Superior (IES) identificar e delimitar os conteúdos que serão trabalhados. Esse quadro reflete o fato da regulamentação da inclusão da psicologia não ter definido o que deve ser abordado nos cursos de direito (CHAVES, 2014, apud Alves Moema e Dias Jéssica, 2016). Outro elemento considerado como empecilho para o aprofundamento da multidisciplinaridade reside no fato de que nem todos os profissionais vinculados ao direito enxergam sua relevância, existindo aqueles que nutrem a crença de que, para se compreender o Direito, é preciso voltar-se somente para a norma jurídica, conhecer sua estrutura de funcionamento e a sua lógica (PASTANA, 2007). Em meio à díade de avanços e desafios, o que se torna evidente é que ambas as áreas – direito e psicologia – estão ligadas por interesses comuns, dividindo o mesmo objeto de estudo, porém partindo de prismas distintos. Uma vez que a psicologia se volta ao estudo da subjetividade manifestada através do comportamento, o direito se detém a normatização desses comportamentos. É fato que ainda há muito para se construir nessa interlocução, porém passos estão sendo dados, possibilitando o vislumbre de formações cada vez mais completas e de práticas mais complexas e comprometidas com as distintas realidades sociais. 10 4 ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NA JUSTIÇA O que os psicólogos fazem na Justiça? a atuação do Psicólogo na Justiça é, em grande parte, determinada por legislações específicas na área e por previsões nos regimentos internos dos Tribunais de Justiça. A lei no 7.210, de 17 de julho de 1984, prevê para o Sistema Penal Brasileiro, artigos 06 e 07, a atuação do psicólogo: Art. 6° - A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa a liberdade adequada ao condenado ou preso provisório. (Redação dada pela lei no° 10.792. De 2003). Art. 7° - A Comissão Técnica de Classificação, existente em cada estabelecimento, será presidida pelo diretor e composta, no mínimo, por 2 (dois) chefes de serviço, 1 (um) psiquiatra, 1 (um) psicólogo e 1 (um) assistente social, quando se tratar de condenado à pena privativa de liberdade. Parágrafo único. Nos demais casos a Comissão atuará juntoao juízo da execução e será integrada por fiscais do serviço social. (Brasil 1984). A lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, afirma de forma incisiva a necessidade da presença do psicólogo para lidar com as questões específicas da área, seja no que diz respeito à proteção, ou na questão do adolescente em conflito com a lei. Art.87 - São linhas de ação da política de atendimento: III - serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus- tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão. Art.150 - Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos para manutenção de equipe Inter profissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude (Brasil, 1990). Segundo Silva, o próprio Código não conceitua o que chama de perícia, limitando-se apenas a afirmar que a prova pericial são procedimentos de: exame, de vistoria ou avaliação. Mas essa autora também afirma que o psicólogo terá que se encaixar nesses artigos para executar o seu trabalho junto às Varas de Família, (Silva, 2003). 5 ÁREAS DE INSERÇÃO DO PSICÓLOGO JURÍDICO NO BRASIL Várias são as áreas de inserção da psicologia na esfera jurídica levantadas e discutidas no trabalho de Lago et al. (2009), sendo que, dentre elas, pode-se citar 11 como principais as atuações na interlocução com o direito civil, direito da família, direito da criança e do adolescente, direito penal e direito do trabalho. Vale ressaltar que, a depender da visão do operador de direto que atue em conjunto com o psicólogo – independente de qual área estejam vinculados, as demandas podem variar, fazendo com que os mesmos assumam caráter, ora de testologos do século XIX, ora de profissionais multifacetados e com práticas inovadoras, o que ocorreu, sobretudo, a partir da formulação do ECA na década de 90. A ampliação da área é eminente e outras práticas estão sendo constantemente pensadas e implantadas, tornando o campo da psicologia jurídica cada vez mais abrangente como será visto a seguir. 5.1 Psicologia e o direito civil Em relação à psicologia em interface com o direito civil, o trabalho vincula-se a casos de interdição, como também de indenizações solicitadas mediante os danos psíquicos (LAGO et al. 2009). Compete ao psicólogo, em casos de dano psíquico, avaliar a veracidade dos sintomas, já que a eles está atrelada a possibilidade de retorno financeiro que pode propiciar fraudes. Já em casos de interdição, o psicólogo perito se disporá a conduzir um processo de avaliação psicológica para comprovar se o paciente é portador de algum transtorno mental que o impossibilite de administrar seus bens financeiros e cuidar do próprio bem-estar, ou seja, gerir sua vida civil. Segundo Zaupa, o profissional de psicologia também pode atuar em caso de sucessões, verificando se o sujeito autor de um testamento goza de condições de reger sua vida e tomar as decisões cabíveis ao procedimento (ZAUPA, 2012, apud Alves Moema e Dias Jéssica, 2016). O direito civil abrange questões referentes à família, à criança e ao adolescente, mas os trabalhos específicos realizados em varas distintas e a ênfase dada a tais áreas tornou a divisão necessária não somente na atuação, mas em conceituação e discussão teórica. 12 5.2 Psicologia e o direito penal Como exposto ao longo da história, o interesse por compreender e explicar comportamentos criminosos foi uma das portas de entrada da psicologia na esfera jurídica, especificamente no direito penal. Ainda hoje há busca de estudo do comportamento delituoso para elaboração de políticas públicas de prevenção a criminalidade (ZAUPA, 2012). Segundo Zaupa, no direito penal uma das possibilidades de atuação é na investigação de confissões, procurando averiguar e excluir confissões falsas. Outro viés é a psicologia do testemunho e a busca da fidedignidade dos mesmos (ZAUPA, 2012, apud Alves Moema e Dias Jéssica, 2016). Há também possibilidade de atuar como perito vinculado a alguma instituição do sistema carcerário, seja ela psiquiátrica ou não. Aqui o trabalho se dá com foco na avaliação de se o sujeito está com a sua sanidade mental comprometida a ponto de se tornar perigoso para outrem (ARANTES, 2004). Mas, a inserção do psicólogo criminal nesse contexto não significa que o serviço seja suficiente e atenda a toda população carcerária. Pelo contrário, há carência de estruturação dos serviços prestados (CREPOP, 2010). Nos presídios “(...) os atendimentos se baseiam na proposta de trabalhar algum foco, breve, e há atendimentos de apoio em situações de crise, não sendo possível um trabalho de longa duração que possa contemplar todas as pessoas que ali estão presas” (CREPOP, 2010,). Há falta de material, o espaço físico é inadequado e o número de profissionais é insuficiente para atender as demandas. Uma das possíveis causas disso é que o sistema é projetado para encarcerar, proteger a sociedade e não para ser um dispositivo de reinserção social através de uma perspectiva humanizada. Outras discussões que envolvem a temáticas como a da maioridade penal, violências contra mulheres, crianças e/ou adolescentes e idosos também entram na esfera do direito penal, cabendo aqui o olhar da psicologia. 13 5.3 Psicologia e o direito do trabalho Na instância do direito do trabalho, o psicólogo pode atuar como perito em casos de acidentes, aposentadorias, entre outros pontos, sempre vistoriando os impactos na saúde mental dos trabalhadores (LAGO et al., 2009). Em território brasileiro, a psicologia jurídica é exercida em quase todas as áreas de atuação supracitadas. Porém, cabe a ressalva que existe predominância de exercício profissional nas questões penitenciárias e nas relacionadas à família, à infância e à juventude. Em contrapartida há pouca inserção laboral em atividades ligadas à psicologia do testemunho, na psicologia e o direito civil, na psicologia e os direitos humanos, na autópsia psíquica e na proteção de testemunhas, por exemplo (FRANÇA, 2004). Segundo Spink , apesar das inserções serem distintas, possibilitando fazeres diversos, não se pode deixar de mencionar que existem ainda compreensões limitadas e destoantes por parte do público leigo (que inclui profissionais de outras especialidades) relacionadas ao saber/fazer do psicólogo, no qual a imagem profissional é constantemente ligada à de figuras como padre ou conselheiro espiritual que é procurado para confessar segredos, pedir conselhos de vida e desabafar problemas de cunho emocional, dificultando a consolidação da identidade sócio profissional dos mesmos (SPINK, 2013 apud Alves Moema e Dias Jéssica , 2016). Não se pode afirmar ainda que as múltiplas inserções permitam unificação e clareza da profissão. Pelo contrário, ainda há muito a ser feito, pois há a carência de produção teórica que responda às necessidades daqueles que ingressam no campo, como também os operadores de direito que trabalham em conjunto ainda requerem posicionamentos diretivos e pessoais, contrários à ética exigida do psicólogo que preza pela neutralidade, imparcialidade e sigilo (COSTA; PENSO; SUDBRACK, 2009). Percebe-se, então, a importância de que conhecimentos sobre o fazer psicológico na área jurídica sejam acessados pelos futuros operadores de direito, desde a sua formação, de modo a facilitar trocas de conhecimento na construção Inter e multidisciplinar, que culminará em equipes de trabalho mais coesas e que atendam com eficiência às demandas dos usuários dos mais distintos dispositivos da justiça nos quais psicólogos estejam inseridos. 14 5.4 Psicologia e o direito da família No que se refere à atuação do psicólogo jurídico no direito da família, o mesmo se faz presente nos processos de separação e divórcio, disputa de guarda e regulamentação de visitas(LAGO et al., 2009). Outra intervenção importante a citar é nos casos de reconhecimento de paternidade. Na separação e divórcio o profissional de psicologia geralmente atua como mediador, auxiliando o acordo de questões atreladas à separação como a guarda dos filhos, direito à visitação e pensão alimentícia. O psicólogo também pode ser solicitado a realizar uma avaliação psicológica do casal ou de um dos cônjuges para verificar os conflitos subjacentes que possam estar dificultando o processo (SILVEIRA, 2006). O divórcio configurar-se como o rompimento do vínculo familiar, cabe à participação ativa do profissional de psicologia, pois na maioria dos casos uma das partes não aceita o fato e encontra dificuldade para elaboração do luto do relacionamento. Nas questões referentes à guarda e regulamentação de visitas, o autor Schabbel (2005) discute que a contribuição do psicólogo se dá através de avaliações com a família para esclarecer o funcionamento da dinâmica familiar e para averiguar qual dos genitores tem melhores condições de ficar com a guarda das proles, garantindo que os laços parentais não sejam rompidos pelo impasse e subsidiando assim a tomada de decisão dos magistrados. Segundo Zaupa, no reconhecimento da paternidade, o psicólogo jurídico trabalhará em conjunto com a equipe ligada à vara da família, para que a paternidade seja assumida trazendo benefícios de ordem psicológica, jurídica e social para a prole através do reestabelecimento do vínculo (ZAUPA, 2012, apud Alves Moema e Dias Jéssica, 2016). 5.5 Psicologia e o direito da criança e do adolescente Lago et al. (2009) cita em seu trabalho os campos da psicologia jurídica e o direito da criança e do adolescente, destacando os casos destituição de poder familiar, de adoção e as medidas socioeducativas para adolescentes. 15 Na destituição do poder familiar, Cesca (2004) enfatiza a importância do papel do psicólogo, pois separar uma criança de sua família, por mais que a mesma esteja colocando-a em situação de vulnerabilidade, sem o mínimo embasamento que justifique tal decisão, pode acarretar em danos maiores que perdurem ao longo de toda a vida do sujeito. A adoção consiste em um procedimento complexo que envolve situações anteriores que vão desde a destituição do poder familiar, do abandono ou da institucionalização da criança, até o momento de reinserir a criança no seio da nova família e legalizar esse ato (ZAUPA, 2012). É de suma importância que seja feito um estudo psicossocial detalhado em cada caso, tendo em vista garantir o cumprimento da lei e, se possível, prevenir danos à criança como, por exemplo, posterior negligência, rejeição ou até mesmo devolução. Nas demais etapas do processo os psicólogos participam assessorando as famílias adotivas a receberem e integrarem o novo filho ao lar (WEBER, 2004, apud Alves Moema e Dias Jéssica, 2016). Em relação à atividade do psicólogo ligado ao Juizado da Infância e da Juventude, ela se dá em Fundações de Proteção Especial. Esse tipo de instituição tem por proposta diminuir os efeitos da institucionalização, permitindo que, mesmo estando abrigados, vivenciem uma realidade mais próxima de um seio familiar (LAGO et al., 2009). Apesar de não se configurar como um órgão da justiça cabe trazer o trabalho realizado no Sistema Único da Assistência Social (SUAS), que, através de seus níveis de Proteção Social Básica (PSB), intervém em situações de vulnerabilidade e risco, e pela Proteção Social Especial (PSE) em casos onde a violação de direitos tenha ocorrido, atua em rede com o poder judiciário através do Sistema de Garantia de Direitos (SGD). “O SGD é composto pelos órgãos judiciais, defensorias públicas, polícias, conselhos tutelares, ouvidorias, conselhos de direitos, conselhos setoriais e de maneira transversal e Inter setorial, articula todas as políticas públicas” (CREPOP, 2013). O Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), como parte do SGD, recebe as demandas enviadas por juízes, promotores ou conselheiros tutelares a partir de denúncias de violência intrafamiliar, ato infracional, dentre outras que violem os direitos e a segurança dos sujeitos. 16 A atuação de psicólogos torna-se necessária para trabalhar casos diversos de violência, seja ela física ou psicológica, abuso ou exploração sexual de menores, doentes mentais, etc.; abandono, rompimento ou fragilização de vínculos, ou afastamento do convívio familiar devido à aplicação de medidas socioeducativas (CREPOP, 2013). Cada campo de atuação reserva suas especificidades e delimitações. Cabe ao profissional que se encarrega da possível articulação entre Psicologia e Direito produzir experiências, assim como a escrita e publicação. São necessários o fortalecimento teórico e a formação contínua, assim como uma maior produção acadêmica na área para que tais especificidades se tornem reconhecidas e os campos se fortaleçam. 6 A REALIZAÇÃO DE PERÍCIAS NA REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE PSICÓLOGO E O ENTENDIMENTO PROPUGNADO PELO SCP (SISTEMA CONSELHOS DE PSICOLOGIA) Ao recorrermos à Lei 4.119/62, de 27.08.1962 (Tabela 1, abaixo), que dispõe sobre os cursos de formação em Psicologia e que instituiu a profissão de Psicólogo, vê-se no §1º que a utilização de métodos e técnicas psicológicas, com quatro diferentes objetivos, é instituída, em primeiro lugar, como função privativa do psicólogo. O diagnóstico psicológico é elencado como o primeiro desses quatro objetivos (a). Em segundo lugar (§2º), é instituída, como função privativa do psicólogo, a colaboração em assuntos psicológicos ligados a outras ciências (a perícia psicológica judiciária é colaboração nos assuntos ligados às ciências jurídicas e sociais). Duas funções são reconhecidas como próprias do psicólogo: 1 - Utilização de métodos e técnicas psicológicas e 2 - Colaboração com outras ciências, nesta segunda função, situamos a realização de perícias. Tabela 1: Texto da Lei que criou a profissão de psicólogo e texto voltado a retratar o entendimento propugnado pelo Sistema Conselhos de Psicologia. 17 Fonte: jusbrasil.com.br O diagnóstico psicológico é definido como um dos objetivos da utilização de métodos e técnicas psicológicas, pareado a outros três: Orientação e seleção, profissional, Orientação psicopedagógica e; Solução de problemas de ajustamento. Realizar perícias e emitir pareceres são tarefas subentendidas no dever de colaborar com outras ciências, previsto no §2º. Recorrendo ao Decreto 53.464/1964 (Tabela 2, abaixo), no Art. 4º, dispõem- se as funções aos formados de psicologia. Novamente, a primeira delas corresponde a utilizar métodos e técnicas psicológicas, sendo, novamente, o diagnóstico psicológico o primeiro dos quatro objetivos enumerados. Por outro lado, realizar perícias e emitir parecer compõe a última das seis funções que são então atribuídas. Tabela 2: Texto do decreto que regulamentou a profissão de psicólogo e texto voltado a retratar o entendimento propugnado pelo SCP. 18 Fonte: jusbrasil.com.br Utilizar métodos e técnicas psicológicas com objetivo de diagnóstico psicológico é função definida como distinta de realizar perícias e emitir pareceres sobre a matéria de Psicologia. O diagnóstico psicológico é um dos objetivos para a função de utilização de métodos e técnicas psicológicas, e emitir pareceres, conforme se constatou, consubstancia a sexta das funções delegadas. 6.1 Terminologia proposta De acordo com a Resolução nº 08 do Conselho Federal de Psicologia, publicada no Diário Oficial da União de 02 de julho de 2010, que dispõe sobre a atuação do psicólogo perito e o psicólogo assistente técnico: Conforme a resolução CFP Nº 008/2010 diz que: Art. 1º - O Psicólogo Perito e o psicólogo assistente técnico devem evitar qualquer tipo de interferênciadurante a avaliação que possa prejudicar o princípio da autonomia teórico-técnica e ético-profissional, e que possa constranger o periciando durante o atendimento. Art. 2º - O psicólogo assistente técnico não deve estar presente durante a realização dos procedimentos metodológicos que norteiam o atendimento do 19 psicólogo perito e vice-versa, para que não haja interferência na dinâmica e qualidade do serviço realizado. Parágrafo Único - A relação entre os profissionais deve se pautar no respeito e colaboração, cada qual exercendo suas competências, podendo o assistente técnico formular quesitos ao psicólogo perito. Art. 3º - Conforme a especificidade de cada situação, o trabalho pericial poderá contemplar observações, entrevistas, visitas domiciliares e institucionais, aplicação de testes psicológicos, utilização de recursos lúdicos e outros instrumentos, métodos e técnicas reconhecidas pelo Conselho Federal de Psicologia. Art. 4º - A realização da perícia exige espaço físico apropriado que zele pela privacidade do atendido, bem como pela qualidade dos recursos técnicos utilizados. Art. 5º - O psicólogo perito poderá atuar em equipe multiprofissional desde que preserve sua especificidade e limite de intervenção, não se subordinando técnica e profissionalmente a outras áreas. Art. 6º - Os documentos produzidos por psicólogos que atuam na Justiça devem manter o rigor técnico e ético exigido na Resolução CFP nº 07/2003, que institui o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo, decorrentes da avaliação psicológica. Art. 7º - Em seu relatório, o psicólogo perito apresentará indicativos pertinentes à sua investigação que possam diretamente subsidiar o Juiz na solicitação realizada, reconhecendo os limites legais de sua atuação profissional, sem adentrar nas decisões, que são exclusivas às atribuições dos magistrados. Art. 8º - O assistente técnico, profissional capacitado para questionar tecnicamente a análise e as conclusões realizadas pelo psicólogo perito, restringirá sua análise ao estudo psicológico resultante da perícia, elaborando quesitos que venham a esclarecer pontos não contemplados ou contraditórios, identificados a partir de criteriosa análise. Parágrafo Único - Para desenvolver sua função, o assistente técnico poderá ouvir pessoas envolvidas, solicitar documentos em poder das partes, entre outros meios (Art. 429, Código de Processo Civil). Parecer psicológico: As conclusões tecnicamente fundamentadas de estudos psicológicos acionados sobre a obrigação do objetivo de subsidiar uma decisão judicial (perícia judiciária - o parecer psicológico judiciário constitui-se em uma prova pericial), ou sobre o compromisso de subsidiar uma tomada de decisão (perícia); a manifestação do psicólogo assistente técnico produzida por determinação judicial. Parecer forense: As conclusões de estudos realizados pelo psicólogo assistente técnico forense dirigidas ao juízo; o parecer psicológico judiciário também pode ser denominado parecer forense. Parecer pericial: Designa a emissão de parecer pelo psicólogo perito (parecer psicológico judiciário, parecer psicológico para autorização do porte de arma; parecer psicológico para reconhecimento da habilitação de conduzir veículos automotores, parecer 20 produzido em perícia solicitada por entidade privada ou pessoa natural que não integram o objeto da perícia etc.). Parecer judiciário: Designa a emissão de parecer pelo psicólogo judiciário e por todos a ele equiparados. Perícia psicológica judiciária: Designa a realização de atividade pericial a mando e/ou a serviço do Poder Judiciário. 7 A PSICOLOGIA JUDICIÁRIA ESTÁ CONTIDA NA PSICOLOGIA FORENSE QUE ESTÁ CONTIDA NA PSICOLOGIA JURÍDICA 7.1 Psicologia jurídica A Psicologia Jurídica inclui toda a aplicação do saber psicológico a questões relacionadas ao saber do Direito. Ela é o conjunto universo em que está contido o subconjunto Psicologia Forense, o qual contém o subconjunto Psicologia Judiciária. Toda e qualquer das práticas da Psicologia relacionadas à área do Direito podem ser nomeadas como Psicologia Jurídica; neste caso, apenas se estará renunciando a discriminá-las a partir das características próprias de cada uma delas, ou seja, não se levará em conta, e tratar-se de uma prática sobre a obrigação do objetivo de subsidiar uma decisão judicial e, por isso submetida ao princípio da imparcialidade; ou de outra sobre o compromisso profissional nitidamente parcial de influenciar uma decisão judicial; nem, ainda, de uma prática sequer voltada aos objetivos das práticas forenses ou à qual não se aplicam ponderações relacionadas a parcialidade/imparcialidade. 7.2 Psicologia judiciária A Psicologia Judiciária corresponde à prática profissional do psicólogo judiciário e toda ela ocorre “sobre imediata subordinação à autoridade judiciária”. O psicólogo judiciário atua a serviço e a mando da Justiça, tem a obrigação de assumir o objetivo 21 de subsidiar uma decisão judicial e, por isso, submete-se ao princípio da imparcialidade, condição imanente a que uma decisão possa ser expressão de justiça. O entendimento de que os códigos processuais imputam imparcialidade como condição precípua da perícia, e a torna irrealizável pelo psicólogo que oferece assistência à saúde mental da pessoa envolvida em situações sobre apreciação judicial, por conseguinte, o psicólogo que trabalha no sistema prisional está impedido de proceder à exame criminológico dos presos da unidade em que trabalha. A Psicologia Forense, portanto, é uma ciência autônoma, complementar ao Direito, e não a ele subordinada (Walker & Shapiro, 2003). Área da Psicologia encarregada de descrever, explicar, predizer e intervir sobre o comportamento humano que tem lugar no contexto jurídico, com a finalidade de contribuir com a construção e prática de sistemas jurídicos objetivos e justos (Quintero e López, 2010). Qualquer aplicação de pesquisa, método, teoria e prática psicológica a uma atividade que tenha interface com sistema legal (Gomide, 2011). Por fim, enumera as áreas de atuação do psicólogo forense: Psicologia do Crime; Avaliação forense; Clínica Forense; Psicologia Aplicada ao Sistema Correcional; Psicologia Aplicada aos Programas de Prevenção; Psicologia Aplicada à Polícia; Assessoria; Pesquisa. Lobão (1997), citada por Assis (1999), diferencia a Psicologia jurídica (relacionada a qualquer trabalho psicológico desenvolvido junto à ciência do direito) da Psicologia judiciária ou forense (aplicada para subsidiar a função de julgar do magistrado). Partimos dessa categorização, aprofundando-a pela introdução do princípio de imparcialidade como critério de diferenciação entre Psicologia Judiciária e Psicologia Forense e, em conformidade com essa autora, deixamos de valorizar o lugar em que o psicólogo está exercendo suas funções (a penitenciária, a prisão, o foro, o tribunal etc.), centrando-nos na identificação de aspectos definidores reconhecíveis em todas elas. (Lobão 1997; apud Assis 1999). A Psicologia Judiciária inclui ainda as perícias regulamentadas pelo Código de Processo Civil, o exame criminológico e demais intervenções realizadas por psicólogos do sistema prisional, a serviço e a mando da Justiça, com envolvidos em processos criminais com os quais nunca mantiveram contato profissional ou pessoal, como também aquelas realizadas por psicólogos da rede pública ou privada, sempre que atuarem sobre determinação judicial procedendo a exame psicológico com envolvidos com quem nunca mantiveram relação profissional ou pessoal. 22 É fundamental reconhecer que a própria legislação nos impõe a conclusão de que a realização de perícia fica impedida caso qualquer modalidade prévia de assistência técnica psicológica ao envolvido em processo judicial já tenha ocorrido. A perícia psicológicajudiciária assume a obrigação do objetivo de subsidiar o juiz no processo de formação de sua convicção, seu paradigma é a perícia realizada nas varas de família e sucessões e nas de infância e de juventude. Nelas, situações e conflitos familiares são trazidos à apreciação da Justiça. A Justiça da infância e juventude aprecia contextos familiares nos quais crianças e adolescentes sofrem violação de direitos, e mesmo os trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento e prevenção, que o psicólogo judiciário venha a fornecer devem ser reconhecidos como atividade pericial, pois não há como despojar-se do papel de auxiliar da justiça e da consequente imposição de imparcialidade. Há, na justiça da infância e da juventude, especificidades que não devem ser subestimadas: os procedimentos prescindem de advogado, há procederes em que fica suspenso o princípio da ampla defesa e a busca do benefício da criança implica numa explícita parcialidade. À psicologia judiciária, pertencem todas as intervenções procedidas por psicólogos a serviço e/ou a mando da justiça sobre a obrigação do objetivo de subsidiar uma decisão judicial e, por isso, submetidas ao princípio da imparcialidade. A imparcialidade é pressuposta quando se vislumbra a justiça. Não se trata de uma imparcialidade abstrata, até porque, sendo a justiça expressão de interesses coletivos, ela é parcial quanto a tais interesses. Trata-se de uma imparcialidade em relação às partes (aos envolvidos) e que se traduz no respeito ao princípio do contraditório e na vigência de procedimentos voltados a excluir qualquer parcialidade reconhecida ou reconhecível. A perícia psicológica judiciária destaca-se no campo da psicologia judiciária e, por força de sua posição na enumeração das funções legalmente atribuídas ao psicólogo e da definição de seus objetivos em uma legislação que se estende a todas as outras profissões, deve ser entendida como distinta do psicodiagnóstico. 23 7.3 Psicologia forense A Psicologia Forense constitui-se pela união da atribuição de realização de perícias (Psicologia Judiciária) com a assistência técnica psicológica forense (Psicologia Forense propriamente dita). A assistência técnica psicológica forense corresponde a toda atuação psicológica realizada sobre a ética da relação profissional e cliente/usuário de serviço público, em que o psicólogo assume o objetivo de influenciar uma decisão judicial a partir dos interesses do envolvido a quem atende. Abarca todas as atuações passíveis de serem levadas à apreciação do juízo, quer sejam realizadas no âmbito de um processo ou procedimento em andamento no Foro, que meramente vislumbrem tal destino. Assistente técnico é o nome pelo qual a legislação passou a designar, a partir da Lei 8.455 de 1992, o profissional contratado pelas partes (pelos envolvidos) para posicionar-se tecnicamente nos autos, a seu serviço. Seu papel é assegurar o princípio da ampla defesa. Se o juiz conta com um assistente técnico (o perito), o princípio da ampla defesa recomenda que às partes também se assegure a assistência técnica. O juiz, ao apreciar nos autos as manifestações do psicólogo assistente técnico, tem clareza de que este ali está para avaliar tecnicamente a situação do ponto de vista dos interesses de quem o contratou, e é sobre esse crivo que irá incorporá-las ao processo de formação de sua convicção. Pode, inclusive, formar sua convicção a partir dos laudos dos assistentes técnicos e não determinar a realização de perícia. A psicologia forense, propriamente dita, corresponde à área da assistência técnica psicológica forense, mas nela também se costuma incluir a atividade pericial e todo o trabalho realizado pelo psicólogo funcionário dos Tribunais de Justiça. O psicólogo pode ou não assumir o objetivo de influenciar a apreciação judicial daquela situação da vida de seu cliente ou do usuário do serviço em que trabalha, exceto quando se manifestar perante o juízo decorre de obrigações próprias do próprio serviço. Ao manifestar-se, assume o papel de assistente técnico forense. Não se deve entender como pericial todo o parecer produzido sobre determinação judicial, pois, sendo o perito passível de impedimento e suspeição, a atividade pericial pressupõe a imparcialidade e veta a existência de relacionamento 24 prévio, pessoal ou profissional, com o periciando, aspecto presente nas relações aqui descritas. Pode ocorrer de o cliente ou usuário do serviço solicitar ao psicólogo seu posicionamento quanto a uma situação que ele pretende levar ou está levando à apreciação da Justiça. Caso o psicólogo resolva atender ao solicitado, deve estar certo de que estará prestando assistência técnica psicológica forense e, por isso, torna-se imprescindível que seja explicitado no relatório ou laudo produzido que tal posicionamento foi realizado com o objetivo de vir a ser apreciado pela Justiça. Não se poderá admitir como peça de um auto processual o posicionamento do psicólogo, realizado por solicitação de seu cliente, sem a explícita manifestação do profissional de que o produziu tendo em vista tal objetivo. Pois, conforme vimos argumentando, neste campo, a utilização de métodos e técnicas psicológicas são meios a serviço de determinados fins, sendo imprescindível a explicitação dos fins em toda e qualquer manifestação técnica juntada aos autos. O relatório ou laudo elaborado pelo psicólogo, só poderá ser admitido como elemento a ser considerado pelo responsável por uma decisão, quando nele o psicólogo tiver explicitado que o produziu com o objetivo de vir a ser apreciado por este responsável. No âmbito jurídico, só devemos considerar perícias as avaliações realizadas sobre a obrigação profissional de responder às solicitações de um poder constituído e submetidas ao princípio da imparcialidade. Na lei, o perito é definido como auxiliar do juiz. Os psicólogos assistentes técnicos forenses propriamente ditos são os contratados pelos envolvidos em uma disputa judicial para se manifestarem tecnicamente nos autos de um processo em que o contratante é uma das partes. Fácil notar que o psicólogo assistente técnico forense fala nos autos a partir de uma posição reconhecidamente parcial, não sendo, por isso, nos termos da legislação vigente, passível de suspeição ou impedimento, tampouco objeto de sanções disciplinares. Por conseguinte, não deveria sofrer qualquer tipo de vedação. Importante reconhecer que, à exceção da perícia, o psicólogo está sempre a assistir tecnicamente seu cliente. 25 A prática psicoterápica, a realização de diagnósticos e de avaliações psicológicas, a orientação de pais, a orientação vocacional etc. são exemplos de modalidades de assistência técnica psicológica ao cliente ou usuário de um serviço. 8 A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA E A PSICOLOGIA JURÍDICA: O PREDOMÍNIO DOS TESTES PSICOLÓGICOS Nos campos de atuação da Psicologia Jurídica, conforme apresentados anteriormente, encontramos um predomínio da avaliação psicológica. A avaliação psicológica (AP) é um exame de caráter compreensivo efetuado para responder questões específicas quanto ao funcionamento psíquico adaptado ou não de uma pessoa durante um período específico de tempo ou para predizer o funcionamento psicológico da pessoa no futuro (Noronha; Alchieri, 2004). A avaliação deve fornecer informações fundamentadas que orientem, sugiram ou sustentem o processo de tomada de decisão que precisa levar em consideração informações sobre o funcionamento psíquico. A avaliação psicológica de cunho jurídico é denominada perícia forense. A AP é composta por etapas, durante as quais o profissional terá subsídios para elaborar seu parecer final, sendo elas: levantamento de perguntas relacionadas com os motivos da avaliação e definição das hipóteses iniciais e dos objetivos do exame; planejamento, seleçãoe utilização de instrumentos de exame psicológico; levantamento quantitativo e qualitativo; integração dos dados e informações e formulação de inferências pela integração dos dados, tendo como pontos de referência as hipóteses iniciais e objetivos do exame, culminando com a comunicação de resultados, orientação sobre o caso e encerramento do processo. Compreende-se que a avaliação psicológica não se refere à aplicação de testagem, sendo o teste um elemento que servirá de subsídio para a compreensão do avaliado. Segundo Lago (2009) e França (2004); porém, a testagem ainda predomina na realização da AP, sendo ela dominante no momento da compilação dos dados para elaboração do parecer. 26 Entre os instrumentos possíveis na AP estão: testes psicológicos (escalas de desenvolvimento, testes de inteligência, teste de aptidão, teste de personalidade), questionários, inventários, entrevistas, observações situacionais. A escolha do instrumento vai depender do objetivo da avaliação. O teste é “uma medida objetiva e padronizada de uma amostra de comportamento” (Anastasi; Urbina, 2000). É um procedimento sistemático para observar o comportamento e descrevê-lo com a ajuda de escalas numéricas ou categorias fixas (Cronbach, 1996). É, portanto, compreendido como um conhecimento reduzido, como um recorte da realidade. Segundo França, adverte que, nesse contexto, torna-se necessário verificar a confiabilidade e a validez dos instrumentos e do modelo teórico utilizados, a fim de verificar se estes respondem ao objetivo do procedimento. Em virtude dessa limitação do conhecimento produzido, torna-se imperativa a compreensão interdisciplinar do fenômeno estudado para melhor abordá-lo em sua complexidade, (França, 2004). Compreende-se que a predominância da testagem sobreposta aos outros itens da composição da avaliação psicológica decorre de que, conforme pesquisa de Noronha e Alchieri (2004), as disciplinas nos cursos de Psicologia voltadas ao ensino da AP objetivavam aplicação, correção e interpretação de resultados, sendo os outros elementos desconhecidos. Outro elemento que converge na compreensão da predominância da testagem é a história da Psicologia como ciência, conforme apresentado anteriormente, na qual a medição e aferição são elementos que possibilitam o reconhecimento da área. Também encontramos aqui as influências da Psiquiatria, pois a testagem possibilita enquadrar o sujeito a um diagnóstico. Assim, a prática do psicólogo jurídico, muitas vezes, fica nessa díade: aplicação de testes – diagnóstico. A complicação ocorre no momento em que esses dados apresentados pela perícia são tomados como a verdade sobre o indivíduo. França (2004) refere que as conclusões da perícia sobre o comportamento do indivíduo criminoso estendem-se a todo o indivíduo em sua integridade e essa marca determinará a sua existência. 27 A predominância da testagem é compreendida também pela expectativa do jurídico, cujo caráter é positivista. A perícia forense é uma das possibilidades do psicólogo jurídico, mas não a única; deve ser utilizada com prudência e ser entendida enquanto uma composição de dados coletados, e não reduzida à aplicação de testes. A AP é importante como elemento da Psicologia Jurídica, porém é imprescindível a necessidade de repensá-la criticamente. Assim sendo, insere-se também no campo da Psicologia Forense, sendo conhecida como avaliação psicológica pericial ou, mais comumente, perícia psicológica forense. A perícia psicológica se diferencia de outros tipos de avaliação psicológica pelo fato do seu objetivo ser subsidiar decisões judiciais. A perícia psicológica insere-se no campo interdisciplinar da psicologia forense e da psicologia clínica. Ibañez e Ávila definem a psicologia forense como sendo toda psicologia “orientada para a produção de investigações psicológicas e para a comunicação de seus resultados, assim como a realização de avaliações e valorações psicológicas, para sua aplicação no contexto legal” (1990, apud ROVINSKI, 2003). A perícia psicológica forense pode ser definida como o exame ou avaliação do estado psíquico de um indivíduo com o objetivo de elucidar determinados aspectos psicológicos deste; este objetivo se presta à finalidade de fornecer ao juiz ou a outro agente judicial que solicitou a perícia, informações técnicas que escapam ao senso comum e ultrapassam o conhecimento jurídico. Na perícia psicológica, todo o processo de avaliação (a obtenção dos dados através de instrumentos adequados, a análise dos dados e a comunicação dos resultados) deve ser direcionado aos objetivos judiciais. Segundo Silva (2003), recorre-se à prova pericial quando os argumentos ou demais provas de que se dispõe não são suficientes para o convencimento do juiz em seu poder decisório, portanto, esta tem como finalidade última auxiliar o juiz em sua decisão acerca dos fatos que estão sendo julgados. A perícia psicológica é considerada um meio de prova no âmbito forense e sua materialização se dá através da elaboração do chamado laudo pericial. O laudo pericial: Que será apreciado pelo agente jurídico que o solicitou, deve ser redigido em linguagem clara e objetiva para que possa efetivamente fornecer elementos que auxiliem a decisão judicial, devendo responder aos quesitos (perguntas) solicitados, 28 quando presentes. Segundo a autora, embora o Direito exija respostas imediatas e definitivas, o laudo psicológico poderá somente apontar tendências e indícios. Segundo Rovinski (2003; 2004) as técnicas e os métodos de investigação utilizados na avaliação psicológica forense não diferem de forma substancial do processo de avaliação psicológica clínica, necessitando apenas de uma adaptação aos objetivos forenses. A eleição da metodologia que será utilizada na perícia dependerá das especificidades de cada caso. A coleta dos dados deve direcionar-se ao que deve ser investigado, assim, para que o psicólogo selecione os instrumentos psicológicos mais adequados para cada caso, ele deverá se basear na própria natureza do exame em questão e na prévia leitura dos autos do processo (com especial atenção ao que demandou a perícia psicológica e aos quesitos formulados). Não existem metodologias fixas para a realização de avaliações psicológicas periciais, sendo estas construídas de acordo com as características do caso e do sujeito (nível de escolaridade, idade, presença de limitações físicas ou mentais, etc.). A leitura dos autos do processo propicia o levantamento de hipóteses prévias antes do primeiro contato com o indivíduo e permite que a entrevista seja direcionada para a investigação de tais hipóteses. A metodologia utilizada nas perícias psicológicas seria, de modo geral, a seguinte: Leitura dos autos do processo (identificação da demanda, das questões psicológicas que serão alvo da investigação pericial e dos quesitos que deverão ser respondidos pelo psicólogo); Levantamento das hipóteses prévias que nortearão a coleta dos dados; Coleta dos dados junto ao sujeito (entrevista inicial) e, quando necessário, junto a terceiros ou a instituições; Planejamento da bateria de testes/técnicas mais adequada para o caso; e) aplicação da bateria de testes; Interpretação dos resultados dos testes à luz dos dados colhidos nos autos processuais e na (s) entrevista (s); Redação do informe psicológico com o objetivo de responder à demanda jurídica que motivou tal avaliação 29 Quando presentes, responder aos quesitos/perguntas constantes no processo judicial). Apesar de se utilizar uma metodologia parecida com a utilizada na clínica, a avaliação psicológica pericial possui algumas características próprias e específicas: Dirige-se a um foco específico, determinado pelo sistema judicial; Busca-se informações precisas e exatas, inclusiveem outras fontes (escola, local de trabalho, etc.); O sujeito pode ser não colaborativo e apresentar uma resistência consciente à avaliação, devido à sua natureza coercitiva; O sujeito pode intencionalmente distorcer os dados que fornece sobre si, (simulação/dissimulação); Há um maior distanciamento emocional entre o examinando e o psicólogo, já que este último não é visto como alguém que está ali para ajudá-lo; O tempo destinado à avaliação do examinando é menor, diminuindo a possibilidade de reconsideração das formulações feitas (MELTON et. al, 1997, apud ROVINSKI, 2003). Em uma perícia psicológica forense o psicólogo geralmente utilizará entrevistas e testes psicológicos para conhecer os aspectos psíquicos do sujeito que se relacionam com a questão legal pronunciada, buscando eleger quais instrumentos poderão auxiliá-lo nesta investigação. No momento da escolha de quais instrumentos são mais adequados para um determinado tipo de perícia psicológica, há de se considerar se estes podem responder à demanda, ou seja, às perguntas formuladas pelos agentes jurídicos (ou seja, definem-se quais atributos serão avaliados e quais são os instrumentos mais adequados para conhecê-los). Este é um cuidado que deve existir em qualquer tipo de avaliação psicológica e que, na perícia psicológica, deve ser revestida de um cuidado especial, pois a grande maioria dos instrumentos dos quais dispomos não foram especificamente construídos para uso em avaliações forenses e as conclusões obtidas a partir dos mesmos deverão ser transpostas para os objetivos e linguagem jurídicos. 30 Segundo Silva, os instrumentos utilizados na perícia psicológica forense devem consistir de “métodos e materiais adequados, destinados a analisar e avaliar aspectos referentes à estrutura da personalidade, à cognição, à dinâmica e à afetividade das pessoas envolvidas” (SILVA, 2003). Porém, nem sempre os instrumentos psicológicos, por mais que sejam válidos, são capazes de responder de modo preciso e objetivo às questões jurídicas, portanto, há de se ter muito cuidado tanto na escolha dos instrumentos que irão compor uma perícia psicológica quanto no momento de interpretar os resultados e conclusões obtidos a partir dos mesmos, evitando extrapolações, ou seja, evitando chegar a conclusões que vão muito além daquelas que o instrumento pode oferecer. Groth-Marnat (1984, apud CUNHA, 2003) traz um alerta em relação aos resultados obtidos através dos testes psicológicos, ao dizer que “os dados descrevem o que uma pessoa pode ou não fazer no contexto da testagem, mas o psicólogo deve ainda inferir o que ele acredita que ela poderia ou não fazer na vida cotidiana”. A (s) entrevista (s) psicológica (s) constitui-se como o primeiro momento junto ao periciando; através desta busca-se colher dados pertinentes da história de vida do indivíduo, compreender aspectos do seu funcionamento psicológico, entender os fatos que motivaram o processo e a perícia em questão e observar a posição do periciando frente aos mesmos. É também o momento no qual o psicólogo realiza o enquadramento, apresenta tanto a si próprio quanto o próprio processo avaliativo (objetivo, papéis, número de encontros, lugar, horários e, se for o caso, honorários) e esclarece possíveis dúvidas do periciando. Será também o momento de se observar aspectos relacionais do periciando a partir do modo como se vincula ao psicólogo, as reações transferenciais, levantar hipóteses e, ainda, observar coerências e incoerências entre suas linguagens verbal e não-verbal. Será necessário informar ao sujeito que os dados colhidos e que sejam pertinentes ao caso serão relatados ao agente jurídico que solicitou a perícia (laudo pericial), estando, portanto, comprometidas a confidencialidade e o sigilo dos dados. Para Taborda (2004) a questão da não-confidencialidade dos dados introduz no setting a presença deste terceiro que solicitou a avaliação, podendo provocar uma distorção nos dados e fatos que são comunicados pelo examinando ao perito. 31 Em uma perícia psicológica frequentemente se faz necessário entrevistar outras pessoas além do próprio examinando (como, por exemplo, algum familiar próximo) para que possam ser colhidas mais informações a respeito das suas características e funcionamento psicológico. Segundo Rovinski (2003) isso acontece porque a avaliação pericial busca entender e responder, de modo imparcial e neutro, as questões colocadas pela justiça, diferentemente da avaliação clínica, que busca compreender a realidade psíquica do paciente e sua visão particular sobre seus problemas. A entrevista com terceiros também é de suma importância nos casos em que a psicopatologia do sujeito impede que o mesmo forneça dados confiáveis e precisos acerca de si próprio. Segundo Taborda (2004) afirma que em uma avaliação pericial é comum que a simulação se faça presente, pois o examinando poderá omitir informações que possam prejudicá-lo e potencializar as que acredita que possam auxiliá- lo. Deste modo, o “perito deverá estar atento a essa possibilidade e buscar confirmar por fontes colaterais (entrevista com terceiros, exame de documentos e prova técnica carreada aos autos) a fidedignidade do que é afirmado” pelo examinando em sua entrevista, (Taborda 2004). O perito, ao conduzir uma entrevista, jamais deverá perder de vista os objetivos da mesma, que estarão atrelados aos objetivos da própria perícia (quais aspectos psíquicos específicos deverão ser investigados?). A entrevista psicológica sempre fará parte de um processo de avaliação psicológica pericial, já os testes psicológicos não são utilizados por todos os psicólogos peritos; para Rovinski (2009), os testes, sejam psicométricos ou projetivos, funcionam como instrumentos auxiliares. O uso dos testes psicológicos nas perícias psicológicas apresenta algumas vantagens em relação a uma avaliação realizada somente através de entrevistas: Os testes aprofundam a compreensão do sujeito, pois medem características não passíveis de serem percebidas ou mensuradas apenas através das entrevistas e observações; dão ao profissional a possibilidade de observar o comportamento de forma padronizada e julgar se o mesmo encontra-se dentro das condições observadas na população normal; auxiliam a eliminar boa parte da “contaminação” subjetiva da percepção e do julgamento do psicólogo; diminuem a possibilidade do sujeito manipular a avaliação psicológica; possibilitam acessar regiões profundas do sujeito, 32 muitas das quais são inacessíveis a ele próprio, por não ter consciência de certas características que existem em si mesmo. Os testes psicológicos auxiliam no conhecimento do estado mental dos indivíduos e segundo Ávila e Rodriguez-Sutil (1995, apud ROVINSKI, 2003) estes seriam responsáveis pela crescente solicitação dos laudos psicológicos periciais. Rovinski (2004) afirma que a avaliação forense se dirige a eventos definidos de forma restrita, relacionadas a um foco circunscrito (o quesito solicitado), entretanto, a avaliação psicológica pericial é demandada pelo sistema jurídico geralmente através de assertivas gerais, tais como se o réu era capaz de entender o caráter criminoso do seu ato à época do fato. Dependendo do caso em questão, o psicólogo deverá investigar se há alguma doença do espectro psicótico ou rebaixamento intelectual que poderia ter diminuído ou anulado a capacidade de entendimento da natureza criminosa de um ato; se o sujeito padece de depressão como alega no seu pedido de aposentadoria; se há um transtorno no controle dos impulsos que predispôs o sujeito a cometer determinado delito; se existe alguma lesão ou disfunção neurológica que tenha de alguma forma relação com o comportamento criminoso ou que incapacite o sujeito a gerir a própria vida; quais as condições afetivas e relacionais apresentadaspelos genitores que pleiteiam a guarda do filho, dentre outras várias demandas. Deste modo, a demanda jurídica deverá ser transportada para a linguagem psicológica para que se identifique as características que serão alvo de investigação. Assim, para se avaliar a capacidade de entendimento de um sujeito o psicólogo necessitará, por exemplo, avaliar sua inteligência, sua capacidade de perceber a realidade de modo adequado e objetivo e o grau de coerência e lógica dos seus pensamentos. No momento da escolha dos testes psicológicos que irão compor a avaliação pericial, há de se considerar as limitações e os alcances dos mesmos, no sentido de saber se as informações que poderão ser extraídas destes auxiliarão na investigação das questões psicológicas demandadas no processo judicial. Vamos considerar os seguintes exemplos para gerar uma reflexão sobre o assunto: Qual instrumento psicológico é capaz de predizer qual genitor tem melhor capacidade para cuidar adequadamente de uma criança para 33 obter sua guarda? De esclarecer se há indícios de que uma criança foi vítima de abuso sexual? De predizer o potencial de reincidência criminal de um sujeito? O psicólogo perito, diante destas demandas, deverá decompô-las em construtos que poderão ser analisados através de testes psicológicos (lembrando que deverá utilizar testes que estejam aprovados pelo SATEPSI) e escolher aqueles que poderão responder a tais demandas. Como forma de ilustração em relação aos exemplos acima, o psicólogo poderá optar por avaliar grau de controle emocional, impulsividade, presença de traços antissociais, qualidade do relacionamento interpessoal, capacidade de empatia, presença de autoestima rebaixada, entre outros e, para isso, deverá ter um bom conhecimento dos testes psicológicos disponíveis para uso e do que é possível se avaliar através dos mesmos. Deste modo, dependendo da demanda específica de cada caso, alguns instrumentos psicológicos serão escolhidos em detrimento de outros. Como outro exemplo, nos casos em que é necessário aferir de modo específico o nível de inteligência de um adulto para saber se está se encontra dentro da normalidade ou se há a presença de algum grau de Retardo Mental, pode-se utilizar a Escala Wechsler de Inteligência para Adultos (WAIS-III). Segundo Serafim, se for necessário investigar funções neuropsicológicas, pode-se utilizar as Figuras Complexas de Rey, Teste de Atenção Dividida, WISCONSIN, etc. De modo geral, a avaliação neuropsicológica no âmbito forense terá como objetivo diagnosticar os efeitos cognitivos, emocionais e comportamentais de uma desordem neurológica e sua possível correlação com a esfera criminal ou cível (SERAFIM, 2006). A capacidade de compreensão do caráter delituoso de uma ação ou a capacidade de um sujeito para gerir a si próprio e os próprios bens são exemplos de competências que podem ser diretamente afetadas por um rebaixamento na capacidade intelectual do sujeito ou pela presença de disfunções cerebrais. Em algumas perícias poderá ser necessário realizar um diagnóstico diferencial entre uma síndrome psiquiátrica ou neurológica, e alguns aspectos não cognitivos da conduta (desinibição, irritabilidade, impulsividade, etc.) podem ser expressão de alguma alteração no sistema nervoso central. 34 A avaliação da personalidade constitui-se na maior demanda relacionada às perícias psicológicas: Busca-se investigar o grau de controle dos impulsos, características do relacionamento interpessoal, o controle emocional, recursos da personalidade, agressividade, presença de psicopatologias, dentre outros. No contexto pericial, os testes de personalidade projetivos apresentam uma grande vantagem em relação aos testes de personalidade objetivos ou psicométricos. Isto ocorre porque a avaliação psicológica pericial, diferentemente da clínica, constitui-se num embate de interesses advindos dos sujeitos envolvidos no processo judicial; busca-se demonstrar que se é um genitor capaz de prover as necessidades do filho; que se é portador de Esquizofrenia que o incapacita ao trabalho; que não apresenta tendência a comportamentos violentos, etc. O psicólogo perito deve estar sempre muito atento a estas características do trabalho pericial e buscar cercar-se de estratégias avaliativas que sejam adequadas a este contexto, a fim de diminuir a possibilidade de que o examinado distorça intencionalmente a apresentação dos dados. Os testes de personalidade objetivos geralmente oferecem poucas informações úteis em contextos forenses (GACONO; EVANS; VIGLIONE, 2008). As assertivas objetivas dos testes de personalidade psicométricos facilitam, por parte do examinando, a produção ou simulação de traços/sintomas/características que o mesmo não possui. Por exemplo, se a avaliação pericial for para analisar um pedido de indenização por danos psíquicos onde o requerente alega sofrer de Depressão, o Inventário de Depressão de Beck (BDI) poderia facilitar um resultado do tipo falso positivo, pois ao responder o teste o examinando, sem dificuldade, consegue escolher as assertivas que melhor caracterizam uma personalidade que se encontra em um estado depressivo. O mesmo acontece com as tentativas de encobrimento ou dissimulação de traços/sintomas/características que se possui; em um exame de cessação de periculosidade, o uso do Inventário de Expressão de Raiva como Estado e Traço (STAXI) facilitaria ao sujeito manipular os resultados favoravelmente aos seus interesses. 35 Deste modo, os testes projetivos constituem-se como um método bastante apropriado para se obter dados a respeito das características de personalidade de um periciando, pois, as possibilidades de simulação ou dissimulação de características apresentam-se mais reduzidas quando comparadas às entrevistas ou aos testes de personalidades objetivos. Serão as coerências ou incoerências entre os fatos relatados nos autos do processo, nas entrevistas, no comportamento não verbal do examinando e nos resultados dos testes psicológicos que nortearão o psicólogo na análise de questões relacionadas à simulação ou dissimulação. Para Rovinski (2006) o Rorschach é um teste bastante útil nas perícias psicológicas em razão da possibilidade que este oferece para se conhecer a estrutura e a dinâmica da personalidade, realizar diagnósticos diferenciais, avaliar o nível do funcionamento psíquico, avaliar a presença de sintomas em casos de suspeita de simulação/dissimulação e realizar um levantamento dos traços de personalidade do sujeito. Os instrumentos de avaliação psicológica forense, no Brasil, são praticamente os mesmos instrumentos utilizados na avaliação psicológica clínica. Grisso (1986, apud ROVINSKI, 2003; 2004) defende a criação de mais instrumentos de avaliação específicos para responder às demandas judiciais, os chamados Forensic Assessment Instruments (FAIS - Instrumentos Específicos de Avaliação Forense), através dos quais se possa avaliar comportamentos relevantes às questões judiciais. Tais instrumentos buscam “garantir a padronização de métodos quantitativos com os quais se possa observar, identificar e medir comportamentos diretamente relevantes às questões legais sobre as competências e capacidades do homem” (GRISSO, 1986, apud LAGO; BANDEIRA, 2009). No Brasil temos atualmente dois instrumentos mais especificamente direcionados às questões relacionadas às demandas judiciais: o PCL-R e o IFVD. O PCL-R (Psycopathy Checklist Revised) ou Escala Hare tem o objetivo de verificar, por meio de uma entrevista semiestruturada, características da personalidade e condutas presentes em pessoas que apresentam as condições prototípicas da psicopatia e que, desta forma, são mais sujeitas à reincidência criminal. Não se destina a realizar um diagnóstico clínico de psicopatia, sendo dirigido à populaçãocarcerária. Os sujeitos classificáveis como psicopatas no meio carcerário 36 são minorias e essa diferenciação é fundamental para as questões de previsão de reincidência criminal, reabilitação social e concessão de benefícios penitenciários (HARE, 2004) O sujeito é avaliado em vinte itens e recebe em cada um deles uma pontuação que pode variar de zero a dois pontos; ao final, os pontos são somados e de acordo com a pontuação obtida o sujeito é classificado como possuindo: transtorno global da personalidade (personalidade psicopática), transtorno parcial da personalidade (bandido comum, antissocial atenuado) ou como não apresentando nenhum dos transtornos citados. Os itens que o PCL-R avalia referem-se à: loquacidade/charme superficial; superestima; necessidade de estimulação/tendência ao tédio; mentira patológica; vigarice/manipulação; ausência de remorso ou culpa; insensibilidade afetivo- emocional; indiferença/falta de empatia; estilo de vida parasitário; descontroles comportamentais; promiscuidade sexual; transtornos de conduta na infância; ausência de metas realistas e de longo prazo; impulsividade; irresponsabilidade; incapacidade de aceitar responsabilidade pelos próprios atos; muitas relações conjugais de curta duração; delinquência juvenil; revogação da liberdade condicional; versatilidade criminal. A pontuação no PCL-R é baseada nas respostas que o sujeito fornece a um roteiro de entrevista que acompanha o manual do teste e também nas informações colhidas em outras fontes (familiares, registros criminais, etc.), deste modo, é um instrumento suscetível à manipulação. O IFVD (Inventário de frases no diagnóstico de violência doméstica contra crianças e adolescentes) constitui-se como um instrumento auxiliar na identificação da violência doméstica (física e/ou sexual) contra crianças e adolescentes a partir dos transtornos (emocionais, cognitivos, físicos, sociais e comportamentais) que essa experiência pode trazer (TARDIVO; PINTO JÚNIOR, 2010). O instrumento pode ser utilizado com sujeitos na faixa etária dos 6 aos 16 anos e é composto por 57 frases que devem ser respondidas com “sim” ou “não”; de acordo com a pontuação obtida, sugere-se que há indícios de vitimização. O IFVD não é considerado um teste psicológico e não avalia a personalidade, deste modo, pode ser utilizado por outros profissionais não-psicólogos que lidam com esta situação. 37 O instrumento pode auxiliar as perícias nas varas criminais (identificação da probabilidade de a violência física ou sexual ter ocorrido com uma criança ou adolescente) e nas varas de família (quando situações de disputa de guarda e regulamentação de visitas envolvem a denúncia de violência física ou sexual). A avaliação psicológica pericial recobre temas distintos do Direito e acontece em diversas áreas. Pode-se citar como exemplos as seguintes áreas e avaliações: Direito de Família (avaliação para definição de guarda e regulamentação de visitas), Juizado da Infância e Juventude (avaliação psicológica de candidatos à adoção e de adolescentes autores de ato infracional que estão internados em regime de privação de liberdade). Direito Civil: (Avaliar a presença de danos psíquicos decorrente de um fato particular traumatizante e avaliar a incapacidade para exercer atos da vida civil – interdição), Direito Penal (averiguação de periculosidade em detentos, da sanidade mental de um indivíduo no momento do crime e de sujeitos que receberam medida de segurança – doentes mentais que cometeram algum delito e que se encontram em alguma instituição psiquiátrica forense) e Direito do Trabalho (avaliar se há nexo causal entre possíveis danos psicológicos causados pelo ambiente de trabalho ou por acidentes ocorridos neste, avaliar pedidos de aposentadoria e de afastamento do trabalho por sofrimento psicológico). No Direito de Família: Os principais pedidos de avaliação concentram-se em torno da questão da definição da guarda do menor e regulamentação de visitas. Nos casos onde ocorre a separação conjugal e as partes não entram em acordo em relação a quem deve ser o detentor da guarda, o juiz determina a realização da uma perícia psicológica com todos os envolvidos (pais, filhos e eventualmente terceiros, quando for o caso), na qual o psicólogo deverá comparar as qualidades que cada genitor possui e as necessidades e interesses que o filho apresenta (GRISSO, 1986, apud ROVINSKI, 2003). Nos casos de regulamentação de visitas a avaliação da família contribui ao esclarecer ao juiz os conflitos e a dinâmica familiar existente, sugerindo medidas para a superação das dificuldades que criam obstáculos às visitas. 38 As perícias que examinam as competências parentais (disputa de guarda e avaliação de maus-tratos), segundo Rovinski (2003), não devem focar apenas na avaliação dos aspectos intrapsíquicos dos pais, é necessário levar em consideração os aspectos relacionais e as redes de apoio com as quais a família pode contar (família extensiva e recursos da comunidade). Segundo Lago e Bandeira, devem ser avaliados as habilidades de maternagem e paternagem, as estruturas de personalidade dos pais e filhos, a qualidade dos vínculos parentais e outros aspectos relevantes, de acordo com o caso. Estas autoras alertam para a questão de que as diferenças existentes nos testes psicológicos dos genitores não devem ser consideradas um critério exclusivo para a definição de quem deve ficar com a guarda da criança, e que a observação das interações entre a criança e seus genitores será de fundamental importância, (Lago e Bandeira 2009). O psicólogo também poderá realizar avaliações psicológicas periciais no contexto da delinquência juvenil. Segundo Serafim e Saffi (2012), na Unidade de Internação Provisória (que verifica a prática do ato infracional e a atribuição de medida socioeducativa) o psicólogo poderá emitir parecer para fornecer subsídios à decisão judicial. Nesta avaliação, caberá ao psicólogo realizar um amplo e aprofundado estudo das condições psicológicas, socioculturais e familiares, a fim de atender, de fato, às necessidades do adolescente, bem como, poder estabelecer correlações das possíveis variáveis. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os adolescentes autores de ato infracional que estão cumprindo medida socioeducativa de internação em estabelecimento educacional (privação de liberdade) devem ser avaliados em períodos máximos de 6 meses, para reavaliação da manutenção do regime (BRASIL, 1995). A avaliação psicológica deste adolescente será um dos critérios adotados para se decidir acerca da manutenção ou não da medida socioeducativa. Para Oliveira (2012) a avaliação destes adolescentes é de fundamental importância para o estabelecimento de ações mais eficazes e ajustadas às suas necessidades, entretanto, no Brasil, não há uma prática de avaliação sistematizada que utilize instrumentais fundamentados em modelos teóricos específicos para a delinquência juvenil. 39 Esta autora buscou realizar a adaptação transcultural da versão revisada do Inventário de Personalidade de Jesness, cujo objetivo é avaliar características de personalidade de adolescentes infratores, sendo capaz de aferir o nível de engajamento do adolescente com a prática de delitos e fornecer um diagnóstico diferencial e multidimensional – psicodinâmico – do adolescente a partir de seu perfil psicológico e das características dominantes em sua personalidade. Segundo Oliveira, o inventário tem sido utilizado em pesquisas desde a década de 60, demonstrando capacidade de diferenciar adolescentes infratores de não infratores, níveis de envolvimento com atos infracionais em meio aos infratores, risco de envolvimento infracional e de reincidência (OLIVEIRA, 2012). No Direito Penal, Rovinsky (2003; 2004) cita duas situações nas quais
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