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Indaial – 2020 Gestão financeira e orçamento na saúde pública Profa. Marcia Mascarenhas Alemão 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Profa. Marcia Mascarenhas Alemão Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: A367g Alemão, Marcia Mascarenhas Gestão financeira e orçamento na saúde pública. / Marcia Mascarenhas Alemão. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 249 p.; il. ISBN 978-65-5663-021-2 1. Gestão da saúde. - Brasil. 2. Gestão financeira. – Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 614 III apresentação Caro acadêmico, estamos iniciando a disciplina Gestão Financeira e Orçamento na Saúde Pública. O objetivo desta disciplina é o aprofundamento dos conhecimentos em gestão financeira e orçamentária na Saúde Pública. Inicialmente, precisamos conhecer que a gestão da saúde, em qualquer esfera institucional, apresenta vários desafios a serem enfrentados. O grande desafio do setor saúde é a gestão dos recursos que são, por definição, escassos, já que a demanda por saúde é infinita (FOLLAND; GOODMAN; STANO, 2009). Gerenciar recursos na saúde passa pelo conhecimento da gestão financeira e orçamentária das organizações de saúde pública. Para que possamos compreender como é possível essa gestão, inicialmente temos como desafio o alinhamento de conceitos, nomes e ações que abrangem o Sistema Único de Saúde. A busca pela gestão dos recursos em organizações de saúde e, especialmente, nas de saúde pública, exige que cada gestor identifique os recursos disponíveis, como utilizá-los e para atendimento de qual objetivo. Em cada situação uma peculiaridade, um caminho que tem em comum a busca por soluções que ajudem a planejar, a melhorar a aplicação dos recursos e a disponibilizar ações e serviços para melhor atender aos princípios do SUS e garantir a atenção às necessidades de saúde da população. Para que possamos conhecer mais sobre este tema, antes de mais nada, temos que alinhar conceitos e entendimento, o que será tratado na Unidade 1. Estão apresentados nesta unidade o Sistema Único de Saúde e a relevância de conhecimento sobre as entradas de recursos e o seu uso na prestação de serviço à saúde. Também estão apresentados os aspectos conceituais e técnicos da Gestão Financeira e Orçamentária e os sistemas de informação para orçamento e financiamento na saúde. Na Unidade 2, será apresentado o Orçamento em Saúde em maior profundidade, esclarecendo sobre os princípios constitucionais do orçamento público, as legislações que norteiam o orçamento, a relação entre o planejamento e o orçamento e a execução orçamentária e financeira no SUS. Na Unidade 3, o tema a ser abordado será o Financiamento da Saúde, apresentando o contexto do financiamento no SUS, o financiamento sob a abordagem macroeconômica, da captação de recursos e o financiamento sob a abordagem microeconômica, da utilização dos recursos. Também será apresentado os desafios atuais do financiamento, dado os cenários de mudanças recentes, a abertura do capital estrangeiro e o impacto da austeridade na saúde. IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! Esperamos que você participe das atividades, leia o material e que este estudo traga informações preciosas para que no futuro você possa desempenhar com excelência seu papel como profissional. Bons estudos! Profª. Marcia Mascarenhas Alemão NOTA V VI Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE VII UNIDADE 1 – ASPECTOS CONCEITUAIS E TÉCNICOS DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA ......................................................................................................1 TÓPICO 1 – SUS E A GESTÃO FINANCEIRA DOS RECURSOS ..................................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................3 2 A SAÚDE NO BRASIL .........................................................................................................................4 3 FUNDAMENTOS DO SUS ..................................................................................................................9 3.1 PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS DO SUS .....................................................................................12 3.2 PRINCÍPIOS ORGANIZATIVOS DO SUS ...................................................................................14 4 O PAPEL DO ESTADO E A GESTÃO FINANCEIRA NA SAÚDE PÚBLICA ........................15 4.1 O PAPEL DO ESTADO NA GESTÃO FINANCEIRA NA SAÚDE PÚBLICA .......................15 4.2 AS NORMATIZAÇÕES DO SUS E AS MUDANÇAS NA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA ..........................................................................................................................17 4.3 A INTERVENÇÃO PÚBLICA NA GESTÃO DOS RECURSOS NA SAÚDE PÚBLICA .......19 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................22 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................23 TÓPICO 2 – ASPECTOS CONCEITUAIS E TÉCNICOS DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA ........................................................................................................25 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................25 2 UTILIZAÇÃO DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA EM ORGANIZAÇÕES DE SAÚDE ..........................................................................................................26 2.1 A ORGANIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE E A SUA GESTÃO FINANCEIRA ...........26 2.2 ELEMENTOS DA DIMENSÃO FINANCEIRAEM UMA ORGANIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE ...................................................................................................................29 2.3 A GESTÃO FINANCEIRA SOB O ENFOQUE DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE ......................32 3 CONCEITUAÇÃO GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA...........................................33 3.1 A ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA ..........................................................................................33 3.2 AS MUDANÇAS NA GESTÃO DO SETOR PÚBLICO ............................................................35 3.3 GESTÃO FINANCEIRA: SUA ESTRUTURA TÍPICA E SUAS FUNÇÕES ...........................36 3.3.1 A estruturação típica da gestão financeira ..........................................................................36 3.3.2 Organização da área financeira ............................................................................................40 4 O PLANEJAMENTO E O PROCESSO DE DEFINIÇÃO DO ORÇAMENTO EM ORGANIZAÇÕES DE SAÚDE PÚBLICA .......................................................................................42 4.1 O PROCESSO DO PLANEJAMENTO NAS ORGANIZAÇÕES ..............................................42 4.2 O ORÇAMENTO E SUA INTERFASE COM O PLANEJAMENTO.........................................45 4.3 ETAPAS E PROCEDIMENTOS PARA ELABORAÇÃO DO ORÇAMENTO .........................47 4.3.1 Elaboração do Orçamento Mestre Padrão ..........................................................................50 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................55 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................56 sumário VIII TÓPICO 3 – SISTEMA DE INFORMAÇÃO PARA ORÇAMENTO E FINANCIAMENTO NA SAÚDE ...................................................................................59 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................59 2 A INFORMAÇÃO NA SAÚDE .........................................................................................................60 3 LEGISLAÇÕES DAS INFORMAÇÕES EM SAÚDE ....................................................................63 3.1 O DATASUS .....................................................................................................................................65 4 PRINCIPAIS FONTES DE INFORMAÇÃO ORÇAMENTÁRIA E DO FINANCIAMENTO NA SAÚDE ......................................................................................................66 4.1 SISTEMA DE INFORMAÇÃO SOBRE ORÇAMENTOS PÚBLICOS EM SAÚDE (SIOPS) .......67 4.2 SISTEMA DE GESTÃO DE INFORMAÇÕES FINANCEIRAS DO SUS (SGIF) .....................69 4.3 SISTEMA DE GERENCIAMENTO FINANCEIRO DO SUS (SISGERF) .................................69 5 OUTRAS FONTES DE INFORMAÇÕES EM SAÚDE..................................................................70 5.1 REDE INTERAGÊNCIA PARA INFORMAÇÕES DA SAÚDE (RIPSA) .................................70 5.2 OS PRINCIPAIS SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE .................................................71 5.2.1 Conjunto Mínimo de Dados da Atenção à Saúde (CMD) ................................................73 5.2.2 Comunicação de Informação Hospitalar e Ambulatorial (CIHA) ..................................73 5.2.3 Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) ..............................................74 6 SISTEMA DE GERENCIAMENTO DA TABELA DE PROCEDIMENTOS, MEDICAMENTOS, ÓRTESES, PRÓTESES E MATERIAIS ESPECIAIS DO SUS .................74 7 OUTROS IMPORTANTES SISTEMAS DO SUS ..........................................................................75 8 A SALA DE APOIO À GESTÃO ESTRATÉGICA (SAGE)...........................................................76 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................78 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................80 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................81 UNIDADE 2 – ORÇAMENTO NA SAÚDE ........................................................................................83 TÓPICO 1 – PLANEJAMENTO ORÇAMENTÁRIO E FINANCEIRO SOB ENFOQUE DO SUS ..........................................................................................................85 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................85 2 FUNDAMENTOS DO ORÇAMENTO PÚBLICO .........................................................................85 2.1 PLANEJAMENTO E O PROCESSO ORÇAMENTÁRIO NO SETOR PÚBLICO ...................86 2.1.1 Papel do orçamento público ..................................................................................................88 2.2 HISTÓRIA DO ORÇAMENTO NO BRASIL .............................................................................90 3 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E OS ASPECTOS LEGAIS DO PROCESSO ORÇAMENTÁRIO ...............................................................................................................................92 3.1 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO ORÇAMENTO PÚBLICO BRASILEIRO ..........92 3.2 ASPECTOS LEGAIS DO PROCESSO ORÇAMENTÁRIO .......................................................95 3.3 LEI COMPLEMENTAR N° 101/2000 ............................................................................................96 4 INSTRUMENTOS DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO DO SETOR PÚBLICO ............99 4.1 O PLANO PLURIANUAL (PPA) ...................................................................................................99 4.2 A LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS (LDO) ...............................................................103 4.3 LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (LOA) ....................................................................................104 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................105 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................107 TÓPICO 2 – ETAPAS DO PROCESSO ORÇAMENTÁRIO .........................................................109 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................109 2 O ORÇAMENTO E OS PROGRAMAS .........................................................................................109 2.1 ESTRUTURA PROGRAMÁTICA ORÇAMENTÁRIA .............................................................111 2.2 O MODELO LÓGICO DA ORGANIZAÇÃO DOS PROGRAMAS .......................................112 IX 3 CLASSIFICAÇÃO DA RECEITA E DESPESA PÚBLICA ..........................................................114 3.1 AS RECEITAS ORÇAMENTÁRIAS ............................................................................................115 3.2 CLASSIFICAÇÕES DA RECEITA ORÇAMENTÁRIA ...........................................................116 3.2.1 Classificação da Receita Orçamentária por Natureza .....................................................116 3.2.2 Etapas da receita orçamentária ..........................................................................................121 3.3 AS DESPESAS PÚBLICAS ............................................................................................................121 3.3.1 Definição dos Programas – Ciclo do Planejamento e orçamento .................................122 4 CODIFICAÇÃO DA ESTRUTURA DA PROGRAMAÇÃO ORÇAMENTÁRIA .................1254.1 CLASSIFICAÇÃO DAS DESPESAS ............................................................................................125 4.1.1 Programação Orçamentária Qualitativa ...........................................................................126 4.1.2 Programação Orçamentária Quantitativa ........................................................................126 4.2 PLANO ORÇAMENTÁRIO (PO) ...............................................................................................129 4.3 CLASSIFICAÇÃO DOS COMPONENTES DAS METAS FÍSICAS ........................................130 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................132 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................134 TÓPICO 3 – O ORÇAMENTO E SUA RELAÇÃO COM O PLANEJAMENTO DO SUS ........137 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................137 2 PLANEJAMENTO DO SUS ..............................................................................................................137 2.1 O PROCESSO DE PLANEJAMENTO DO SUS .........................................................................139 2.2 DIRETRIZES DO PLANEJAMENTO DO SUS ..........................................................................140 2.3 PRINCIPAIS NORMAS E DISPOSIÇÕES ESPECÍFICAS SOBRE O PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL NO SUS ....................................................................................................142 2.4 CICLO ORÇAMENTÁRIO E PLANEJAMENTO DO SUS .....................................................144 2.4.1 Instrumentos de planejamento da saúde .........................................................................144 2.4.2 Plano de Saúde (PS) ..............................................................................................................145 2.4.3 Programação Anual de Saúde (PAS) .................................................................................147 2.4.4 Relatório de Gestão ..............................................................................................................147 2.4.5 Mapa de Saúde .....................................................................................................................148 2.5 AGENDA DOS GESTORES DE SAÚDE ...................................................................................150 2.6 AGENDA DOS CONSELHOS E O CONTROLE SOCIAL DA POLÍTICA DE SAÚDE......152 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................155 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................156 UNIDADE 3 – FINANCIAMENTO DA SAÚDE .............................................................................159 TÓPICO 1 – ABORDAGEM MACROECONÔMICA: CAPTAÇÃO DE RECURSO ...............161 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................161 2 FINANCIAMENTO SUS ...................................................................................................................162 2.1 BREVE HISTÓRICO DO FINANCIAMENTO DO SUS ...........................................................163 2.2 LEGISLAÇÕES E REGULAMENTAÇÃO DO FINANCIAMENTO DA SAÚDE ...............165 3 REPASSE DOS RECURSOS NO SUS .............................................................................................169 3.1 AS TRANSFERÊNCIAS DOS RECURSOS VIA FUNDOS DE SAÚDE .................................169 3.2 AS TRANSFERÊNCIAS DOS RECURSOS FEDERAIS PARA AS AÇÕES E OS SERVIÇOS DE SAÚDE .................................................................................................................170 3.2.1 Fortalecimento dos instrumentos de planejamento e gestão .........................................173 3.2.2 Bloco de custeio das ações e serviços públicos de saúde ................................................174 3.2.3 Bloco de investimento na rede de serviços públicos de saúde ......................................176 3.2.4 Prestação de contas ..............................................................................................................178 4 MECANISMOS DE TRANSFERÊNCIA E ALOCAÇÃO DE RECURSOS NA SAÚDE .......179 4.1 MECANISMOS DE REMUNERAÇÃO AOS PRESTADORES ................................................179 X 4.2 EQUILÍBRIO ECONÔMICO E FINANCEIRO DOS PRESTADORES DE SERVIÇOS ........180 4.3 OS SISTEMAS DE FATURAMENTO DO SUS ..........................................................................181 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................183 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................184 TÓPICO 2 – ABORDAGEM MICROECONÔMICA: UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS ........187 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................187 2 O USO DOS RECURSOS E A GESTÃO DE CUSTOS EM SAÚDE .........................................188 3 METODOLOGIAS DE APROPRIAÇÃO DE CUSTOS EM SAÚDE .......................................190 3.1 A CONTABILIDADE DE CUSTOS ............................................................................................191 3.1.1 Principais conceitos .............................................................................................................192 3.1.2 Metodologias de Custeio .....................................................................................................194 3.1.3 Custeio por Absorção ...........................................................................................................194 3.1.4 Custeio por Atividades .......................................................................................................197 3.1.5 Marcos regulatórios sobre custos no setor público ..........................................................203 4 O USO DE INFORMAÇÃO DE CUSTOS NO SETOR SAÚDE PÚBLICA ............................205 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................210 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................212 TÓPICO 3 – DESAFIOS DO FINANCIAMENTO ..........................................................................215 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................215 2 SUS: SUBFINANCIADO OU SUBGERENCIADO? ....................................................................216 3 MUDANÇAS RECENTES .................................................................................................................222 3.1 DESAFIOS DO FINANCIAMENTO ..........................................................................................224 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................228 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................235 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................237 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................239 1 UNIDADE 1 ASPECTOS CONCEITUAIS E TÉCNICOS DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEMPLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • identificar os princípios doutrinários e organizativos do SUS; • conhecer a relação entre planejamento, financiamento e orçamento no SUS; • identificar os conceitos da gestão financeiros e orçamentários; • conhecer as principais fontes e sistemas de informação que dão suporte ao orçamento e financiamento do SUS. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – SUS E A GESTÃO FINANCEIRA DOS RECURSOS TÓPICO 2 – ASPECTOS CONCEITUAIS E TÉCNICOS DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA TÓPICO 3 – SISTEMA DE INFORMAÇÃO PARA ORÇAMENTO E FINANCIAMENTO NA SAÚDE Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 SUS E A GESTÃO FINANCEIRA DOS RECURSOS 1 INTRODUÇÃO Acadêmico, daremos início ao Tópico 1 da nossa disciplina de Gestão Financeira e Orçamento na Saúde Pública. Lembrando que, ao decorrer deste livro, você será instigado a refletir e raciocinar, a partir da bagagem de conhecimentos que vislumbram auxiliá-lo na compreensão da importância da gestão financeira e orçamentária na saúde pública. Neste primeiro tópico, antes de iniciar a discussão sobre a questão central da disciplina, convêm entendermos o Sistema Único de Saúde e o contexto de sua fundamentação legal e a relação entre planejamento, orçamento e financiamento na saúde. Então, estude com muita atenção! Se surgir alguma dúvida, releia o conteúdo e busque esclarecê- la no material complementar. Temos importantes referências bibliográficas de material didático fornecido pelo Ministério da Saúde, pelas leis e portaria que fundamentam os conceitos aqui apresentados que poderão ser consultados, em caso de necessidade de maiores esclarecimentos. A seguir, estão apresentadas algumas referências que podem complementar o nosso conhecimento aqui apresentado. FIGURA 1 – LEITURAS SUGERIDAS FONTE: Os autores UNIDADE 1 | ASPECTOS CONCEITUAIS E TÉCNICOS DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA 4 Este tópico inicial do curso tem como propósito fundamentar o conhecimento sobre o Sistema Único de Saúde, a história da saúde no Brasil e relação entre o SUS, o papel do Estado com a gestão financeira dos recursos. 2 A SAÚDE NO BRASIL Nosso momento atual é marcado por intensas e rápidas mudanças no âmbito econômico, cultural, social e político. No âmbito da saúde, principalmente no Brasil, destacam-se as mudanças ocorridas ao longo das últimas décadas, que alteram o perfil dos atendimentos prestados na saúde e, consequentemente, aumentam a necessidade de consumo dos recursos. A primeira mudança que merece nossa atenção é alteração do perfil da população, que há mais de duas décadas apresenta um crescente aumento do percentual de pessoas com mais de 60 anos. Outra mudança significativa é o agravamento de doenças crônicas não transmissíveis, que, por si só, causam significativa aumento na taxa de mortalidade e na taxa de morbidade. O aumento de doenças crônicas também agrava outros problemas de saúde como é o caso do diabetes que podem aumentar o risco de tuberculose (COUTTOLENC; ZUCCHI, 1998). Taxa de Morbidade é a taxa de indivíduos portadores de determinada doença dentro de um grupo específico, a partir de certo período de análise. Taxa de mortalidade é reflete o número de mortes registradas, em média por mil habitantes, em uma determinada região em um período de tempo. NOTA Há também os fatores de risco comportamentais que, com a globalização, são quase universais que agravam as condições de saúde. Esses fatores são padrões alimentares inadequados, falta de atividade física, consumo de álcool, cigarro e fatores externos como o aumento da violência e de acidentes de trânsito. Segundo a Organização Mundial da Saúde, os problemas de saúde mental, as doenças não transmissíveis e a violência representam 70% da morbidade e 60% da mortalidade geral (COUTTOLENC; ZUCCHI, 1998). Em todas as sociedades, a explosão da carga de doenças tem custos sociais e financeiros elevadíssimos. Este cenário de aumento das necessidades de consumo de recursos exige a associação de atores de múltiplas formações profissionais, de diversos setores não apenas da saúde, na busca pela ampliação e inovação de ações de saúde pública. TÓPICO 1 | SUS E A GESTÃO FINANCEIRA DOS RECURSOS 5 Esse é um dos nossos desafios aqui nesta disciplina, formar o profissional da saúde para entender e colaborar para o melhor uso dos recursos em saúde, de forma a contribuir para uma assistência que trava melhores resultados para a população. Já que nosso objetivo é trazer conceitos que nos permitam entender um pouco mais sobre a disciplina, iniciamos nossos estudos buscando conceituar saúde. O que é saúde? Em 1946, a Organização Mundial da Saúde (OMS) chamou a saúde de “estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não meramente ausência de doença ou incapacidade” (ALMEIDA FILHO, 2011, p. 6). Esse conceito, porém, está em desuso pelos diversos estudiosos. Para Almeida Filho (2011, p. 15) “saúde é um problema simultaneamente filosófico, científico, tecnológico, político e prático”, sendo a saúde de difícil conceituação que nos remete a uma série de perguntas/problema. Para o autor, saúde pode ser percebida em várias dimensões: • Saúde como fenômeno, definida negativamente como ausência de doenças e incapacidade. • Saúde como metáfora, como uma construção cultural ou representação ideológica. • Saúde como medida, como avaliação do estado de saúde, indicadores demográficos e epidemiológicos. • Saúde como valor, neste caso, como mercadoria, que pode ser um procedimento ou serviço ou como direito social, serviço público ou bem comum. • Saúde como práxis, como conjunto de atos sociais de cuidado e atenção às necessidades e qualidade de vida. A saúde é definida, atualmente, no mundo todo, como um dinamizador da economia, por sua capacidade de produção de bens e serviços e por ser um campo de geração de novos conhecimentos e absorção de tecnologias (MINAYO, 2008). Apesar da complexidade e amplitude dos conceitos de saúde, buscaremos compreender um pouco sobre a saúde pública no Brasil e os três principais modelos de saúde ocorridos durante os últimos cem anos. O modelo de atenção à saúde é um sistema lógico que organiza o funcionamento das redes de atenção à saúde, articulando, de forma singular, as relações entre os componentes da rede e as intervenções sanitárias, definido em função da visão prevalecente da saúde, das situações demográfica e epidemiológica e dos determinantes sociais da saúde, vigentes em determinado tempo e em determinada sociedade. O primeiro modelo é o Modelo Sanitarista-Campanhista, vigente no início do Século XX que priorizava a política de saneamento dos espaços de circulação de mercadorias e a erradicação ou controle de doenças que poderiam prejudicar a exportação e, portanto, a economia. Tinha como objetivo combater as endemias e UNIDADE 1 | ASPECTOS CONCEITUAIS E TÉCNICOS DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA 6 epidemias. Foi o tempo do combate à febre amarela, cólera, varíola e malária com atuação marcante de Oswaldo Cruz “limpando” o caminho para que a economia se expandisse (CARVALHEIRO; MARQUES, MOTA, 2008). O Modelo Assistencial-Privatista, conhecido como o segundo modelo assistencial, teve início com o surgimento das indústrias e o consequente processo de urbanização das cidades. Além disto, exigia o emprego de mão de obra que não podia adoecer. Adotado a partir da década de 1920, induzido pelo processo da industrialização brasileira, estava fundamentado na assistência médica voltada para os trabalhadores urbanos. Esse modelo tinha como característica estender a cobertura previdenciária apenas a segmentos da populaçãourbana, economicamente integrados. O interesse maior era com a prática médica curativa e individual, desvalorizando as ações coletivas, visava a criação de um complexo médico-industrial e o incentivo à prestação dos serviços médicos por entes privados lucrativos e não lucrativos (CARVALHEIRO; MARQUES, MOTA, 2008). Fundamentado nas Caixas de Previdência, financiado pelo Estado, pelo empregador e pelos empregados, esse modelo favoreceu a expansão dos hospitais e o entendimento da saúde como mercadoria (CARVALHEIRO; MARQUES, MOTA, 2008). A saúde era uma atribuição da Previdência Social, sem muita preocupação com a saúde pública. Desde o início da industrialização, a política de saúde no Brasil garantia acesso aos serviços de saúde apenas à população inserida no mercado de trabalho formal. Porém, a maioria da população encontrava-se no campo, no mercado informal, sem qualquer legislação trabalhista e, portanto, sem cobertura de assistência à saúde. NOTA Dessa forma, o direito à saúde tinha uma conotação excludente, definido pelo aceso ao mercado de trabalho e não pela noção de cidadania. A noção de cidadania, centrada no direito à saúde, só foi apresentada na literatura e na discussão política, a partir do final dos anos 1980, após se intensificar a luta pela redemocratização da sociedade brasileira (ZIONI; ALMEIDA, 2008). IMPORTANT E TÓPICO 1 | SUS E A GESTÃO FINANCEIRA DOS RECURSOS 7 No final dos anos 1970, ocorre a falência do modelo vigente, com a crescente insatisfação da população, dos setores de saúde e dos profissionais da saúde, além do crescente custo da expansão. Vários problemas afligiam a população brasileira, principalmente nas periferias urbanas, trazendo a discussão sobre a saúde para o centro da sociedade: explosão urbana, ausência de saneamento básico, serviços de saúde deficientes, gerando crises técnicas e financeiras; desnutrição infantil, acidentes de trabalho, epidemias e surtos de doenças transmissíveis, dentro outros (FLEURY; OUVERNEY, 2009). Em 1975, a Lei n° 6.229 consolidou a divisão entre as ações das instituições privadas e públicas institucionalizando o modelo médico de assistência privada, definindo a competência de instituições privadas e públicas. Com isso, a saúde pública, que não gerava renda e sim despesas, foi entregue à responsabilidade do governo, enquanto a atenção médica ao setor particular. Fortalece assim a exclusão de grande parte da população, iniciando um descontentamento da população. Inicia-se o movimento político e institucional, principalmente nas universidades e instituições de saúde contra o sistema de saúde vigente, em prol de mudanças na configuração do sistema de saúde pública. O tema saúde passa a ser uma das reivindicações dos movimentos populares ocupando um papel importante no cenário brasileiro no momento de transição até o processo de redemocratização (FLEURY; OUVERNEY, 2009). Os movimentos políticos e o processo de democratização culminaram na promulgação da Constituição Federal de 1988 aprovando a proposta do sistema de saúde com os seguintes pontos (CARVALHEIRO; MARQUES; MOTA, 2008): • O conceito de saúde relacionado com a perspectiva social, política e econômica. • A saúde como um direito social da população e responsabilidade do governo. • A criação de um sistema único com a participação da comunidade, descentralizado e com assistência integral. • Integração da saúde no sistema de seguridade social. Neste propósito, a CF/88 apresenta um capítulo específico para tratar sobre a seguridade social que engloba a saúde, a previdência social e a assistencial social. A fundamentação da saúde na Constituição Federal de 1988 está apresentada no Capítulo II – Da Seguridade Social, Seção II – Da Saúde, correspondendo aos Artigos 196 a 200. Dessa forma, desde a promulgação da Constituição Federal em 1988, a saúde é assegurada a todos os cidadãos brasileiros ou residentes no Brasil, sendo um dever do Estado e direito de todos. O direito à saúde é garantido, de forma compartilhada, pelo governo federal, estadual e municipal por meio de políticas públicas que visam ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde, assegurando o acesso universal e igualitário. UNIDADE 1 | ASPECTOS CONCEITUAIS E TÉCNICOS DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA 8 Apesar de ser um direito, a saúde ainda é uma das principais preocupações (BRASIL, 2011b) e uma dos maiores ideiais de qualidade de vida das populações (FLEURY; OUVERNEY, 2009). NOTA Para compreendermos o que significa o direito à saúde é necessário compreendermos que esse direito se concretiza na obrigação do Estado de realizar Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS). A Constituição Federal de 1988, apresenta no seu art. 198 que: As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I- descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II- atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III- participação da comunidade (BRASIL, 1988). Porém, definir os serviços que integram as Ações de Serviços Públicos de Saúde (ASPS) foi um processo de amplas discussões. No entendimento da gestão financeira em saúde, em que os entes federados têm obrigatoriedade de alocação de recursos em ASPS, essa discussão é fundamental. Isso porque não havia uma definição de quais gastos seriam “contabilizados” como de saúde. Por exemplo, gastos com saneamento básico são gastos com saúde? Gastos com pagamentos de aposentados são ASPS? A primeira conceituação de gasto com ASPS foi definido na quinta, sexta e sétima diretrizes da Resolução 322, de 8 de maio de 2003, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) que definiu as Ações e Serviços Públicos de Saúde como aquelas que implicam gastos com pessoal ativo e outras despesas de custeio e de capital. Esse conceito, com pequenas alterações, foi referendado pela Lei Complementar n° 141, de 2012, que regulamentou a Emenda Constitucional n° 29/2000. Em seu Art. 2º define as diretrizes do que se considerar ASPS. No Art. 3º apresenta uma relação de tipos de ações que poderão ser consideradas. No Art. 4º são apresentadas aquelas que não compõem as ASPS. Acadêmico, veremos com mais detalhes na Unidade 3, a Lei de Responsabilidade Fiscal n° 141/2012. ESTUDOS FU TUROS TÓPICO 1 | SUS E A GESTÃO FINANCEIRA DOS RECURSOS 9 Para que sejam consideradas ASPS os gastos devem ser destinados às ações e serviços públicos de saúde de acesso universal, igualitário e gratuito; devem estar em conformidade com objetivos e metas explicitados nos Planos de Saúde de cada ente da Federação; devem ser de responsabilidade específica do setor da saúde, não se aplicando a despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre determinantes sociais e econômicos, ainda que incidentes sobre as condições de saúde da população. Já podemos compreender que o tema saúde é um amplo e complexo e como conhecer a gestão financeira é uma exigência. Primeiramente, precisamos compreender que o setor Saúde, bem como outros setores também importantes como é o caso dos setores de educação, segurança pública e outras competem por parcelas de recursos públicos. Também não podemos ignorar as tensões existentes nas complexas relações entre os diversos entes federativos que compõe o Brasil, com 5.564 municípios, 26 estados e o Distrito Federal. Detalharemos ao longo dos próximos tópicos como a gestão financeira em saúde tem suas implicações com o funcionamento do SUS que está diretamente relacionado com o papel do Estado. 3 FUNDAMENTOS DO SUS Entender o Sistema Único de Saúde (SUS) e a sua complexidade é o nosso propósito aqui. Assim, para compreendermos a dimensão do SUS é importante saber que ele é um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde do mundo (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2019), além de ser uma das maisimportantes políticas públicas de proteção social praticada para melhoria do bem-estar do povo brasileiro (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE/ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 2018). O funcionamento do SUS fundamenta-se em modelos de atenção à saúde que são a lógica de orientação e organização dos trabalhos utilizados na prática de saúde (PAIM, 2008). Conforme conceituação já apresentada sobre modelos de saúde, o SUS correspondem a uma rede de serviços organizados numa estrutura regionalizada e hierarquizada que atendam às necessidades de saúde da população. Vamos nos orientar pela legislação básica e pelo que está apresentado na Constituição Federal de 1988 para compreendermos os fundamentos deste que é o maior sistema de saúde público mundial e a sua relevância na saúde do brasileiro. Iniciamos apresentando que o Sistema Único de Saúde foi criado pela CF/88 e regulamentado pela Lei n° 8080/1990 (BRASIL, 1990b) conhecida pela Lei Orgânica da Saúde e pela Lei n° 8.142/90 (BRASIL, 1990a). UNIDADE 1 | ASPECTOS CONCEITUAIS E TÉCNICOS DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA 10 Diversos materiais estão disponíveis sobre o SUS e a saúde pública. Convidamos a conhecer um pouco mais em Fundamentos do SUS em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ públicacoes/progestores/leg_sus.pdf. Sugerimos também a consulta ao livro interativo O que é o SUS? da Coleção Temas em Saúde Interativa de autoria do Jaimilson Silva Paim, no link: http://www.livrosinterativoseditora. fiocruz.br/sus/1/. DICAS A Lei n° 8.080/90 regulamenta a organização do SUS que tem o planejamento da assistência à saúde pública como condição fundamental. Além disso, exige a necessidade de controle das ações e serviços prestados, incluindo aqui controle orçamentário e financeiro e a articulação interfederativa. Assim, ela consolida o SUS como um sistema de atenção que se propõe a oferecer assistência desde a prevenção até a recuperação da saúde, tendo como única exigência que o paciente seja cidadão brasileiro. Um sistema de saúde pode ser compreendido pela conceituação de Lobato e Giovanella (2009, p. 107) como “[...] o conjunto de relações políticas, econômicas e institucionais responsáveis pela condução dos processos referente à saúde de uma dada população que se concretizam em organizações, regras e serviços que visam a alcançar resultados condizentes com a concepção de saúde prevalecente na sociedade”. Iniciaremos esclarecendo os principais pontos definidos na Lei n° 8080/1990 de forma a compreendermos o funcionamento do SUS. A Lei n° 8080/90 “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências” (BRASIL, 1990b). Na Disposição Preliminar, em seu Artigo 1º, está definido que “esta Lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados, isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado”. Primeira importante discussão: a lei regulamenta todos os serviços de saúde realizados em território brasileiro, tanto os serviços públicos quanto os privados. Esse é o primeiro equívoco que normalmente é cometido, ao desconsiderarmos que a iniciativa privada também está regulamentada pelo SUS. Continuando, no Título I – Das disposições Gerais é apresentado no seu Artigo 2° que “a saúde é um direito fundamental do ser humano”, que o Estado, por meio de políticas econômicas e sociais, deve garantir a saúde, assegurando TÓPICO 1 | SUS E A GESTÃO FINANCEIRA DOS RECURSOS 11 acesso universal e igualitário, não excluindo também o dever das pessoas, a família, as empresas e a sociedade. Importante termos o entendimento de que o dever do Estado não exime o dever de todos nós na busca pela saúde. Outro ponto importante é o apresentado no Artigo 3° que define que: a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País (BRASIL, 1990b). O que isso significa? Que existem diversos fatores que diretamente interferem nas condições de saúde da população. Lembrando que, apesar de termos esses determinantes da saúde, eles não são gastos em ASPS conforme está definido na Lei de Responsabilidade Fiscal e já foi apresentado no tópico anterior. Devemos entender que a Organização Mundial de Saúde coloca nas definições de saúde a ausência da doença lado a lado com a influência das condições de vida e também do ambiente de trabalho, conforme apresentado por Moutinho e Dallari (2019). Conforme mencionado pelos autores, é necessário admitirmos que a pessoa não é a única responsável por seu estado de saúde, na medida em que se admite que o ambiente influi de forma decisiva nas condições de saúde dos indivíduos. IMPORTANT E No Artigo 4º é apresentado o SUS como “conjunto de ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público” (BRASIL, 1990b). No §2º desse Artigo 4º, é apresentado que é fundamentada a participação da iniciativa privada como uma atividade complementar ao SUS. Destaca-se aqui a abertura da participação das entidades privadas nas ações e serviços de saúde, porém em caráter complementar. O SUS compreende todas as ações e serviços de saúde prestado pelos entes federados, isto é, na esfera municipal, estadual e federal, e tambem os serviços prestados pelos entes privados. Os objetivos do SUS estão apresentados no Artigo 5º, incluindo a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde; a formulação de políticas de saúde para permitam o cumprimento de ser a saúde dever do Estado e disponibilizar assistência que vai da promoção, prevenção até a recuperação da saúde. UNIDADE 1 | ASPECTOS CONCEITUAIS E TÉCNICOS DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA 12 A Lei definiu também que as ações e serviços de saúde pública são de responsabilidade interfederativa, isto é, cada ente federado tem uma função específica para melhor utilização dos recursos disponibilizados. A Lei n° 8.142, de 28 de dezembro de 1990, e, posteriormente, o Decreto n° 7.508, de 28 de junho de 2011, também fundamentam os princípios definidos na CF/88, estabelecendo a organização do SUS, o planejamento da assistência à saúde pública no Brasil e a articulação interfederativa, com a criação das Regiões de Saúde. Cada região deve oferecer serviços de atenção primária, urgência e emergência, atendimento psicossocial, atenção ambulatorial especializada e hospitalar, além de vigilância em saúde (BRASIL, 2011c). A articulação interfederativa refere-se à articulação entre os entes da federação, ou seja, compartilhada pela União, Estados e municípios. O Decreto n° 7.508/11, Capítulo II, Seção I, define que a assistência à saúde será prestada por Regiões de Saúde, as quais serão instituídas pelo Estado, em articulação com os Municípios, respeitadas as diretrizes gerais pactuadas na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) a que se refere o inciso I do artigo 30. FONTE: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2011/decreto/ D7508.htm>. Acesso em: 8 out. 2019. NOTA 3.1 PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS DO SUS De acordo com a legislação, uma série de princípios deve nortear o funcionamento do SUS. Princípios são fundamentos, estruturas que orientam o funcionamento e propósitos. Destacam-se os princípios doutrinários, que definem a forma de atendimento e os princípios organizativos, que engloba aqueles que dizem respeito à organização e à operacionalização do sistema de saúde, que definem os meios utilizados para atingir os fins determinados pelos princípios doutrinários, as diretrizes e aforma como devem ser financiados (CARVALHO, 2002). Perceba que os princípios doutrinários do SUS são a base do seu funcionamento; porém, muito ainda deve ser feito para que sejam efetivamente uma realidade para o cidadão brasileiro. NOTA TÓPICO 1 | SUS E A GESTÃO FINANCEIRA DOS RECURSOS 13 Conforme definido na Constituição Federal 1988 no seu Artigo 198 e também na Lei n° 8080/90, os princípios e diretrizes do SUS estão representados a seguir: FIGURA 2 – PRINCÍPIOS E DIRETRIZES DO SUS FONTE: Brasil (2003) Os princípios doutrinários, também chamados de princípios valorativos do SUS, são as bases que dão sustentação à proposta do modelo de atenção à saúde que é o nosso Sistema Único de Saúde. Entender os princípios doutrinários significa entender os pontos que são, a princípio, imprescindíveis. São as premissas básicas que devem ser entendidas e serão aqui apresentadas. • Princípio da Universalidade: define que todos têm direito ao atendimento, sem restrições injustificadas e injustas, sem restrição de cor, religião, raça, local de moradia, situação de emprego ou renda etc. Prevê o acesso gratuito a ações e serviços de saúde, em todos os níveis de assistência, para todos os cidadãos. • Princípio da Integralidade: o princípio está diretamente relacionado à ideia de atendimento que abrange tanto a prevenção quanto a cura. Entende-se que as ações de saúde devem abranger o indivíduo como um ser humano integral, que está submetido a situações de trabalho e de vida, que o levam a adoecer e a morrer. Entende-se que o atendimento deve abranger a saúde e não apenas as suas doenças, o que significa que o atendimento inclui a busca pela erradicação das causas, diminuição dos riscos, além do tratamento dos danos. Isso significa a garantia de acesso às ações de promoção, que envolve outras áreas como habilitação, educação, meio ambiente etc.; prevenção, que envolve ações de saneamento básico, ações coletivas e preventivas, vigilância em saúde, imunizações; ações de recuperação, como atendimento médico, reabilitação e tratamento para aqueles que se encontram doentes (ZIONI; ALMEIDA, 2008). UNIDADE 1 | ASPECTOS CONCEITUAIS E TÉCNICOS DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA 14 Corresponde ao conjunto de serviços de saúde ofertados nos diversos níveis do sistema de natureza promocional, preventiva, curativa, reabilitadora, de forma ética, com qualidade, com segurança para os usuários e profissionais para atender à necessidade da saúde da população. Garante livre acesso aos sistemas públicos universais, tudo para todos. • Princípio da equidade: prevê que todos são iguais perante o SUS e que seu atendimento será conforme as suas necessidades. Representa tratar diferente os diferentes, disponibilizar a assistência de forma a atender às necessidades específicas de cada um. Os serviços de saúde devem considerar que cada grupo ou classe social ou de uma região específica vivem de forma diferente, com seus problemas específicos, com distintas formas de viver, de adoecer. Assim, os serviços de saúde devem atender as diferenças dos grupos e disponibilizar o que for necessário, oferecendo o que é a necessidade de cada um e assim reduzir as desigualdades existentes (ZIONI; ALMEIDA, 2008). Apesar de não ser especificamente um princípio doutrinário, em Brasil (2003) temo o princípio da essencialidade como aquele que define a saúde como direito fundamental do cidadão e como função do Estado. NOTA 3.2 PRINCÍPIOS ORGANIZATIVOS DO SUS O segundo grupo de princípios conhecidos como princípios organizativos, dizem respeito à operacionalização e organização do sistema de saúde e abrangem os meios utilizados para atingir os fins determinados pelos princípios doutrinários, as diretrizes e a forma como devem ser financiados (BRASIL, 2003; CARVALHO, 2002). Os princípios organizativos do SUS são aqueles que norteiam o funcionamento do SUS que são: • Regionalização: visa atender ao princípio de que os serviços de saúde devem ser articulados em níveis de complexidade, permitindo o conhecimento de forma mais detalhada dos problemas de saúde da população de uma área determinada, a partir de critérios epidemiológicos, favorecendo ações de vigilância sanitária e epidemiológica, controle de vetores, educação em saúde, além das ações de atenção ambulatorial e hospitalar em todos os níveis de complexidade. Visa atender o princípio que o atendimento seja realizado mais próximo do cidadão, preferencialmente pelo município. TÓPICO 1 | SUS E A GESTÃO FINANCEIRA DOS RECURSOS 15 • Hierarquização: deve proceder à divisão de níveis de atenção e garantir formas de acesso a serviços que façam parte da complexidade requerida pelo caso, nos limites dos recursos disponíveis numa dada região. O acesso da população à rede de serviços deverá ser feito por meio dos níveis primários de atenção, de forma qualificada para atender e resolver os principais problemas. Os que não forem resolvidos neste nível, deverão ser referenciados para os serviços de maior complexidade tecnológica (ZIONI; ALMEIDA, 2008). • Descentralização: este princípio define que a ênfase na municipalização das ações e serviços de saúde. • Comando Único: define a administração única em cada esfera de governo, cada esfera de governo é autônoma e soberana nas suas decisões e atividades. • Participação da Comunidade: a sociedade deve participar no dia a dia do sistema. Para isso, devem ser criados os Conselhos e as Conferências de Saúde, que visam formular estratégias, controlar e avaliar a execução da política de saúde. • Diferenciação: define que cada ente federado, União, dos Estados e dos Municípios terá autonomia na gestão de acordo com as suas características. • Autonomia: define autonomia na gestão independente dos recursos nas três esferas de governo, União, dos Estados e dos Municípios. • Planejamento: exigência de que a previsão de que os recursos da saúde devem fazer parte do orçamento da Seguridade Social nas três esferas de governo, alinhado ao planejamento do SUS. • Financiamento: define que deve haver uma garantia de recursos das três esferas de governo • Controle: define que as ações e serviços de saúde devem ser controlados por um agente regulador. 4 O PAPEL DO ESTADO E A GESTÃO FINANCEIRA NA SAÚDE PÚBLICA Vamos compreender como a complexidade das funções desempenhadas pelo Estado e como a atividade financeira se apresentam. Primeiramente, temos que considerar que o Estado tem como finalidade realizar as expectativas da população de uma felicidade comum na vida em sociedade (ASSUNÇÃO, 2016). 4.1 O PAPEL DO ESTADO NA GESTÃO FINANCEIRA NA SAÚDE PÚBLICA Conforme apresentado por Assunção (2016, p. 1), “o Estado desempenha funções complexas para a realização das finalidades que legitimam sua existência, definindo políticas públicas a serem realizadas, e os respectivos meios de financiamento. O conjunto de procedimentos necessários para a realização desse fluxo engloba a sua atividade financeira”. UNIDADE 1 | ASPECTOS CONCEITUAIS E TÉCNICOS DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA 16 Essa afirmação nos apresenta que as atividades financeiras desempenhadas pelo Estado devem ser compreendidas em diversas naturezas ou dimensões. As atividades financeiras estão revestidas de natureza política uma vez que políticos são os poderes que tem competência para execução dos fins a que o Estado se propõe. Pode ser compreendida na sua inegável dimensão econômica por ser uma atividade destinada à busca de recursos para execução das atividades necessárias ao funcionamento dos serviços públicos (ASSUNÇÃO, 2016). Possui também caráter instrumental para a realização das finalidades de promoção do bem-estar comum, ou seja, competência do Estado instrumentalizar, criar regras e meios para satisfazer as necessidades públicas. A Constituição Federal de 1988 trouxe uma profunda mudança ao apresentar como fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana e como objetivosa garantia do desenvolvimento nacional. Conforme apresentado por Assunção (2016), os fundamentos são os pontos de partida, a base das ações e os objetivos a serem alcançados por toda a sociedade. Isso representa que todas as políticas públicas desenvolvidas, independentemente do nível de governo, devem ter como fundamento a efetivação dos direitos fundamentais, visando a redução da pobreza e das desigualdades sociais e regionais. IMPORTANT E Precisamos identificar o papel do Estado no nosso contexto, que é o do setor saúde. Entende-se por Estado todos os entes federados, federal, estadual e municipal. Considerando que o Brasil é formado pela união de 26 estados federados, 5 570 municípios e do Distrito Federal, a atuação do Estado no SUS é bastante significativa. Destacaremos, aqui, o papel do Estado como comprador de serviços, como prestador de serviços e como agente regulador. Como comprador de serviços, a participação do Estado é representativa por ser o maior comprador de bens e serviços de saúde gerando expressivo volume de recursos de pagamentos aos prestadores de serviços, como serviços hospitalares de hospitais públicos ou privados. Devemos compreender que a maioria dos serviços públicos ofertados pelo SUS são produzidos por organizações privadas que vendem seus serviços ao SUS, como é o caso dos hospitais filantrópicos, que são entidades privadas sem fins lucrativos. Acrescenta-se a participação do Estado como produtor ou prestador de serviços aos usuários como exemplo, serviços públicos ofertados por organizações públicas de saúde, como serviços das UPAS, do SAMU, de Unidades de Saúde e hospitais públicos. TÓPICO 1 | SUS E A GESTÃO FINANCEIRA DOS RECURSOS 17 Temos que conhecer que a atuação do Estado não se restringe à prestação de serviços e ações públicas de saúde. Outro importante papel do Estado no setor saúde é a sua atuação como agente regulador, conforme consolidado pela CF/88, com representatividade em todo o território nacional e um alto poder de regulação e promoção das ações em saúde. O Estado é responsável por um conjunto amplo de atividades regulatórias que interferem na indústria de equipamentos e na rede assistencial, com a regulação do uso de medicamentos e insumos, inclusão de novas tecnologias em saúde e definição da qualidade dos serviços prestados, definição do rol de ações e serviços ofertados (GADELHA, 2003). Isso significa que mesmo quando não há uma atuação direta na prestação de serviços de saúde, o Estado atua regulando o funcionamento dos prestadores privados. Vale salientar que a Lei do SUS define que a possibilidade de atuação do setor privado de forma complementar ao setor público. Portanto, os serviços de saúde que não forem executados pelos órgãos públicos, podem ser complementados pelo setor privado. Assim, entende-se que as ações e atuações do Estado no SUS dadas as suas diversidades e amplitude interferem na gestão financeira e orçamentária pois, como já foi apresentado, as organizações são processos integrados. O SUS ainda recebe críticas pelo atendimento deficiente e sucateamento dos hospitais públicos. Isto reflete a insuficiência contínua dos recursos em saúde, apontada por Vieira e Piola (2016) como problema estrutural que prejudica a consolidação do setor. IMPORTANT E 4.2 AS NORMATIZAÇÕES DO SUS E AS MUDANÇAS NA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA Desde que a CF/88 reconheceu a saúde da população como uma necessidade pública, a atuação concreta do Estado tornou-se uma exigência. O Estado tornou-se responsável pela movimentação da sua atividade financeira e as escolhas públicas de alocação de recursos. Essas escolhas visam atender às necessidades públicas conduzindo à institucionalização de normas e leis que afetam diretamente na definição do volume de recursos direcionados a cada atividade estatal (MOUTINHO; DALLARI, 2019). UNIDADE 1 | ASPECTOS CONCEITUAIS E TÉCNICOS DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA 18 Desde a CF/88, o SUS, ao longo de quase 40 anos consolidou-se como uma das mais importantes políticas sociais do Estado brasileiro (BRASIL, 2013a). Desde a sua institucionalização, vem sofrendo profundas mudanças, principalmente em razão do processo de descentralização das responsabilidades, das atribuições e dos recursos para estados e municípios. Isso por ter sido concebido como um sistema de saúde descentralizado e administrado democraticamente, com a participação da sociedade organizada e das três esferas de governo: nacional, estadual e municipal. Temos que compreender que, nos quase 40 anos de existência, o SUS apresenta importantes conquistas na área de saúde pública, porém, como apresentado por Moutinho e Dallari (2019), a saúde é de eficácia constitucional progressiva o que significa que a implantação das ações do SUS corresponde a um processo crescente que ainda não se caracteriza como uma proposta finalizada. IMPORTANT E Conforme já apresentamos sobre a mudança no perfil da gestão pública, no setor saúde, a busca por uma gestão mais voltada aos resultados e uma busca pelo melhor uso dos recursos pode ser identificada pelas diversas normatizações e leis que foram publicadas ao longo das décadas de implementação do SUS. Em 1993, inicia-se o movimento de mudança com a introdução da gestão pública por resultados e de responsabilização sanitária, com a publicação da Norma Operacional Básica do SUS – NOB 1/93. A NOB 01/93 ampliou a discussão da saúde para além dos limites setoriais e aprofundou a descentralização do SUS para estados e municípios, de forma compartilhada (BRASIL, 1993). Inicia-se a proposta de descentralização das ações e serviços de saúde pública, buscando envolver principalmente os municípios por estarem mais próximos às necessidades da população. Em 2006, outra grande mudança impactou na gestão da saúde. A instituição do Pacto pela Saúde possibilitou compreender o significado do processo de descentralização da saúde no Brasil. O Pacto pela Saúde é um acordo interfederativo, isto é, envolvendo todos os níveis de gestão dos entes federados que, articulando o Pacto pela Vida, o Pacto em Defesa do SUS e o Pacto de Gestão (BRASIL, 2005). O Pacto transferiu da esfera federal para a estadual e a municipal não apenas serviços, mas também poder, responsabilidades e recursos (BRASIL, 2011a). Como nosso foco é na gestão financeira e orçamentária na saúde pública, temos que conhecer duas relevantes mudanças ocorridas no âmbito geral da gestão TÓPICO 1 | SUS E A GESTÃO FINANCEIRA DOS RECURSOS 19 do SUS. A primeira mudança que precisamos conhecer tem referência com a captação de recursos para o SUS. Representa a mudança ocorrida na CF/88 a partir da publicação do Artigo 110 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) conhecida como Novo Regime Fiscal. Essa mudança corresponde ao contingenciamento de despesas por vinte anos a partir 2017, que afeta ou quase determina a quantidade de recursos que serão direcionados à saúde pública. Veremos com maior detalhe este tópico, que merece a nossa atenção na Unidade 3 em que alguns estudos já apresentam o impacto deste contingenciamento na saúde pública. O grande desafio do gestor financeiro e orçamentário na saúde pública, mesmo no cenário recente de grande inquietação para os gestores, de restrições orçamentárias e financeiras, é pela busca por garantir a universalidade e a integralidade de atendimento e alocar recursos de forma equânime, em um país de tantas desigualdades sociais e regionais (BRASIL, 2011a). Precisamos compreender também que o cenário atual do setor saúde é de aumento dos gastos em saúde, gerado pelo crescimento da demanda por serviços de saúde, pelo aumento dos custos e inclusão de novas tecnologias (ALBUQUERQUE; CASSIOLATO, 2002). Essa exigência por mais recursos amplia a discussão sobre a utilização do uso de forma mais eficiente. Daí vem nosso interesse em estudar a gestão financeira e orçamentária na saúde pública. Quandoconsideramos a necessidade de melhoria na saúde pública, estamos necessariamente nos referindo a uma melhoria na gestão financeira e orçamentaria na saúde pública, de forma a prestar ações e serviços de saúde conforme preconizado pela CF/88, isto é, atendendo os princípios da universalidade, integralidade e equidade, como já foi apresentado anteriormente. 4.3 A INTERVENÇÃO PÚBLICA NA GESTÃO DOS RECURSOS NA SAÚDE PÚBLICA Para que possamos entender o papel do Estado no SUS precisamos compreender que a gestão dos recursos é uma das áreas de atuação do gestor financeiro. Dois tipos de decisão ou função estratégica são inerentes à gestão financeira que são o financiamento e a alocação dos recursos, conforme veremos com maior detalhamento no Tópico 2. Aqui nosso foco será em compreender que quando falamos de financiamento estamos nos referindo à atividade voltada para a captação dos recursos financeiros para realização das atividades de saúde (COUTTOLENC; ZUCCHI, 1998). Estamos falando da entrada de recursos nas organizações de saúde. Essa discussão fundamenta a comum afirmação de que “o SUS é subfinanciado”, que os recursos para a saúde não são suficientes para atender às necessidades da população. UNIDADE 1 | ASPECTOS CONCEITUAIS E TÉCNICOS DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA 20 Uma grande discussão é sabermos por que o Estado deve atuar no setor saúde. Por que não podemos deixar o mercado atuar sem a intervenção do Estado? Precisamos compreender as razões que são apresentadas por alguns atores que fundamentam a necessidade de uma atuação do Estado no financiamento do setor da saúde. O primeiro enfoque que deve ser considerado é sobre o impacto da doença na sociedade. Segundo Santos (2012), por ser a saúde considerada um bem social ela deve ser garantida a todos. É um direito de todos, de forma universal, não vinculada à capacidade de pagamento do usuário. Também deve ser considerado que o tratamento de saúde a qualquer pessoa deve ser garantida porque a inadequação de um tratamento feito em um indivíduo pode ter um impacto significativo em outros indivíduos da sociedade. Uma pessoa doente pode impactar em todo um grupo ou na população, gerando consumo significativo de recursos. Esse é o caso atual do surto de sarampo que estamos vivenciando, que gera consumo de recursos que poderia ser utilizado em outros serviços. Acrescenta-se a necessidade de analisar os custos sociais das doenças, seu impacto na população e na geração da economia. Assim, devemos compreender que a gestão financeira dos recursos no setor saúde representa um investimento com grande possibilidade de retorno positivo. O segundo enfoque que devemos considerar quando abordamos a necessidade de intervenção do Estado na saúde é considerar as dimensões do atendimento do SUS. Apesar da clientela potencial do SUS ser composta de toda a população brasileira, os dados projetados pelo IBGE para março de 2017, afirmam que mais de 207 milhões de pessoas que têm o acesso à saúde como direito fundamental. Desse total, mais de 70% da população dependem exclusivamente do SUS para terem acesso aos serviços de saúde (BRASIL, 2013b). A expressiva representatividade desses números permite identificar a responsabilidade social do SUS e o desafio de financiar o sistema, num debate que se arrasta desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. NOTA TÓPICO 1 | SUS E A GESTÃO FINANCEIRA DOS RECURSOS 21 Outra importante discussão sobre a gestão financeira e a atuação do Estado refere-se à exigência legal, definida na Lei Orgânica do SUS de que a remuneração aos prestadores de serviços pelos serviços prestados deve permitir a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro. Essa é uma discussão fundamental. Para que os prestadores de serviços em saúde tenham condições de manutenção do Equilíbrio econômico-financeiro, conforme preconizado na CF/88, sob nosso enfoque da gestão financeira, é necessário, ou imprescindível, que a custo dos prestadores de serviços seja conhecido. Aprofundaremos mais sobre essa abordagem na Unidade 3. Temos o quarto aspecto a ser considerado que justifica a importância do setor público como referência na saúde e a importância da base de dados de custos de hospitais públicos para fundamentar as transferências de recursos. Alinhado a necessidade de conhecimento das informações de custos como sustentação à discussão da remuneração dos serviços prestados pelos hospitais, por serem os maiores consumidores de recursos da saúde. O setor saúde, e, especificamente, o subsetor hospitalar, representa um lócus econômico onde o Estado deve agir para redução da assimetria entre os diversos atores no complexo da saúde (CLEMENTS; COADY; GUPTA, 2012), isto é, o Estado deve agir para que garantir a prestação de serviços necessária a toda a população e não apenas aqueles serviços que tem maior rentabilidade, por exemplo. Pessoto, Ribeiro e Guimarães (2015) afirmam que a atuação do Estado é fundamental no desenvolvimento da política de saúde, podendo criar alternativas para a promoção e o direcionamento do desenvolvimento econômico e social, mesmo sob a pressão do mercado globalizado. 22 Neste tópico, você aprendeu que: • A saúde é de difícil conceituação, porém, pode ser compreendida como uma área dinamizadora da economia com capacidade de produção de bens e serviços, com uma necessária gestão financeira e orçamentária. • A Constituição Federal de 1988 constitui um marco no modelo de atenção à saúde no Brasil ao aprovar o Sistema Único de Saúde que pode ser compreendido pelos princípios que o fundamentam que são: os princípios doutrinários ou valorativos do SUS de universalidade, integralidade e equidade que podem ser entendidos como atendimento para todos, de forma integral, respeitando as necessidades de cada um. Também estão definidos os princípios organizativos, que norteiam o funcionamento do SUS que são a regionalização e hierarquização, a descentralização e comando único e a participação popular. • Compreendemos que o tema saúde é amplo e que são também complexas as funções desempenhadas pelo Estado. É função do Estado normatizar e executar ações de serviços públicos de saúde, voltados para uma gestão dos recursos que observe o princípio da eficiência no uso dos recursos. Além disso, o Estado tem o papel de ser agente regulador e promotor das ações em saúde em todo o território nacional, inclusive sobre os serviços privados. • As legislações e normas que foram publicadas ao longo dos quase 40 anos do SUS visam ampliar o acesso da população aos serviços de saúde, nem crescente processo de descentralização dos serviços e recursos. • O grande desafio do gestor financeiro e orçamentário na saúde pública, mesmo no cenário recente de grande inquietação para os gestores, de restrições orçamentárias e financeiras, é pela busca por garantir a universalidade e a integralidade de atendimento e alocar recursos de forma equânime, em um país de tantas desigualdades sociais e regionais. RESUMO DO TÓPICO 1 23 1 Podemos afirmar sobre a saúde no Brasil, EXCETO: a) ( ) Nos últimos anos no Brasil, podemos identificar uma mudança no perfil da população, com um aumento do percentual de pessoas com mais de 60 anos e aumento de doenças crônicas, o que afeta o sistema de saúde brasileiro. b) ( ) Padrões de comportamento como fumar, consumo de álcool e obesidade agravam as condições de saúde e exigem maior consumo de recursos no SUS. c) ( ) O conceito de saúde está associado apenas à ausência de doença. d) ( ) O SUS pode ser identificado como um sistema onde a saúde é direito de todos e dever do Estado. 2 O Sistema Único de Saúde (SUS) foi instituído pela Constituição Federal (CF) de 1988 e consolidado pelas Leis Orgânicas da Saúde n° 8.080 e n° 8.142/90. No que concerne aos princípios do SUS podemos afirmar que estão corretas as seguintes afirmações, EXCETO: a) ( ) A lei do SUS regulamenta todos os serviçosde saúde públicos realizados em território brasileiro b) ( ) O SUS correspondem a uma rede de serviços organizados numa estrutura regionalizada e hierarquizada que atendam às necessidades de saúde da população. c) ( ) A Lei n° 8.080/90 regulamenta a organização do SUS que tem o planejamento da assistência à saúde pública como condição fundamental. Além disso, exige a necessidade de controle das ações e serviços prestados, incluindo aqui controle orçamentário e financeiro e a articulação interfederativa. d) ( ) A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. 3 Sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) podemos afirmar que estão corretas as seguintes afirmações, EXCETO: a) ( ) O SUS tem como base de sustentação os princípios doutrinários, considerados imprescindíveis e os princípios organizativos. b) ( ) O Princípio da Integralidade está diretamente relacionado à ideia de atendimento que abrange tanto a prevenção quanto a cura. AUTOATIVIDADE 24 c) ( ) O Princípio da equidade prevê que todos são iguais perante o SUS e que seu atendimento será conforme as suas necessidades. d) ( ) O princípio da Regionalização é o princípio doutrinário que visa atender ao princípio de que os serviços de saúde devem ser articulados em níveis de complexidade. 4 As ações e serviços de saúde executados pelo SUS são organizados de forma: a) ( ) Hospitalar e ambulatorial. b) ( ) Centratizada e coletiva. c) ( ) Regionalizada e hierarquizada. d) ( ) Coletiva e centralizada. 5 Quanto ao papel do Estado no SUS podemos afirmar que são verdadeiras as afirmativas, EXCETO: a) ( ) A atuação do Estado no SUS é bastante significativa, destacando-se seu papel como comprador de serviços. b) ( ) O Estado pode atuar como produtor ou prestador de serviços aos usuários, como exemplo: serviços públicos ofertados por organizações públicas de saúde, como serviços das UPAS, do SAMU, de Unidades de Saúde e hospitais públicos. c) ( ) O Estado atua regulando apenas o funcionamento dos prestadores de serviços públicos. d) ( ) A intervenção do Estado na saúde é fundamental por ser o setor importante na economia do país, pelas dimensões do atendimento do SUS, o que permite identificar a responsabilidade social do SUS e o desafio de financiar o sistema. 25 TÓPICO 2 ASPECTOS CONCEITUAIS E TÉCNICOS DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Já vimos no Tópico 1 a complexidade para a conceituação de saúde, o SUS e seus fundamentos e o papel que o Estado desempenha na definição de políticas de saúde que fundamentam as ações e serviços públicos de saúde. Neste tópico, buscaremos o alinhamento de conceitos para que possamos compreender o que seja a gestão financeira e orçamentaria em saúde pública. Assim como foram apresentadas as diretrizes ou pressupostos do SUS, temos que deixar claro sobre o que estamos falando. Isso é possível quando esclarecemos sobre o que estamos tratando. Buscaremos o entendimento para as seguintes questões: o que é a gestão financeira nas organizações de saúde pública? Como se estrutura uma área financeira? Como podemos conceituar a gestão financeira e sua interfase com outras áreas nas organizações de saúde? Como o orçamento está interligado à área financeira? Este tópico é o ideal para obtermos os conceitos que fundamentam estas questões. Assim, daremos mais destaque a descrição dos conceitos financeiros- chave, sua utilização nas organizações de saúde e as características necessárias. É nesse propósito que esta disciplina será desenvolvida, buscando fundamentar a gestão para o melhor atendimento ao usuário cidadão. UNIDADE 1 | ASPECTOS CONCEITUAIS E TÉCNICOS DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA 26 FIGURA 3 – LEITURAS SUGERIDAS FONTE: Os autores 2 UTILIZAÇÃO DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA EM ORGANIZAÇÕES DE SAÚDE Para entender a gestão financeira na prestação de serviços de saúde ou em uma organização, discorreremos sobre o que é uma organização e os elementos que compõem a sua dimensão financeira. 2.1 A ORGANIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE E A SUA GESTÃO FINANCEIRA Inicialmente, precisamos compreender o que é uma organização independentemente do tipo de serviço ou produto prestado. Uma organização pode ser uma fábrica de sapatos, uma indústria automobilística que produzem bens ou um hospital ou uma clínica de exames de imagem, que produzem serviços. Contextualizaremos de forma ampla o que seja uma organização. Toda organização, independentemente de visar lucro ou não, possui em si uma função de operações. A função de operações tem como propósito gerar um “pacote de valor” para seus clientes, que inclui produtos ou serviços. Se for uma fábrica de sapatos, o propósito será a produção de sapatos que agradem os clientes. Na prestação de serviços hospitalares, o propósito é o melhor atendimento ao usuário. Qualquer empresa produtora de bens ou serviços para produzir o seu “pacote de valor” pode ser identificada como uma entidade transformadora de recursos. Devemos compreender que uma organização é um conjunto de processos que consomem recursos. TÓPICO 2 | ASPECTOS CONCEITUAIS E TÉCNICOS DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA 27 Esses processos são caracterizados por Entradas/Recursos-Processamento/ Saídas. As Entradas (inputs) são os materiais utilizados para a prestação de serviços ou produção de bens. Os Recursos envolvem o processo, o uso de mão de obra, equipamentos e outros. As Saídas (outputs) são os bens ou serviços prestados, a produção final de toda organização. Todo esse processo envolve a gestão de informações que permitem avaliar o processo realizado conforme apresentado na Figura 4, na qual, podemos compreender que toda organização é um “fábrica de transformação de recursos”. FIGURA 4 – ORGANIZAÇÃO COMO CONJUNTO DE PROCESSOS FONTE: Os autores Já compreendemos aqui que todas as organizações são um conjunto de processos que consomem recursos, independente se são produtoras de bens ou serviços. Como nosso foco é em organizações de saúde. Detalharemos as organizações prestadoras de serviços de saúde. A prestação de serviços de saúde tem como peculiaridade o fato de o serviço não poder ser dissociado do seu consumo, isto é, só pode se concretizar no momento em que é entregue ao usuário. Isso significa que a maioria dos serviços, ao contrário de um bem físico, não pode ser estocado e consumido posteriormente. Devemos compreender que um prestador de serviços de saúde, que seja um hospital ou uma clínica médica, pública ou privada, tem como “saída” a produção de serviços de saúde que serão entregues à população (COUTTOLENC; ZUCCHI, 1998). Os serviços de saúde, assim como qualquer outro serviço ou bem são produzidos pela utilização de insumos ou recursos ou “matérias-primas” e entregues a um destinatário individual (o paciente) ou coletivo (a comunidade) (COUTTOLENC; ZUCCHI, 1998). Os recursos utilizados são os recursos físicos, humanos e tecnológicos de saúde. UNIDADE 1 | ASPECTOS CONCEITUAIS E TÉCNICOS DA GESTÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA 28 Agora, deixaremos claro que as organizações públicas e as privadas têm objetivos distintos. Primeiramente, compreenderemos que o prestador de serviços privados tem como objetivo da sua empresa gerar lucro para os acionistas ou donos do empreendimento. Já o prestador de serviços públicos tem como objetivo gerar o maior valor para os seus clientes, ou seja, para o usuário cidadão. Porém, é responsabilidade de todos os prestadores de serviços oferecerem o melhor serviço, utilizando os recursos da melhor forma, seja o serviço oferecido pelo prestador público ou privado. Outra coisa que os prestadores privados e os públicos
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