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Família Wings Tradução e Revisão: Clau Leitura Final: Angel Formatação: Aurora 04/2021 Aviso A tradução foi efetuada pelo grupo Wings Traduções (WT), de modo a proporcionar ao leitor o acesso à obra, incentivando à posterior aquisição. O objetivo do grupo é selecionar livros sem previsão de publicação no Brasil, traduzindo-os e disponibilizando-os ao leitor, sem qualquer forma de obter lucro, seja ele direto ou indireto. Levamos como objetivo sério, o incentivo para o leitor adquirir as obras, dando a conhecer os autores que, de outro modo, não poderiam, a não ser no idioma original, impossibilitando o conhecimento de muitos autores desconhecidos no Brasil. A fim de preservar os direitos autorais e contratuais de autores e editoras, o grupo WT poderá, sem aviso prévio e quando entender necessário, suspender o acesso aos livros e retirar o link de disponibilização dos mesmos, daqueles que forem lançados por editoras brasileiras. Todo aquele que tiver acesso à presente tradução fica ciente de que o download se destina exclusivamente ao uso pessoal e privado, abstendo-se de o divulgar nas redes sociais bem como tornar público o trabalho de tradução do grupo, sem que exista uma prévia autorização expressa do mesmo. O leitor e usuário, ao acessar o livro disponibilizado responderá pelo uso incorreto e ilícito do mesmo, eximindo o grupo WT de qualquer parceria, coautoria ou coparticipação em eventual delito cometido por aquele que, por ato ou omissão, tentar ou concretamente utilizar a presente obra literária para obtenção de lucro direto ou indireto, nos termos do art. 184 do código penal e lei 9.610/1998. A SÉRIE Thornchapel Series Serie Finalizada Sinopse Doze anos atrás, nossos destinos foram selados com um beijo. Estamos todos, para o bem ou para o mal, condenados a amar uns aos outros até que a morte nos separe. Meu coração pertence a Proserpina e Saint Sebastian - mesmo que ele não queira mais. Mesmo que ela tenha abandonado isso para segui-lo. Delphine fugiu de volta para casa, e a sagrada vocação de Becket está em perigo. E agora só eu e Rebecca e eu ficamos em Thornchapel para enfrentar o desconhecido. A porta está aberta. A porta que não deveria existir; a porta pela qual as pessoas morreram para fechar. Não me sinto o senhor da mansão... Não me sinto um rei ou um deus selvagem. Sou um amigo, um namorado e um irmão - e um fracasso em ser todas essas coisas. Mas a porta não se importa com a minha culpa. Só se importa com o sacrifício que farei para fechá-la. À medida que a escuridão de Samhain se aproxima, o mesmo acontece com o destino de nosso círculo, de Thornchapel e da vila e do vale além dela. E devo vestir a coroa, porque uma coisa ainda é verdade, mesmo que eu tenha de enfrentá-la sozinho. Aqui em Thornchapel, todos os reis devem morrer. Aviso de conteúdo Este livro contém temas de homicídio ritualístico e suicídio ritualístico em um contexto religioso. Este livro também tem um personagem que sofreu violência sexual no passado; essa violência acontece fora das páginas, antes dos eventos da história, mas é mencionada no capítulo dezessete. Aqui e ali, rei e porta, taça e lança, milho e guerra. Orgulhoso e selvagem, ele sangra. Espinho e rosa, dentes e rei. — Rima folclórica de Thorne Valley PRÓLOGO DEMOROU MUITO PARA ENCONTRAR A CAPELA, VINDO DA DIREÇÃO ERRADA. PELO MENOS algumas horas, saindo de uma via sem nome, que se bifurcava em uma estrada secundária obscura, e depois vagando por pântanos abertos até encontrar algumas pedras monolíticas no limite da propriedade, como uma escada antiga. Só quando ele andou pelas pedras que viu direito – a mansão com suas janelas reluzentes, as árvores em sua profusão outonal de escarlate, laranja e dourado. As rosas estranhamente escuras que rastejavam por toda parte. E a capela. A capela. Ele não conseguia parar de sonhar com isso. Não conseguia parar de pensar nisso. Quando rezava, isso invadia sua mente como a fumaça de uma vela. Ele precisava voltar. Ele sabia que seus pais ficariam furiosos com ele por ter levado o carro de sua avó. Até mesmo os famosos indulgentes Hesses impunham um limite para furtos de carro, especialmente quando em casa ele só tinha habilitação provisória, mas ele não teve escolha. Era pegar o carro e dirigir até Thornchapel ou queimar vivo com um desejo que ele não entendia. Ele foi chamado. E agora ele estava aqui. Demorou algum tempo para descer até o coração do vale, especialmente com as rosas, que tinham espinhos afiados como navalhas e que se prendiam em sua calça e no seu casaco enquanto caminhava para a capela. Ele parou entre as árvores antes de chegar à clareira, algo como temor e alarme juntos filtrando em seu sangue. Havia uma porta. Havia uma porta onde antes não existia. E estava aberta. O zelo queimou nele, tornando tudo turvo e onírico. A porta. O resto da sua vida está por essa porta. Ele deu um passo à frente - apenas para parar quando percebeu que não estava sozinho. Havia outra pessoa na capela - um homem - um homem que estava de joelhos em frente ao altar. O homem estava usando um torc ao redor de seu pescoço e, enquanto Becket observava, o homem abaixou sua cabeça e chorou. Becket sabia quem ele era. Aversão e medo passaram os dedos frios por sua coluna. Ele tinha visto o homem machucar Auden no início deste ano - um tapa com as costas da mão direto no rosto - e viu como o homem controlava os outros adultos, às vezes com veneno e às vezes com charme. Ele não tinha dúvidas de que o homem o machucaria se soubesse que Becket estava ali - na verdade, ele tinha uma faca pendurada em uma das mãos, uma faca clara que parecia ser muito, muito velha. Como se o homem tivesse vindo aqui para praticar atos de violência de qualquer maneira. Becket xingou baixinho, seu olhar indo para a porta. O zelo sussurrou para ele, puxando suas mangas, suplicando-lhe que continuasse. O resto da sua vida está por essa porta. Becket se perguntou se conseguiria chegar até a porta. Mas então uma mulher irrompeu na clareira, correndo, o cabelo escuro despenteado pelo vento e suas roupas amarrotadas como se tivesse acabado de chegar de viagem. Havia algo pequeno e branco em sua mão, como um pedaço de papel dobrado. Sua voz veio das ruínas quando ela chamou o homem - ela estava aliviada por tê-lo encontrado, mas sua angústia era palpável. A voz dele se elevou para o mesmo nível da dela, e embora Becket não conseguisse ouvir o que ele dizia, podia ouvir a dor tremendo na voz do homem. Era a dor de alguém sem mais nada a perder, Becket pensou, e de repente sentiu medo pela mulher. Ele se aproximou para ver e os dois adultos se viraram com o barulho - olhos procurando por ele. Ele se abaixou bem a tempo, mas então, quando voltou a se levantar, viu algo horrível, algo que o inundou com adrenalina - um zumbido forte e químico que se misturou com a bela obscuridade do zelo... O homem estava tentando matar a mulher. A faca estava entre eles, e ela estava tentando afastar o homem dela, estava desesperadamente tentando impedir que ele a apunhalasse... Becket não tinha que pensar, ele não tinha que decidir. Alguém estava em perigo e ele podia ajudar, tinha que ajudar. Ele ajudaria. Ele se lançou das árvores e por cima do muro, com a intenção de derrubar o homem no chão, de atordoá-lo por tempo suficiente para a mulher fugir. Ele nunca saberia, nos anos seguintes, qual foi seu erro. Um erro de trajetória, talvez, ou de velocidade. Ou talvez fosse o zelo, que sempre abafou seus sentidos terrenos em detrimento dos espirituais. O que Becket Hess saberia - e se lembraria - seria a batidade seu corpo no de outro. O som de uma perfuração. E a mancha carmesim de sangue derramando na terra. CAPÍTULO UM AUDEN OITO ANOS ATRÁS CERTA VEZ, QUANDO EU TINHA DEZESSETE ANOS E ESTAVA CHEIO DE TRISTEZA PÚRPURA e feridas lívidas, encontrei uma flor na capela dos espinhos. Era uma rosa. Uma rosa tão escura e profundamente vermelha que parecia preta na luz fraca do dia gelado do solstício de inverno. E tudo ao redor era pedra salpicada com geada e vinhas mortas cobertas de flocos de neve pequenos e tristes, e ela não deveria estar ali, rosas não floresceram ali fora no meio do inverno, rosas não floresceram cercadas de gelo e neve. Certamente não rosas com aquela aparência, como um hematoma recém-formado. Tínhamos chegado a Thornchapel na noite anterior e minha família já estava infeliz sem as distrações necessárias de Londres. Minha mãe estava bebendo, meu pai às vezes ficava distante e agindo de modo brutal, e eu sentia tanta falta de St. Sebastian que parecia que alguém tinha enrolado meu coração com arame farpado e mergulhado em gasolina. Eu queimava vivo pelo menino que me deixou. O menino que me deixou depois que literalmente sangrei e me quebrei por ele. Então, eu o odiava, e odiava meus pais, e odiava o mundo, o mundo inteiro e tudo nele, Thornchapel e St. Sebastian acima de tudo. Mas o ódio para mim nunca foi simples, assim como o amor nunca foi simples - pelo menos desde que beijei duas pessoas em frente ao altar gramado da floresta e um coração de espinhos cresceu para substituir o meu coração de carne. Meu ódio era assim: um fervor que teria rivalizado com o de um santo, uma antipatia semelhante à adoração. Uma reverência - uma carnalidade vingativa que beirava o sagrado. Acima de tudo, odiava que ele não estivesse aqui. Comigo. Onde ele pertencia. Não pretendia ir à capela naquela manhã. Não pretendia ir a lugar nenhum. Só sabia que não suportaria mais um momento dentro de casa com meus pais infelizes, com meus ossos recém curados que às vezes ainda doíam, com o conhecimento de que não havia nenhum menino lindo de olhos escuros esperando por mim na vila. E assim, embora em geral eu desprezasse Thornchapel, coloquei um casaco e um cachecol e um par de botas surradas e pensei que talvez pudesse perambular pelas trilhas da horta por alguns minutos, só até que ficasse com tanto frio para lembrar o quanto eu não queria entrar. Mas assim que pisei no terraço, minha escolha foi feita por mim. O labirinto, envolto em neve e uma neblina matinal nebulosa, acenou e, em seguida, assim que estava no labirinto, o centro acenou, e assim que cheguei ao centro, assim que vi Adônis e Afrodite em seu condenado abraço, ramos de roseiras dormentes rastejando sobre a base da estátua e se enroscando em seus pés - sabia que precisava ir à capela. Eu não queria, nem mesmo decidi ir, de verdade. Simplesmente aconteceu. Num minuto estava olhando para Adônis, que parecia alegremente inconsciente de que logo seria mutilado por um javali e sua morte comemorada com vasos quebrados e alface morta, e no minuto seguinte estava descendo as escadas e entrando no túnel escuro que levava para a floresta. A capela parecia muito com aquela de quando eu tinha doze anos e me casei perto do altar. Embora a grama não fosse mais esmeralda e as rosas não estivessem mais florescendo nas paredes, os espinhos ainda rastejavam por toda parte. O altar ainda estava amontoado na outra extremidade das ruínas e as paredes quebradas permaneceram quebradas, continuaram abrigando os abrunheiros e as frutinhas de abrunho remanescentes presas na geada e agora bastante mortas. Mas, ao contrário daquele tempo - quando a clareira estava cheia de sons felizes de verão, pássaros e abelhas e a tagarelice distante do rio - tudo estava silencioso. Os pássaros se foram, o rio emudeceu com o gelo, as flores das abelhas há muito murcharam e apodreceram. Se a capela dos espinhos era flores e festa da vida no verão, no inverno era um túmulo. Uma igreja de silêncio, um santuário de carência. A neblina se prendeu às pedras monolíticas e flutuou através da abertura em arco onde certa vez havia uma janela. Reuniu-se ao redor do altar coberto de neve e girou em volta dos meus pés como água enquanto eu abria caminho na clareira. Tive a estranha sensação de que a capela queria que eu entrasse, de que era para eu entrar. Como se a neblina, a neve e o silêncio estivessem esperando por mim, que tudo estivesse se revestido com uma solene panóplia1 para mim, e agora eu deveria recebê-la e tomar parte. Para, de alguma forma, levar isso comigo. O que era uma clara e ridícula ideia. E ainda assim, eu não conseguia testar meu próprio desprezo entrando ali. Em vez disso, vaguei pelo lado de fora da capela, ouvindo apenas minha própria respiração e o barulho de minhas botas na grama congelada, e não ouvi nada que pudesse dissipar ou inflamar meu desconforto. Não que eu tivesse medo de entrar, disse a mim mesmo. Só que eu não queria. Por que deveria? As paredes caídas da capela não escondiam nada de seu interior, eu já sabia de tudo o que estava lá. Não havia sentido em ficar ali e me lembrar do dia que nunca acabei esquecendo, o dia em que mudei. Quando tudo mudou. Um coração de espinhos para substituir um coração de carne. Foi quando eu vi a rosa. Estava crescendo dentro da capela, seus galhos se retorcendo de algum lugar logo atrás do altar e subindo pela parede posterior. E aqui, onde as pedras haviam desmoronado o suficiente para ver, a rosa espreitava acima da beira, impossível e viva. Hoje era solstício de inverno, estava bastante frio para que até as colinas parecessem tremer debaixo do vento impiedoso de dezembro. Todas as outras rosas estavam mortas - junto com as flores, as árvores, a grama. Tudo estava morto. Tudo, menos isso. Foi a coisa mais linda que vi desde a última vez que vi os olhos de St. Sebastian. 1 Antiga armadura grega. Eu estava curioso. Fui compelido. Mais uma vez, meus pés se moveram sem a minha vontade, e mais uma vez me vi sendo puxado para a frente, como se tivesse sido destinado a dar esses mesmos passos desde o nascimento. Contornei as paredes e as pedras monolíticas até a frente da capela e - sabendo que minha resistência e minha ansiedade eram igualmente desprezíveis - entrei. Não era como se um véu tivesse sido puxado sobre o mundo fora da capela; não era como se eu tivesse entrado na capela e o silêncio se aprofundasse ou a neblina se espessasse. Não, a capela não era assim, não era um espaço discreto e delimitado como deveria ser. Era mais como uma catedral, como um templo levantino, com uma difusão de espaços sagrados que se ramificavam e se expandiam a partir de um lugar sagrado central. O templo em Jerusalém tinha seu Santo dos Santos protegido por um santuário externo, que era protegido por pátios, os quais eram protegidos por câmaras, que eram protegidas por paredes e portões, e também a capela dos espinhos tinha um altar protegido por paredes, que eram bloqueadas por pedras monolíticas, que eram guardadas por árvores cobertas de neve. E, portanto, não posso dizer que algum limiar tenha feito diferença no que aconteceu a seguir, e não posso nem mesmo afirmar que sei quais limiares cruzei e o que significaram. Mas eu sei disso: Thornchapel inteira é uma espécie de limiar, e quando você está ali, você também é um. Tornei-me uma porta, um tabernáculo e um altar. Uma santidade de membros esguios e luxúria raivosa, e uma santidade de dedos sujos de tinta e necessidades não atendidas. A neblina pareceu se dissipar quando me aproximei do altar e da impossível flor atrás dele, e contornei o lugar onde uma vez beijei Proserpina e St. Sebastian, contornei o monte de neve do altar coberto de grama e eu fiquei diante da parede. Se fosseuma capela mesmo, uma igreja adequada, a entrada seria pelo Oeste e o altar para o leste, mas a capela dos espinhos não era uma igreja adequada, portanto a entrada era pelo sul e o altar era para o norte. O que significava que no início da manhã, a rosa não estava apenas emoldurada pela antiga pedra, mas também pela floresta escura da manhã. A rosa parecia desenhar sombras para si mesma, parecia estar em uma luz própria, que não era uma luz, mas uma espécie de sombra turva que me fez pensar em túmulos e trovões, em andar sozinho no nevoeiro escuro e ouvindo algo se mover atrás de mim. Foi medo o que senti, mas também um despertar, um reconhecimento, como se eu estivesse esperando por isso, assim como ela estivesse esperando por mim. Como se estivesse prestes a terminar algo que comecei há cinco anos com pétalas de flores coladas no meu rosto e as bocas de St. Sebastian e Proserpina na minha. Tirei minha luva e peguei a rosa. Muitos contos de fadas começam assim, com este momento aqui mesmo, e talvez eu devesse saber, talvez devesse ter me contido. Talvez devesse ter esperado, voltado outro dia quando a luz estivesse menos estranha e a neblina tivesse sumido. Talvez devesse ter entendido que a necessidade e a fome em mim só eram alimentadas por este lugar, e nada aqui poderia jamais, jamais me acalmar - pelo menos não até que tivesse meu St. Sebastian de volta. Mas eu tinha dezessete anos e não queria ser acalmado. Queria machucar, queria latejar e queria que todas as possibilidades do mundo se deitassem nuas para mim, viessem correndo e ajoelhadas aos meus pés, cabeças curvadas e implorando perdão por ficar longe de mim. Não foi a primeira vez que senti possessividade - não, Proserpina e St. Sebastian garantiram isso -, mas foi a primeira vez que senti posse. Domínio. Império. Comando. Eu tinha direito a tudo o que crescesse, rastejasse ou dormisse em Thornchapel, e isso se revelaria a mim. Meus dedos encontraram o caule da rosa e seguiram seu ramo espinhoso até o miolo pesado e firmemente enrolado da flor. Eu o puxei, pretendendo colher apenas a flor, mas registrei meu erro tarde demais. Um espinho invisível afundou em meu polegar e picou a pele, enviando dor até o osso, meu pulso e todo o meu braço. Eu xinguei, mas não soltei, torcendo com mais força e arrancando a flor da planta, até que fosse minha. Olhei para o meu prêmio - um redemoinho de pétalas cor de hematoma, um pergaminho de impossibilidade sedosa. O sangue do meu polegar perfurado - um vermelho brilhante e impressionante contra o escarlate escuro da rosa - manchou as pétalas e sépalas, a palma da minha mão e meu pulso. Pingou na neve abaixo. Minha nuca se arrepiou com consciência, uma sensação de não-solidão que substituiu a vigilância usual da capela. Virei-me com a rosa ainda na mão ensanguentada e recuei um passo. Uma mulher, linda e de aparência selvagem, com pele pálida e olhos verdes como os de um gato, estava olhando para mim do outro lado do altar. Ela usava um vestido longo - um quase branco, com aquele jeito brega disforme que indicava as origens vitorianas - e um torc fino de ouro em volta do pescoço, suas pontas entalhadas com espirais interconectadas. Ela me lembrava muito Proserpina - aqueles olhos de gato - mas também a mãe de Proserpina, que desaparecera aqui em Thornchapel cinco anos atrás. Eu me lembrei de outra coisa. Uma pintura. Mas isso era impossível. A mulher não deu um passo à frente, não se moveu. Apenas inclinou a cabeça. — Você é um Guest, — ela disse. Acho que foi uma evidência de como minhas boas maneiras foram incutidas em mim que respondi a um fantasma. — Sim. Minha mão ensanguentada continuou a embalar a rosa. Meu polegar doendo. — Primeiro foram os Kernstows, — disse a mulher, — antes dos Guest. Mas sempre foi um rei. Tem que ser um rei. Sua voz era toda Devonshire2, grandes vogais e os rs maiores ainda, e surpreendentemente alta. Enervantemente presente. Como se eu estivesse conversando com alguém de Thorncombe, conversando com um dos jardineiros que veio cuidar do terreno. Era assim que ela estava aqui. Mas ela não podia estar aqui, não podia. Ou minha concepção de realidade estava se alterando ou eu estava finalmente sucumbindo à insanidade induzida por St. Sebastian-me- deixando-sem-uma-palavra. — Você não é real, — falei, inutilmente. 2 Condado no sudoeste da Inglaterra. — E você não é um rei, — ela respondeu. — Ainda. Só conseguia olhar. Eu costumava fazer de conta que era um rei quando criança - e por um breve período no verão passado, me tornei o rei de um tal St. Sebastian, e ele seria meu para beijar sempre que meu coração real desejasse. Mas agora eu sabia a verdade. Sabia que garotos como eu não chegavam a ser reis – fazendo de conta, depravados ou não. Garotos como eu iam para Oxford ou Cambridge, casavam-se com garotas como Delphine, encontravam carreiras respeitáveis que não tinham nada a ver com arte e tudo a ver com qualidade, com promoção do indefinível, mas importantíssimo, padrão Guest que fora designado para mim desde o nascimento. A mulher tocou o rosto dela – exatamente no mesmo lugar do meu rosto onde um corte havia se transformado em uma marca rosa brilhante. — Essa é a cicatriz de um rei, — ela disse, acenando com a cabeça para a ferida curada. — Um rei no futuro. Ela fechou os olhos quando sua mão caiu, as pontas dos dedos se acomodando na curva do torc ao redor de seu pescoço. — Você deve se lembrar, — ela disse, — porque vai acontecer de novo. Quem é John Barleycorn, pequeno príncipe Guest? John Barleycorn. Era um poema de Burns, uma canção folclórica. Eu a encarei. — John Barleycorn é uma memória, — ela disse, abrindo os olhos e respondendo à sua própria pergunta. — Uma memória dos reis que caminharam até a porta. Eu estava totalmente perdido agora. — A porta. — Ao anoitecer, — ela disse suavemente, e havia algo como um estremecimento em sua voz. — Se não for feito ao anoitecer, pode ser tarde demais. Quase foi para mim, e através da porta eu vi... Outro estremecimento. — E deve ser um rei, — ela continuou, sua voz se firmando ligeiramente enquanto falava. — Um verdadeiro rei nunca deixaria ninguém ir no lugar de um rei. Esse é o preço, você entende. O medo, não frio, mas quente - quente e pegajoso como o sangue escorrendo do meu polegar - tomou conta de mim quando falei. — O preço de quê? Havia uma espécie de terna compaixão em suas palavras quando ela finalmente respondeu. — Você vai descobrir. E então, ela acenou com a cabeça para minha mão, como se todas as respostas estivessem ali. Olhei para baixo também, e quando olhei para cima, ela havia sumido, apenas o redemoinho da neblina para testemunhar que ela já estivera ali. Com uma inspiração profunda e com um pânico há muito adiado, saí correndo da capela e voltei para casa como se todos os fantasmas da Inglaterra estivessem atrás de mim. E quando cheguei em casa, enfiei a rosa amassada dentro do maior livro que pude encontrar, tirei minhas roupas e fiquei no chuveiro o tempo que levei para acreditar que tudo isso tinha sido uma alucinação. Eu vi uma alucinação de Estamond por causa das minhas brincadeiras de infância, foram alucinações a parte sobre John Barleycorn porque... bem, porque quem sabe por quê. Então não foi real. Nada disso tinha sido real. Menos a rosa. A rosa para a qual mais tarde eu olharia dentro do livro velho e pesado. A rosa que cresceu quebradiça e seca, mas nunca, nunca perdeu aquele tom distinto e roxo. Pelo menos, a rosa era real. Tem que ser um rei. Esse é o preço. ANOS SE PASSARAM e nunca contei a ninguém o que aconteceu naquele dia. Por que deveria contar? Mas se eu contasse, talvez Proserpina e St. Sebastian ainda estivessem aqui em Thornchapel, talvez Delphine estivesseenrolada aos pés de Rebecca. Talvez Becket não suportasse o exílio de um pecador em Argyll. Talvez ficaríamos todos juntos; tudo seria como deveria ser. Pensando bem, talvez não. Aprendi a ter cautela quando se trata de Thornchapel, a prever como esse lugar se move através da mente e do corpo das pessoas. Aprendi a ser cauteloso sobre muitas coisas. Mas aprendi tarde demais, ao que parece. CAPÍTULO DOIS AUDEN DEZ DIAS DEPOIS DE OS DOIS AMORES DA MINHA VIDA ME DEIXAREM, O CELULAR TOCA. — Guest, — uma voz diz assim que atendo. — Você deveria vir aqui. Me levanto e vou para uma das muitas janelas do meu escritório em casa. No gramado ao sul, minha mais velha amiga está de pé em um macacão verde-esmeralda, de frente para a casa e olhando para mim. Atrás dela, os trabalhadores contratados para demolir o labirinto de Thornchapel pararam de trabalhar e todos se reuniram ao redor de algo que não consigo ver. Algo baixo. Algo no chão. — Isso pode esperar? — Pergunto, olhando de volta para minha mesa. Eu deveria estar terminando uma proposta para o Ambiente Histórico da Escócia - um centro de visitantes situado perto do Ness de Brodgar em Orkney - e já disse a Isla que a teria em sua mesa esta tarde. Antes do que ela precisava, sim, mas o que mais tenho para fazer? Quando St. Sebastian me deixou e Proserpina o seguiu? — Acho que não posso esperar, — Rebecca diz. — Encontramos algo. — Ela faz uma pausa e depois acrescenta: — Auden... — Sim? — Precisamos parar a construção. A preocupação bate no meu estômago. Qualquer número de variáveis caprichosas pode interromper a construção - mau tempo, qualquer tempo, dificuldades de planejamento, atrasos de peças, atrasos de trabalho, disputas trabalhistas, pássaros protegidos empoleirados no equipamento de construção - mas há apenas uma variável que realmente me preocupa. Só uma que nenhuma quantia de dinheiro pode consertar, que nenhuma força de vontade pode dobrar em submissão. — Porra, — murmuro, já saindo. — Desço imediatamente. UM CÉU DE CARVÃO paira acima do mundo. Lajes de pedra quebradas cobrem o local. — Sabíamos que havia pedras, — diz Rebecca Quartey. Ela olha para o abismo exposto diante de seus pés, franzindo a testa como se fosse uma submissa mal treinada. — Mas não havia razão para achar que... Ela está certa, realmente não havia razão para achar que isso fosse possível. Isso tinha sido um labirinto por um século e meio, e outro labirinto antes disso. Quando Rebecca perguntou se eu queria um levantamento do terreno quando a contratei, declinei, dizendo que não precisava de um mapa caro de sebes e ninhos de arganazes. Eu já conhecia os segredos do labirinto, sabia sobre o túnel que desce para a floresta. Não havia razão para pensar que este lugar era outra coisa a não ser uma diversão vitoriana, um elaborado portão que Estamond ergueu para esconder suas idas e vindas para a capela. — Quantos delas existem? — Pergunto, agachando-me para espiar dentro do poço. Agora que todas as sebes se foram - as estátuas removidas, o cascalho raspado - o local é principalmente de terra úmida e escura. O local está basicamente como deveria ser. Exceto pelas lajes quadradas de granito cravadas no solo. Exceto pelas câmaras embaixo delas. Essas não são como deveriam ser. — Encontramos sete que estariam embaixo do próprio labirinto, — Rebecca responde, e então aponta para o meio do local, onde o túnel agora exposto se abre como uma boca faminta. — E mais a que está no túnel somam oito. Ela me entrega uma pequena lanterna e eu a acendo. A laje aos nossos pés foi deslocada o suficiente para revelar o espaço vazio embaixo, forrada com mais pedras para criar uma caixa. Como um baú de granito que foi cravado na terra e depois fechado. Um kistvaen3. Uma sepultura. Um túmulo de Dartmoor. Quando ilumino dentro coma a lanterna, vejo mais terra e, em seguida, a forma inconfundível de uma cabeça de machado quase enterrada, que parece ser de um marrom-esverdeado opaco. Se havia alguma dúvida de que se tratava de algum tipo de caixão natural na paisagem, isso acaba com elas. Que merda de enrascada. — É da Idade do Bronze, Auden. — É mesmo, — digo, me levantando. — Vamos ter que ligar. 3 Tumba ou câmara funerária formada a partir de lajes de pedra plana em forma de caixa. — A autoridade de planejamento primeiro. Em seguida, vão chamar os ratos escavadores. Os arqueólogos. Esse obstáculo em particular não é desconhecido nem para mim e nem para Rebecca. Como enchentes ou subterrâneos argilosos com plasticidades desagradavelmente altas, a arqueologia é mais um perigo na construção esperando para acontecer, e os arqueólogos são o mal natural e necessário que se segue. Como encanadores atrás de um cano quebrado ou herdeiras tropeçando depois de algumas horas nas barracas em Henley4. Causa e efeito. Catalisador e reação. Não é que eu odeie arqueologia - ou arqueólogos. Claro que não. Viva a história e tudo isso. Mas prefiro que não interfiram nas coisas que quero fazer... como reconstruir a frente de minha casa ancestral em algo que horrorizaria meu morto, mas não menos odioso, pai. Passo minha mão livre pelo meu cabelo, tentando pensar. — Precisamos avisar o gerente de projeto - uma escavação completa pode levar semanas, mesmo que eu esteja contando que eles sejam rápidos, e teremos que dispensar os trabalhadores até que termine. Também vou me certificar de que a equipe arqueológica saiba que a capela dos espinhos está fora dos limites. Não quero arriscar que nenhum escavador curioso volte e veja a porta. Pelo menos não até entendermos melhor. — Puxo meu cabelo mais uma vez antes de soltar minha mão. — Tenho um amigo da faculdade que faz resgate arqueológico. Vou ver se a empresa dele está disponível. 4 Henley Royal Regatta é um evento de remo realizado anualmente no Rio Tâmisa, na Inglaterra. Rebecca concorda. — Se você puder lidar com as autoridades e contratar a escavação, lidarei com o resto. — Então ela puxa o lábio inferior em sua boca e o solta com uma exalação decisiva. — Tem uma última coisa que acho que você deveria ver. Ela me conduz por mais algumas lajes, estas ainda cobrindo suas câmaras por baixo, e juntos caminhamos até o que costumava ser o centro do labirinto. Não há um padrão real para os túmulos que eu consiga discernir - eles parecem caídos na terra ao acaso, como se um gigante estivesse aqui e esvaziasse descuidadamente seus bolsos mórbidos - mas o próximo ao centro está desconfortavelmente perto da entrada do túnel. Perto demais para ser coincidência. — Esta foi a primeira pedra que movemos, — Rebecca explica à medida que nos aproximamos. — A princípio pensamos que era parte da entrada do túnel, mas depois... — Outro túmulo? Ela balança a cabeça lentamente. — Acho que não. Mas também não sei o que é. Volto a ligar a lanterna e me aproximo da sepultura - apenas para perceber que não é uma sepultura, mas algo muito, muito maior. Um espaço grande o suficiente para uma pessoa ficar de pé e dar alguns passos. Fico de bruços, ignorando o beijo úmido da terra através do linho da minha camisa, e ilumino a luz mais para dentro. Esta câmara está em melhor estado do que a última - ainda consigo ver partes do piso de pedra na parte inferior - embora não veja mais nada no chão. Sem cabeças de machado de bronze, sem colares ou joias ou pedaços de ossos queimados. Existe só a pedra. Mas isso é mais do que suficiente, porque... — Está vendo? — Rebecca pergunta baixinho. — Sim, — digo, iluminando a lanterna para um lado e para o outro, tentando entender. As paredes estão cobertas de gravuras de espirais duplas - espirais exatamente como a que Proserpina encontrou na casa da fazenda Kernstow, assim como as que decoravam as pontas do torc de Estamond.Uma espiral no sentido horário, que então leva a outra espiral no sentido anti-horário. E entre as espirais estão outras formas - duas outras formas, eu noto - dispostas esporadicamente e um pouco tortas. — Achei que poderiam ser chifres, — diz Rebecca. Ela não fica de bruços, ao invés disso, agacha-se facilmente para alguém com botas de salto alto, apontando para as pontas angulares esculpidas entre as espirais duplas. — E aquelas outras formas - o que elas parecem para você? Não preciso pensar muito nisso. — Parecem rosas. Não rosas como as que vemos na heráldica medieval ou nas paredes de Cnossos, com pétalas planas e sépalas exageradas projetando-se por baixo. Não, essas rosas são sobras de pétalas de seda se desdobrando em glória, praticamente espirais por si mesmas. Que cor das rosas eles tinham em suas mentes quando esculpiram essas paredes? Rosas cor de rosas? Brancas ou vermelhas? Negras? Fico de pé e desligo a lanterna, devolvendo-a para Rebecca enquanto giro para ver as sepulturas espalhadas. — É como um campo de ossos. — Foi um campo de ossos, — Rebecca diz, dando um passo à frente para uma sepultura de frente para a câmara com as paredes com as gravuras de rosas e espirais. Estão separadas por apenas alguns passos, quase como se estivessem se enfrentando, quase como se esse túmulo fosse destinado a estar ao alcance da câmara espiral. Isso me lembra de algo, mas quanto mais tento pensar no que é, mais me escapa. — ...vários séculos, — Rebecca está me dizendo. Ela usa a lateral de uma bota elegante para cutucar o solo ao redor do túmulo. — O chão aqui pode ser ácido demais para o osso não queimado durar mais do que isso. Mas os arqueólogos podem encontrar alguns restos mortais. — Você está dizendo que Thornchapel corrói ossos. Ela me lança um olhar indicando que estou sendo dramático, algo que nunca fui capaz de evitar. — Estou dizendo que Dartmoor corrói ossos. A maioria dos pântanos corrói. Por causa do baixo... — Se você disser pH para mim, vou parar de ouvir. Rebecca me lança um olhar que queimaria os cílios de um homem inferior. — Por causa do baixo pH, seu completo idiota. Eu suspiro. — Mas, — Rebecca continua, — estamos bem mais abaixo aqui, em nosso vale. O solo é diferente. Quem sabe o que podem encontrar? Penso em Adelina Markham, enterrada por meu pai atrás do altar, e olho para as árvores debaixo do céu escuro, como se visse através delas a própria capela e o túmulo que ela escondeu. A capela. A lembrança de beijar St. Sebastian ali, de sentir aquela joia labial contra minha boca enquanto a chuva caía ao nosso redor, vem tão abruptamente que tenho que fechar os olhos. Uma mão toca meu cotovelo, logo acima de onde minha manga está enrolada. Abro os olhos para ver Rebecca olhando para mim com uma expressão de pura empatia. — Você está bem? — ela pergunta baixinho. — Você sabe que não. Ela concorda. Ela sabe, assim como eu sei que ela também não está bem. Passamos os últimos dez dias no mesmo ciclo de tristeza e trabalho. Levantar cedo, ficar acordado até tarde. Trabalhar até que nossos olhos doam e até mesmo o chá não parece mais gostoso, vagando pela casa como espectros com iPad Pros, suspirando por e-mails como viúvas suspirando por bordados. Porque trabalhar é o mais perto que podemos chegar de esquecer, mesmo que por um momento, que as pessoas que amamos não estão aqui. — Entre e ligue para a autoridade de planejamento, — ela diz. — Te vejo à noite. Começo a andar e então paro. — Quartey. — Na beira do gramado, as árvores se espicham, assobiam e suspiram. — Obrigado, — digo a ela. — Claro. — Não, não pelo trabalho. Por voltar. Ela fica imóvel, o rosto voltado para o chão. Suas tranças estão presas em um coque alto hoje, então posso ver o esforço que ela faz para manter o rosto disciplinado e sem expressão. — É você quem volta, Bex. Sempre. Seus lábios estremecem quando ela olha para mim e estou vendo o que quase ninguém mais viu: Rebecca Quartey tentando não chorar. — Ei, ei, ei, — digo suavemente, puxando-a em meus braços. Ela é alta, mas sou mais alto, e ela pode aninhar o rosto no meu pescoço, o que ela faz. E logo sinto o porquê, com as lágrimas molhando minha garganta e sua respiração trêmula vindo rápida e forte contra minha pele molhada. — Está tudo bem, Bex. Estou aqui. Estou aqui. Enquanto ela chora, cuidadosamente nos afasto dos trabalhadores agrupados ao redor das escavadeiras e retroescavadeiras do outro lado do local. Sei que Rebecca ficaria furiosa consigo mesma se alguém em um ambiente profissional a visse chorar, e entendo por que ela não pode se dar ao luxo de ser vista como alguém emotivo, como alguém menos do que perfeitamente composto. Mas também entendo por que ela não consegue mais se conter, entendo que às vezes é uma observação, gesto ou lembrança aparentemente irrelevante que traz a realidade de volta. A mulher que ela amava a machucou. A mulher que ela amava a envergonhou de uma forma quase impossível de perdoar. E agora tudo o que lhe resta é trabalho e um melhor amigo com o coração partido, mas inútil. Seus cílios molhados se movem contra minha garganta. Eu a seguro tão forte quanto posso, beijando sua têmpora e murmurando: — Ei. — Tenho pouca prática em consolar as pessoas - só minha mãe me consolava quando criança, e isso só aconteceu quando eu era muito jovem para realmente me lembrar disso. Mas a própria Rebecca me ensinou nos últimos meses como cuidar de alguém com dor. Como mostrar amor e preocupação quando alguém está vulnerável em seus braços. Afinal, é o cerne do BDSM. Dor e preocupação. Vulnerabilidade e segurança. Não há razão para que não funcione com amigos. Eu a beijo novamente e, em seguida, aperto-a em meu peito enquanto esfrego minhas mãos ao longo de suas costas. — Vai ficar tudo bem, — murmuro. — Vai ficar tudo bem. Quando ela fala, sua voz é grossa. — Eu quero que fique tudo bem. Quero tanto que fique bem. Me odeio por me sentir assim. Depois de um minuto, ela diz, abaixando o rosto em minha clavícula, — Sabe, nunca tive uma chance. — Do quê? — Estou pensando em Thornchapel, na porta, nos túmulos. Nos pecados do meu pai, No preço que todos pagamos por esses pecados. Eu também nunca tive chance contra essas coisas. — Não o que - quem, — Rebecca suspira. — Eu nunca tive uma chance contra ela. A NOITE ESTÁ FRIA, como o céu prometeu que seria. Uma vista amarrotada de tojo amarelo e urze rosa-púrpura me cumprimenta quando chego às pedras do equinócio, ofegante por causa da minha corrida punitiva para longe de casa. Cambaleio em círculos irregulares enquanto abro a tampa da minha garrafa de água e tomo um longo gole imprudentemente - engolindo a água e imediatamente me sentindo nauseado. Eu paro de beber e me concentro em inspirar o ar precioso, muito ciente de que o vento parece estar ofegante comigo. Ciente de que a grama e o tojo em volta dos meus pés estão balançando lentamente em agitação, como se também tentassem recuperar o fôlego. Achei que uma corrida esvaziaria minha cabeça, mas isso não aconteceu. Em vez disso, sinto-me ainda mais cheio de tudo: minha Poe desaparecida e meu St. Sebastian perdido, a dor de Rebecca, a reclusão de Delphine, o afastamento forçado de Becket. Os túmulos. A capela. As rosas. A porta. Quase posso ver a capela daqui, embora não totalmente. A vista de Reavy Hill seria melhor. Em vez disso, posso ver acima do limite do Vale Thorne, a miríade de vilas, tors5, fazendas, campos, sebes, rios e rochas que fazem de Dartmoor o belo lugar que é. Posso ver quase até o extremo norte do vale, onde a casa da fazenda Kernstow se encolhe contra o vento, desolada e sitiada. Primeiro foram os Kernstows, antes dos Guest. Mas sempre foi um rei. Por séculos e mais, ao que parece, aspessoas têm batido na porta. A porta que agora está aberta. E o que é terrível é que nem me importo. Nem me importo agora, porque me transformei em meu pai e St. Sebastian fugiu de mim e fiz Proserpina correr atrás dele, porque sou um monstro que deveria estar sozinho e sou um homem em quem não se pode confiar. Sou o tipo errado de rei. Eu deveria voltar para casa. Deveria voltar e comer o jantar que Abby preparou para mim e Rebecca, e deveria me sentar na biblioteca com minha amiga e trabalhar em silêncio até que um de 5 Grande afloramento rochoso que se ergue abruptamente das encostas suaves do cume de uma colina arredondada. nós tenha um ataque de nervos e pegue o gim ou o uísque ou qualquer que seja o nosso veneno noturno. Eu deveria ir para casa e fingir que não estou checando meu celular a cada cinco minutos, fingir que não estou infeliz com a perspectiva de mais e mais dias igual a este. Trabalhando em Thornchapel, trabalhando em Londres. Dormindo sozinho. Arrependendo-me de tudo, mas não me arrependendo o suficiente. Eu faria de novo? Amarraria chifres na cabeça e perseguiria St. Sebastian pela floresta sabendo que compartilhamos um pai? Eu o faria jurar ser meu para sempre? Nem preciso me perguntar; claro que sim. Não vou me absolver, não vou me livrar do erro de mentir, mas quando parecia que a outra opção era dizer adeus... perdê-lo quando finalmente o tinha de volta... Não, eu o teria segurado com os dentes se pudesse. Viu? Eu te disse. O tipo errado de rei. Afasto-me dos pântanos - atualmente encobertos por uma chuva fraca ao anoitecer - e tento descer de volta para a casa, e é quando eu a vejo, encostada na base de uma pedra monolítica. Uma pequena ovelha... ou um cordeiro grande. Acho que está dormindo até que noto que seus olhos estão abertos e, na verdade, está meio morto. Pego meu celular para ligar para a Sociedade dos Criadores de Gado - animais mortos são tão comuns que estou familiarizado com o processo de denúncia - mas o sinal aqui é uma merda. Vou ter que esperar até voltar para casa para relatar isso. Com um suspiro que definitivamente ganharia o rótulo de dramático se Rebecca estivesse por perto, me aproximo para tirar uma foto, caso o pessoal da Sociedade queira. Vejo na tela do meu celular antes de ver na própria ovelha: ramos de espinhos presos em um casco. Enfiadas ao longo dos espinhos como frutas em uma videira estão várias rosas negras, parecendo novas e cheias e totalmente deslocadas aqui nas colinas abertas e na grama verde. As ovelhas devem ter entrado na capela e saído novamente. Não é incomum para as ovelhas encontrarem o caminho até lá, de jeito nenhum, mas a visão das rosas me faz parar do mesmo jeito. Aproximo-me da carcaça como se fosse uma armadilha projetada para capturar arquitetos solitários, e então me agacho na frente do animal para examiná-lo mais de perto. Sua morte deve ser recente - não há inchaço na barriga, nem pernas desajeitadamente projetadas indicando rigor mortis. Nem moscas, nem nada. Parece que simplesmente deitou-se para descansar ao lado da pedra e nunca mais se levantou. A inquietação rasteja pela minha nuca e me levanto. Não é nada, absolutamente nada. Aqui é Dartmoor, ovelhas - vivas e mortas - estão por toda parte. Não significa nada se estiveram na capela. Não é nada o fato de o animal não parecer doente ou ferido ou qualquer coisa que pareça uma guirlanda com as rosas perto da porta. Só estou nervoso porque sinto falta das outras duas partes do meu coração, porque hoje encontrei oito túmulos na frente da janela do meu quarto. Não é nada e talvez se continuar dizendo a mim mesmo que não é nada, eu acredite. Viro-me e corro colina abaixo quando a chuva finalmente chega, tão apática e fraca quanto me sinto. CAPÍTULO TRÊS AUDEN EU NÃO TINHA A INTENÇÃO DE ESCONDER ISSO DELE. NÃO NO COMEÇO. Coloquei a carta de meu pai no chão e olhei para minha mesa - nova, vazia, a mesa para um recomeço - e me deixei sangrar silenciosamente no chão. Meu pai foi um assassino, um abusador, um adúltero. Durante sua vida, infligiu sua estranha combinação de carisma tóxico e crueldade a qualquer um ao seu alcance. O fato de ele ter tido um filho que eu não conhecia não deveria ter me surpreendido; não deveria estar entre os piores de seus pecados. De certa forma, fazia um sentido perfeito. O dinheiro que meu pai deu a Jennifer Martinez, do jeito que Jennifer ficou aqui em Thorncombe, muito depois da morte do marido. A reação de meu pai ao nosso ataque no cemitério: fúria fria e preocupação possessiva não só por mim, mas também por St. Sebastian. A maneira como o próprio St. Sebastian parecia atraído por este lugar, por seus limites selvagens e segredos solitários. A maneira como parecíamos atraídos um pelo outro - para brigar, para foder, para amar a mesma pessoa - e a maneira como, independentemente de como estivéssemos juntos, sempre combinávamos de alguma forma. Mesmo com punhos e sangue, mesmo com mordidas e beijos, nós combinávamos. Na arquitetura, falamos de honestidade. Uma estrutura honesta é aquela que mostra sua história e sua estrutura. Suportes, rebites, treliças visíveis. Você pode entrar em um edifício e ver o que o segura e porque; você pode perceber a necessidade de cada elemento; pode ver as impressões digitais de seus construtores, as concessões do orçamento, os compromissos e os erros. É maravilhoso entrar em um espaço e ver com tanta clareza seu propósito, sua própria existência. Não fui honesto tempos depois, mas em todos os outros aspectos, meu amor foi uma coisa honesta que se tornou ainda mais honesta ao descobrir a verdade. Sim, eu podia ver os rebites e as treliças agora. Sim, pude ver as manchas, as lascas, as cicatrizes. Escolhi isso assim mesmo. Meu pecado foi não acreditar que ele também escolheria; minha justificativa foi saber que eu estava certo, porque menti e no final, foi em vão. No final, ele escolheu ficar sozinho. — SHHHH, — digo a Sir James Frazer depois trinta segundos de rosnado. Estou digitando meu e-mail semanal para Becket. Durante sua licença, ele não deveria ter acesso a e-mail e mídias sociais, então não espero uma resposta, mas me acostumei a tê-lo por perto, a tê-lo a apenas alguns quilômetros de distância sempre que queria companhia, então os e-mails são um bálsamo temporário. Sinto falta dele. Sinto falta dele, e agora é quando eu mais precisaria do meu padre, não apenas de suas conversas perto do fogo, mas de suas bênçãos e absolvições. A maneira como ele olhava para você como se fosse levá-lo direto ao próprio Deus e ajudá-lo a pressionar sua testa contra os pés supostamente calçados de sandálias de Deus. Mas agora ele se foi e Poe se foi, St. Sebastian se foi e Delphine está com os pais dela, e tudo está vazio aqui, incluindo eu. Sir James não escuta minhas advertências e continua rosnando para o vidro. Ele adora o novo escritório porque as janelas oferecem uma vista para o gramado - onde os coelhos fuçam grosseiramente atrás de trevos sem serem convidados - e para as árvores ao longo da frente da casa, onde pássaros ainda mais grosseiramente voam sem lhe dar a chance de persegui- los. Presumo que ele esteja rosnando para os pássaros agora, até que seus grunhidos mudam abruptamente para latidos de cachorrinho feliz e sai correndo por todo o escritório e desce as escadas. Vou até a janela a tempo de ver Proserpina trancando a porta do carro que lhe emprestei, uma bolsa pendurada no ombro, o cabelo uma cachoeira de seda escura pelas costas. Mesmo daqui, vejo a expressão em seu rosto - pensativa, triste - e a saia curta que ela está usando sem meia-calça por baixo. Meu pau fica duro em um instante, meu coração está fora do meu corpo ainda mais rápido do que isso, e então estou correndoescada abaixo como Sir James, desesperado para vê-la, para ver aqueles olhos verdes que sinto como se conhecesse desde sempre. Olhos verdes como as árvores ao redor da capela. Olhos Kernstow. Ela me ligou duas vezes enquanto estava com St. Sebastian. Não pedi a ela - na verdade, quando a mandei embora, falei para não ligar, para passar o tempo todo com ele, para se concentrar inteiramente nele. Eu não queria que ela sentisse que sua lealdade estava bifurcada ou dividida - não queria que ela fosse nada menos do que inteira e feliz com ele, tanto quanto plenitude e felicidade fossem possíveis nas circunstâncias. Mesmo assim, ela me ligou duas vezes do quarto de hotel em que estava hospedada. Ambas as vezes precisando de algo que só eu podia dar a ela, e então eu dei, por fraqueza ou misericórdia - ou ambas, porque eu também precisava. Na primeira vez, eu a fiz se ajoelhar sozinha no chão, com a saia levantada e sua linda blusa desabotoada, e então a fiz apoiar o celular contra a parede para que eu pudesse assistir enquanto ela lentamente se tocava. Na segunda vez, fiz com que ela se beliscasse desde cada joelho até a seu umbigo e, em seguida, em uma linha ao longo da extensão suave de sua barriga - fazendo um longo e fino A de manchas vermelhas vivas em seu corpo. E então ela gozou para mim. Foi um alívio - uma pequena bênção em um momento que parecia faminto por bênçãos - mas não foi o suficiente. Como poderia ser suficiente? Eu mal estava satisfeito por ter Proserpina e St. Sebastian constantemente disponíveis para mim em minha casa. Dois telefonemas, por mais sujos que fossem, nunca iriam me saciar. E então, quando chego a Proserpina lá embaixo, quando a vejo no salão principal murmurando para Sir James enquanto ela coça suas orelhas e ele abana o rabo em grandes círculos animados, não consigo lidar com isso, não consigo me segurar. Mesmo que saiba que há trabalhadores na ala antiga da casa, mesmo que saiba que ela provavelmente fez uma longa viagem. Eu a amo e a quero, e a linha entre amar e desejar sempre foi tênue para mim. Assim como a linha entre amar e receber. Me aproximo dela e passo a mão pelo seu cabelo enquanto minha outra mão a move para que ela esteja pressionada contra mim, de costas para mim. Encontro a abertura de sua blusa, passo os dedos pelos botões até encontrar o de cima descansando na base de sua garganta. — Você não deveria estar aqui, — digo, abrindo os botões e colocando a mão ali dentro. Através da renda do sutiã, seus mamilos são pequenos pontos duros. — Eu te mandei embora. — Não consegui ficar longe, — ela diz, parecendo infeliz. — Senti saudades de você e desse lugar e tenho um trabalho a fazer e além disso tive esse sonho...ohhh. Encontro um mamilo e o rolo entre as pontas dos dedos. — Não, pequena noiva. Você prometeu. — Quer saber? Acho essa promessa uma besteira de qualquer maneira... Encontro seu outro mamilo agora, e puxo seu cabelo, não tão forte para doer, apenas forte para puxar sua cabeça no meu ombro e expor sua garganta. Posso olhar para a frente dela assim, para o caminho de pele e renda que acabei de expor, para onde minha mão está brincando com ela. Vislumbres de rosa-carne me provocam através da renda e entre as pontas dos dedos. Ela estremece contra mim, e estou tremendo de volta. Já faz tanto tempo, tempo demais, e quando penso nela com ele - quando penso nele - estou queimando com aquela sensação de novo, aquela sensação que senti na capela dos espinhos quando jovem, aquela sensação que senti durante o Beltane. Como se estivesse cheio do mundo inteiro, como se estivesse cheio de folhas e luz do sol e fogo e portas que vão para qualquer lugar que eu quiser, absolutamente para qualquer lugar. Como um rei. E não um rei enfeitado com mantos e joias, mas um rei como os reis costumavam ser. Despido até a cintura e ofegante, jovem, meio imprudente e às vezes selvagem. Queria que fosse o Beltane. Queria estar correndo pela floresta agora, caçando as pessoas que amo, me preparando para reivindicá-las junto ao fogo com cinzas no ar e fome em meu coração. Proserpina fica flexível contra mim, seu corpo amolece e se molda contra o meu. — Eu sei minha palavra de segurança, — ela sussurra. — Você não tem que se conter. Agora não. Há uma mesa comprida no corredor - velha o suficiente para nunca ter tido coragem de jogá-la fora, mas feia o suficiente para doá-la para o trabalho de reforma - e tenho Proserpina curvada sobre ela em menos de um instante, suas mãos apoiadas ao lado de um rolo de arame e latas de tinta, e sua saia se levanta de sua bunda cremosa, que rapidamente a deixo toda vermelha com alguns tapas criteriosos. Não como punição, não como disciplina. Por qualquer outro motivo, gosto de ver seus lábios se separarem enquanto ela ofega contra a mesa. Gosto de ver suas costas se arquearem e seus pés chutarem em reflexo. Gosto de sentir sua pele contra a palma da minha mão e saber que aqui, agora neste momento, o roer dos espinhos em volta do meu coração não dói mais como costuma doer. Parece certo e necessário - e inevitável. Raios encontrando o solo, rios encontrando o mar... e meu corpo contra o dela. — Você não está usando nada por baixo da saia, — digo, meus dedos roçando sua pele nua enquanto abro o zíper da minha calça. — Que bom. — Eu esperava por isso, — ela confessa, olhando para mim tanto quanto pode. — Estava com saudades. Fui eu quem disse a ela para ir embora, fui eu quem a fez prometer, e ainda assim sou esmagado por desgraças e anseios numerosos demais para nomear. — Você estava com saudades disso? Enquanto estava trepando com ele? Pareço ciumento. Estou com ciúmes. Mas também, não estou com ciúmes. Não há como explicar, a não ser dizer que às vezes até o ciúme pode ser sofisticado. Quem pode explicar todas as maneiras como gostamos de ser machucados? A linda garota na minha frente gosta de ser espancada e mordida. Em vez disso, escolhi me apaixonar por duas pessoas que também se amam. Uma das quais agora me odeia. Você está sendo egoísta e está tentando manter pessoas que não querem ser mantidas... você não é melhor do que ele. Essa é a equação que você está propondo. Não sou nosso pai se deixar você me deixar. Ele estava certo. E eu estava certo em fazer Proserpina também ir embora, mas sou muito egoísta para fazê-la ir embora de novo. Sou muito egoísta para deixá-la ir. Talvez eu seja meu pai, afinal. Ela está balançando a cabeça contra a mesa com a minha pergunta, ofegando suavemente enquanto corro meus dedos por sua coxa para ver se ela está pronta para ser fodida. — Você sabe que sim. Você sabe que ele também. Nós podemos... tentar... um com o outro, mas não é a mesma coisa, nunca é a mesma coisa. Ela está quase toda molhada, mas não exatamente lá. Meu pau dolorido surge de inveja enquanto deslizo um dedo dentro de seu calor apertado. — Vocês revezaram papéis de dominante sem mim? — Isso faz meu sangue disparar só de pensar - tanto de fome quanto de uma possessão irritada. — Você deixa ele fazer o quê? Espancar? Morder? Foder forte? Seus cílios estão tremulando - não desisti da minha exploração entre suas pernas - e quando ela responde, sua voz está ofegante e baixa. — Às vezes. Se o deixo fazer coisas, quase funciona. Porque ela gosta da dor, da aspereza, do toque disto, e St. Sebastian precisa do espírito da coisa, da anima6 implícita que faz a perversão funcionar. A compulsão quase seria suficiente para ele, e a dor quase seria suficiente para ela. Porra, eu gostaria de poder vê-los fazer isso. Não que fosse capaz de suportar por muito tempo. Em minutos estaria em cima dos dois, meus dedos em seus cabelos, minha boca procurando as deles. Mesmo imaginando isso, estou rastejando para fora da minha pele. — Você sabe sua palavra segura?— Confirmo enquanto deslizo meus dedos livres. Ela ainda não está molhada o suficiente, mas me disse uma vez que gosta desse jeito. Gosta das primeiras estocadas para ficar na linha entre o prazer e a dor. Meu órgão está pronto para obedecer, latejando dolorosamente enquanto esfrego a pele escura e inchada contra a pele dela, procurando a entrada. — Sim, — ela diz, gemendo impacientemente. — Já falei... 6 A alma, princípio espiritual humano que se opõe ao corpo. [Psicologia] Segundo Carl Gustav Jung, 1875 - 1961, princípio feminino que faz parte da personalidade humana ou materialização do feminino no subconsciente humano. Empurro para dentro sem qualquer aviso adicional, espalhando minha mão entre suas omoplatas para mantê-la presa à mesa enquanto a fodo. Rápido, superficial, um pouco mesquinho. Ela goza quase imediatamente, afundando na mesa enquanto suas mãos arranham a superfície. Xingo quando sinto, aquele primeiro estremecimento agudo, e meus testículos se contraem firmemente no meu corpo, já dolorido para gozar também. Minha cabeça cai para o meu peito e respiro fundo, lutando para manter o controle. Mas não posso deixar de olhar para ela por muito tempo. Ela está maravilhosa assim, presa sob minha mão e sussurrando meu nome enquanto seu corpo estremece ao redor da minha ereção. Embora eu tenha ficado vigilante ao redor de nosso perímetro, verifico a porta que une a antiga ala ao corredor para ter certeza de que seu clímax dificilmente silencioso não atraiu nenhum voyeur. A equipe está trabalhando no andar de cima nesta semana, mas os operários de uma obra são como formigas em um formigueiro, esparramados por toda parte, e é muito possível que alguém venha pelo corredor para fazer algo. Proserpina é exibicionista e provavelmente não se importaria de ser vista, mas “os trabalhadores da construção poderem me ver fodendo você em uma mesa” é uma conversa que ainda não tivemos, e eu não cruzaria essa linha até que fosse certo. Satisfeito por estarmos sozinhos por enquanto, eu volto a tirar, olhando para baixo para ver como seu corpo agarra o meu enquanto deslizo para fora. Ela está apertada, quente e doce, e sua bunda curvilínea torna o formato de coração perfeito quando ela está curvada assim. Um formato de coração que posso foder. — Auden, — ela respira. — Senhor. — Uma mão se estende para trás para mim, e seguro seus dedos nos meus enquanto a perfuro novamente, desta vez colocando tudo até que cada centímetro de mim esteja espremido e molhado. — Porra, — digo, porque é isso, é isso, é isso. Quem pode fazer alguma coisa quando há uma Proserpina por perto? Mas há mais - nós dois queremos mais. Então, estoco com força, com mais força, observando seu rosto cuidadosamente. Espero por sua forte inspiração, o rápido estremecimento - quero que a beira da mesa machuque seu quadril para que ela sinta, mas realmente não quero machucá-la assim - e bem aí, aí está é. A respiração, o estremecimento, a ruga em sua testa: a crista da dor se curvando sobre si mesma como uma onda. Relaxo um pouco meu quadril, mantendo minha mão firme em suas costas, e então, fodo para valer, fodo como se eu não tivesse fodido em dez anos em vez de quase dez dias. Fodo e sinto o momento em que seu cérebro começa a descarregar endorfinas em sua corrente sanguínea, o momento em que ela começa a deslizar em uma felicidade além da satisfação usual do sexo, ficando solta e estremecendo com um pequeno sorriso curvado contra a madeira marcada da velha mesa. E eu a sigo. Deixo o prazer liso vibrar ao longo de cada terminação nervosa, descer pela parte de trás das minhas coxas e subir pela minha espinha e descer até as pontas dos dedos que seguram minha pequena noiva no lugar. Deixo cada parte dela dominar e conquistar cada parte de mim - seu cabelo espalhado sobre a mesa como o de uma musa pré-rafaelita, seus gemidos suaves e ansiosos, o céu quente de sua boceta. Esses olhos - emoldurados por cílios escuros tão longos que descansam contra sua bochecha quando ela os fecha. E quando ela os abre, olhando para mim com olhos como a cor da própria vida, sou serrado totalmente aberto, como se nada de mim fosse jamais mantido separado dela. Como poderia, quando ela é quem ela é? Quando sempre foi destinado a ser ela? Mesmo quando éramos crianças e brincávamos de jogos infantis, de alguma forma eu sabia. Proserpina Markham, a sonhadora, a crédula. Proserpina que beijou dois meninos quando um raio caiu no céu. Meus pés sempre estiveram mais afundados na terra do que eu gostaria, mesmo antes de eu fazer meu trabalho pensar em fundações e alicerces. Costumava culpar este lugar por isso, costumava culpar a minha família, presa como estava a um modo de vida retrógrado, no que significava ser um Guest. Mas agora sei que sou eu, que de alguma forma fui assim desde o início, sozinho e além de contas bancárias inchadas e propriedades antigas. E o problema de estar tão plantado no chão é que é quase impossível flutuar ou sonhar, é quase impossível lembrar que às vezes as perguntas são mais importantes do que as respostas. É por isso que ela é tudo para mim. Eu preciso de suas perguntas, sua alegria e sonhos e sorrisos. Esses sorrisos. Enormes e com covinhas e com esse lábio inferior enrugado que amo tanto. Ela está sorrindo para mim agora, seus olhos brilhantes e suas pupilas dilatadas, como se estivesse bêbada, bêbada, bêbada de mim. Com apenas alguns minutos comigo. Oh, esse é um sentimento perigoso, de fato. E é esse sentimento que me leva ao limite - mais do que a foda real. É o calor de suas costas debaixo de minha mão, são suas omoplatas se movendo como as asas de um pássaro debaixo de meus dedos abertos; é a visão de seus seios cobertos de renda pressionados contra a mesa, sua camisa desabotoada e os botões de plástico esfregando na madeira. É a marca vertiginosa de sua covinha quando ela sorri em êxtase subespacial7. Minhas coxas ficam tensas e minha barriga fica tensa, e então estou inundando-a, pulso após pulso espasmódico, me esvaziando em seu corpo e já sabendo que não será o suficiente, nunca é o suficiente com ela ou St. Sebastian. Como se eu pudesse tornar meu trabalho e minha vocação transar com eles todos os dias pelo resto da minha vida e ainda assim nunca ficar satisfeito. Eu termino com uma exalação suave, relutante em parar, decidindo não parar. Liberto-me - e com um último olhar para a entrada da antiga ala - me enfio ainda duro e molhado dentro da minha calça. Pego Proserpina em meus braços. Ela está mole e solta e se aninha bem em meus braços como se fosse o único lugar no mundo a que ela pertencesse. Eu não discordo. — Aonde estamos indo? — Ela pergunta, na voz nebulosa dos bem endorfinados. — Nosso quarto. — Para mais? Beijo seu cabelo enquanto caminhamos até as escadas da ala sul, sentindo o cheiro de flores, folhas e sol. Sua mão está 7 Estado de subespacial é uma alteração de consciência, que leva o submisso ao sentimento de êxtase depois de uma sessão. brincando com o cabelo da minha nuca, e com a blusa aberta e a saia ainda em volta do quadril, ela parece uma colegial devassa. — Para mais, — confirmo. CAPÍTULO QUATRO AUDEN UMA HORA DEPOIS, PROSERPINA MARKHAM ESTÁ ESTICADA DE LADO NA MINHA CAMA, de bruços, a cabeça apoiada nos braços e os olhos fechados. Estou esfregando gel de arnica na bunda nua e nas coxas da minha sub, admirando os vergões geométricos que o chicote deixou em sua pele, além de observar as coisas habituais - sua respiração, os arrepios em seus braços e pernas, a expressão no rosto dela. Ainda sinto o gosto dela em meus lábios de quando a recompensei por receber as chicotadas tão bem, e estou considerando em beber mais direto da fonte... mas seus suspiros de satisfação enquanto massageio o gel calmante em suapele são quase tão deliciosos. Amo esses suspiros. Adoro sentir que o mundo inteiro poderia ser assim. Nós. Suspiros, vergões e esperma. Se ao menos ele também estivesse aqui. Finalizo com o gel e vou para o banheiro lavar as mãos. Quando acabo e coloco uma calça limpa de algodão com cordão, deito-me ao lado dela, apoiado de lado e brincando com seus cabelos. Seus olhos ainda estão fechados, mas ela faz um som de ronronar enquanto esfrego meus dedos levemente sobre seu couro cabeludo. — Você deveria ter ficado com ele. Não estou bravo. Mas também não quero St. Sebastian sozinho. — Eu falei que achava essa promessa uma besteira, — ela murmura. — Você não é seu pai. Não tenho coragem de discutir com ela. Não agora, pelo menos, quando ela está de volta na minha cama e me permitindo passar meus dedos ao longo dos vergões lisos de gel que acabei de lhe dar. Em vez disso, pergunto o que realmente quero saber. — Como ele está? Poe suspira. — Triste. Teimoso. Meu Saint rude e temperamental. — Este é St. Sebastian. — Ele sente sua falta. Palavras amargas e defensivas pressionam nos meus lábios. Palavras que eu teria dito apenas algumas semanas atrás, acusações que teria lançado contra ela, como se ela fosse uma espécie de advogada de Saint, como se fosse nossa mensageira, nossa mediadora. Como ele ousa sentir minha falta quando foi ele quem foi embora? Como ousa ir embora de novo quando eu estava disposto a fazer qualquer coisa - qualquer coisa - mesmo que isso me matasse por dentro? Ela não é nossa mediadora. Ela nunca quis essa separação, nunca quis ficar no meio disso. Ela queria todos nós juntos, e seria imprudente e cruel da minha parte pressioná-la para assumir o papel de árbitro. De qualquer forma, assim que as palavras tomam forma, elas se dissolvem de volta na minha língua. Não tenho certeza do porquê - porque não é por perdão, ou não exatamente isso - e ainda me sinto egoísta e mesquinho como sempre. Mas algo mudou dentro do meu egoísmo, dentro da minha mesquinhez. Ou não mudou, mas cresceu dentro disso tudo. — Também sinto falta dele, — finalmente digo, e é engraçado como dez dias de tristeza podem ser reduzidos em apenas quatro palavras. Quatro palavras secas e sem vida, uma frase prosaica e aí está você, um Auden rasgado e vazio. Proserpina não diz nada, mas não como se não estivesse prestando atenção ou caindo no sono, mas como se estivesse esperando que eu falasse mais, como se soubesse que eu também sinto falta dele, não é o que realmente quero mesmo dizer. — Eu sinto que metade do meu coração se foi, — admito. — E a outra metade? Eu a viro. A colcha deixou marcas e vincos nos seios e na barriga como as veias de uma folha. Quero segui-las com minha língua antes que desapareçam. Mas, por enquanto, pressiono minha mão em seu peito. — Você carrega para mim. Você tem há muito tempo. — E é a verdade. A verdade física. Quando St. Sebastian foi embora, senti a incisão em meu peito, senti minha caixa torácica se abrir. Senti isso como se um ventrículo fosse removido, depois um átrio, a veia cava superior. Senti isso enquanto meu corpo lutava para bombear sangue para as pontas dos meus dedos e as pontas dos meus pés, senti isso enquanto meus pensamentos ficavam lentos e turvos por falta de oxigênio, enquanto meus órgãos começavam a desligar um por um. E então, quando Proserpina foi embora? Eu estava completamente morto. Minha pequena bibliotecária cobre minha mão com a dela. Seus olhos estão úmidos quando ela olha para mim. — Não era para ser assim. — Eu sei. — Não sei o que vem agora. Dez dias atrás, eu não saberia como dizer o que digo a seguir. Passei de saber tudo a não saber absolutamente nada. — Nem eu. É isso que desgosto faz? É isso que o amor faz? Ou é apenas aqui em Thornchapel- somos apenas nós, apenas o garoto rico fodido e o pobre garoto fodido e a sonhadora imprudente que ama os dois? Eu costumava ter todas as respostas para qualquer pergunta que quisesse fazer; a resposta era sempre o que eu queria que fosse. Eu deveria ter aprendido minha lição no dia em que arranquei uma rosa no solstício de inverno da parede da capela. Respostas reais picam de volta. A mão de Poe aperta a minha. — Auden... eu tive um sonho, — ela diz suavemente. — Na noite passada. Ela não é mais uma mulher relaxada e cheia de marcas. Ela está tensa. Ansiosa. Deslizo meus braços ao redor dela e, em seguida, nos movo de modo que estou sentado contra a cabeceira da cama e ela está enrolada contra o meu peito. — É por isso que você voltou? — Pergunto. — Sim, embora eu não estivesse mentindo sobre a necessidade de voltar ao trabalho, — ela murmura em meu peito. Eu resisto à vontade de suspirar, porque eu realmente quero dizer a ela que não me importo com a frequência com que ela trabalhe na minha biblioteca, porque confio nela e também estou pouco me lixando, mas sei que manter nossa relação profissional separada do nosso pessoal é importante para ela. — Que sonho? Suas mãos encontram meus antebraços e os envolvem, como se não bastasse estar em meus braços, ela precisa se segurar em mim também. Há algo pegajoso na base do meu pescoço quando ela começa a falar. — Estávamos na capela, — ela sussurra. — Todos nós. Era fim de tarde e ainda não tínhamos uma fogueira acesa, embora a luz estivesse diminuindo e os candeeiros já estivessem acesos. Rosas vermelhas escuras estavam por toda parte. Não apenas perto da porta, mas em toda a capela, em todas as pedras monolíticas do lado de fora. Entrelaçavam-se entre as árvores, cobriram a frente da casa. Estavam na vila, Auden. Escalando as lápides e contornando as portas das pessoas. — Alguém tinha vindo para a casa mais cedo. Não sei quem. Estávamos discutindo sobre isso na capela, discutindo sobre o que fazer. Você e St. Sebastian estavam discutindo sobre quem deveria... — Sua voz fica grossa, e posso sentir as lágrimas contra meu peito nu antes de senti-la estremecer com elas. Ela está tentando não chorar e falhando. — Vocês estavam discutindo sobre quem deveria morrer para fechar a porta. Você disse que tinha que ser você, e Saint estava dizendo não. Lembro-me de estar na capela no meu aniversário, a tempestade ameaçando acima no Lammas e os dentes de St. Sebastian na pele do meu coração. Seus dedos em volta do meu pescoço, seus beijos me deixando entorpecido. Ele esboçando o ato de sacrifício por mim, mas tornando-o maravilhoso, tão insuportavelmente maravilhoso. Lembro-me da mulher na capela, parada na neve com olhos verdes vivos. Um verdadeiro rei nunca deixaria ninguém ir no lugar de um rei. Pressiono meus lábios no cabelo de Poe, fazendo um ruído calmante. — Um sonho muito perturbador. Mas posso assegurar- lhe que não tenho planos de suicídio, nem agora nem em nenhum momento no futuro. Não importa onde algumas rosas estão crescendo. Digo a última parte tentando ser desdenhoso e alegre para acalmar seus medos, mas não sai nada alegre - na verdade, pareço bastante incerto. Penso na câmara que a equipe de Rebecca encontrou perto da entrada do labirinto, as paredes cobertas por antigas rosas esculpidas, e penso na rosa que uma vez arranquei em um dia no solstício de inverno, crescendo misteriosa e sozinha entre o gelo e a rocha. Não é tão fácil descartar como deveria ser. Não a autoimolação, é claro, que posso facilmente descartar. Mas a ideia de que as rosas fariam coisas que rosas não deveriam fazer. Que seríamos levados a fazer algo, qualquer coisa, que estaríamos discutindo na capela no longo e cinzento crepúsculo com a porta se abrindo diante de nós... Essa ideia é muito mais difícil de descartar. Proserpina está balançando a cabeça, as lágrimas ainda escorrendo de seu rosto e acumulando-se no meu peito. — Você mudou de ideia. Algo fez você mudarde ideia há muito tempo e você estava determinado, desesperado. Todos nós estávamos desesperados e gritando, e os olhos de Becket eram tão estranhos... e estava anoitecendo e isso significava alguma coisa, não sei o quê. Só sei que a porta estava aberta e as rosas estavam por toda parte e quando anoiteceu, tínhamos que estar prontos. Eu a seguro perto, mas não a acalmo. Não digo a ela que foi apenas um sonho. Não sei se poderia ser honesto de qualquer maneira. Proserpina tem uma conexão com Thornchapel, profunda, e desafia uma explicação racional, como tantas outras aqui no Vale Thorne. — Pelo menos a porta ainda não está aberta, — Proserpina diz, com uma tentativa lamentável de alegrar o momento. — Portanto, o sonho não pode acontecer tão cedo. Não contei a ela sobre a porta. Disse a mim mesmo que era porque não queria aborrecê-la quando estivesse com Saint, disse a mim mesmo que era porque a porta poderia se fechar sozinha a qualquer momento, e então não havia sentido em fazer qualquer tipo de estardalhaço sobre isto. Mas, sinceramente, não contei a ela porque pensei que poderia consertar antes que ela voltasse. Achei que poderia acender o fogo certo ou cantar as músicas certas para, de alguma forma, fechar novamente. Era um absurdo pensar assim, e me senti muito bobo noite após noite queimando toras e cantando e dançando sozinho, mas já que eu tinha visto a porta depois do Beltane, parecia razoável supor que as mesmas coisas que fizeram a porta aparecer poderiam fazê-la desaparecer. Nada disso funcionou. Claramente. — Poe, — começo, o mais gentilmente que posso. — Ficar longe no Lammas, ficar longe da capela - não funcionou. Você estava certa o tempo todo. Iria acontecer independentemente do que fizéssemos. — O que iria acontecer? — ela sussurra, embora eu ache que ela já saiba. — Está aberta, — digo a ela. — Não sei como, mas a porta se abriu durante o Lammas e não se fechou desde então. Ela mastiga o interior do lábio. — E as rosas? — Estão lá também. Podemos descer e ver se você quiser. — Acho que não vai me fazer bem não olhar. Oh, Auden, o que vamos fazer? Sobre a porta? Eu a inclino em meus braços para encontrar seus olhos com os meus. — Eu sei o que não vamos fazer, e isso representa tudo o que você viu em seu sonho. Está entendendo? Não vou deixar nada nos machucar, não vou deixar ninguém se machucar. Podemos superar isso sem morte, sem danos. — Quase acrescento que é só uma porta, mas não o faço. Ambos sabemos que não é só uma porta, ambos sabemos que é importante de uma forma que não entendemos totalmente. — Minha mãe não conseguiu resolver isso, — Poe diz. — Estamond não conseguiu. É arrogante pensar que podemos conseguir? — Claro que não é arrogante, — digo. Ok, e talvez haja um toque de arrogância na minha voz quando respondo. Mas, sério. Quão difícil pode ser não me tornar um sacrifício humano? Acho que alguma confiança é garantida. — No sonho, era tão necessário, — ela murmura. — Não havia outra maneira. — Sempre há outra maneira, — digo, e posso não saber mais nada sobre mim ou minha própria vida, mas sei disso. — Sempre. — Mas não havia. John Barleycorn é uma memória, — diz Poe. — Isso é o que Estamond disse no meu sonho. Você se lembra do que eu disse sobre o que a Dra. Davidson contou. É uma memória da morte do Rei do Ano - uma memória que sempre surge quando aprendemos mais sobre Thornchapel. John Barleycorn é uma memória. Abro a boca para contar a Proserpina sobre o solstício de inverno na capela das rosas, mas não conto. Não tenho certeza do porquê - provavelmente porque não mudará nada materialmente se um dia vou ou não me matar na capela dos espinhos - mas também porque algo sobre essa memória parece intensamente perturbador. Não quero preocupar Proserpina com isso. Além disso, e reconheço está além do ridículo, considerando as circunstâncias, mas estou meio preocupado que ela não acredite em mim. De se eu contar a ela que vi o fantasma de Estamond Kernstow na capela junto com uma rosa impossível, de ela acabaria sorrindo e balançando a cabeça com paciência, do mesmo jeito que alguém balançaria com a história de uma criança sobre como seu gato saber falar secretamente e ler mentes e que me diga para não me preocupar com isso. Que com certeza imaginei ou sonhei. Proserpina não faria isso. Não só por causa de quem ela é e dos seus sonhos, mas por causa das coisas que vimos juntos neste lugar. Eu sei disso do fundo da minha alma... e, mesmo assim, as palavras não saem dos meus lábios. Em vez disso, como um covarde, mudo de assunto para águas menos pessoais. — Rebecca encontrou túmulos debaixo do labirinto. Oito. Parecem ser bem velhos. Os olhos de Proserpina se arregalam. Ela está praticamente se contorcendo contra mim, como uma gatinha que acaba de ver um pedaço de lã abandonada. — Quantos anos? — ela pergunta. — Chutamos a Idade do Bronze. Ela se contorce para fora dos meus braços e caminha até minha janela para espiar o gramado ao sul. A luz chuvosa de fora deixa o contorno de seu corpo em um brilho prateado enevoado, destacando tons muito leves de vermelho em seu cabelo escuro. Como as rosas, penso. Tão vermelho escuro que é quase negro. — Tivemos que parar a construção, — continuo, saindo da cama também. O sussurro de minhas mãos sobre sua pele enquanto a puxo em meus braços é abafado pelo respingo de chuva contra a janela. — Uma equipe de arqueólogos vai chegar na segunda-feira para avaliar o local e planejar uma escavação. — Túmulos, — ela repete, olhando para a extensão chuvosa na nossa frente. As tampas dos kistvaens são mal - e quero dizer apenas mal - visíveis a esta distância, através da chuva e da floresta de metal de cercas e equipamentos de escavação. — Quando você estava pesquisando sobre o Imbolc e o Beltane, ouviu alguma menção a eles? — Pergunto. — Rebecca acha que Estamond deveria saber deles quando construiu o labirinto, e se for esse o caso, então acho que os Guest medievais que construíram o labirinto anterior ao labirinto também deveriam saber sobre eles. Proserpina balança a cabeça, seu cabelo roçando meu ombro e seus olhos ainda nas sepulturas lá fora. — Não. Não me lembro... — Ela pensa por um minuto, como se quisesse ter certeza. — Não. Nada de túmulos. Ficamos ali por um longo minuto, Proserpina olhando para fora enquanto a seguro contra meu peito e faço círculos ao redor de seu umbigo exposto. Meu pau está totalmente duro de novo, doendo contra o topo de sua bunda. Depois de um tempo, ela se vira para mim com um suspiro. — Bem? — ela pergunta. — Você vai me perguntar? — Perguntar o quê? — Embora eu já suspeite. Ela volta a suspirar. — Onde ele está. — Não quero saber, — minto. — É o que você disse na primeira vez que conversamos pelo celular. Mas não vou lhe dar o código postal e o número do apartamento dele, Auden. Achei que você gostaria de saber, como seu Dominante e meio-irmão, que ele estava seguro em algum lugar. — Não quero saber, — repito, e ela me lança um olhar de quem vê através dele, embora, quando fala, sua voz seja gentil. — Você não é seu pai, Auden. Acredite em si mesmo. Você pode acreditar em si mesmo. O nome de uma cidade, só isso. Afasto o cabelo do rosto de Proserpina, maravilhado pela milionésima vez como ela é linda para mim, como ela é maravilhosa. A elevação da maçã do rosto, o canto do olho. O vislumbre ligeiramente parecido como de um elfo de suas orelhas entre as ondas de seu cabelo. Ela não pode ser esboçada, ela só pode ser desenhada, e quando eu a desenho, preciso de todos os meus lápis. Verde folha e verde óxido de cromo e verde azulado para os olhos. Marrom 946 e 947 para os tons de seu cabelo, café expresso e chocolate e um toque de ocre queimado para o resto. Rosa blush para as pontas das orelhas
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