Buscar

A Importância do Estado na Pacificação Social

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 22 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 22 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 22 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

TRANSCRIÇÃO- GISCARD- 11 DE NOVEMBRO. 
NOS CONFINS DO DIREITO - ROULAND
A natureza humana é perigosa, uma natureza malvada, egoísta, e de que, por exemplo, se não houver um poder que controle essa natureza, que punam aqueles que dão vazão a sua natureza, e saiam por aí matando e agredindo, então o estado de sociedade é impensável. Para Hobbes, isso é certeza. O estado de natureza Hobbeziano é o estado de natureza que coloca a vida em sociedade como impensável caso não haja um poder sobre as pessoas, que simplesmente faça refrear esse esses interesses egoísticos. Pra quem estuda Hobbes há uma comparação clara entre o estado de natureza e o estado de sociedade. Vemos a partir de Hobbes, o ser humano essa criatura naturalmente cretina, esse ser humano se não for controlado, então a sociedade é simplesmente impensável. Daí Hobbes teoriza um estado que possa se impor e refrear essas práticas egoístas para possibilitar que o ser humano viva em sociedade. Rousseau discorda de Hobbes na parte, especificamente, da constituição da propriedade privada. Então, para Rousseau, o ser humano, diferentemente da concepção de Hobbes, é bom por natureza, bom selvagem, é o sujeito que simplesmente tem que ser protegido de perder essa bondade e de que uma das formas de proteção, “pasmem!”, é a constituição do estado. O estado vai ser aquele que garante a possibilidade de aquisição de propriedade privada, o estado é aquele que garante a possibilidade de que a pacificação entre a sociedade exista, em suma, o estado é estritamente necessário, pois é ele que garante a pacificação social. Vamos para Hobbes (séc. XVII), vamos para Rousseau (séc XVIII), vamos para uma natureza bélica, egoísta, como é a natureza Hobbeziana, vamos para uma natureza bondosa como é a de Rousseau. A gente chega a mesma conclusão, ou seja, o estado é aquele que possibilita a vida em sociedade, especificamente uma vida pacífica. O estado é mantedor da paz social, ou pelo menos aquele que pretende estabelecer uma redução da violência, para que a sociedade possa existir de maneira pacífica. O que o Rouland está falando? Ele está falando de que essa relação de estado e violência, no sentido de que a existência do estado reduzirá a violência, ou seja, é como uma relação matemática, a existência do estado e o fortalecimento implica numa redução da violência, posto que o estado monopolizaria nas suas mãos o uso das forças físicas, ou o uso da chamada violência legitima, tirando dos particulares a possibilidade de aplicação da justiça, posto que, anteriormente a chamada justiça privada, ou anteriormente a constituição do estado, como é que seres humanos viviam? Eles viviam, indo para Hobbes, guerra de todos contra todos, o estado de natureza fazia com que as pessoas dessem vazão a essa agressividade natural, a sociedade seria impensável, posto que a justiça privada colocaria famílias ou grupos para digladiar entre si em eternas guerras, e a justiça privada seria uma forma de punir o outro de forma ilogica, irracional, brutal, desmedida e desenfreada. Portanto, como um elemento de civilização, a passagem da justiça particular para a justiça publica, simplesmente recorreria ao estado e o poder de centralização, e o monopólio que vai exercer diante da justiça legitima, para que ele atue sobre aqueles que ofendem ao pacto social, e a punição não esteja na mão dos particulares, posto que na mão dos particulares ela simplesmente refletiria, ou ela simplesmente se expressaria de forma ilógica e irracional, com violência e medidas desenfreadas, justamente opondo grupos em eternas vendetas, eternas vinganças, posto que o que chamamos de pequenas vinganças ou o que no texto de Rouland será chamado de sistema vindicativo, simplesmente não obedecia a nenhum critério limitativo e ele apresentaria essas características, enquanto sendo da sua própria base. A justiça nas mãos dos particulares, simplesmente não obedece nenhum critério limitativo, ela simplesmente poria grupos em eternas guerras. 
Pensemos, portanto, a partir dos contratualistas do séc XVII e do séc XVIII, pensemos, portanto, a partir de uma natureza humana perigosa ou a partir de uma natureza humana bondosa, a conclusão a que chegamos é que o estado é extremamente necessário, porque ele é ele o que garante a pacificação social, tirando a violência dos particulares, que se apresentavam desta maneira, para impor um chamado sistema de penas legais, portanto previstas pela ordem normativa estatal, ou então a própria lei, o estado prevê formas de punição anteriormente ao crime, simplesmente tirando a possibilidade de indivíduos ofendidos ou do grupo ao qual pertence os indivíduos ofendidos, já que as vezes o individuo ofendido não está mais vivo pra poder ir atrás, então seu grupo, seus familiares que vão atrás da punição, quando essa reparação estava nas mãos deles, eles simplesmente executariam de forma ilógica e irracional, desmedida, desenfreada e acima de tudo com elementos de brutalidade. Portanto, um dos dados da civilização, a presença do estado, garantiria dessa maneira uma redução da violência entre os particulares, posto que monopolizaria a violência em suas mãos para aplicação do sistema penal. A existência do estado e a centralização de suas praticas, concernentes a punição dos sujeitos, ou seja, a existência do estado, a construção do sistema de punições legais, ou que podemos chamar de direito penal de caráter publico, de justiça publica, garantiria a redução e, dessa maneira, a tentativa de por fim na violência interna de cada sociedade. Rouland afirma, o registro antropológico desmente isso, ele garante que a sociedade não esperou a constituição do estado para controlar a violência, ritualizar a busca da aplicação da justiça. O registro antropológico garante que a relação entre estado e violência não é assim tão clara, matematicamente falando, não é a existência do estado que garantirá o controle da violência, não é o fortalecimento do poder do estado que garantirá a redução da violência. Há registradas, sociedades que constituíram sim o estado mas que não reduziram a violência. Há sociedades que fortaleceram o estado e aumentaram ainda mais a violência interna; há sociedades cujo estado existe e ele é fraco e a violência também se da de maneira controlada; há sociedades que se quer constituíram estado e a violência esta devidamente controlada, não é um dado natural de que a inexistência de uma centralização do poder politico e a monopolização desse poder politico nas mãos de uma pessoa, de um grupo de pessoas que garantirá o controle da violência, essa violência já está controlada, essa violência mesmo na inexistência do estado, ela não se dá, não há no registro antropológico nenhuma sociedade que cujo sistema vindicativo, cuja maneira de aplicação da justiça estando nas mãos dos particulares, ela se dê de maneira ilógica, irracional, que desemboque sempre na brutalidade, ou seja, aquilo que o Hobbes afirmava é simplesmente derrubado pelo registro antropológico, não é a inexistência dessa centralização do poder politico que garantirá que, no estado de natureza, os humanos fiquem em uma guerra de todos contra todos. Não é a inexistência do estado que simplesmente desembocará necessariamente em guerras infinitas. As sociedades garantem sim, elas constroem formas especificas de controlar a violência, formas especificas de punir aqueles que simplesmente ofenderam a ordem social, estas formas não estão necessariamente atreladas ao estado. Rouland vai trabalhar 4 experiências históricas, mas são experiências que não estão apenas no passado e que existem hoje em dia, afinal de contas ele faz muitas referencias aos beduínos da Jordânia e aos esquimós da Groelândia. Qualquer método antropológico usa comparações culturais. Em síntese, a justiça privada, compreendida enquanto sistema vindicativo, há uma diferença em relação à uma doutrina mais tradicional, afinal de contas uma doutrina mais tradicional não vai ver logica dentro do sistema de vingança e antropologia vê essa logica, tanto que chama desistema. A noção de sistema efetivamente acarreta a ideia dele serracional, logico, ele não se dá por meio da brutalidade sempre, dele ser medido e obedecer a certos freios. Cada sociedade, portanto, seja ela estatal ou não estatal, produz para si critérios, ritos, os quais devem ser obedecidos para que se possa buscar a vingança. A vingança, inclusive como o próprio Rouland afirma, não é um tema marginal ou inapropriado para ser discutido acadêmico e filosoficamente ou mesmo antropologicamente, mas a vingança é para uma boa parte da sociedade, que ainda hoje existe, é a forma que a partir da qual se busca justiça, não necessariamente desemboca em praticas de violência (esquimós da gorelandia). O sistema vindicativo para o registro antropológico, não desemboca sempre em atos de violência, mas em determinados casos se desenvolve sim, mas a ideia é de a sociedade, para Rouland, produziram formas de limites para tornar o seu sistema vindicativo algo que obedeça sim a uma certa racionalidade, algo que obedeça sim os freios, as medidas e a certa logica. Antropologicamente essa logica só é perceptível, os freios, os limites só são perceptíveis se a gente compreende o sistema vindicativo. Cada uma dessas sociedades produz para si sistema vindicativo, um sistema de punições. Esse sistema de punições obedece a cultura, a sensibilidade ao saber que é local. Portanto, se nós analisarmos outras formações sociais, outras praticas de punição de infratores de outras sociedades, para nós podem parecer desenfreados, que necessariamente desemboquem numa violência brutal, mas que eles, se obedecerem os limites de cada sociedade, obedecem assim a logica, a racionalidade, os freios, os limites que cada sociedade impõe para si mesmo. Portanto, o objetivo geral do texto de Rouland é afirmar que não há relação direta a existência e o fortalecimento do estado e o controle e a limitação da violência. A sociedade passou a limitar a violência muito antes da constituição do estado, e o estado pode conviver com formas de violência. O estado não é inconciliável com o próprio sistema vindicativo, há determinados estados que convivem com a existência do sistema vindicativo; há determinadas formas sociais que simplesmente constituem formas de punição que existem conjuntamente ao sistema vindicativo. 
A crítica que o Rouland vai fazer é especificamente ao pensamento contratualista de maneira geral, que ainda hoje está presente a partir de uma longa tradição que podemos remontar, de certa maneira, até o próprio Hobbes, e de que nós estamos ouvindo o tempo todo isso, e de certa maneira naturalizamos. Afinal, os apresentadores de programas afirmam isso o tempo todo. De que a violência está sim na sociedade brasileira porque as leis do estado são fracas, então a solução para reduzir a violência é aumentar o poder das leis do estado para que possa punir mais e melhor, com isso a violência reduziria. Antropologicamente isso não se confirma. O Rouland, tal qual um bom marxista, vai trabalhar com uma linha e com o conceito de estado, que não representa ao longo da historia a mesma coisa. Ele vai trabalhar com, pelo menos, 3 concepções de estado, muito presente no pensamento politico, que são: 1. O estado propriamente dito ou o que aparecerá em alguns momentos como estado primitivo; 2. O estado moderno; 3. O estado liberal.
 Para Rouland, o estado significa o poder de mando na sociedade. Se existe uma referencia na sociedade, um sujeito que simplesmente comande essa sociedade, governe essa sociedade, já é uma constituição estatal. 
Rouland vai trabalhar uma noção de governo centralizado em uma pessoa, um grupo de pessoas, enquanto sinônimo de estado. Daí buscar o nascimento na antiguidade. 
Estado enquanto estado primitivo, ele simplesmente nasce na antiguidade ele vai passar por uma formulação teórica mais apropriadamente moderna a partir do séc XVI, com a constituição do estado moderno. Estado moderno que estava influenciado pela ideia de absolutismo. 
A partir do séc XVIII, éque nós veremos a constituição do estado liberal e que está ligado diretamente o estado liberalista. Seja a ideia da tripartição de poderes, a ideia de simplesmente tentar desvincular a centralização do poder nas mãos de uma única pessoa, mas essa tripartição pra um melhor governo ou mais propriamente pra um governo que obedeça os interesses ideológicos na classe que está tomando o poder. 
Então, Rouland trabalha esses três momentos: o estado primitivo, o liberal e o moderno, e diz que cada uma dessas formações a relação do estado com a violência será alterada. Ele diz que anteriormente do estado moderno, vigorava o sistema vindicativo, a partir do estado moderno vigora o sistema de penas legais. Antes do estado moderno a justiça era justiça nas mãos dos particulares, após o estado moderno, a justiça se torna algo público, ou seja, sobre o controle do estado. Rouland, portanto, vai afirmar que o que o estado ou um tipo especifico de estado fez (que foi o estado moderno) foi apenas destituir o sistema vindicativo mas não reduzir a violência. Então ele vai afirmar que anteriormente ao estado moderno, o estado vivia com o próprio sistema vindicativo, então era forma ordinária de punição dos sujeitos do sistema vindicativo, apenas após a constituição do estado moderno, já que foi o estado moderno que monopolizou o uso legitimo da força física. Então esse monopólio não existe desde a constituição do estado, ele vai existir apenas com o estado moderno. Ele (Rouland) não diz que a justiça publica sirva de maneira melhor que a privada. 
Rouland trabalha esses três momentos do estado, mas ele trabalha um quarto momento que é anterior a própria construção do estado, ou o momento em que na história europeia está presente anteriormente a centralização do governo politico, mas que ainda hoje existe em determinadas sociedades, que são as formações não estatais. Sociedades que não construíram um governo centralizado, que não tem referentes para o qual recorrer, que possa impor as suas leis, ou possa fazer valer as leis, então é o que chamaremos não estatais. Sociedades de estado = estatais, que são divididos em estado ou estado primitivo; estado moderno e estado liberal. Então, para cada um dos quatro momentos, Rouland afirma que há formas diferenciadas de controle e limitação da violência. Nos dois primeiros momentos o que vigora é o sistema vindicativo, é a justiça particular; nos dois últimos momentos vigora o sistema de penas legais, a justiça pública. Na formação do estado primitivo, ele poderá agir diante da violência a partir de duas principais formas: 1º limitando a violência. Ideia do sistema vindicativo: reconhece-se ao ofendido, ou o grupo do ofendido, o direito de reparação, direito a vingar-se, a aplicação das vendetas, garante-se esse direito as vendetas à aquele que foi ofendido ou ao grupo que ele pertence. Qual será o papel do estado nessa classificação de estado primitivo? Diante dessa violência, é garantir o direito ao ofendido, mas limitar esse direito, ritualizando como ele deve ser buscado. Ou seja, o estado atuará garantindo que a justiça seja “feita” pelas mãos do particular, mas garantindo certos limites a essa atuação. A tradição cultural ou o estado estabelece limites para as vendetas. O papel do estado é atuar a limitar ainda mais esses limites da tradição cultural e também observar se o sujeito que esta atuando esta praticando a justiça particular, ele esta simplesmente obedecendo limites. Se o sujeito existe pela tradição cultural de certos limites, o estado impõe novos limites de que, de certa maneira, já estão dentro da cultura estabelecida, e se esse particular não obedece aos limites da tradição, o próprio estado entra em guerra com ele. Então as duas principais funções do estado, nessa configuração de estado primitivo, não é centralizar a violência nas suas mãos, não é buscar ele próprio aplicar a punição. Para Rouland, aquele que representa o estado, aquele que governa a sociedade, ele vai atuar em muito, como sujeito que observa a realizaçãoda vendeta, se essa vendeta respeitar os limites culturais impostos ela está sendo bem executada; e se o sujeito que executa a vedeta extrapola os limites, então o estado entra em vendeta particular com ele, ou seja, as duas funções do estado primitivo: limitar ainda mais algo que já está limitado pela tradição cultural e observar a pratica da vendeta. O estado nesse momento convive com o sistema vindicativo, convive com a justiça particular. Então não cabe ao estado retirar das mãos do particular a possibilidade de aplicação da vingança, cabe ao estado garantir que essa vingança se dará pela ação do individuo. Se o estado não existe o que limita a violência? Tradição cultural, neste momento os limites são dados pela cultura. O estado tem como função fiscalizar as vendetas, os ritos estabelecidos e dentro de uma limitação cultural o estado pode limitar ainda mais, é o que o Rouland chamará de “o espartilho do direito”. Aquele que governa a sociedade não pode impor limites completamente diferentes daqueles que a tradição coloca, posto que se ele opor, ele será visto como alguém que não respeita a tradição, e sociedades tradicionais (sociedades primitivas) são sociedades que cultuam e respeitam MUITO a sua própria tradução cultural. Então, o chefe tribal, por exemplo, vai atuar numa limitação dentro da limitação que a própria cultura estabeleceu, ele não vai alterar completamente esses limites. Ele não vai dizer que a vendeta ela se dava tradicionalmente dessa forma, de forma X então vamos fazer de forma “beta gama”. Ele não vai fazer isso porque seria deslegitimado enquanto o chefe tribal. O chefe não é visto enquanto alguém que destoa da tradição, ele é visto enquanto aquele que preserva a tradição. Claro que com todas aquelas ressalvas que fizemos a partir de Todorov, de que não há preservação da tradição, mas há uma certa expectativa de que tudo aquilo que se faz seja meramente uma atualização da tradição. O chefe tem em boa parte da sociedade, especificamente essa função de atuar enquanto aquele que preserva, respeita e dá continuidade a tradição. Portanto, o que ele faz é em muito pegar os limites que já estão postos e estabelecer ainda maiores limites. Por exemplo: Uma determinada sociedade pode estabelecer que o direito de vingança pode recair sobre parentes de até 5º grau do sujeito ofensor. O estado ao ser constituído ou o chefe tribal pode simplesmente estabelecer que dentro dessa limitação cultural, então até 5º grau o sujeito pode ser punido por um ato de um parente seu, dentro dessa limitação ele simplesmente diga “Não, só será legitimamente punido até terceiro grau”. Então já há um limite cultural, o chefe tribal ele pode afunilar ainda mais esse limite. O que o chefe ou o estado muitas vezes fazem é estabelecer um limite dentro da limitação cultural. Pra quem assistiu “Abril despedaçado”, pode estar evocando algumas cenas do filme, pois aquele filme, apesar de supostamente passar no sertão brasileiro no ano de 1910 e no ano de 1910 o Brasil ser um governo republicano, portanto, um estado, naquela sociedade o estado jamais aparece. Portanto, abril despedaçado representa e muito aquilo que nessa linha do tempo nós diremos com respeito a sociedades sem estado. Sociedades sem estado são sociedades cujo governo não se dá de maneira centralizada, mas se dá em cada família. Cada família tem o seu próprio governante e ele é aquele que reina dentro dessa família. Então na sociedade de abril despedaçado o que nós vemos são duas famílias, cujo lideres delas são os sujeitos mais velhos. 
-ABRIR O TEXTO NA PÁGINA 113- (LER OS RITOS JUDICIAIS DE CADA UMA DESSA SOCIEDADE) -> PRIMEIRO: A SOCIEDADE DA COSSEGA TRADICIONAL- CARACTERIZADA COMO SOCIEDADE SEM ESTADO. (LER) OBS: Analisem quais os ritos e os elementos simbólicos culturalmente que representam ou que comunicam uma certa vontade. Aqui especificamente, como é que eu dentro de uma sociedade dessa, comunico que eu não quero fazer parte da vingança, não quero ser alvo da vingança. A barba, por exemplo, é um desses elementos. Compara-se com o período de trégua em “abril despedaçado”. Durante o período de guerra, se eu deixo a barba grande é porque eu não quero participar, no período de emboscada se eu faço o mesmo, não é mais por uma vontade de não participar, eu já estou envolvido. Então aquele que simplesmente fazia a barba anteriormente, ou no período de trégua não se esquivou de participar da vingança, agora, neste segundo momento, no período das emboscadas, o deixar a barba crescer não o tira da vingança, ele já está dentro dela. A alma do assassinado só encontrará paz quando ele for vingado. Tem também em abril despedaçado (não que eu esteja dizendo que a mesma coisa que ocorre aqui ocorre lá, os sentidos são diferenciados, mas, de certa maneira, aproxima-se em determinadas ideias). Não aparece, em momento algum, um sujeito que diga como a vingança deve acontecer. Isso se deve pela tradição, aqueles que foram criados e são reflexo da cultura a qual eles foram criados, simplesmente refletem isso de maneira ate natural (Lembrem da fala do Velho Cego: “Foi assim que o meu pai me ensinou e foi assim que o pai dele ensinou a ele”. Ou seja, gerações ininterruptas de evocação da mesma tradição, dos mesmos valores, portanto, impossibilitando muitas vezes até mesmo a própria critica aquilo que se aprende.) Não precisa um sujeito centralizar no poder e dizer “tem que ocorrer assim”, a própria sociedade já se movimenta a partir dessa noção da tradição, e aqueles que a desobedecem, a sociedade evoca os chefes de família para uma reunião para decidir o destino daquele grupo que não obedeceu a tradição. A razão cultural a gente tem que perceber enquanto sendo as razoes que cada cultura estabelece e a ideia de uma logica, voltando para Foucault, temos que perceber como uma logica que seja uma coerência interna ao discurso. O discurso do filme vai muito contrario ao discurso do Rouland no sentido de acabar estabelecendo que aquele ciclo da vingança é um ciclo que desencadeará o fim da sociedade, então o discurso do filme ta muito informado por essa critica negativa ao sistema, o que o Rouland, por exemplo, não vai fazer.
 -ABRIR TEXTO NA PAGINA 116- -> EXEMPLO DE SOCIEDADE COM CHEFIA- 
OBS: “O parentesco da vara separa, o da vagina reúne.” Ou seja, se no momento da vingança eu vou para o lado daqueles que possuem vara então eu estou admitindo que eu poso fazer parte do sistema, se eu vou para os parentes da vagina é porque estou tentando escapar desse sistema. Os anciãos da família do ofendido vão consultar esse adivinho (que mais se relaciona propriamente com o divino) e a partir desse adivinho ele vai dizer, apontar, quem é do clã do ofensor que poderá ser punido. A sociedade estabelece limites e ritos para evitar que ocorra uma guerra total dentro da sociedade. Então, o sujeito é assassinado... 48 horas para que o ofensor ou um dos irmãos sejam punidos. Ao acabar as 48h não forem encontrado nenhum dos irmãos (todo mundo correu pro parentesco da vagina), vai-se pro adivinho e ele vai apontar, dento do clã do ofensor, quem vai ser punido. Justamente para evitar que a família do ofendido aplique vendeta sobre qualquer um. Mas aí se nada acontece após os dois dias seguintes à consulta, os idosos dos dois clãs em questão devem chegar à conciliação. Dentre a ritualização do sacrifico do “Boi da chaga” não se pode haver violência entre os dois clãs. O sacrifício do boi da chaga se dá devidamente organizado por pessoas relacionadas ao Rei, então se existe o Rei, existe estado. Aqui se observa que os ritos que foram tomados tem que ser devidamente obedecidos, que há limites para atuação, que há formas propicias para atuação do próprio estado, o rei aqui ele atua meramente enquanto mediador entre as duas vontades. Essa mediação entre as vontades, esse sujeito que vai observar e vai ter participação mínima na vingança clânica, ao final de tudo o que se promove é de uma conciliação entre família do ofensor e família do ofendido. Rouland afirma que os sistemas vindicativo,acima de tudo, é produzido culturalmente podendo passar por determinadas limitações a partir da constituição do estado, mas de que ele, acima de tudo, executa uma ritualização da vendeta, essa vendeta que não se apresenta em nenhuma sociedade antropologicamente registrada enquanto encadeamento confuso e arbitrário de práticas de justiça. A sociedade não espera a constituição do estado para limitar a violência. A sociedade ela não espera a constituição do estado, nem muito menos do estado moderno e do estado liberal, para simplesmente limitar práticas de violência entre si. Agora, nem toda prática presente no sistema vindicativo ela necessariamente é uma prática de violência física. Já dissemos anteriormente, algumas sociedades estabelecem outras formas de resolução de conflitos que não passem necessariamente por violência física, a exclusão do sujeito da própria comunidade... Então as sociedades tentam evitar o máximo possível esse desembocar na violência, enquanto para outras a violência acaba sendo até natural. Só que não é uma violência ilógica e irracional, ela obedece aos limites da logica interna a essa comunidade. Exemplo: Código de Hamurabi, Lei de Talião... o que representa a Lei de Talião? Limitação do sistema vindicativo pela ação do estado. O código de Hamurabi é justamente uma limitação da violência, essa limitação estabelece que a punição ao sujeito tem que ser na mesma medida do ato do ofensor. Se eu tenho o olho furado, tenho direito a buscar a vingança, só que o meu direito está limitado pela ação que me foi dirigida. Eu não tenho direito de mata-lo, tenho o direito, tão somente, de furar-lhe um olho. Se eu tive um membro da família assassinado, tenho direito de assassinar um membro da outra família, de acordo com a ritualização que deve ser plenamente obedecida. “É olho por olho, dente por dente”. Não é “Um olho por uma vida”. O código de Hamurabi, apesar de limitar a violência, não vai tirar a ideia de que a justiça continua nas mãos dos particulares. O que o estado vai dizer? Você foi ofendido então tem direito a vingança, agora essa vingança ela só pode ocorrer de acordo com os limites estabelecidos, seja pela tradição cultura, seja pelo próprio estado. Para Rulan, a partir do estado moderno e a partir desse monopólio do uso da violência é que nós teremos a destituição do sistema vindicativo, não a destruição da violência, não o controle da violência, já que o controle era feito anteriormente, não se inaugura no estado moderno a limitação da violência. Lembrando que o Código de Hamurabi colocava o “olho por olho, dente por dente”, mas havia também uma certa classificação de status entre os sujeitos. Era as condições entre iguais que estabelecia a igualdade na punição. Para Rouland, é a partir do monopólio da força física, ou seja, coloca-se com o estado moderno não uma inauguração do controle da violência, mas o que o estado moderno faz é tirar das mãos dos particulares a possibilidade de aplicação de justiça, portanto, destruir o sistema vindicativo, compreendendo o sistema vindicativo como sendo essa ritualização de atos que obedecem a uma lógica, racionalidade, ou seja, o sistema ordinário de busca de justiça e atribuir ao elemento público (ao estado) a legitimação de punição aqueles que agridam ou ofendam os particulares. Ou seja, se anteriormente o estado dizia: “você foi ofendido, você tem direito a buscar reparação” agora essa reparação tem que obedecer aos ritos que nós ou a própria tradição colocam. A partir do estado moderno, o estado vai dizer: “Você foi ofendido, você tem direito a buscar a justiça. No entanto, quem vai aplicar a justiça sou eu”. Portanto, recorra ao estado enquanto intermediário na aplicação da justiça. O estado leva para si a possibilidade de aplicação de justiça como ideia de desagregar o sistema vindicativo e, portanto, as vendetas serão consideradas ilegais e agora em vez da justiça nas mãos de particulares, ela será executada por meio de penas que o próprio estado vai aplicar. O que o estado moderno vai fazer é justamente monopolizar a capacidade legitima de aplicação de violência, tirando, portanto, das mãos dos particulares essa possibilidade, desagregando o sistema vindicativo e que a vingança agora passa a estar no campo da ilegalidade e a busca por justiça, por reparação ela tem que se dá por meio das penas que o próprio estado estabelece. 
Detalhe: Rouland vai afirmar que se a presença do estado no seu fortalecimento não é garantia do controle da violência o que o estado moderno vai fazer é estabelecer um tipo de pena legal. Ou seja, ele vai de certa maneira legitimizar um tipo de pena legal, que é a pena do suplicio. O suplicio de dá por meio de pena corporal, o suplicio é uma pena corporal que se prolonga no tempo e atua, acima de tudo, enquanto a tortura legal. Portanto, constituição do estado e fortalecimento do estado (posto que aqui é o estado absolutista) a violência continuará e se fortalecerá, pois ela agora está nas mãos do próprio estado. Se anteriormente o suplicio não era uma forma de punição, com o estado moderno ele será a principal forma de punição que representa o próprio poder do estado e com o estado liberal constrói-se uma certa irracionalidade do suplicio mas se estabelece uma pena para alguns ainda pior, posto que é uma pena que simplesmente não vai estar atrelada apenas ao sofrimento físico, mas também ao mental, é uma pena que perpassa o corpo do sujeito, que vai pra própria mentalidade, pro espírito do sujeito, alguns dizem, o estado recrutou tanto sua forma de punir o outro e agora ele não vai punir apenas o corpo, vai punir a mente, a alma. Alguns dizem que o estado liberal constituiu a forma mais violenta de punição dos sujeitos que foi a prisão.
AULA DO DIA 13/11
Continuação do texto 8:
Didatizando o texto do Rouland, há dois grandes momentos na configuração de governo: um momento anterior à centralização do poder (pré-estatal/ não-estatal), no qual a violência é mantida sob controle pela tradição cultural, a qual vai dizer quem tem o direito de se vingar, contra quem se estabelece esse direito, como e por que (rito judiciário da aplicação das vendetas e discursos de legitimação da vingança) e um posterior no qual o Estado começa a atuar sobre a violência, primeiro como “observador” do sistema vindicativo (Estado Primitivo) e depois como monopolizador do uso da força física (Estado Moderno e Estado Liberal).
No momento não-estatal, a violência não necessariamente acontece de forma desenfreada, desmedida e não-racional. Rouland afirma que o registro antropológico garante que basicamente todas as sociedades estudadas até hoje mantinham, sim, controle de sua violência, porém, esse controle muitas vezes se dava por meio de atos físicos e violentos (a idéia de que um grupo que perde um dos seus terá a possibilidade legal de aplicar violência contra o ofensor ou contra o grupo desse ofensor). Há modalidades diversas de aplicar a vingança, cada sociedade estabelece seus próprios ritos, suas próprias soluções e seus próprios critérios a partir dos quais poder-se-á buscar a vingança. Lembrando do Gueertz, cada sociedade possui uma sensibilidade jurídica e é dessa sensibilidade, desse saber local produzido internamente em cada sociedade que vão se estabelecer os ritos judiciais os quais deverão ser obedecido para aplicação da justiça, desemboquem eles em violência controlada ou em outras modalidades que busquem evitar a violência. Toda sociedade, portanto, estabelece formas de controle e, mesmo naquelas que prevêem que as vendetas se darão por meio de atos violentos, essa violência não é ilógica, não é irracional, não é desmedida, nem desenfreada. Nas sociedades não-estatais vigora o sistema vindicativo (a própria noção de sistema possibilita perceber que tais práticas são coordenadas e são controladas por determinados procedimentos racionais previstos). Esse sistema vindicativo não é extinto com o surgimento do Estado, afinal, no momento inicial do Estado, o chamado de Estado Primitivo a partir da velha linhado tempo com a qual Rouland ainda trabalha, ele não monopoliza o poder da violência, ele vai atuar como limitador ainda maior da limitações culturais já existentes para a possibilidade de vingança, reelaborando os ritos já existentes (estabelecendo, por exemplo, o grau de parentesco até onde se pode ser aplicador da vingança – metáfora da mão no punhal feita por Rouland) sem contradizer os limites culturais. Ele deve atuar, ainda, como fiscalizador da prática judiciária, ou seja, as práticas de vingança devem estar de acordo com o sistema vindicativo do local, não podem extrapolar, e, caso haja esse extrapolamento por parte de alguém, o Estado deve entrar na vingança para vingar-se daquele que não obedeceu à tradição. Nesse momento, no qual ainda se fala em justiça particular, o Estado (ainda tido como particular e não como público) reelabora os limites em conformidade com os limites culturais e pune aquele que não segue a tradição, ou seja, é responsável pela manutenção da tradição.
É apenas no Estado Moderno que se dá fim ao sistema vindicativo enquanto forma ordinária de aplicação de justiça e se estabelece uma forma que se quer crer plenamente racional e científica para escapar das velhas vendetas que são qualificadas como ilógicas, irracionais e de violência desenfreada. Ou seja, os contratualistas da idade moderna qualificarão o sistema vindicativo enquanto desmedido, desenfreado e ilógico. É justamente contra essa idéia que o Rouland escreve esse texto e a antropologia se coloca. Quando os contratualistas classificam dessa forma as vinganças eles objetivam dar vazão a idéia de que a única forma racional que o homem civilizado deve aderir é o sistema de penas legais, o qual está diretamente atrelado a atuação do Estado. Seria apenas dando ao Estado o monopólio da produção das penas legais (legislativo) e da aplicação das punições que se garantiria a conformidade com alguns ideais de civilidade e se possibilitaria a pacificação dessa sociedade, essa foi uma forma de legitimação do sistema de penas legais. Todo o texto do Rouland é para desmentir essa idéia e para mostrar o quanto a modernidade legitimou o seu sistema e legitimou a instituição que ela própria criou, o Estado Moderno, denegrindo as formações anteriores, ou seja, o sistema vindicativo que passou a ser qualificado como desmedido, desenfreado e irracional nunca foi, de fato, assim. Cria-se a noção de que as formas de vingança não poderiam conviver com as formas estatais e tira-se, portanto, a justiça das mãos do particular para entregar para a mão do público (Estado), que seria a única maneira de manter a coesão e a pacificação social, algo que o Estado nunca fez de fato. Para Rouland, o Estado moderno só fez destituir o sistema vindicativo, porque o sistema de penas legais do Estado Moderno visava apenas uma punição ao corpo dos infratores, considerando apenas uma determinada quantidade de infrações que diziam respeito à ofensa do Estado. O Estado Moderno não vai retirar efetivamente a possibilidade de aplicação da violência, contanto que essa violência diga respeito a manutenção estatal. É somente no Estado Liberal que a violência passa a ser completamente ilegal, salvo raríssimos casos (legitima defesa e defesa da propriedade). O Estado Moderno e o Estado liberal destroem, portanto, o sistema vindicativo, mas não atuam diretamente na redução da violência. A violência continuará existindo e, durante o Estado Moderno ela será uma violência tal que as narrativas do suplício são aquilo que a partir de um determinado momento os liberais dirão “substituímos o sistema vindicativo por um sistema de penas legais de suplício, estamos na mesma base de irracionalidade e brutalidade”. O Estado Moderno produz o suplício como forma racional, legítima, medida e legal de aplicação da justiça, porém, o Estado Liberal olhará essa forma dirá que o Estado simplesmente substituiu a violência dos particulares pela violência do próprio Estado, e o suplício era, tal qual a vingança, uma forma de aplicar justiça utilizando violência bruta, desmedida e desenfreada.
O suplício é legitimado a partir da naturalização da idéia de que alguém que cometa um ato contra o rei ou alguém que represente o rei (como o pai dentro da família) deve ser punido para que o seu espírito, o qual não respeitou a vontade de Deus para o seu governo (reis são tidos como divindades) e não está, portanto, purificado, através da dor seja iluminado ainda em vida. Essa dor não pode ser imediata, tem que haver horas e mais horas de tortura legal para que o espírito alcance a purificação e a ascese, já que o individuo vai morrer no final. O clero e o Rei “piedoso” têm o papel de acompanhar esse processo que garantiria a purificação da alma da criatura e seria uma pena exemplar (os suplícios acontecem em praças públicas). A racionalidade desse método estaria no pensamento da época que defende que isso estaria legitimado pela própria estrutura de poder da época e também a “cientificidade” do suplício, o qual obedecia à princípios matemáticos e físicos (o carrasco obedece à cientificidade, ele sabe o quanto de dor pode aplicar no corpo para que não o mate antes das 12h, sabe onde pode “mexer”. Isso para não perder o caráter legítimo da pena, afinal, é a purificação que seria alcançada pela tortura que legitima o suplício, se isso não acontece, se o individuo morre antes, o carrasco não foi eficaz e falhou naquilo que legitima a validade do suplício. Portanto, não é papel do carrasco matar, ainda que acabe em morte, e sim aplicar medidas de dor que trazem a purificação do espírito do infrator). Esse é o caráter racional, lógico e medido do sistema de penas legais do Estado Moderno. 
O Estado Liberal, por sua vez, vai negar essa forma do Estado Moderno e vai acabar com essa idéia de que a dor física é o melhor jeito de punição. Afinal, o Estado Liberal é formado por ideais iluministas que prega direitos inalienáveis, como o direito a liberdade. O Estado Liberal portanto, vai direcionar sua punição justamente para esse direito. O sistema de penas legais passará a restringir essa liberdade, criam-se as prisões como forma de punição. Mas, para sua legitimação, a prisão não servirá, tão somente, para retirar a liberdade, mas também para aplicar o sistema penitenciário, que o Foucault definirá como elementos disciplinares que docilizariam os sujeitos para que eles subjetivem determinados comportamentos desejados pelos que comandam. Nesse momento, para o Rouland, o que precisamos compreender é que o sistema de penais legais agora obedece à uma nova racionalidade, uma nova lógica, um novo contexto histórico, uma nova sensibilidade, especialmente por conta da ascensão da burguesia. Essa nova sensibilidade estará atrelada principalmente a uma possibilidade quantificação da pena, de analisar a pena a partir de critérios econômicos (o ato vai ser comparado retoricamente a pena que ele cumpre: 5 anos para tal ato, 12 a 30 anos para outro ato). A pena serviria pra recuperar o equilíbrio que ele ofendeu. A legitimação da prisão consiste em nós naturalizarmos que o sujeito vai preso para se recuperar. (Pena de morte em algumas sociedades seria a falta de uma pena equiparativa na legislação que promova a recuperação do indivíduo, mas para o Rouland isso não cumpre com o próprio objetivo com o qual nasceu a prisão, apesar de a pena de morte são ser como no suplício. Ela passa a ser mais humanizada e limpa).
No sistema de penas legais só quem pode responder pelo ato é o próprio individuo. A família ou grupo ao qual ele pertencem não sofrem a pena estatal (apesar de sofrerem socialmente, de certa forma), isso seria o que se chama no direito penal de caráter personalíssimo da pena.
Para Rouland uma vantagem do sistema de penas legais seria a personalização da pena, mas uma grande desvantagem seria a perda da sensação de justiça por parte do grupo ofendido ou do próprio ofendido, os quais antes buscavam a reparação, uma vez que o Estado monopoliza o poder de aplicação de justiça. Em alguns casos o grupo ofendidon se sente plenamente justiçado com a aplicação da pena Estatal. 
No final do texto Rouland vai propor que, estudando a antropologia, nós possamos repensar o nosso próprio sistema para dar uma maior vazão a uma volta do ofendido ou seu grupo à essa punição, tomando parte nessa reparação/punição. Posto que o Rouland afirma que a pretensão do Direito seria, sobretudo, a restauração de uma ordem perdida em virtude da ofensa e esse sistema em vigor não possibilita essa restauração e essa reestruturação, não garante uma plena satisfação (Rouland não está encorajando e propondo a justiça particular/com as próprias mãos, ele está propondo uma possibilidade de participação do ofendido ou seu grupo na busca por justiça).
Abril despedaçado:
O filme tem muito do que se discutiu no texto do Rouland, mesmo que em Abril Despedaçado o sistema vindicativo seja mostrado de forma mais negativa, enquanto que, em Rouland, estabelece-se sobre esse sistema um caráter racional, lógico, medido e não-negativo. O Rouland, de certa maneira, vai balancear as vantagens e desvantagens tanto do sistema vindicativo quanto do sistema de penas legais.
Deve-se entender o filme pelo filme e não buscando uma vontade de verdade. É preciso analisar o filme pelo próprio discurso do filme (é claro que em muito esse discurso dialoga com coisas que já foram discutidas na primeira unidade). Há vários elementos metafóricos presentes no filme que representam e comunicam muita coisa, mesmo que não esteja falado.
Há uma visão extremamente negativa do sistema vindicativo no qual estão inseridas as famílias do filme, uma visão de que eles estão aprisionados um eterno ciclo (cobra engolindo o rabo de outra cobra até que uma engula completamente a outra e fique, tão somente, a poça de sangue). Apesar dessa negatividade mostrada, para as duas famílias esse sistema é o que garante a honra e tentar escapar dessa tradição seria uma desonra.
Na família dos Breves há o pai, Inácio, Tonho e o menino (Pacu) e na dos Ferreira há o patriarca (Velho cego/ avô), Isaías e Matheus. O filme começa mostrando a morte de Inácio pelo Isaías. Morto Inácio, se estabelece um tempo de trégua aos Ferreira marcado por um símbolo que é o amarelamente do sangue na camisa do Inácio. 	Vimos na aula anterior que a exposição da camisa do assassinado serve para lembrar a necessidade de vingar o sujeito (o espírito de Inácio só encontrará paz quando seu assassino for punido). Com essa trégua dada há a vedação de práticas hostis entre as famílias, passada essa trégua o filho logo em seguida a Inácio tem o dever, pela tradição cultural, de matar o Isaías, que é o que o Tonho efetivamente faz. Os patriarcas de cada família têm o papel de inserir os filhos no sistema vindicativo. As duas famílias foram famílias ricas de grande posição econômica e política (o menino no começo do filem fala que antes eram os escravos que trabalhavam no engenho). Ao perderem essa posição, eles tentam manter influência cultural. Eles vivem da preservação dos valores de quando elas ocupavam lugares de poder. 
A tradição desse sistema vindicativo só permite que se mate um por vez, Tonho tem o dever de matar Isaías, mas só ele (sangue de um pelo sangue de outro). Fugir desse rito, matando todo mundo, por exemplo, é passar do limite e quebrar a tradição, isso desembocaria em violência desenfreada e desmedida.
Os bois (preto e cavaco) são dois personagens extremamente importantes para o filme, uma vez que eles têm nome, mais importantes inclusive que o Menino que não tem nome. O Menino não tem existência fora de um sistema cíclico. O filme faz várias referências a um sistema cíclico dizem também a idéia que o sujeito está preso à vingança, que é um ciclo (gira em torno da mesma coisa). É uma tradição a ser obedecida. Vejam que não há ódio entre os sujeitos (eles não dão vários tiros, nem rasgam a cara do outro), há, tão somente, uma conformação ao ciclo da vingança. Cumpre-se, apenas, com o papel. Eles têm funções dentro do sistema vindicativo. Não se sabe exatamente por que começou a vendeta. Pacu diz que acha que foi por questão de propriedade, mas, mesmo sem saber ao certo, obedece-se à tradição. Cada um vai ter sua hora de atuar dentro do sistema, aquele que questiona isso é tido como a “ovelha negra” e pode ser devidamente punido. Essas noções estão no filme. Porém, há idéias que estão mais simbolizadas, como a idéia de um ciclo, a idéia de um aprisionamento a esse sistema que condiciona o comportamento do sujeito (a bolandeira, os bois rodando entorno do mesmo eixo, o balanço do pacu, a Clara rodando). Todos esses elementos sugerem a ideia de ciclo, inclusive um sistema cíclico que está mostrando ser arcaico e está mostrando sua paulatina desagregação ( em determinados momentos os bois se cansam, a máquina começa a emperrar, a corda que sustenta o balanço se rompe). Ou seja, é a ideia de que esse sistema tem que ser destruído porque ele simplesmente não se adéqua mais aos novos tempos. Em um certo momento do filme o Tonho vai começar a criticar o seu papel dentro do sistema, a partir de interferências externas, no caso, a partir de uma visão nietzcheniana, a arte. A arte (circo) possibilita as novas relações para consigo mesmo e, consequentemente uma nova visão. O que seria o Tonho chegando ao mar? Seria a idéia que, diferentemente do ciclo, o mar representa um horizonte infinito de possibilidades a partir do desatrelamento do sistema vindicativo. Há outra representação dessa arte (no caso, o livro) como fuga da realidade imposta e proporcionadora dessas novas possibilidades, o pacu cria um mundo ideal em que ele nega o que ele realmente é e ele tem uma importância (a sereia sempre volta a ele). O livro possibilita que ele construa uma nova realidade. A arte, a partir do livro e do circo, representa uma fuga do condicionamento e a construção de novas relações. Existe também a nomeação do Menino que delega uma existência a ele a partir desse nome e que não precisa do ciclo, ou seja, mostra uma quebra da preponderância do sistema cíclico.

Continue navegando