Buscar

O CASO SIEGFRIED ELLWANGER: OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 6 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 6 páginas

Prévia do material em texto

O CASO SIEGFRIED ELLWANGER: OS LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Autor
O CONFRONTO DE PRINCÍPIOS: UMA INTRODUÇÃO AO CASO ELLWANGER
Atienza, em sua obra, define os hard cases como: 
Os casos difíceis por definição, são aqueles com relação aos quais a opinião pública (esclarecida ou não) está dividida de maneira tal que não é possível tomar uma decisão capaz de satisfazer a uns e a outros.[footnoteRef:1] [1: ATIENZA, Manuel. As razões do direito – Teorias da argumentação jurídica. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. 3ª ed. São Paulo: Editora Landy, 2003.] 
Nesse sentido, um hard case é aquele sobre o qual a norma jurídica não aborda diretamente, imputando ao julgador a atividade interpretativa, mesmo diante das polêmicas que a decisão possa causar. Nos casos mais típicos desses tipos de casos, existe um confronto muito aparente de princípios e valores, tanto morais quanto legais.
Uma outra definição, mais completa, é a seguinte:
Os casos difíceis ou duvidosos são aqueles cuja decisão final não é obtida com a simples aplicação da norma jurídica e, que necessitam de uma análise mais profunda da interpretação e aplicação da norma consoante ao caso em questão. Tais casos são menos frequentes do que os rotineiros, e existem em todas as áreas dos direitos, mais especificamente no direito constitucional em virtude da singularidade das normas constitucionais. Stein Metz sustenta em relação aos casos difíceis ou duvidosos que: “As colisões de direitos fundamentais são exemplos típicos de casos difíceis e duvidosos. Assim se caracterizam porque o que colidem são direitos fundamentais expressos por normas constitucionais, com idêntica hierarquia e força vinculativa, o que torna imperativa uma decisão, legislativa ou judicial, que satisfaça os postulados da unidade da Constituição, da máxima efetividade dos direitos fundamentais e da concordância prática. A solução da colisão é necessária além da utilização dos princípios ou postulados específicos da interpretação constitucional, exige sobre tudo a aplicação do princípio da proporcionalidade e a argumentação jus fundamental[footnoteRef:2]. [2: STEINMETZ. Wilson Antônio. Colisão de Direitos Fundamentais e o Princípio da Proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001] 
Neste trabalho, será analisado o caso Ellwanger, em que foi discutida a questão dos limites da liberdade de expressão frente ao uso desse direito como base para a propagação de discursos de ódio e de ofensa a direitos fundamentais de outrem, como a igualdade e o respeito à dignidade da pessoa humana. 
Entende-se que a liberdade de expressão caracteriza um direito fundamental, constitucionalmente garantido no regime democrático brasileiro. Entretanto, quando este direito é aplicado para a reprodução de discursos de ódio (hate speech) contra minorias sociais, de que maneira os casos deverão ser decididos?
Para a jurisprudência brasileira, tal caso foi um marcador de uma virada de paradigma, uma vez que indicou a mudança de entendimento por parte do Supremo Tribunal Federal a respeito da ponderação de princípios e de resolução de hard cases.
Assim, depreende-se que:
O caso paradigma para se investigar a colisão de direitos fundamentais, notadamente de liberdade de expressão e da dignidade humana, centra-se no Habeas Corpus (HC) nº 82.424-2/RS que tem por paciente Siegfried Ellwan-ger55. O HC foi impetrado perante o Supremo Tribunal Federal contra acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça por meio do qual, indeferida a ordem, prevaleceu a condenação imposta ao impetrante pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, negando-se o afastamento da imprescritibilidade, porque enquadrado o crime praticado como de racismo. Ellwanger, escritor e editor, fora acusado com base no art. 20 da Lei 7.716 de 1989 que prevê os crimes de preconceito de raça ou cor, de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, etnia, cor, religião, ou procedência nacional com a redação alterada pela Lei 8.081 de 1990, que inclui religião, etnia ou precedência nacional no conceito de racismo, contra os Judeus[footnoteRef:3]. [3: COELHO, Rosa Júlia Plá; POMPEU, Gina Vidal Marcílio. Liberdades de expressão e de informação em face da igualdade e dignidade humana: o caso Siegfried Ellwanger. Disponível em: <http://seer.upf.br/index.php/rjd/article/view/7211/4345> . Acesso em 02 de jun de 2021] 
Serão apontados, adiante, os aspectos legais, morais e doutrinários envolvidos no caso, com destaque à problemática da limitação dos direitos fundamentais
um breve panorama sobre o caso ellwanger
Siegfried Ellwanger, era o autor e tinha uma editora que publicava obras que incitavam o antissemitismo, sob o pseudônimo de S. E. Castan. O acusado publicou livros através dos quais amenizava ou negava a ocorrência do Holocausto, sendo, por isso, denunciado pela prática de racismo[footnoteRef:4]. [4: LABOISSIERE JR, Luiz. Direito penal e liberdade de expressão no STF: uma análise dos casos Ellwanger e marcha da maconha à luz do poder punitivo. Disponível em: <https://www2.unifap.br/editora/files/2014/12/Livro-Direito-Penal-e-Liberdade-de-Express%C3%A3o-no-STF-Luiz-Laboissiere-Jr.pdf> Acesso em 02 de jun de 2021.] 
O caso chegou ao STF sob um pedido de habeas corpus, por meio do qual o acusado pretendia afastar a acusação do delito por força do artigo 5o, LXIII, da Constituição Federal. No julgamento do caso, em 17 de setembro de 2003, os ministros decidiram por não beneficiar o paciente com o habeas corpus, após profundos debates acerca dos argumentos da defesa. De modo geral, o caso apresenta a colisão de dois direitos fundamentais: o da liberdade de expressão e o da dignidade do povo Judeu, a qual foi relativizada através dos textos publicados pelo acusado. A principal argumentação da defesa apontava que o povo judeu não configurava uma raça, o que impediria o enquadramento de Ellwanger no referido artigo. 
Outro ponto discutido era a prevalência da liberdade de expressão. Esta poderia ou não servir de apoio para que as pessoas publicassem obras de natureza ofensiva a grupos sociais?
Instalava-se, assim, o hard case, na medida em que a controvérsia não encontra solução óbvia na ordem jurídica. É nesse momento, de acordo com Ronald Dworkin, que o intérprete da lei depara-se com a árdua tarefa de analisar o problema à luz de seus partícipes, seu contexto e suas consequências[footnoteRef:5]. [5: COELHO, Marcus Vinicius Furtado. Liberdade de expressão e seus limites: a dignidade da pessoa humana. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-jan-08/constituicao-liberdade-expressao-limites-dignidade-pessoa-humana>. Acesso em 02 de jun de 2021.] 
aspectos legais e doutrinários da decisão: A PONDERAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Para o STF, a liberdade de expressão engloba a livre manifestação do pensamento, a exposição de atos atuais ou históricos e a crítica[footnoteRef:6]. Importante ressaltar, entretanto, que a ilimitabilidade não é uma de suas características. Isso quer dizer que, no sentido legal, o direito à liberdade de expressão não é absoluto. Sob esse viés, aplica-se a máxima popular de que “seu direito termina assim que o do outro começa”, ou seja, a liberdade de expressão é limitada pelo direito à integridade intelectual e à dignidade da pessoa humana das pessoas. [6: HC 83.125, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 16-9-2003, Primeira Turma, DH de 7-11-2003] 
Tal aspecto foi amplamente discutido pelos ministros durante o caso Ellwanger. O Ministro Carlos Ayres Britto e o Ministro Marco Aurélio apontavam que:
Publicar um livro é um direito que exprime a liberdade de pensamento. Está no plano da reflexão, não no plano da ação; não está no plano da conduta, portanto, não significa prática[footnoteRef:7]. [7: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus. Publicação de Livros: Antissemitismo. Racismo. Crime imprescritível. Conceituação. Abrangência Constitucional. Liberdade de Expressão. Limites. Ordem denegada.Habeas corpus no 82.424/RS. Siegfried Ellwanger e Superior tribunal de Justiça. Relator Ministro Moreira Alves. DJ 19. Mar. 2004.] 
Gilmar Mendes, em seu voto, abordou o conflito entre os direitos fundamentais existente no caso em questão:
A liberdade de expressão, incluindo a liberdade de imprensa, é fundamental para uma democracia. Se a democracia é definida como controle popular do governo, então, se o povo não puder expressar seu ponto de vista livremente, esse controle não é possível. Não seria uma sociedade democrática. Mas, se igualmente o elemento central da democracia é o valor da igualdade política (...) uma sociedade que objetiva a democracia deve tanto proteger o direito de liberdade de expressão quanto o direito à não-discriminação. Para atingir a igualdade política é preciso proibi a discriminação ou a exclusão de qualquer sorte, que negue a alguns o exercício de direitos, incluindo o direito à participação política[footnoteRef:8] [8: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas0Corpus. Publicação de Livros: Antissemitismo. Racismo. Crime imprescritível. Conceituação. Abrangência Constitucional. Liberdade de Expressão. Limites. Ordem denegada. Habeas corpus no 82.424/RS. Siegfried Ellwanger e Superior tribunal de Justiça. Relator Ministro Moreira Alves. DJ 19. Mar. 2004.] 
Frente a essas noções, o direito à liberdade de expressão deve ser objeto de ponderação. Esta, por sua vez, consiste no método necessário ao equacionamento das colisões entre princípios da Lei maior, através do qual busca-se alcançar um ponto ótimo, em que a restrição a cada um dos bens jurídicos de estatura constitucional envolvidos seja a menor possível, na medida exata necessária à salvaguarda do bem jurídico contraposto[footnoteRef:9]. A ponderação, nesse caso, deve ser feita frente ao princípio da igualdade atribuído ao povo judeu e às outras pessoas residentes em Estados Democráticos de Direito, principalmente quando o juiz está diante de um hard case. [9: SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2003.] 
Essa perspectiva se aproxima da teoria de Robert Alexy, o qual defende o uso da técnica jurídica da ponderação nos casos difíceis, mas ressalta que este deve ser feito em concomitância com a proporcionalidade, de modo a aplicar a ferramenta de maneira adequada. Tal técnica foi desenvolvida na Alemanha e foi utilizada pela primeira vez em 1958 pelo Tribunal Constitucional Alemã.
Como o STF julgou o caso desfavoravelmente ao réu, conclui-se que foi afastada a ideologia liberal de direitos fundamentais e passou-se a conceder uma vertente mais social a estes[footnoteRef:10]. Assim, a ponderação feita por parte dos ministros priorizou o princípio da dignidade humana dos Judeus, classificando como essencial a limitação da liberdade de expressão em casos como esse. [10: BORGES GALLIETA, Nayara. Os limites da liberdade de expressão: análise do HC 82.424/RS. Revista Brasileira de Direitos e Garantias Fundamentais. Curitiba, 2016. Págs. 230-248.] 
conclusão
O Caso Ellwanger representou uma virada paradigmática no Direito brasileiro, uma vez que implicou na aplicação da ponderação dos princípios frente aos hard cases.
Ao lidar com um caso em que dois direitos fundamentais essenciais à vida humana e defendidos internacionalmente se chocavam diretamente, o Supremo Tribunal Federal se viu em uma situação difícil, uma vez que a decisão não era apontada diretamente pelo ordenamento jurídico, principalmente no que tange ao conceito de raça quanto ao que tange à limitação da liberdade de expressão.
Decidindo desfavoravelmente ao pedido do réu, o Supremo Tribunal Federal se posicionou de modo a definir como não absoluto o direito a se expressar, mesmo que através de livros e publicações. Essa virada significou a vitória da dignidade humana como direito base do ordenamento jurídico e sua preponderância sobre o direito à liberdade de expressão. 
Ressaltou-se, no trabalho, portanto, a importância da teoria de Alexy frente aos hard cases. A partir da ponderação e da proporcionalidade, é possível decidir de maneira mais adequada.
referências bibliográficas
ATIENZA, Manuel. As razões do direito – Teorias da argumentação jurídica. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. 3ª ed. São Paulo: Editora Landy, 2003.
BORGES GALLIETA, Nayara. Os limites da liberdade de expressão: análise do HC 82.424/RS. Revista Brasileira de Direitos e Garantias Fundamentais. Curitiba, 2016. Págs. 230-248.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus. Publicação de Livros: Antissemitismo. Racismo. Crime imprescritível. Conceituação. Abrangência Constitucional. Liberdade de Expressão. Limites. Ordem denegada. Habeas corpus no 82.424/RS. Siegfried Ellwanger e Superior tribunal de Justiça. Relator Ministro Moreira Alves. DJ 19. Mar. 2004.
COELHO, Rosa Júlia Plá; POMPEU, Gina Vidal Marcílio. Liberdades de expressão e de informação em face da igualdade e dignidade humana: o caso Siegfried Ellwanger. Disponível em: <http://seer.upf.br/index.php/rjd/article/view/7211/4345> . Acesso em 02 de jun de 2021
COELHO, Marcus Vinicius Furtado. Liberdade de expressão e seus limites: a dignidade da pessoa humana. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-jan-08/constituicao-liberdade-expressao-limites-dignidade-pessoa-humana>. Acesso em 02 de jun de 2021.
HC 83.125, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 16-9-2003, Primeira Turma, DH de 7-11-2003
LABOISSIERE JR, Luiz. Direito penal e liberdade de expressão no STF: uma análise dos casos Ellwanger e marcha da maconha à luz do poder punitivo. Disponível em: <https://www2.unifap.br/editora/files/2014/12/Livro-Direito-Penal-e-Liberdade-de-Express%C3%A3o-no-STF-Luiz-Laboissiere-Jr.pdf> Acesso em 02 de jun de 2021.
SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2003.
STEINMETZ. Wilson Antônio. Colisão de Direitos Fundamentais e o Princípio da Proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001

Outros materiais