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ÉTICA A NICOMACO- ARISTÓTELES - FICHAMENTO

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LIVRO I
CAPÍTULO 1: Todas as coisas tendem para o bem. Os fins se dividem entre atividades, e
produtos diferentes das atividades das quais resultam, sendo estes distintos das ações, e por
isso mais excelentes. Como há muitas artes e ciências, existem muitos fins. Os fins
fundamentais devem ter precedência sobre os subordinados, pois estes são procurados em
função daqueles.
CAPÍTULO 2: Considerando a existência de um fim que desejamos por si mesmo, sendo que
todas as outras coisas são desejadas por causa dele, esse fim vem a ser o “sumo bem”, tudo
seguindo em sua direção. Ele é objeto da ciência política, que prevalece sobre tudo e, tem por
finalidade abranger a finalidade das outras ciências, e tal finalidade é o bem humano, mas
principalmente voltado a todos os indivíduos organizados em uma nação ou cidade-estado,
por ser mais nobre e mais divino do que se fosse voltado a um indivíduo só.
CAPÍTULO 3: As ações belas e justas admitem grande variedade de opiniões diferentes. Com
os bens podemos observar a mesma coisa, e um bem pode até chegar a ser prejudicial. A
conclusão da investigação ética deve ser feita de forma aproximada e sumária, não admitindo
precisão em virtude de sua natureza. Quem dominar um assunto específico é bom juiz nesse
assunto, e quem tiver recebido instrução a respeito de todas as coisas é bom juiz em geral. O
jovem, não achará proveitoso o estudo da ciência política, e seu estudo por eles será
improfícuo, já que os jovens agem por paixões, e a investigação ética ajuda apenas a quem
quer agir de acordo com a razão, e não por paixões.
CAPÍTULO 4: Quase todos parecem estar de acordo de que o bem supremo é a felicidade. E
o fim da ciência política, portanto, é a felicidade. Entretanto, existem divergências sobre o que
vem a ser a felicidade. Por exemplo, alguns consideram que ela equivale ao bem viver e ao
bem agir. A opinião dos sábios difere da do vulgo; ainda, outros pensam que a felicidade
depende das circunstâncias. Sua investigação deve começar pelos fatos conhecidos dos
homens. Para isso é preciso ter sido educado nos bons hábitos. Quem não é educado, deve
ouvir os que foram educados desse modo.
CAPÍTULO 5: Podemos dizer que existem três tipos de vida: a vida dos prazeres, a vida
política e a vida contemplativa. As pessoas de maior refinamento identificam a felicidade com
a honra, que seria a finalidade da vida política. Procura-se a honra através da prática da
virtude que pode ser considerada a finalidade da vida política. Mesmo o homem virtuoso está
sujeito a sofrimentos e infortúnio, sendo então essa virtude incompleta. A vida dedicada a
ganhar dinheiro não busca um bem em si, porém algo útil no interesse de outra coisa.
CAPÍTULO 6: O bem universal é que deve ser considerado, e discutido com maior
profundidade. Faz-se mister salientar que o termo “bem” tem numerosas definições, e por isso
o bem não é único e universal. Decorre disso o fato de haver várias ciências do bem. O bem
pode ser considerado uma qualidade ou ainda uma relação. O bem substancial é anterior à
relação. Não existe idéia de “bem comum” no modo absoluto e relativo. O bem em si e os
particulares não diferem enquanto bem. Os platônicos cogitam sobre um “bem em si” e outros
em relação a este. Estudando o bem em si, pode-se perceber que não existe elemento comum
em uma só idéia. O bem único e universal seria inatingível ao homem. Além disso, se
houvesse o conhecimento do bem único e universal, ele não seria útil nos casos particulares.
CAPÍTULO 7: Voltemos a falar do bem que está sendo procurado, e a indagar o que é ele. Ele
se mostra diferente nas diversas ações e artes. Portanto, o bem seria a finalidade das ações. O
sumo bem é absoluto, ou seja, desejável “em si”, e não pelo interesse de outra coisa.
A felicidade é esse bem desejável “em si”. Ela é perfeita e auto-suficiente, faz com que a vida
seja desejável e sem carências de qualquer natureza, sendo o fim de todas as ações. Ademais,
a felicidade depende da função do homem que é vida ativa da alma, implicando ela num
princípio racional. Além disso, o homem bom deve realizar bem suas ações. O bem do
homem vem a ser a atividade da alma em consonância com a virtude; se há mais de uma
virtude, então será em consonância com a melhor e mais completa entre as virtudes.
Entretanto, a virtude deve ser praticada “em uma vida inteira”, já que um só dia de prática não
tornaria um homem feliz e venturoso.
Tomemos o “fato” como o ponto de partida, ou “primeiro princípio”. Os primeiros princípios
podem ser estabelecidos pela indução, pela percepção, pelo hábito, e ainda de diferentes
formas.
CAPÍTULO 8: Os bens têm sido divididos em três tipos: os exteriores, os da alma e os do
corpo. Os bens da alma são considerados melhores, pois são “bens” no mais próprio e
verdadeiro sentido do termo. Outra crença que faz sentido é a de que o homem feliz age bem e
vive bem. Alguns identificam a felicidade com a virtude, outras com a sabedoria prática,
outras com sabedoria filosófica, e outras a consideram ser uma somatória de todas as
anteriores, somadas a pelo menos um pouco de prazer; ainda, alguns identificam a felicidade
com a prosperidade exterior. A chamada “atividade virtuosa” deve necessariamente agir, e
agir bem, posto que são uma atividade, não admitindo estado de inércia. As ações virtuosas
devem ser aprazíveis em si e por natureza. Assim, a felicidade é a melhor, a mais nobre e a
mais aprazível coisa do mundo. A felicidade parece depender também dos bens exteriores
para realizar atos nobres a fim de que seja conquistada.
CAPÍTULO 9: Pergunta-se como se adquire a felicidade: pelo hábito, pelo aprendizado, por
algum tipo de exercício, ou ainda por providência divina, e pode-se concluir que a felicidade é
de fato uma graça concedida pelos deuses, posto que é algo divino e abençoado. Além do
mais, a felicidade é uma determinada atividade da alma conforme a virtude. Não se pode dizer
que animais, e tampouco crianças, são felizes. Porque para atingir a felicidade é preciso não
apenas virtude completa, mas também levá-la por toda uma vida.
CAPÍTULO 10: Se partirmos do princípio de que a felicidade é permanente, cai-se em um
paradoxo ao se afirmar que o homem é feliz somente ao final de uma boa vida. As atividades
virtuosas constituem a felicidade, sendo as mais duráveis. As atividades viciosas nos
conduzem à infelicidade. Durante toda a sua vida, o homem dito feliz dedicara-se à ação ou
contemplação da virtude, suportando os reveses da vida. Nos grandes infortúnios é que se
revela a verdadeira nobreza de um homem, e é quando aparece sua grandeza de alma. O
homem sábio e bom tira o maior proveito das circunstâncias. Homens felizes são aqueles que
estão em condições de se tornarem felizes, e preferivelmente por toda a vida.
CAPÍTULO 11: A boa ou má fortuna dos amigos parecem ter certa influência sobre os
mortos, porém tais influências são muito pouco significativas para a felicidade dos homens,
não sendo capazes de alterar seu estado.
CAPÍTULO 12: A felicidade é uma coisa louvável e perfeita, não sendo do tipo das
potencialidades. A felicidade é, ainda, o “primeiro princípio” e a causa dos bens, sendo ainda
de natureza divina.
CAPÍTULO 13: A felicidade é uma atividade da alma segundo a virtude perfeita. Convém
considerar a natureza da virtude para compreender a natureza da felicidade, e a virtude aqui se
refere à virtude humana, sendo esta ainda a da alma e não do corpo. O político estuda a
virtude antes de tudo, e o que se busca é a virtude humana. Portanto, o político se dedica ao
estudo da alma. A alma é formada de uma parte sobre a qual temos controle (razão), e outra
sobre a qual não temos nenhum controle (irracional). O homem continente, temperante e
bravo obedece à razão. A parte irracional da alma é persuadida pela razão, pela reprovação e
conselhos. As virtudes são de ordem intelectual ou moral. As de ordem intelectual são a
sabedoria, a compreensão e a prudência. As de ordem moral são a generosidade e a
temperança. As disposições de espírito louváveis que sãopraticadas por hábitos são chamadas
virtudes.
LIVRO II
CAPÍTULO 1: A virtude pode ser dividida em duas espécies: a moral (que é adquirida pelo
hábito e não por natureza) e a intelectual (que é desenvolvida através do ensino). As coisas
naturais não podem adquirir um hábito contrário à sua natureza. A boa legislação torna bons
os cidadãos por meio dos hábitos. O contrário também é verdadeiro: toda virtude pode ser
destruída por uma má constituição. As virtudes e os hábitos tornam os homens justos ou não.
Os nossos hábitos adquiridos na infância terão importância decisiva nas nossas disposições
morais e para a qualidade dos atos que praticamos.
CAPÍTULO 2: A presente investigação ética não visa o conhecimento teórico da virtude, e
sim a natureza dos atos na prática, ou seja, de que forma devemos praticá-los. O princípio
comumente aceito é o de que devemos agir de acordo com a “regra justa”. É importante
esclarecer que está na natureza das virtudes o fato de que são destruídas pela deficiência e
pelo excesso. Por exemplo, a temperança e a coragem são destruídas pelo excesso e pela
deficiência, e preservadas pela mediania.
CAPÍTULO 3: O prazer e a dor que são conseqüência dos atos devem ser considerados os
sinais das nossas disposições morais. Por causa do prazer, podemos praticar ações más, e por
causa da dor podemos nos abster de ações nobres. A excelência moral deve levar em conta o
deleite e o sofrimento. Cada ação e paixão é acompanhada de prazer e dor. O castigo é
efetuado pelo contrário do efeito da ação a ser punida. Tanto o vício como a virtude
relacionam-se com o prazer e a dor, mas de modo contrário. Existem três objetos de escolha: o
nobre, o vantajoso e o agradável. E, ainda, há três objetos de rejeição, a saber: o vil, o
prejudicial e o doloroso.Prazer e dor acompanham os homens desde a infância. É mais difícil
lutar contra o prazer do que contra a dor. A virtude e a arte orientam-se pelo mais difícil. E
esse é o motivo pelo qual a virtude e a ciência política sempre giram em torno de prazeres e
sofrimentos, pois o homem que os usa bem é bom, e o que os usa mal é mau.
CAPÍTULO 4: Ao praticarmos atos justos, iremos nos tornar pessoas justas. Para praticar a
virtude, o agente deve estar em determinada condição. Deve conhecer o que faz, e deve
escolher os atos em função dos próprios atos; além disso, a ação deve proceder de uma
disposição moral firme e imutável. As ações são ditas justas e temperantes quando são
conformes às praticadas pelas pessoas justas e temperantes, e as pessoas têm necessariamente
de praticá-las para se tornarem boas. Uma pessoa não pode ficar apenas com o aspecto teórico
das ações, para se tornar boa. Apenas praticando a virtude as pessoas se tornam virtuosas.
CAPÍTULO 5: Vejamos o que vem a ser a virtude. A virtude pode pertencer às paixões, ou às
faculdades e disposições de caráter. As paixões são os sentimentos que trazem prazer e dor.
As faculdades permitem sentir as paixões. As disposições de caráter são o que pode ser
considerado bom ou mal diante das paixões. As pessoas são louvadas ou censuradas por suas
virtudes ou vícios. Com respeito às paixões se diz que somos movidos, mas com relação às
virtudes não somos movidos, e sim que temos esta ou aquela disposição de caráter. Posto que
as virtudes envolvem escolha, elas não são paixões nem faculdades, e sim disposições de
caráter.
CAPÍTULO 6: Não basta, no entanto, definir a virtude como uma disposição de caráter, sendo
necessário assinalar de que tipo é essa disposição. Toda virtude ou excelência dá boa condição
tanto à própria coisa como à função dessa coisa. A virtude do homem é à disposição de
caráter que o torna bom e que o faz desempenhar bem sua função. De tudo o que é divisível,
pode-se tirar uma parte maior, menor ou igual, isto no que se refere à própria coisa em si, e à
coisa em relação a nós. O meio-termo vem a ser o que é eqüidistante em relação aos extremos.
O meio-termo das coisas em si é uma medida única e invariável para todas as pessoas; por
outro lado, o meio-termo entre as coisas e as pessoas é variável de pessoa para pessoa. Por
exemplo, o que vem a ser meio-termo em matéria de definição da quantidade de alimento
necessária para saciar a fome de alguém, varia de pessoa para pessoa conforme suas
características.A arte também realiza bem seu trabalho quando consegue acertar no
meio-termo. A excelência das obras de arte as preservam, ao passo que o excesso e a falta as
destroem. No que concerne aos homens, o meio-termo é relativo, mas não ao objeto. A
virtude é o atributo de visar o meio-termo. A virtude diz respeito às paixões e ações, sendo
erros o excesso e a falta, enquanto o meio-termo é o único modo de acerto. Enquanto há
muitas formas de errar, pode-se acertar de um modo apenas. O excesso e a falta são
características do vício e a mediania, da virtude. Para concluir acerca da definição da essência
da virtude, ela é uma mediania; entretanto, com relação ao sumo bem e ao mais justo, ela é
um extremo. Não há como se falar de virtude ou meio-termo nas paixões viciosas, que são
más em sua própria natureza. Da mesma forma que não há excesso nem falta na mediania,
com relação ao excesso ou à falta não existe meio-termo.
CAPÍTULO 7: Além da definição acima, que é genérica, devemos nos ater aos casos
particulares, pois no que diz respeito às regras de conduta, as normas particulares são mais
verdadeiras, pois a conduta se relaciona a casos individuais. Aristóteles passa então a tratar
não muito profundamente sobre os aspectos “excesso, falta, meio-termo” sobre o medo,
temeridade e coragem, os prazeres e sofrimentos do qual o meio-termo é a temperança e, o
excesso, é a intemperança. Existem três meios-termos distintos, embora tenham uma
semelhança comum. Todos estão em intercâmbio entre atos e palavras. Um diz respeito à
verdade e os outros dois ao aprazível. Dos aprazíveis, um proporciona divertimento e outro
manifesta-se em todas as situações. A maioria das disposições não tem nomes, mas devemos
inventá-los. Há meio-termo nas paixões propriamente ditas, e também um meio-termo em
relação a elas. A justa indignação é um meio-termo entre a inveja e o despeito, estando estas
disposições relacionadas ao sofrimento e ao prazer que sentimos diante da boa ou má sorte de
nossos semelhantes.
CAPÍTULO 8: Quanto à justiça, de difícil definição, existem três tipos de disposições: duas
delas são vícios que envolvem excesso e carência, e a terceira é uma virtude: o meio-termo.
A disposição extrema é contrária ao meio-termo e ao outro extremo. O meio-termo é contrário
aos extremos. Os estados medianos são excessivos em relação às deficiências, sendo por sua
vez deficientes diante dos excessos. Porém, a maior contrariedade é a que está entre os
extremos, e não entre extremos e meio-termo. O meio-termo pode estar mais próximo de um
extremo do que outro. Aquilo pelo qual o homem tende por natureza lhe parece mais contrário
ao meio-termo. Daí podemos concluir que somos levados mais facilmente à intemperança do
que à moderação.
CAPÍTULO 9: Uma vez explicado que a virtude é um meio-termo entre dois vícios, e que não
é fácil ser bom, pois em tudo é difícil encontrar o meio-termo. Quem visa o meio termo deve
se afastar do que lhe é mais contrário. Em tudo, devemos nos precaver mais contra o prazer e
o que é agradável, posto que não conseguimos julgá-los com imparcialidade. Como atingir o
meio-termo não é fácil, só é censurado aquele que se desvia consideravelmente do
meio-termo, e a percepção é que decide até que ponto o homem merece censura. Para
chegarmos ao que é certo, ou seja, ao meio-termo ora teremos de nos inclinar para o excesso,
ora para a falta.
LIVRO III
CAPÍTULO 1: É necessário distinguir os aspectos voluntário e involuntário da natureza da
virtude. São consideradas involuntárias as ações que ocorrem sob compulsão ou por
ignorância. Há ainda as ações que poderiam ser chamadas de “mistas”, já que contêm
elementos voluntários e involuntários ao mesmo tempo, embora mesmo estas pertençam mais
ao campodas voluntárias do que ao das involuntárias. Por exemplo, às vezes somos forçados
a fazer algo ignóbil que, numa situação comum, nunca escolheríamos fazer. O ato forçado
parece ser aquele cujo princípio motor se encontra do lado de fora do agente, o qual em nada
contribui para tal ato. Tudo o que é feito por ignorância é não-voluntário, e apenas o que
acaba por produzir sofrimento e arrependimento é involuntário. Como tudo o que se faz
forçado ou por ignorância é involuntário, o voluntário parece ser aquilo cujo princípio motor
está no próprio agente quando este tenha conhecimento das circunstâncias particulares em que
está agindo. O involuntário é doloroso, e por outro lado o que está de acordo com o apetite é
prazeroso. As paixões irracionais não são involuntárias.
CAPÍTULO 2: Agora passemos ao exame da escolha, que parece estar mais proximamente
ligada à virtude do que as ações do são. A escolha parece voluntária, mas não se identifica
assim. Ela não é comum à irracionalidade como a cólera e o apetite. A escolha é contrária ao
apetite e não se relaciona com o prazeroso e o doloroso. Além disso, a escolha não visa coisas
impossíveis, e se relaciona com os meios, e não com os fins, como o desejo. Também, ela não
se identifica com a opinião. A escolha é caracterizada pela bondade ou pela maldade. A
escolha envolve razão e reflexão. É aquilo que preferimos às outras coisas.
CAPÍTULO 3: Deliberamos sobre as coisas que estão ao nosso alcance e que podem ser
realizadas, sendo estas as que restam para a análise. Quanto mais exata a ciência ou o objeto,
menos deliberamos sobre tal coisa. De outra face, quanto menos exata a coisa, mais
deliberamos sobre ela. A deliberação diz respeito às coisas que em geral acontecem de uma
determinada forma, mas cujo desfecho é obscuro e indeterminado. Além disso, nas coisas
importantes recorremos a outras pessoas para nos ajudar a deliberar, por não ser suficiente à
confiança que depositamos na nossa capacidade de decidir. Não deliberamos sobre os fins, e
sim sobre os meios. Ainda, nem toda investigação é deliberação. Mas toda deliberação é
investigação. O homem é um princípio motor de ações, a deliberação é acerca de coisas a
serem feitas pelo próprio agente, e as ações são praticadas com vistas à outra coisa que não
elas mesmas. Em suma, a escolha se relaciona com os meios para chegarmos aos fins.
CAPÍTULO 4: Podemos dizer que aquilo que em verdade o homem bom deseja é que é
verdadeiramente um objeto de desejo; por outro lado, qualquer coisa poderia ser objeto de
desejo para o homem mau, pois o homem bom avalia corretamente todas as coisas, e em cada
tipo de coisas a verdade lhe aparece com clareza. Poder-se-ia afirmar que a maior diferença
entre o homem bom e os outros está no fato de que o homem bom consegue perceber a
verdade em cada classe de coisas, sendo ele a ‘norma e medida’ dessas coisas.
CAPÍTULO 5: O exercício da virtude se relaciona com os meios; portanto, a virtude está
também ao nosso alcance, da mesma forma que o vício. Está em nossas mãos escolher agir de
acordo com o que é nobre ou o que é vil, ou seja, depende apenas de nós sermos virtuosos ou
viciosos. Todos os atos viciosos que dependem dos culpados merecem punição. Os homens
são responsáveis por serem injustos. Além dos vícios da alma, os do corpo também podem ser
voluntários. Pode acontecer de uma pessoa ser punida pela própria ignorância, caso seja
responsável por ela, como no caso das penas dobradas para os ébrios (dobrada, porque: se
embriagou, e a embriaguez desejada lhe fizera delinqüir). Também são punidas as pessoas que
ignoram as prescrições legais, pois elas poderiam ter-se informado de uma maneira mais
zelosa. Com relação aos vícios do corpo, os que dependem de nós evitar são recriminados, e
aqueles que não estava ao nosso alcance evitar não são recriminados. Visar a um fim justo não
depende da nossa escolha, mas é preciso ter nascido com uma visão moral, que nos permita
julgar corretamente e escolher o que é verdadeiramente bom. Essa visão moral é a coisa mais
nobre que existe, e é algo que não aprendemos de outra pessoa, posto que recebemos ao
nascer; e ser nobremente dotado dessa qualidade, é a excelência perfeita no que diz respeito
aos dotes naturais. Portanto, as virtudes são voluntárias, da mesma forma que os vícios são
voluntários. A seguir diremos quais são as virtudes, sua inter-relação e quantas são elas.
CAPÍTULO 6: Falemos da coragem, que é o meio-termo entre os sentimentos de medo e
temeridade. A coragem se relaciona com as coisas mais temíveis, sendo a morte a mais
temível de todas as coisas, por ser ela o fim de tudo. No entanto, não é sempre que a morte dá
margem a que a coragem se manifeste. A coragem se manifesta então nas circunstâncias mais
nobres, e essas mortes são as que ocorrem na batalha, e por isso é que são honradas nas
cidades-estados e pelos monarcas.
CAPÍTULO 7: Corajoso é o homem que enfrenta e teme as coisas que deve, e pelo devido
motivo. O homem corajoso age de acordo com o caso em questão, e do modo que a regra
prescreve e por causa da honra, pois essa é a finalidade da virtude. A coragem em excesso é a
temeridade. O excesso de medo é a covardia. A covardia, a temeridade e a coragem
relacionam-se com os mesmos objetos. A coragem é a mediania; de outra face, os extremos
são a covardia e a temeridade. Além do mais, os temerários são precipitados e anseiam os
perigos antecipadamente, porém recuam quando os têm pela frente, ao passo que os corajosos
nobremente são ardentes no momento de agir, mas fora dessas situações são tranqüilos.
CAPÍTULO 8: Existem cinco espécies de coragem. A do cidadão-soldado é a mais próxima
da verdadeira. A coragem deve surgir por nobreza, e não por coação. A experiência e o
conhecimento dos fatos particulares também podem ser considerados coragem. Em certos
casos, a paixão também é confundida com a coragem. Os homens corajosos agem tendo em
vista a honra, mas a paixão os ajuda a agir. A paixão corajosa parece a mais natural,
tornando-se a verdadeira coragem quando acompanhada de escolha e motivo. Os otimistas
assemelham-se aos corajosos apenas porque sua confiança se baseia em sucessivas vitórias.
As pessoas que ignoram o perigo também parecem corajosas; entretanto, fogem assim que se
dão conta. dele.
CAPÍTULO 9: A coragem relaciona-se mais com as coisas que inspiram medo. É por
enfrentarem o que é penoso que as pessoas são chamadas de corajosas. O objetivo da coragem
é prazeroso, apesar das circunstâncias desagradáveis envolvidas no caso. Não é em relação a
todas as virtudes que o exercício é agradável, exceto quando atingem sua finalidade.
CAPÍTULO 10: Agora falemos da temperança, que parece pertencer à parte irracional da
alma, sendo ainda o meio-termo em relação aos prazeres. A temperança deve estar
relacionada com os prazeres do corpo (como o tato e o paladar), e não os da alma. A
intemperança parece ser justamente condenada porque nos domina não como homens, e sim
como animais. E se comprazer com tais coisas (as do tato e do paladar) e amá-las acima de
todas as outras, é próprio de animais.
CAPÍTULO 11: Agora se tratará dos apetites, sendo que alguns deles são comuns a todas as
pessoas, e outros são peculiares a certas pessoas, pois foram adquiridos. O apetite pelo
alimento é natural, o mesmo ocorrendo com o amor. Nos apetites naturais, poucos se
enganam, e quando se enganam o fazem em apenas um sentido: o do excesso. Entretanto, o
excesso em relação aos prazeres é intemperança, e é condenável. O homem temperante deseja
moderadamente as coisas que, sendo agradáveis, contribuem para a saúde ou a boa condição
do corpo; ele ocupa, portanto, a posição de meio-termo em relação aos prazeres. No que toca
à covardia, esta parece ser menos voluntária do que a intemperança, graças ao prazer. Os atos
particulares da intemperança são voluntários. Em um ser irracional, o desejo de prazer é
insaciável. Já para o ser humano, os apetites devem ser poucos, moderados e racionais. Os
apetites devem ficar subordinados à razão, vistoque o homem temperante visa às coisas
nobres.
LIVRO IV
CAPÍTULO 1: Agora tratemos da liberalidade. Parece ser ela o meio-termo em relação à
riqueza, pois o homem liberal, ou generoso, é louvado pela sua capacidade de dar e obter
riquezas. Por “riquezas” entendem-se tudo o que é mensurável pelo dinheiro. Por sua vez, nos
extremos estão a prodigalidade e a avareza, respectivamente o excesso e a falta. O pródigo
promove sua própria ruína ao dilapidar seus bens. O liberal é aquele que melhor utiliza a sua
riqueza. Além disso, as ações virtuosas são isentas de dor. A liberalidade é usada em relação
às posses de um homem, na disposição de caráter de quem dá. O liberal não estima a riqueza
em si, mas como meio, gastando apenas na medida de suas posses. É mais característico do
homem liberal dar às pessoas certas do que obter das fontes certas e não das erradas. A
liberalidade é sempre considerada proporcionalmente às posses de uma pessoa liberal; alguém
que dá uma pequena coisa pode ser o mais liberal, se essa pessoa tinha menos para dar.
Aqueles que herdaram sua fortuna são os mais liberais, pois estes não têm experiência da
necessidade e ainda porque todos temos mais amor ao que nós próprios produzimos. Os que
têm o apetite de dar não se importam com a fonte de onde se origina o que dão. Por isso, não
o fazem com nobreza. A avareza se caracteriza por ser deficiente em dar e por ter excesso em
tomar. Os amantes do ganho indébito incluem-se no vício da avareza. Os homens erram mais
no sentido da avareza, contrária à generosidade, do que no da prodigalidade. A avareza pode
ser definida como o contrário da liberalidade, sendo ainda mal maior do que a prodigalidade.
CAPÍTULO 2: Examinemos agora a magnificência (aqueles que gastam suntuosa e
desmedidamente). A pessoa magnificente é liberal, mas a liberal nem sempre é magnificente.
A deficiência desta disposição de caráter chama-se mesquinhez, e o excesso pode ser
chamado de vulgaridade ou mau gosto, já que o excesso diz respeito aos gastos ostentatórios
em circunstâncias erradas e do modo errado. O homem magnificente é como um artista, pois
sabe o que é adequado e sabe aplicar grandes somas com bom gosto, e assim são os seus
resultados. O magnificente, ainda, fará suas ações visando à honra, e o fará ainda com prazer
e grandeza. Um homem pobre não pode ser magnificente, já que lhe faltam meios para isso;
quem tenta fazer isso é um tolo, pois gasta mais do que se poderia esperar que fizesse, e mais
do que é adequado à sua condição, vez que apenas a despesa justa é conforme a virtude. O
magnificente não gasta consigo mesmo, e sim com objetos públicos ou para muitas pessoas.
Ele também decora sua casa de modo compatível com sua riqueza e gasta preferivelmente em
obras duradouras. O homem que se inclina para o excesso é vulgar e revela ostentação em
seus atos. Por outro lado, o que fica aquém da medida é o mesquinho, que hesita e estuda
sempre de forma a gastar menos, e lamenta até o pouco que gasta. Estes extremos, não são
dos mais condenáveis, porque não são nocivos aos demais, nem desonram a terceiros.
CAPÍTULO 3: Tratemos agora da magnanimidade, que se relaciona a coisas mais grandiosas
do que as da magnificência. Magnânimo se refere ao meio-termo, e é aquele que se considera
digno de grandes coisas e de fato está à altura delas. A falta dessa disposição se refere àquele
que é indevidamente humilde. Em contraposição, o excesso disso é o pretensioso, aquele que
se atribui uma dignidade da qual não está à altura é um tolo ou ridículo, e este, portanto não
pode ser virtuoso, julgando-se digno de grandes coisas sem estar à altura delas. Estes dois
extremos não são considerados maus, mas apenas equivocados. Magnânimas são as pessoas
que têm disposição certa com relação à honra e à desonra, e quem é verdadeiramente
magnânimo deve ser necessariamente bom. A magnanimidade parece ser o coroamento das
virtudes. É característico do magnânimo não pedir nada ou quase nada, mas ajudar de bom
grado e adotar uma atitude digna diante das pessoas que desfrutam de alta posição e são
favorecidas pela fortuna, e de outra face adotar uma atitude despretensiosa para com aqueles
de posses medianas. Além do mais, prefere ele possuir coisas belas e improfícuas em vez das
úteis e proveitosas, por ser mais próprio de um caráter independente.
CAPÍTULO 4: Acerca da honra: assim como em relação a ganhar e gastar existe um
meio-termo, excesso e deficiência, também a honra pode ser desejada mais ou menos do que
convém, ou da maneira e das fontes certas. E esta é a disposição de caráter que é louvada, ou
seja, o desejo do meio-termo com relação à honra. O desejo por honra em excesso é a
ambição; a falta seria a desambição. O meio-termo ainda não recebeu denominação própria.
CAPÍTULO 5: A calma é o meio-termo em relação à cólera, embora ela se incline mais para a
deficiência, que também não tem nome, mas seria um tipo de pacatez. Os que se encolerizam
por motivos justos, são dignos de serem louvados. As pessoas calmas não são vingativas, e se
inclinam a relevar os erros dos outros. Os irascíveis encolerizam-se com pessoas e coisas
indébitas. As birrentas conservam a cólera por mais tempo. Os mal-humorados
encolerizam-se com o que não devem, e não se acalmam enquanto não conseguem se vingar.
Esses são os excessos opostos à calma. Os excessos de cólera devem ser censurados. Não é
tarefa fácil determinar até que ponto alguém pode desviar-se do meio-termo sem se tornar
merecedor de censura, pois a decisão depende das circunstâncias particulares de cada caso e
da percepção. O meio-termo merece ser louvado, enquanto os excessos e deficiências são
dignos de censura.
CAPÍTULO 6: Na vida social, nas relações interpessoais e no intercâmbio de palavras e atos,
as pessoas que, para serem agradáveis louvam todas as coisas e jamais se opõem a quem quer
que seja, são chamadas obsequiosas; outras, em contraste, se opõem a tudo e não têm a menor
preocupação em não magoar os outros, são chamadas grosseiras. Estas duas disposições são
censuráveis, e a disposição intermediária é louvável: aquela pela qual alguém se inclina a
rebelar-se ou conformar-se em face das coisas que deve e como deve. Aquele que age pelo
meio-termo se relacionará de modo diferente com pessoas diferentes, tratando cada classe de
pessoas como for mais conveniente.
CAPÍTULO 7: Considera-se jactancioso a pessoa que se arroga coisas que trazem a glória,
quando na verdade não as tem, ou atribui a si mais do que de fato tem. No outro extremo há a
pessoa falsamente modesta, que tende a negar ou a minimizar o que possui. O homem que
observa o meio-termo não exagera nem subestima, é verdadeiro seja em seu modo de viver
seja em suas palavras, declarando o que efetivamente possui. Além disso, o que segue a
medianidade não tem nome especial. Em princípio, os extremos são condenáveis dado que a
falsidade é em si mesma ignóbil e censurável, ao passo que a verdade é nobre e digna de
louvor. Uma pessoa veraz será naturalmente considerada uma “pessoa de bem”, digna de
louvor. O jactancioso é um ser desprezível, mas é mais fútil do que mau. Em contraposição, o
falsamente modesto parece mais simpático, porque age assim para fugir à ostentação.
CAPÍTULO 8: É sabido que a vida não é feita só de atividade, mas também de repouso,
especialmente nas relações sociais, falemos da jocosidade. Aqui, em um extremo aparecem os
chocarreiros, aqueles que levam a jocosidade ao extremo, e que procuram provocar o riso a
qualquer preço, não se preocupando com a inconveniência de seus atos. No outro extremo há
os rústicos e grosseiros, sendo estes o que não sabem gracejar nem suportam os que o fazem.
Por último, os que observam o meio termo são chamados espirituosos. Estes sabem ser
jocosos na medida certa, e quem sabe fazer isso necessariamente possui tato para avaliar as
circunstâncias; é próprio de um homem de tato dizer e escutar aquilo que é conveniente a uma
pessoa digna e polida. O tipo de gracejo que a pessoa de tato se disporá a escutar será o
mesmo que eleirá fazer, pois ela é fina e bem-educada. Como o lazer e o entretenimento são
considerados elementos necessários à vida, a pessoa rústica é censurável.
CAPÍTULO 9: Tratemos agora da vergonha que, entretanto, não deveria constar entre as
virtudes, já que parece se assemelhar mais a um sentimento, do que a uma disposição de
caráter. O sentimento de vergonha não é adequado a todas as idades, mas somente à
juventude. Os jovens que sentem vergonha pelos erros que cometem são louváveis, pois esse
sentimento serve para refreá-los. O outro extremo é o despudor. Entretanto, nem por isso será
bom aquele que se envergonhar de praticá-las. A vergonha não é digna do homem bom.
LIVRO V
CAPÍTULO 1: Agora, passemos a tratar da justiça. Segundo a opinião geral, a justiça é a
disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, e as faz agir
justamente e a desejar o que é justo. Por analogia, a injustiça é a disposição que leva as
pessoas a agir injustamente e a desejar o que é injusto. Tanto o que infringe a lei quanto o
ganancioso e ímprobo são injustos e, em contraposição, o que cumpre a lei e é honesto, é
justo. Desse modo, como o descumpridor da lei é injusto e quem a cumpre é justo,
obviamente todos os atos conforme à lei são atos justos em certo sentido, posto que os atos
prescritos pela arte do legislador são conforme à lei, e dizemos que cada um deles é justo.
Além disso, são justos os atos que produzam e preservem a felicidade e seus elementos para a
política. A justiça é considerada a maior das virtudes. É a virtude completa, pois ela é
exercida sobre quem a possui e também ao próximo. É importante que “O exercício do poder
revela o homem”. A lei determina que pratiquemos atos de pessoas corajosas, temperante e
calmo, e assim por diante com relação às outras virtudes, na linha da medianidade. Entretanto,
apenas a lei bem elaborada faz essas coisas corretamente, ao passo que as leis elaboradas às
pressas não o fazem assim tão bem. A justiça não é uma parte da virtude, e sim a virtude
inteira. Da mesma forma, a injustiça não é uma parte do vício, mas o vício inteiro.
CAPÍTULO 2: Todos os atos injustos são sempre atribuídos a alguma espécie de deficiência
moral. Há que se ressaltar a existência da injustiça no sentido amplo e da injustiça de modo
particular. A investigação ética deve buscar aquela que se distingue da virtude no pleno
sentido da palavra. Tudo que é correto é legítimo, mas nem tudo que é legítimo é correto. Em
relação à justiça parcial, uma classe se manifesta nas coisas que a serem divididas entre quem
tem parte na constituição. Outra tem um papel corretivo nos negócios humanos.
CAPÍTULO 3: Como já foi mostrado que tanto a pessoa quanto os atos injustos são corretos,
fica claro que há também um ponto intermediário entre essas duas iniqüidades: a chamada
eqüidade. Assim, se o injusto é iníquo, o justo é eqüitativo. O justo deve ser ao mesmo tempo
intermediário, igual (envolve duas participações iguais) e relativo (ele é justo para
determinadas pessoas). Desta forma, se as pessoas não são iguais, não receberão coisas iguais.
Como se observa, o justo é uma espécie de termo proporcional. Podemos concluir que o justo
é o proporcional, e o injusto é o que viola a proporção.
CAPÍTULO 4: Outra espécie de justiça é a corretiva. Como este tipo de injustiça é uma
desigualdade, o juiz tenta restabelecer a igualdade através da pena, subtraindo uma parte do
ganho do ofensor. A justiça corretiva será o meio-termo entre perda e ganho. As pessoas
recorrem ao juiz quando já injustiça porque recorrer ao juiz é recorrer à justiça. O justo é
intermediário entre uma espécie de ganho e uma espécie de perda nas transações involuntárias
CAPÍTULO 5: Alguns pensam que a reciprocidade é justa sem qualquer reserva, tal como os
pitagóricos definem a justiça. No entanto, “reciprocidade” não se identifica com a justiça
distributiva nem com a corretiva, pois aquela deve ser feita de acordo com uma proporção, e
não na base de uma retribuição exatamente igual, posto que hão de ser consideradas ainda as
diferenças entre os atos voluntários e os involuntários ao aplicar-se uma pena. Assim, haverá
reciprocidade quando os termos da proporção forem igualados. Nesse sentido, introduziu-se o
dinheiro nas negociações. Ele é o termo que serve para medir todas as coisas, e tanto o
excesso como a falta. O dinheiro veio a se tornar à representação da procura pela unidade. Se
não fosse possível efetuar a reciprocidade entre os diversos produtos, não haveria associação
entre as partes. O preço de cada bem garante a troca e a associação entre os homens. Deve
haver um acordo que estabeleça a unidade do dinheiro, para que todas as coisas sejam
comensuráveis. A justiça é um meio-termo que se relaciona com a quantia ou quantidade
intermediária, ao passo que a injustiça se relaciona com os extremos. Na ação injusta, ter
demasiadamente pouco é ser vítima de injustiça; e tê-lo em demasia é agir injustamente.
CAPÍTULO 6: A justiça política existe apenas entre pessoas cujas relações mútuas são
regidas pela lei, e a lei existe para as pessoas entre as quais é possível haver justiça, pois a
justiça legal é a discriminação entre o que é justo e o que é injusto. E, havendo injustiça entre
homens, há também ações injustas, e estas consistem em atribuir demais a si mesmo as coisas
boas em si, e muito pouco das coisas más em si. E é por isso que não se permite que um
homem governe por si mesmo, cabendo à lei esse papel, já que o homem poderia governar em
seu próprio interesse. O magistrado é um guardião da justiça e, portanto, também um guardião
da igualdade. Se ele é justo, deve ser recompensado, e sua recompensa é a honra e o
privilégio. A justiça relaciona-se com a lei e entre pessoas sujeitas à lei.
CAPÍTULO 7: A justiça política é em parte natural e em parte legal. Natural, porque tem a
mesma força em todos os lugares e não existe em virtude dos pensamentos humanos. O
aspecto legal refere-se a tudo o que passa a viger depois de ser estabelecida a lei. Ou seja,
existe uma justiça por natureza e outra por convenção. Ambas são igualmente mutáveis.
CAPÍTULO 8: Quando uma pessoa pratica atos involuntariamente, ela não age nem injusta
nem justamente, a não ser por acidente. E o fator determinante do que é justo ou injusto é o
caráter voluntário ou involuntário do ato. Por ato voluntário, deve-se entender tudo o que uma
pessoa tem o poder de fazer, e que faz, com conhecimento de causa, isto é, sem ignorar a qual
a pessoa afetada pelo seu ato, o instrumento usado, e qual o fim a ser alcançado; além disso,
nenhum desses atos deve ser acidental nem forçado. Entre os atos voluntários, alguns
praticamos por escolha; outros, não. Há três espécies de danos nas transações entre as
pessoas: os que são infligidos pela ignorância; quando não é contrário a uma expectativa
razoável, e tampouco implica vício, é um engano e quando, porém, uma pessoa age por
escolha, é uma pessoa injusta e viciosa. Entre os atos voluntários, alguns são desculpáveis (os
erros cometidos por ignorância) e outros não o são (os que não se devem à ignorância).
CAPÍTULO 9: Pode ocorrer que alguns sejam tratados injustamente, porém contra sua
vontade. Ninguém deseja ser tratado injustamente. Saber como se deve agir e como efetuar
distribuições justas é mais difícil do que saber, por exemplo, o que faz bem à saúde. Agir com
justiça ou não resulta de uma disposição de caráter. A justiça é algo essencialmente humano.
CAPÍTULO 10: A justiça e a eqüidade não são absolutamente idênticas, nem diferentes entre
si. O justo e o eqüitativo são diferentes, mas ambos são bons; portanto, hão de ser a mesma
coisa. O eqüitativo é superior a uma simples espécie de justiça. Uma mesma coisa pode ser
justa e eqüitativa, embora a eqüidade seja superior. O eqüitativo não é apenas justo, e sim uma
correção da justiça legalmente estabelecida. A origem do problema é que toda lei tem caráter
universal, mas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta com relação a
todas assituações particulares. Neste caso, é correto então que o legislador aja de modo a
preencher a lacuna existente, como se dissesse o que o próprio elaborador da lei teria dito se
estivesse cuidando daquele caso particular, e que teria incluído na lei se tivesse previsto
aquele caso especificamente. Assim, a natureza do eqüitativo é uma correção da lei quando
esta é deficiente em razão da sua universalidade. O eqüitativo, por seu turno, é aquele que
escolhe e pratica atos eqüitativos, que não se atém de forma intransigente aos seus direitos, e
que tende a receber menos do que lhe caberia, embora tenha a lei ao seu lado.
CAPÍTULO 11: Há ainda a questão da “injustiça contra si mesmo”. Por exemplo, aquele que,
em um acesso de forte emoção chega a se apunhalar, pratica esse ato contrariando a reta razão
da vida, e isso a lei não permite; portanto, age injustamente.Por esse motivo a cidade pune o
suicida, com uma certa perda de direitos civis, pois ele trata a cidade injustamente. Ademais,
não é possível uma pessoa tratar injustamente a si mesma, já que o justo e o injusto sempre
envolvem mais do que uma pessoa. Alguém que pratica um dano a si próprio ao mesmo
tempo, sofre e pratica dois atos condenáveis de uma só vez.
LIVRO VI
CAPÍTULO 1: O meio-termo é determinado pela reta razão. A pessoa visa sempre sua meta
ora intensificando, ora relaxando sua atividade no sentido de adotar o meio-termo.Da mesma
forma que a alma tem duas partes: uma que concebe um princípio racional, e a outra privada
de razão, a racional também há que ser dividida em duas. Uma contempla as coisas de causas
variáveis, e a outra as causas passíveis de variação. Os nomes dessas duas partes são:
científica e calculativa. Apenas sobre as coisas variáveis se pode deliberar. Devemos saber
qual é o melhor estado de cada uma delas, pois aí é que reside a virtude de cada uma.
CAPÍTULO 2: São três os elementos da alma que controlam a ação e a verdade: a sensação, a
razão e o desejo. A sensação não principia nenhuma ação refletida. A escolha é um desejo
deliberado. O desejo correto corresponde à escolha acertada que deve buscar exatamente o
raciocínio verdadeiro. Este tipo de pensamento e de verdade é de natureza prática. Quanto ao
intelecto contemplativo (que não é prático nem produtivo), o bom e o mau estado à verdade e
a falsidade. Na parte prática, o bom estado é a concordância da verdade com o desejo. A
origem da ação é a escolha, e a origem da escolha é o desejo e o raciocínio. A ação existe pela
combinação de intelecto e caráter. Apenas o intelecto, em si, não move nada. O intelecto
produtivo sempre visa a um fim. A boa ação é um fim ao qual o desejo é orientado. A origem
da ação é o homem. A escolha é ou um raciocínio desiderativo que envolve desejo, ou um
desejo racional. Concluindo, a função de ambas as partes intelectuais é a verdade.
CAPÍTULO 3: Cinco são as disposições da alma para a verdade, seja as afirmando, seja as
negando: arte, conhecimento científico, sabedoria prática, sabedoria filosófica (também
chamada de prudência) e a razão intuitiva (também chamada de inteligência). O objeto de
conhecimento científico existe necessariamente, é eterno, pode ser ensinado e aprendido, e
pode ser adquirido por indução ou por silogismo. A indução parte do caso particular para o
universal, e o silogismo parte do universal para o particular.
CAPÍTULO 4: No campo das coisas variáveis há tanto as coisas produzidas quanto as
praticadas, já que existe uma diferença entre produzir e agir. A arte equivale a uma capacidade
de produzir, envolvendo o raciocínio. A arte é produção, e não ação. A carência de arte
também envolve produção, mas é uma disposição acompanhada de falso raciocínio.
CAPÍTULO 5: Um homem dotado de sabedoria prática delibera bem acerca do que é bom e
conveniente para ele, não apenas sobre um aspecto específico, mas sobretudo referente às que
contribuem para a vida boa de um modo. Quem é capaz de deliberar tem sabedoria prática.
Ela não é ciência, nem arte. A sabedoria prática também não é epistêmica pois sua ação não é
necessária, nem técnica, pois a ação não é produção. A sabedoria prática é uma capacidade
verdadeira e raciocinada de agir sobre as coisas que são boas ou más para o homem e todos os
seus bens. A temperança preserva a nossa sabedoria prática, que é uma virtude e não uma
técnica. Ela é formada por opiniões e é a parte da virtude que se guia pelo raciocínio.
CAPÍTULO 6: O conhecimento científico é derivado dos primeiros princípios que não são
objetos de ciência, arte, sabedoria prática ou sabedoria filosófica. Desta forma, resta apenas
uma alternativa: a razão intuitiva é a disposição que apreende os primeiros princípios.
CAPÍTULO 7: Dentre todas as artes e formas de conhecimento a sabedoria é a mais perfeita.
A filosofia deve ser uma combinação da razão intuitiva com o conhecimento científico. A
sabedoria filosófica é um conhecimento científico combinado com a razão intuitiva das coisas
mais elevadas por natureza. Por outro lado, a sabedoria prática diz respeito à ação, e portanto
se relaciona com coisas particulares, e não com as universais. O ideal seria possuirmos ambas
as formas de sabedoria, a ainda mais a segunda do que a primeira, a universal. Entretanto,
deve haver uma espécie de sabedoria controladora da sabedoria prática e da filosófica.
CAPÍTULO 8: A sabedoria que diz respeito à cidade faz parte da mesma disposição da alma
que a prudência. Seu papel controlador é a sabedoria legislativa, ao passo que aquela que se
relaciona com os aspectos particulares dentro de seu universal é a ciência política. A
sabedoria prática diz respeito à própria pessoa; saber o que é bom para si é um conhecimento
prático, e não político. A sabedoria prática não se identifica com o conhecimento científico,
posto que ela se relaciona com o fato particular imediato, que é objeto da percepção.
CAPÍTULO 9: Investigação e deliberação não são coisas idênticas; esta última consiste em
investigar um tipo particular de coisa. Devemos determinar a excelência da deliberação. O
conhecimento científico não é, haja vista que ninguém investiga coisas que conhece, e a boa
deliberação é um tipo de investigação. Tampouco é habilidade em fazer conjeturas, visto que
esta pressupõe rapidez, e a deliberação requer longo tempo, e que, entretanto a conclusão do
que se deliberou deve ser posta imediatamente em prática. Além do mais, a excelência na
deliberação implica raciocínio. Resta, portanto, a alternativa de que sua excelência seria a
correção do raciocínio. A pessoa que delibera, está investigando e calculando algo, mas sua
excelência é a deliberação correta. Deliberar bem é a deliberação que tende a alcançar um
bem. Ademais, pode-se deliberar bem no sentido absoluto, e sua excelência será aquilo que
logra êxito no fim absoluto, e no sentido particular, cuja excelência terá êxito nesse fim.
CAPÍTULO 10: A inteligência (idêntica à perspicácia), não se identifica totalmente com a
opinião, nem com o conhecimento científico, nem com as ciências particulares (como a
medicina ou a geometria). A inteligência não se relaciona com as coisas eternas e imutáveis, e
sim com aquelas sobre as quais podemos ter dúvidas e deliberar. Portanto, seus objetos são os
mesmos do que os da sabedoria prática; no entanto, inteligência e sabedoria prática não são a
mesma coisa: a sabedoria prática emite ordens, enquanto que a inteligência limita-se a julgar.
CAPÍTULO 11: O bom discernimento é o que julga segundo a verdade. Chamamos
discernimento à reta discriminação do eqüitativo. Quando falamos de discernimento, de
inteligência, de sabedoria prática e de razão intuitiva, atribuímos às mesmas pessoas a posse
do discernimento. Quem a possui atingiu a idade da razão, e são também dotadas de
inteligência e de sabedoria prática. E todas estas coisas se relacionam a coisas imediatas, ou
particulares. Tais disposições (discernimento, inteligência e perspicácia) são dotes naturais,
são inatas das pessoas; entretanto, ninguém é filósofo por natureza. Devemos acatar sempreos
ensinamentos das pessoas experientes e das dotadas de sabedoria prática, pois tais pessoas
enxergam bem pelo fato de que a experiência lhes ter dado como que um outro olho.
CAPÍTULO 12: A sabedoria prática é a disposição da mente que se ocupa com as coisas
justas, boas e nobres para o homem, sendo essas coisas inerentes a uma pessoa boa.
Entretanto, o simples fato de conhecê-las não torna boas às pessoas; é preciso praticar essa
sabedoria para tornar-se bom. Além disso, a sabedoria prática é inferior à filosófica, e não tem
autoridade sobre esta, haja vista que a arte que produz alguma coisa (a filosófica) comanda e
governa o que produziu. Para alguém ser bom, é preciso ter uma disposição nesse sentido, ou
seja, a pessoa deve praticá-los em decorrência de escolha e visando aos próprios atos. A
virtude torna certa a escolha. Há uma faculdade de que chama habilidade, que consiste em
praticar as ações que conduzem ao fim visado, e a atingi-lo. Se o fim é nobre, a habilidade
merecerá louvor; em contraste, se for mau, a habilidade será simplesmente astúcia.
CAPÍTULO 13: Assim como a sabedoria prática está para a habilidade, a virtude natural está
para a virtude no sentido estrito do termo. Contudo, a virtude inata precisa do elemento
racional para ser virtude absolutamente. Quando a virtude existe desacompanhada da razão,
aquela disposição natural comumente se desvia para o mau caminho e é nociva. Portanto,
entre os dois tipos de virtudes: a natural e a virtude em sentido estrito, esta última envolve
sabedoria prática. Em suma, não é possível ser bom, no sentido estrito da palavra, sem ter
sabedoria prática, nem é possível ter essa sabedoria sem ter a virtude moral. A escolha não
será acertada sem a sabedoria prática, nem sem a virtude, pois esta nos leva a praticar as ações
que conduzem a um fim, e a sabedoria prática determina o fim.
LIVRO VII
CAPÍTULO 1: Há três tipos de disposições morais a serem evitadas: o vício, a incontinência e
a bestialidade. As disposições opostas às duas primeiras são a virtude e a continência. À
bestialidade, corresponde opor uma disposição de ordem sobre-humana; algo ligado com o
divino, e que se relaciona também com algo quando se diz que os homens se tornam deuses
pelo excesso de virtude. É raro encontrar o homem divino, assim como o bestial. Tratemos da
incontinência e da efeminação, e das suas disposições opostas: a continência e a fortaleza, e
estas são boas e louváveis enquanto aquelas são más e censuráveis. O incontinente age levado
pela paixão e o continente age ciente de que seus apetites são maus, pelo princípio racional.
CAPÍTULO 2: O homem que age por incontinência não pensa que deva agir dessa forma,
antes de ser afetado por esse estado. Nem toda continência é boa, posto que ela pode levar a
sustentar opiniões falsas. Nenhuma pessoa possui todas as formas de incontinência;
entretanto, outras são absolutamente incontinentes.
CAPÍTULO 3: O incontinente se relaciona precisamente com os objetos do intemperante. Ele
é levado por seus desejos por sua própria escolha, pensando que deve buscar sempre o prazer
presente, ao passo que o incontinente também busca tais prazeres, mas não pensa assim. O
homem incontinente absoluto relaciona-se com os objetos da intemperança de sua própria
escolha. Os incontinentes agem de forma semelhante à loucura. A linguagem que usam é
própria dos farsantes. O incontinente age sob a influência de uma razão e opinião que não é
contrária em si, mas apenas acidentalmente à reta razão. A incontinência não é provocada pela
presença do conhecimento e é possível agir de assim com conhecimento de causa.
CAPÍTULO 4: O fato de qualificarmos uma pessoa de incontinente apenas por analogia é
evidenciado por ser a incontinência, tanto no sentido absoluto quanto no relativo a algum
prazer particular do corpo, censurada não apenas como uma falha, mas também como um tipo
de deficiência moral, embora não consideremos moralmente deficientes as pessoas
incontinentes com relação a dinheiro e coisas desse tipo. Os incontinentes são censurados
pelos seus vícios, não por sua pessoa. Os incontinentes e os intemperantes, bem como os
continentes e os temperantes, têm certa relação com os mesmos prazeres e dores. A
semelhança de alguns sentimentos com a incontinência com faz com que esta seja
denominada de acordo com o respectivo objeto em cada caso particular.
CAPÍTULO 5: As disposições bestiais causadas pela natureza não são chamadas
incontinentes. Há ainda aquelas que decorrem de doenças mentais, inclusive a pederastia.
Todo estado excessivo nesse sentido, ou é bruto ou mórbido. Os estados brutos o são por
natureza, e os mórbidos por doença. Existe uma incontinência brutal e outra mórbida, mas só
à intemperança no nível humano é chamada simplesmente de incontinência.
CAPÍTULO 6: O incontinente em decorrência da cólera é vencido pelo raciocínio, enquanto
há ainda aquele que é tomado pelo apetite e não pelo raciocínio. Chamamos de vício, a
incontinência dos apetites em sentido absoluto. Ninguém comete desregramentos sofrendo
com isso; quem age sob o efeito da cólera age sofrendo, e quem comete desregramentos age
com prazer. A incontinência relacionada ao apetite é mais censurável do que a relacionada
com a cólera. A bestialidade é um mal menor do que o vício, embora seja mais assustadora.
CAPÍTULO 7: A incontinência e a continência são disposições que se relacionam com os
prazeres; e as que se relacionam com o sofrimento são a frouxidão e a fortaleza. Quem busca
o excesso de coisas agradáveis ou necessárias é intemperante. As pessoas que são deficientes
na busca dos prazeres são o contrário das intemperantes, e as que estão na medianidade são
temperantes. O intemperante é pior do que o incontinente. A continência é mais digna de
escolha do que a fortaleza. A efeminação é uma espécie de frouxidão. Os homens que gostam
muito de se divertir também são chamados intemperantes, mas na verdade são frouxos já que
a diversão é um relaxamento da alma, uma pausa no trabalho.
CAPÍTULO 8: Os intemperantes não se costumam arrepender, pois permanecem fiéis ao que
escolheram; por outro lado, qualquer pessoa incontinente pode se arrepender. O primeiro é
incurável, enquanto que o segundo é curável. A incontinência é contrária à escolha, o vício
não. É boa a disposição da continência (possuída por quem não se deixa levar pelas paixões e
permanece firme nas suas convicções), enquanto a incontinência é má.
CAPÍTULO 9: São chamados teimosos os que não se deixam persuadir facilmente a mudar de
idéia. Eles atêm-se à paixão e ao apetite, e por causa disso não cedem. O meio-termo entre o
teimoso e o incontinente é o continente, e este é quem se atém à razão. O continente e o
temperante não contrariam a regra justa. O continente também possui apetites maus e sente
prazer; no entanto, não se deixa levar por eles.
CAPÍTULO 10: Não é possível a mesma pessoa ser dotada de sabedoria prática e ser
incontinente; aquela disposição requer também bom caráter, e o incontinente é incapaz de agir
como deve. O incontinente age voluntariamente, mas não é mau, posto que seu propósito é
bom, e também não é criminoso porque não age com premeditação.
CAPÍTULO 11: O estudo do prazer e do sofrimento pertence ao campo do filósofo político, o
qual é o arquiteto do fim que avalia as coisas boas ou más. Há os que neguem absolutamente
que o prazer seja um bem, e há os que pensem que nem todos os prazeres são bons.
CAPÍTULO 12: Das opiniões contrárias ao prazer, não se pode concluir que ele não seja um
bem. Há dois tipos de prazeres. Os primeiros são os que não envolvem dor nem apetite, por
exemplo: a contemplação e este são os prazeres buscados pelas pessoas dotadas de sabedoria
prática. Os prazeres não são meios e nem todos eles envolvem processos: os prazeres são
atividades e fim. O prazer é uma atividade do estado natural, e em vez de “consciente”,
devemos dizer “sem obstáculo”. O prazer não impede a prudência. Por exemplo, os prazeres
derivados do pensar e do estudo nos fazem pensar e aprender aindamais. O segundo tipo de
prazeres são os corporais, e estes implicam em dor e apetite; costumam ser buscados por
animais irracionais e por crianças, e é por esse motivo que estes dois são chamados
intemperantes, e pelo mesmo motivo a pessoa temperante evita tais prazeres.
CAPÍTULO 13: O sofrimento é um mal e deve ser evitado. Além disso, algumas dores são
más em sentido absoluto, e outras são más porque de alguma forma servem de obstáculo à
nossa atividade. O prazer é necessariamente um bem. Nada impede que o sumo bem venha a
ser um prazer ou um conhecimento, embora haja prazeres e conhecimentos maus. Todas as
pessoas pensam que a vida feliz deve ser agradável e incluem o prazer no seu ideal de
felicidade. Se nenhuma atividade é perfeita quando impedida, a felicidade é uma coisa
perfeita, pois se apresenta “sem obstáculos”. É por isso que o homem feliz necessita dos bens
do corpo e dos bens exteriores (da fortuna) para não ser obstado nesses campos. Todos
buscam o prazer, embora nem todos busquem o mesmo prazer, pois ele não é o mesmo para
todos. A vida do homem bom não será mais agradável do que a dos outros se as suas
atividades não forem também mais agradáveis.
CAPÍTULO 14: As pessoas se tornam más porque buscam o excesso dos prazeres do corpo e
não por buscarem os prazeres necessários; pois todas as pessoas se deleitam até certo ponto
com iguarias, vinhos e a união sexual, mas nem todos o fazem como deveriam. Os prazeres
corporais parecem mais desejáveis porque eles afastam o sofrimento, funcionando como um
remédio para combater o sofrimento. Os prazeres que não implicam dor não admitem excesso.
São agradáveis por natureza e não por acidente. As coisas naturalmente agradáveis estimulam
a ação da natureza sã. Não existe nada que seja permanentemente agradável, posto que nossa
natureza não é simples e à passível de constante mutação; se assim fosse, uma mesma coisa
sempre nos pareceria sempre agradável no mais alto grau, o que não acontece. Pelo fato de
não ser simples e boa, a natureza que muda é viciosa.
LIVRO VIII
CAPÍTULO 1: Falemos acerca da natureza da amizade, sendo ela uma virtude ou implica uma
virtude, e ainda é extremamente necessária à vida. Ninguém escolheria viver sem amigos. Os
ricos e poderosos são os que mais precisam de amigos, pois de que serviria sua prosperidade
sem a oportunidade de fazer o bem? Em contraste, na pobreza e no infortúnio os amigos são o
único refúgio. Com amigos, as pessoas são mais capazes de agir e de pensar. Poder-se-ia dizer
que os legisladores se preocupam mais com a amizade do que com a justiça, haja vista que
buscam assegurar a unanimidade acima de tudo. Os amigos não precisam de justiça, e mesmo
os justos precisam de amigos. A mais autêntica forma de justiça é um tipo de amizade. Sobre
a amizade, há teorias dos que defendem ser ela formada da união de elementos antagônicos, e
outros que pensam que a amizade é a união de dois elementos semelhantes.
CAPÍTULO 2: Os tipos de amizade podem ser esclarecidos conhecendo-se o objeto do amor.
Nem tudo merece ser amado; as coisas que o merecem são o bom e o agradável. As pessoas
amam o que é digno de ser amado. Há o amor dos objetos inanimados (o vinho, por exemplo),
em que não há afeição nem o ‘desejar bem ao outro’. Aos amigos, devemos desejar-lhes o
bem no interesse deles próprios. Para haver amizade entre as pessoas, estas devem
necessariamente se conhecer uma a outra, desejando-se bem reciprocamente.
CAPÍTULO 3: Aqueles que fundamentam sua amizade no interesse, amam-se por causa de
sua utilidade e em virtude de algum bem que recebem um do outro, mas não amam um ao
outro por si mesmos, e acontece coisa similar com os que se amam por causa do prazer.
Portanto, os que amam a outros por interesse ou prazer, de fato amam pelo que é bom ou
agradável para eles mesmos, e quando o fator de interesse ou prazer acaba, a amizade também
termina. A amizade perfeita é a existente entre os homens que são bons e semelhantes na
virtude, pois estes são bons em si mesmos, e desejam o bem um ao outro igualmente. Estas
pessoas são também agradáveis, posto que as ações dos homens bons são as mesmas ou
parecidas, e as de uns agradam aos outros também. Como homens assim são raros, também
amizades deste tipo são raras. Além disso, uma amizade deste tipo exige tempo e intimidade.
CAPÍTULO 4: Há dois tipos de amizade: a que existe entre os bons por eles mesmos (por
causa da sua bondade), e os outros, que são amigos apenas acidentalmente e por analogia com
os primeiros. Os que amam só pela utilidade ou prazer, são menos constantes e separam-se
quando cessa a vantagem (utilidade ou prazer). Por outro lado, muitos amantes são constantes,
se a intimidade os levou a amar o caráter um do outro pela afinidade que existe entre eles. Só
os homens bons podem ter amigos pelo que eles são em si mesmos.
CAPÍTULO 5: A distância entre dois amigos não desfaz a amizade em si, e sim sua atividade.
Porém, se a ausência distância se prolonga por muito tempo, parece de fato acontecer de as
pessoas esquecerem sua amizade. Nada é mais característico dos amigos do que o desejo de
estarem juntos. Amizade é igualdade, e é normalmente encontrada entre as pessoas boas.
CAPÍTULO 6: Os idosos e acrimoniosos são menos dados a estabelecer novas amizades, pois
tais pessoas são menos bem-humoradas e não vêem muito prazer na companhia umas das
outras. As marcas principais da amizade são a boa disposição e a sociabilidade, sendo ainda
suas causas. As pessoas não se tornam amigas daquelas cuja companhia não lhes seja
agradável. Não se pode ser amigos de muitas pessoas no sentido perfeito do termo, assim
como não se pode amar muitas pessoas ao mesmo tempo. As pessoas sumamente felizes não
precisam de amigos úteis, e sim daqueles agradáveis, e preferivelmente os que também são
bons. Aqueles que ocupam posições de mando costumam ter amigos de diferentes classes, e
raramente o mesmo indivíduo reúne ao mesmo tempo qualidades diferentes de amizade.
CAPÍTULO 7: Há outro tipo de amizade onde uma não recebe a mesma coisa da outra: é de
modo geral aquela entre quem manda e quem obedece. Entretanto, todas estas diferem umas
das outras, já que a virtude e a função de cada uma dessas pessoas são diferentes, e também
diferem o amor e as razões pelas quais as pessoas envolvidas são amigas. Mesmo nestas
amizades onde há desigualdade, as pessoas boas e eqüitativas sabem fazer com que tanto a
utilidade quanto o amor distribuídos sejam proporcionais ao merecimento das partes,
estabelecendo uma igualdade, que é característica essencial da amizade.
CAPÍTULO 8: A maioria das pessoas prefere ser amada ao amar. O adulador é de fato um
amigo em posição inferior, ou então finge ser amigo e simula amar mais do que é amado. Ser
amado se assemelha com receber honrarias, e é a isso que a maioria das pessoas aspira. A
amizade tem mais relação em amar do que em ser amado. Os que amam seus amigos é que
são louvados, e amar na medida é a virtude característica dos amigos. Até pessoas desiguais
podem ser amigas, já que se pode estabelecer uma igualdade entre elas, e essa igualdade seria
uma virtude comum a ambas. Os bons amigos são constantes e fiéis, e se ajudam a se
afastarem dos males. Os maus, não têm constância e sua amizade dura pouquíssimo tempo.
CAPÍTULO 9: As imposições da justiça (os deveres) em relação às amizades também
diferem. Além do mais, a injustiça pode ser mais ou menos grave dependendo a quem é feita.
A amizade e a justiça existem entre as mesmas pessoas e têm uma extensão igual. As
comunidades são formadas para o bem comum de todas as pessoas, que se unem justamente
com a finalidade do bem comum, tendo em vista diferentes motivos. Todas as comunidades
parecem fazer parte da comunidade política, e as espécies particulares de amizade devem
corresponder às espécies particulares da comunidade originaria.
CAPÍTULO 10: Há três espécies de constituição das comunidades: monarquia, aristocracia e
timocracia (que se baseia na posse dos bens e onde preponderam os ricos). A melhor é a
monarquia,e a pior é a timocracia. O desvio da monarquia é a tirania. Em ambas há o governo
de um só homem, mas na primeira o rei visa à vantagem de seus súditos, enquanto o tirano
visa à sua própria vantagem. A aristocracia se degenera em oligarquia pela maldade dos
governantes, que distribuem sem eqüidade os bens da cidade. A democracia é a menos má das
três espécies de perversão, pois apresenta apenas um leve desvio.
CAPÍTULO 11: A amizade entre governantes e governados depende da quantidade de
benefícios conferidos. A amizade entre marido e mulher é da mesma espécie encontrada na
aristocracia, pois está em conformidade com a virtude; e o mesmo se aplica à justiça nessas
relações. A deturpação deste tipo de amizade é a tirania, onde, em contraposição, não existe
nem amizade nem justiça entre as partes.
CAPÍTULO 12: Toda forma de amizade envolve associação. A educação e semelhança de
idade contribuem para a amizade. Um homem não parece ter os mesmos deveres com um
amigo, um estranho ou um condiscípulo.
CAPÍTULO 13: Os iguais devem ser amigos em uma base de igualdade no amor e tudo o
mais, enquanto os desiguais devem se beneficiar na proporção de sua superioridade ou
inferioridade. As queixas e recriminações surgem apenas nas amizades cuja base seja a
utilidade. Os amigos com base na virtude anseiam por fazer o bem um ao outro, e entre estes
não surgem queixas. Já nas amizades com base no prazer, não surgem muitas queixas. Assim
como há duas espécies de justiça, uma não escrita e a outra definida por lei, analogamente há
também uma espécie moral e outra legal de amizade baseada na utilidade. E as queixas
surgem justamente quando um trai a confiança que um depositava no outro por causa da
amizade. Isto ocorre porque a grande maioria das pessoas deseja o que nobre, mas escolhe o
que traz vantagem.
CAPÍTULO 14: As amizades com base na superioridade acarretam divergências; cada parte
espera obter mais proveito delas, e quando isso acontece à amizade se desfaz. Nesta relação, o
ideal parece ser que aquele que está em condição superior recebesse mais em honras, e o
inferior recebesse em ganho, pois a honra é o prêmio da virtude e da beneficência, e o ganho é
a recompensa da inferioridade, e assim seria estabelecido o equilíbrio necessário em toda
relação de amizade.
LIVRO IX
CAPÍTULO 1: Cada um quer aquilo que espera obter, e é em troca disso que dá o que tem. A
proporção serve para igualar as partes e preservar a amizade entre os desiguais. Em uma
compra e venda, parece mais justo que o preço seja sempre determinado por aquele que
compra, posto que o que vende tende a dar mais valor ao que tem do que aquele que compra.
CAPÍTULO 2: Não devemos dar preferência em tudo sempre à mesma pessoa, e que devemos
retribuir benefícios em vez de obsequiar amigos, e antes de emprestar dinheiro a um amigo
devemos pagar o nosso credor. Ademais, as discussões acerca de sentimentos e ações, sobre o
que seria mais nobre fazer nesta ou naquela ocasião, são tão definidas ou indefinidas quanto
os seus objetos. Com relação aos demais, sempre devemos sempre calcular a relação existente
entre cada classe e comparar os seus direitos, e prestar-lhes o que for apropriado.
CAPÍTULO 3: Não há nada errado em romper uma amizade baseada na utilidade ou no prazer
quando nossos amigos já não possuem os atributos que existiam quando a amizade foi
estabelecida. Não se pode amar todas as coisas, e sim somente o que é bom. O que é mau não
pode e não deve ser amado. Se puderem se regenerar, devemos tentar ajudá-los, mais do que
nas questões materiais, pois isso é mais característico da amizade. Se a regeneração não for
possível, é justo que o amigo que se revelou ser mal seja abandonado. Caso um continuasse o
mesmo, e o outro o superasse grandemente em virtude, tampouco a amizade entre eles não
seria possível, pois eles não mais compartilhariam os mesmos ideais e realidades.
CAPÍTULO 4: Cada um tem seu próprio entendimento de o que vem a ser um amigo. Neste
aspecto, as disposições de caráter de cada um têm um papel fundamental nesse entendimento,
pois a pessoa boa tem opiniões harmônicas, e ela tem desejos bons tanto em relação a si
própria como em relação aos outros. Seus desejos sobre o que é bom e justo são perenes e
constantes. Os incontinentes escolhem não o que eles julgam ser coisas boas, e sim outras que
são agradáveis e nocivas. Os maus, como não costumam ter nada de louvável neles mesmos,
não nutrem nenhum sentimento de amor por si próprios, e ainda estão sempre sentindo
remorsos. Devemos fazer tudo para evitar a maldade e nos esforçar para praticar a bondade,
pois só assim poderemos ser amigos de nós mesmos e dos outros.
CAPÍTULO 5: A benevolência é um ato amigável, mas não é amizade, pois podemos senti-la
com relação a pessoas que não conhecemos, passando a sentir uma boa disposição para com
elas. Ainda, surge repentinamente, e pode até ser um início de amizade, ou uma “amizade
inativa”, que pode vir a se tornar amizade verdadeira.
CAPÍTULO 6: A conformidade de opinião é uma relação amigável. A conformidade de
opinião é a “amizade política”, e é encontrada entre as pessoas boas, as que desejam o que é
justo e vantajoso, sendo estes os objetivos de seus esforços conjuntos. Os homens maus não
conseguem se colocar de acordo entre si, e a discórdia suscitada acabará resultando em
dissipação do patrimônio comum.
CAPÍTULO 7: Os credores não têm sentimentos amistosos para com seus devedores. Os
benfeitores, entretanto amam ao beneficiado como obra sua. A lembrança da coisa nobre é
duradoura e da útil dura pouco. O amor é uma atividade e ser amado uma passividade.
CAPÍTULO 8: A pessoa deve amar a si mesma acima de todas as coisas, mas esta afirmação
supõe que esta pessoa seja boa e aja de acordo com a virtude e a temperança, e procure
sempre assumir a conduta mais nobre. Além disso, uma pessoa tem ou não domínio sobre si
mesmo na medida em que a razão domina ou deixa de dominar nele. Segue-se que a razão é o
próprio homem, e que o homem bom ama essa sua parte que obedece ao racional, acima de
tudo. Concluindo, a pessoa boa deve ser amiga de si mesma, pois isso beneficiará tanto a ela
mesma quanto ao seu próximo. Em contraste, as pessoas más prejudicariam a si e ao próximo,
posto que estariam abandonadas às suas paixões.
CAPÍTULO 9: Questionemos se o homem feliz precisa ou não de amigos. Obviamente
necessita deles, vez que os amigos são considerados os maiores bens exteriores. E, conforme
dito acima, o homem bom precisará de pessoas a quem possa fazer bem. “O homem é um ser
político e está em sua natureza viver em sociedade”.O homem feliz deve ter uma vida
agradável, e se fosse ele solitário a vida lhe seria penosa. Quanto ao ser humano, a vida é
definida pela capacidade de percepção e de pensar; e quanto aos animais, apenas pela
capacidade de percepção. A vida se inclui entre as coisas que são boas e agradáveis em si
mesmas, já que ela é determinada, e ser determinado é da natureza do que é bom. Segue-se
que o que é bom por natureza também é bom para o homem virtuoso. Em contraposição, este
princípio não se aplica a uma vida má e ímproba, nem a uma passada entre sofrimentos, uma
vez que é indeterminada. A existência de uma pessoa boa é desejável porque ela consegue
perceber a sua própria bondade, sendo isso agradável em si. Igualmente, o significado da
convivência para os seres humanos é a consciência da existência de um amigo, com quem se
vive junto e com quem se compartilham discussões e pensamentos, em oposição, por
exemplo, ao gado que pasta junto no mesmo lugar e não possui pensamento nem consciência.
Em suma, é de amigos virtuosos que as pessoas precisam para serem felizes.
CAPÍTULO 10: Até quanto ao número de amigos que devemos ter, deve ser limitado; ter
amigos que excedam o número suficiente para a vida é supérfluo, é obstáculo à vida nobre, e
disso não precisamos. Como já foi dito, a amizade supõe convivência, e não é possível manter
uma convivência com um grande número de amigos, por mais que quiséssemos; se fosse
assim, essesamigos entre si também teriam de conviver, o que não seria viável. Compartilhar
as alegrias e os pesares íntimos de muita gente também não é fácil. É por isso que não
podemos amar várias pessoas ao mesmo tempo. O amor é como um excesso de amizade, e
isso só se pode sentir por uma pessoa; segue-se que também só é possível sentir uma grande
amizade por poucas pessoas.
CAPÍTULO 11: A amizade é mais necessária na adversidade, e por isso são os amigos úteis
que buscamos em tais ocasiões. Por outro lado, na prosperidade a amizade é mais nobre, e
neste caso buscamos também pessoas boas para serem nossos amigos, pois é mais desejável
conviver e fazer bem a eles. No entanto, a simples presença de um amigo é agradável em
todas as circunstâncias. Os amigos podem nos ajudar a aliviar um pesar; contudo, ver um
amigo sofrer com nossos infortúnios nos é doloroso, pois evitamos causar sofrimento aos
nossos amigos. Os homens de natureza viril abstêm-se de fazer seus amigos sofrerem com
eles, ao contrário das mulheres e dos homens efeminados, que gostam de ter pessoas
solidárias com suas aflições. Em suma, quando estivermos em situação próspera convém
convidarmos logo os amigos a compartilhar da nossa boa sorte, e na situação contrária
deveríamos hesitar em chamá-los nos momentos de infortúnio para poupar-lhes de nossos
males. É justo acudir os amigos prontamente na adversidade. Quando os amigos são
prósperos não devemos hesitar em compartilhar de suas atividades, mas não é nobre
mostrar-se ávido de receber benefícios.
CAPÍTULO 12: É natural que os amigos, assim como os amantes, desejem conviver. As
pessoas desejam compartilhar com seus amigos o que, para eles, significa a existência. É por
isso que, por outro lado, é tão nefasta a amizade dos maus, pois eles também se associam, mas
em ocupações más, e isso acarreta o fato de que eles se tornam piores, porque eles se tornam
semelhantes àquele que é pior dentre eles. Ao passo que a amizade das pessoas boas é de
natureza boa, pois cresce com o companheirismo, e um toma o bom exemplo do outro que é
aprovado por todos.
LIVRO X
CAPÍTULO 1: Passemos agora à análise do prazer. Ele está ligado intimamente à natureza
humana, sendo por isso que usamos os lemes do prazer e os do sofrimento para educar os
jovens. Comprazer-se com as coisas certas e desprezar as que devem ser desprezadas guardam
relação com a formação do caráter virtuoso. Há uma divisão de opiniões quanto a achar que o
prazer é um bem ou não.
CAPÍTULO 2: Das diferentes opiniões sobre o que vem a ser o prazer: para Eudoxo, é o bem,
pois ele via todos os seres vivos tenderem para ele. E, se o prazer é o objeto de preferência
mais genuíno, é em si mesmo um objeto de escolha, sendo ainda o maior dos bens. Eudoxo
era conhecido pela excelência de seu caráter, e que as coisas que dizia era por pensar de fato
serem verdade. Já Platão pensava que o prazer não é um bem, pois este não pode tornar-se
mais desejável pela adição de outra coisa, seja ela qual for. Mesmo entre as criaturas
inferiores, há algum bem natural que as irá orientar para o bem que lhes é próprio. A aversão
pelo mal e a preferência pelo prazer são a natureza da oposição entre os prazer e o sofrimento.
CAPÍTULO 3: Há diversas espécies de prazeres, e as opiniões dos filósofos não parecem ter
respostas para todas essas espécies. Cada tipo de prazer é desejável por uma determinada
classe de pessoa, e os prazeres mudam de pessoa para pessoa. Em análise última, o prazer
nem é um bem, nem todo prazer é desejável, e que alguns prazeres são desejáveis por si
mesmos, diferenciando-se eles entre si quanto às suas fontes: nobres ou não.
CAPÍTULO 4: O prazer parece ser uma coisa completa, pois não se pode encontrar um prazer
cuja forma seja completada pelo seu prolongamento. Ainda, ele não é um movimento nem
geração. A forma do prazer é completa em todo e qualquer momento. Há prazer em relação a
cada um dos nossos sentidos, e também em relação ao pensamento e à contemplação.
Ademais, a atividade é mais agradável quando é mais perfeita, e o prazer torna a atividade
completa. Ninguém sente prazer continuamente, pois nenhum ser humano é capaz de uma
atividade contínua, posto que o prazer acompanha a atividade. Certas coisas nos dão deleite
quando as vemos pela primeira vez, mas nem tanto quando deixam de ser novidade. Todos
desejam o prazer porque todos aspiram à vida, e esta é uma atividade. Como o prazer
completa as atividades, ele torna completa a vida desejada. Sem atividade não há prazer.
CAPÍTULO 5: Cada prazer está intimamente ligado à atividade que ele completa, e tal
atividade completada é intensificada pelo prazer respectivo. Cada classe de coisas é mais bem
compreendida e feita com maior precisão quando estiver completada pelo prazer. Já quando
há dois prazeres envolvidos, um prazer sempre tem um apelo maior para determinada pessoa,
e essa pessoa irá se dedicar mais àquilo que lhe dá mais prazer. O prazer próprio de uma
atividade digna é bom, e o próprio de uma atividade indigna é mau. Cada animal tem seu
prazer peculiar.
CAPÍTULO 6: Resta-nos discutir acerca da felicidade, já que ela é o fim da natureza humana.
Já foi dito que ela não é uma disposição de caráter. Ainda, a felicidade não está na recreação.
A vida feliz é conforme à virtude; por isso, a atividade da faculdade ou da pessoa mais nobre
é superior em si mesma, e por isso está mais em congruência com a natureza da felicidade.
CAPÍTULO 7: A felicidade é uma atividade em consonância com a mais alta virtude. Essa
atividade não apenas é a melhor, como também a mais contínua e tem um elemento de prazer.
É compreensível achar que aqueles que já a sabem passem seu tempo mais agradavelmente do
que os que ainda estão buscando seu conhecimento. Além dos fatores acima, a felicidade não
depende do lazer. Ainda, a atividade racional é que consiste na felicidade completa das
pessoas, pois é possível exercermos a atividade racional em todos os campos, no trabalho ou
no lazer. Para o ser humano, a vida conforme a razão é a melhor e a mais agradável; daí,
conclui-se que essa vida é também a mais feliz.
CAPÍTULO 8: São próprias dos seres humanos as virtudes morais ligadas à prudência, bem
como suas vidas e a felicidade. No entanto, a excelência da razão constitui uma coisa à parte.
A felicidade perfeita é uma atividade contemplativa. Considerando que os deuses têm vida, e
sua vida pressupõe atividade, posto que não estariam a “dormir como Endimion”, sua
atividade seria a contemplação, pois nada mais lhes restaria fazer. Por conseguinte, entre as
atividades humanas, a que tem mais afinidade com a atividade contemplativa é a que mais
intimidade deve ter com a felicidade. A felicidade deve ser alguma forma de contemplação.
Por outro lado, as pessoas felizes também precisam de bens exteriores, mas apenas
moderadamente, como dizia Sólon a respeito dos felizes, prosseguindo que os felizes praticam
as mais nobres ações e vivem em conformidade com a temperança. O ser humano que cultiva
e exerce a sua racionalidade é mais caro aos deuses. Como os deuses se interessam pelos
humanos, eles se comprazem com o aspecto que tem mais afinidade com eles: a razão, e eles
recompensam os que amam e honram a razão acima de todas as coisas. Estas qualidades são,
sobretudo do filósofo, e é o filósofo o mais feliz dos homens.
CAPÍTULO 9: Os argumentos não bastam para tornar os homens bons. O homem comum não
obedece por natureza o sentimento de honra, mas unicamente ao medo, e não evita más ações
por serem ignóbeis, e sim por temer o castigo. Em geral, a paixão não cede simplesmente ao
argumento, mas à força. É indispensável que o caráter tenha alguma afinidade com a virtude,
amando o que é nobre e detestando o que é vil. Entretanto, é difícil receber desde a infância
uma preparação correta para a virtude se não formos criados sob leis adequadas. A vida
temperante não seduz as pessoas naturalmente, mas as coisas deixam de ser penosas quando
se tornam hábitos. Portanto, a maneira de criar os jovens, bem como suas ocupações,
deveriam

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