Buscar

LANE - A-Mascara-Da-Benevolencia-Harlan-Lane

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 389 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 389 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 389 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

LANE, Harlan. A Máscara da Benevolência: a comunidade surda 
amordaçada. São Paulo: Instituto Piaget, 1992. 286p. 
 
 
Título original: The Mask of Benevolence 
Autor: Harlan Lane, 1992 
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida ou transmitida 
por qualquer processo electrónico, mecânico ou fotográfico, incluindo 
fotocópias, xerocópias ou gravação, sem autorização prévia e escrita 
do editor. 
A MÁSCARA DA BENEVOLÊNCIA 
A COMUNIDADE SURDA AMORDAÇADA 
 Estou em dívida para com muitos surdos pela sua orientação, 
paciência e amizade. E a eles que dedico este livro. 
 A verdadeira tarefa política... consiste em criticar o trabalho das 
instituições que aparentam ser tanto neutras como independentes; 
criticá-las de tal maneira que a violência política que sempre 
exerceram camufladamente por seu intermédio seja desmascarada 
para poderem ser combatidas. 
MICHEL FOUCAULT, 1974 
Página 11 
PREFÁCIO 
O nosso ponto de vista normal em relação aos surdos, a forma como 
falamos deles, são um produto da história. No meu livro When the 
Mind Hears propus-me narrar essa história. Neste livro, apresento a 
questão por forma a que esses pontos de vista sirvam tanto as 
pessoas surdas como as ouvintes. Defendo uma forma de relacionar e 
de encarar os membros da comunidade surda, diferente daquela que 
muito se pratica actualmente, uma abordagem inspirada 
principalmente na opinião da própria comunidade surda, e nas 
descobertas linguísticas respeitantes a linguagem através de sinais. 
A maioria dos americanos que têm a audição afectada não são 
membros da comunidade americana surda. Assimilaram a cultura da 
sociedade ouvinte, a sua primeira linguagem foi falada, foram tendo 
dificuldades auditivas ou ficaram surdos no decorrer das suas vidas, 
frequentemente, com idade avançada. Não é sobre eles que este livro 
se debruça; é sobre as pessoas que crescem surdas, ligadas à 
linguagem gestual e à sociedade comunitária surda. Neste caso, 
estou preocupado, mais exactamente, com as relações entre pessoas 
ouvintes, principalmente com aquelas que dizem estar ao serviço das 
pessoas surdas, e com os próprios membros da comunidade surda. 
As actuais opiniões de ouvintes acerca da melhor maneira de 
descrever, educar e reabilitar crianças e adultos surdos estão 
estreitamente ligadas, assim como as inúmeras profissões que, 
advindo destas opiniões, moldam e até regulam as vidas dos surdos. 
Estas opiniões revelam uma premissa comum: os surdos são 
deficientes. A comunidade surda tem uma premissa bastante 
diferente, aquela que orienta este livro; a comunidade surda é uma 
minoria linguística. Tendo gravado os diversos meios de 
conceptualização cultural, os surdos percorrem várias gerações; não 
posso afirmar que o conceito que aqui desenvolvo seja o 
«verdadeiro» e o último. Nem posso espreitar o futuro, um futuro 
para o qual espero que de alguma forma este livro venha ajudar a 
moldar. O melhor que posso fazer é justapor o meu ponto de vista 
em relação aos surdos como uma minoria linguística e cultural ao 
ponto de vista oposto, domi- 
Página 12 
nante na nossa sociedade, que a surdez é uma enfermidade trágica, e 
deixar o leitor julgar qual das conceptualizações é mais coerente e 
compassiva. 
Embora esteja empenhado na questão da melhor forma de 
conceptualizar e relacionar os membros da comunidade surda, as 
reflexões em torno desta matéria levam rapidamente a uma questão 
mais vasta e fundamental relativa ao lugar que queremos construir 
na nossa sociedade para as distintas comunidades que a constituem. 
Para aqueles que pensam que seria melhor continuar a fazer o 
pluribus unum as medidas que parecem reconhecer e até reforçar as 
nossas diferenças, tal como a educação bilíngue e bicultural poderão 
provocar divisões perigosas. Para aqueles que, como eu, pensam que 
a heterogeneidade da nossa sociedade é o seu recurso mais valioso, 
a crescente utilização da tecnologia nas ciências sociais e biológicas 
para minimizar e até apagar as nossas diferenças é, na verdade, 
alarmante. Este livro prova o nosso empenho na tolerância ao 
explorar a distância que nos separa do respeito pela legitimidade de 
uma minoria linguística e cultural que provém de uma organização 
física diferente da nossa. 
Estou a tornar público um processo privado. Enquanto psicólogo, 
estou preocupado com as formas pelas quais os conceitos da espécie 
moldam a dimensão do homem parecendo validar os conceitos 
anteriores. Enquanto educador, quero, cautelosamente, pronunciar-
me sobre o único desafio capaz de instruir crianças surdas, tornando-
as letradas e enaltecer a sua capacidade para se realizarem no 
trabalho, no amor e na diversão - por oposição a um desafio ainda 
maior que é a educação de jovens em geral. Enquanto cientista que 
dirige as investigações relativas a próteses auditivas, pretendo 
entender algumas das formas pelas quais a ciência e os valores 
humanos colidem ou, outras vezes, se harmonizam. Duas razões 
levam-me a tornar público o processo. Primeiro, espero incrementar 
uma reavaliação mais arrojada e mais crítica do que as anteriormente 
feitas no que se refere as práticas correntes com crianças e adultos 
surdos. Segundo, estou consciente de que muitos dos meus amigos 
surdos espalhados pelo mundo, e pessoas igualmente surdas que lhes 
são queridas, são desnecessariamente vítimas das práticas das 
pessoas ouvintes; na verdade, é o que fazem as pessoas ouvintes 
empenhadas nessas práticas. Não é minha intenção dizer às pessoas 
surdas o que fazer. Deixo aqui patente a minha compreensão sobre 
os contornos da conflitualidade entre a comunidade surda e as 
sociedades ouvintes. Espero que seja um instrumento nas mãos dos 
surdos e dos seus aliados ouvintes que queiram utilizá-lo. 
As pessoas ouvintes ao serviço de crianças e adultos surdos têm 
permanecido em silêncio acerca da principal divergência entre o seu 
ponto de vista sobre a surdez e o dos surdos a quem dizem servir. 
Raramente discutem estes desacordos entre si ou com os líderes 
surdos; a vida é mais agradável dessa forma. Este silêncio dos 
profissionais ouvintes é uma resposta adaptada à uma velha disputa, 
à uma luta esgotante que parece nunca mais ter fim, 
independentemente das diligências tomadas no sentido de acabar 
com ela, porque é a incansável luta de uma minoria linguística e 
cultural pela autodeterminação. Além disso, no seio da comunidade 
surda, muitos líderes se associam a conspiração do silêncio, 
acreditando que se atingem maiores progressos quando aqueles que 
detêm o poder não são ofendidos mas sim tratados com discrição. 
Página 13 
Outros indivíduos surdos não conseguem protestar e reivindicar com 
firmeza os seus direitos porque abandonaram há muito a esperança 
de que as pessoas ouvintes respeitariam a sua cultura e linguagem 
bem como a sua capacidade para gerir os assuntos respeitantes aos 
surdos. Correndo o risco de ofender muitos, não obstante o amor que 
tenho pela maioria, estou profundamente convencido de que surdos e 
ouvintes podem viver melhor juntos se as nossas diferenças forem 
estudadas à luz do dia, decidi quebrar o silêncio. 
O presidente da World Federation of the Deaf (Federação Mundial do 
Surdo), Dr. Yerker Andersson, lamentou o conhecimento limitado 
sobre os surdos que os autores ouvintes possuem quando escrevem 
acerca da questão da surdez, propõe que nos apresentemos «limpos» 
e fala ainda da nossa habilidade comunicativa e do nosso 
conhecimento acerca dos surdos contidos nos nossos relatórios. 
Sinto-me feliz por satisfazer a esse pedido. Travei conhecimento com 
a American Sign Language (ASL - Linguagem Gestual Americana) e 
com os membros da comunidade surda em 1973, através da Dra. 
Ursula Bellugi que, com o Dr. Edward Klima e colaboradores surdos, 
no Salk Institute, orientava as primeiras investigações no domínio da 
gramática e da utilização da ASL. Um ano depois,quando criei um 
laboratório de investigação no campo da ASL, na Universidade de 
Northeastern, as minhas colaboradoras e professoras eram duas 
jovens surdas que têm sido, desde então, distingui- das 
internacionalmente no domínio da educação e das artes: Marie Philip 
e Ella Mae Lentz. Nos anos que se seguiram tenho vindo a aprender a 
ASL e a conhecer a comunidade que a utiliza. Procurei as respostas 
no meu laboratório, nos livros e jornais, nos clubes de surdos e nas 
casas de amigos surdos assim como nas escolas para crianças surdas 
existentes pelo mundo fora. Tenho tido a sorte de conhecer muitos 
líderes surdos em vários países. Em geral, tenho encontrado pessoas 
surdas extremamente cândidas, pacientes, generosas e prontas a 
ajudar-me. Julgo que isso se deve ao facto de as pessoas ouvintes 
raramente quererem escutar, de facto, com espírito aberto o que eles 
têm para dizer; mas talvez eu esteja enganado. Por vezes eu tenho 
dificuldade em perceber o que os meus interlocutores americanos 
surdos pretendem dizer através da ASL, mas, de um modo geral, eu 
compreendo-os e eles a mim. (Podia dizer o mesmo em relação aos 
meus interlocutores franceses). Em parte, isto reflecte a competência 
dos meus professores de ASL, a quem reconheço estar em dívida, 
mas acima de tudo traduz a competência de muitos surdos em 
ultrapassar as barreiras da comunicação. Nas comunidades surdas 
fora dos Estados Unidos da América, era necessariamente ajudado 
por interpretes, tal como frequentemente tenho sido aqui. 
Reconheço, no entanto, que a minha procura de conhecimentos 
acerca dos surdos, apesar de intensa e prolongada, não me dará 
nunca o conhecimento que uma pessoa surda possui. Em resposta a 
um editorial meu publicado no New York Times, que incentivava a 
criação de escolas internas para crianças surdas, um jovem surdo 
escreveu-me a perguntar por que razão, eu, uma pessoa ouvinte, se 
pronunciava sobre a questão da surdez. Respondi-lhe que tinha 
razão: eu só podia saber o que significa ser surdo a partir do exterior, 
através de construções mentais e da penetração por empatia; não 
poderia sabê-lo a partir do interior. Porém, ambos os 
Página 14 
 conhecimentos são esclarecedores para as duas partes: a que está 
fora e a que está dentro. Quando linguistas ouvintes, que 
colaboravam com surdos, apresentaram os primeiros estudos sobre a 
ASL, muitos surdos responderam com interesse e entusiasmo: no 
final, essa investigação provou que reforça a posição dos surdos. 
Contrariamente os surdos têm um acesso às chamadas questões 
cruciais nas quais reside a falha natural; eles conseguem guiar quem 
está de fora pelo mais rico canal. Por conseguinte, existem duas 
maneiras diferentes de conhecer uma cultura. Os dois modelos 
tendem a ter discursos de tipo diferente. No primeiro, eu, um 
psicólogo ouvinte poderia dizer, por exemplo, que a média do 
estudante surdo da escola secundária situa-se sete pontos abaixo da 
dos seus colegas ouvintes nos testes convencionais de inglês oral. No 
segundo, um adulto surdo poderia dizer: eu normalmente não pego 
num livro; na minha escola nunca ensinam realmente inglês; o 
professor não conseguia transmitir as ideias a turma. 
Na qualidade de pessoa ouvinte e de membro da sociedade que 
penetra na comunidade americana surda, posso transportar as duas 
perspectivas sobre a cultura ouvinte que se exige para esta história 
especial em torno das relações entre as nossas duas comunidades. 
Quando se chega à parte da história referente aos surdos posso olhar 
partindo do exterior e ouvir as vozes que falam partindo do interior - 
isto é, alunos surdos, líderes surdos e amigos surdos. A comunidade 
surda julgará por si própria se tenho sido ou não um ouvinte atento. 
Espero, pois, que esteja claro que não pretendo e não posso falar 
pela comunidade surda. Os surdos falam por eles próprios em muitos 
livros, revistas, jornais, cassetes de vídeo, palestras. Refiro isso em 
diversas páginas deste livro. 
No entanto, a comunidade surda não partilha das mesmas ideias - 
mais do que isso ê, digamos, a comunidade hispano-americana. Ela 
pode ser especialmente diversa uma vez que alguns surdos provêm 
de casas de surdos, e outros de casas de ouvintes. E dentro da 
comunidade surda há pessoas que são simultaneamente hispano-
americanas, afro-americanas, americanas nativas, asiático-
americanos, homossexuais e surdos com incapacidades físicas ou 
mentais. 
Os profissionais ouvintes que trabalham com surdos também estão 
longe de partilhar a mesma opinião. Quando nestas páginas condeno 
a prática dos profissionais ouvintes, alguns deles são injustamente 
acusados-fazem tudo o que estiver ao seu alcance para habilitar os 
surdos. E há ainda, culturalmente falando, pessoas ouvintes que 
perderam parte ou toda a audição, e essas pessoas podem 
perfeitamente dizer, «um vírus em ambas as casas». Outro grupo 
extremamente preocupado, com um ponto de vista próprio e variado, 
compreende os pais de crianças surdas; estes, também, desejam que 
a sua voz seja ouvida e considerada superior. É difícil incrementar 
reformas como as que aqui faço, e continuar a respeitar opiniões tão 
diversas, e até mesmo conflituosas. Existe, pelo menos, uma base 
consensual, que pode servir de ponto de partida: as relações entre 
ouvintes e surdos na América, como em qualquer lugar do planeta, 
não são satisfatórias. Necessitamos urgentemente de rever os 
princípios que consubstanciam essas relações e qual a finalidade 
delas. E esse o objectivo deste livro. 
Página 15 
 Actualmente, na América, qualquer escritor, e principalmente aquele 
que defende alterações no vocabulário a fim de debater a questão 
das preocupações de uma minoria, tem de se confrontar com a 
questão dos pronomes e gêneros em inglês. Não acho aceitável 
nenhuma das alternativas: neologismos; pronomes com duas formas; 
o uso da passiva ou do plural quando a activa ou o singular é mais 
acessível, o uso de «she»(ela) quando não se pretende nenhum dos 
gêneros em especial; ou continuar com a velha prática do uso de 
«he»(ele) enquanto forma não marcada, como se a questão não 
tivesse sido já fortemente debatida. Preferi seguir o caminho da 
clareza, com o risco de perder alguns aliados preciosos. 
Página 17 
 AGRADECIMENTOS 
Quero agradecer à Universidade de Northeastern por me ter nomeado 
Professor Universitário com distinção e por me ter afastado de outras 
obrigações para que me fosse possível orientar a investigação 
descrita neste livro. Parte dessa investigação foi também levada a 
cabo enquanto chefiava o Deaf Studies (Departamento encarregue 
dos estudos sobre os surdos) na Universidade Gallaudet, à qual quero 
expressar a minha profunda gratidão. Este livro surgiu graças a 
sugestão de Arthur Rosenthal, vice-presidente editor, de Hill e Wang, 
é um prazer deixar patentes os meus agradecimentos. Agradeço 
reconhecidamente a contribuição dos meus colegas através de 
discussões e comentários instrutivos sobre os capítulos deste livro, 
nem sempre concordei com as suas intervenções, mas 
invariavelmente beneficiei com elas. Profundos agradecimentos a: 
Ben Bahan, Graduate School of Education (Escola Superior de 
Educação), Universidade de Boston; Dr. Michael Karchmer e Dr. 
Kathtryn Meadow-Orlans da Universidade Gallaudet; Dr. L. Peterson, 
Department of Social Medicine, Harvard University Medical School 
(Departamento de Medicina Social, da Faculdade de Medicina da 
Universidade de Harvard); Dr. Donald Eddington, Massachusetts Eye 
and Ear Infirmary; Dr. Mario Svirsky e Dr. William Rabinowitz, 
Research Laboratory of Electronics (Laboratório de Investigação 
Electrónica), Massachusetts Institute of Tecnology (Instituto de 
Tecnologia de Massachusetts); Dr. Donald Sims do National Technical 
Institute for the Deaf (Instituto Nacional Técnico do Surdo); Dr. 
James Gee, Universidade do Sul da Califórnia; Dr.Robbin Battison, 
do International Business Machines Corporation, Estocolmo; e Dr. 
Tony Smith, Universidade Tufts. 
Recebi muitas sugestões válidas relativas aos manuscritos: de 
Franklin Philip, de Robert Hoffmeister, Universidade de Boston; 
Marcella Meyer, Greater Los Angeles Council of Deafness; Dr. Vcki 
Hanson, International 
Página 18 
 Business Machines Corporation; Dr. Moise Goldsttein, Universidade 
John Hopkins; Dr. William Isham, Universidade de Northeastern; e 
Dr. Carol Padden, Universidade da Califórnia, San Diego. Corona 
Machemer, minha editora, ajudou-me a conceber e a organizar este 
livro, a torná-lo mais simples e gracioso; além disso, ela é uma das 
pessoas ouvintes que, quando confrontada com os factos, desenvolve 
uma grande empatia com a causa dos surdos. 
As notas, incluindo referências, estão organizadas no fim do livro, 
ligadas ao texto através de palavras e da numeração das páginas. As 
referências a todas as citações, bem como a livros e pesquisas, 
aparecem nas notas. Quando uma nota inclui mais de uma referência 
- por exemplo, chamadas suplementares ou uma lista de palavras 
importantes - é assinalada no texto com um asterisco. 
Página 19 
 CAPÍTULO 1 - REPRESENTAÇÕES DO SURDO: A DEFICIÊNCIA E OS 
MODELOS CULTURAIS 
UM MUNDO DIFERENTE 
No dia 27 de Junho de 1990, a United States Food and Drug 
Administration* aprovou a proposta da Cochlear Corporation 
respeitante à comercialização de um «ouvido bionómico» para 
implante cirúrgico em crianças com idade superior a dois anos e 
sofrendo de surdez. Este aparelho denominado prótese coclear 
transforma as ondas do som em correntes eléctricas que são 
transmitidas a um canal implantado no ouvido interno da criança. A 
revista American Health reflecte boas perspectivas para o aparelho, 
prova disso é o artigo publicado com o título «New Hope for Deaf 
Children: Implant Gives Them Hearing and Speech». «Os resultados 
prometem ter ainda mais sucesso nas crianças (do que têm tido nos 
adultos). Na realidade, o implante dar-lhes-á a possibilidade de 
comunicarem oralmente.» O recente milagre da biotecnologia, como 
poderá afirmar, assim como os media e a National Association of the 
Deaf qualificou a aprovação da FDA «eticamente, operacionalmente e 
cientificamente inviável do ponto de vista auditivo». Audiologistas e 
otologistas - aqueles que medem os níveis de audição e que a tratam 
recorrendo à medicina, especialistas que «apenas têm no coração os 
principais interesses das crianças surdas» - proclamam um grande 
avanço; contudo, a American Community of the Deaf, cujos membros 
querem apenas o bem-estar das crianças surdas, proclamam um 
revés perigoso para os seus interesses. 
A implantação coclear é um procedimento cirúrgico com uma duração 
de cerca de três horas e meia sob efeito de uma anestesia geral, 
devendo o paciente ficar hos- 
Página 20 
 pitalizado entre 2 a 4 dias. Na parte posterior do ouvido operado, é 
feita uma incisão extensa em forma de meia lua e a pele é levantada. 
Em seguida, é retirada uma parte do músculo temporal, é feita uma 
concavidade no crânio de modo a tornar possível a colocação da 
bobina interna eléctrica do implante coclear. É também retirada uma 
parte do osso mastóide para deixar a descoberto a cavidade do 
ouvido médio. Uma perfuração posterior expõe a membrana da janela 
oval no ouvido interno. Todo o procedimento é observado com o 
auxílio do microscópio e o cirurgião perfura a membrana. Através da 
abertura é introduzido um canal com cerca de 25 mm de 
comprimento. Por vezes, a sua colocação é bloqueada pelo 
crescimento irregular do osso no ouvido interno; de um modo geral, o 
cirurgião perfuraria o osso, mas talvez tenha de o colocar na 
extremidade para uma inserção apenas parcial do canal, este segue o 
seu próprio percurso à medida que se vai fazendo movimentos em 
torno do ouvido externo em que foi instalada a bobina. O canal em 
forma de caracol designado coclear deriva do latim que significa 
«caracol». A microestrutura extremamente detalhada do ouvido 
interno é frequentemente cortada à medida que o eléctrodo segue o 
seu caminho, destruindo células e perfurando membranas; caso o 
ouvido conseguisse ainda ouvir algum rumor, ele seria concerteza 
quase destruído. No entanto, é pouco provável que o nervo auditivo 
sofra qualquer tipo de danos. O implante estimula directamente o 
nervo auditivo. A bobina interna é então colocada no lugar devido e a 
pele é colocada sobre a bobina. Pouco depois da FDA ter dado luz 
verde ao cirurgião para implantar em crianças a prótese da Cochlear 
Corporation, o fabricante anunciou uma conferência promocional em 
Boston, à qual eu assisti. Dois grupos de pais deslocaram-se a Boston 
e estiveram presentes juntamente com os seus filhos que já tinham 
sido sujeitos a este tipo de implante e que foram, obviamente o 
centro das atenções. Barry com nove anos ficou surdo aos sete anos 
e meio; June com quatro, já nasceu surda. As duas crianças usam o 
implante há já cerca de um ano e ambas assistem a programas 
especiais para crianças surdas ministrados em escolas públicas. Barry 
conseguia entender quase tudo o que os professores diziam, mas 
June tinha necessidade de um interprete de linguagem gestual. Todos 
os dias, Barry e June passavam várias horas a exercitar a audição e a 
fala sob a orientação das mães ou dos terapeutas. 
Durante a apresentação, investigadores da Cochlear Corporation 
relataram as suas pesquisas com várias centenas de crianças sujeitas 
ao implante, aos quais se seguiram os membros de uma equipa de 
implantes: o cirurgião, um audiologista, um terapeuta da fala e por 
último um educador especial. Enquanto os especialistas continuavam 
o seu discurso com a respectiva atenção dos progenitores, reparei 
que as duas crianças, atrás dos pais, mas um pouco escondidas da 
audiência comunicavam furiosamente por gestos através do palco. 
Será que as crianças que já nasceram surdas como a June, ou que 
ficaram surdas muito cedo serão capazes de entender uma conversa 
trivial, mesmo depois de terem sido sujeitas à cirurgia e a muitas 
horas de treino? Provavelmente não. Será que ele ou ela serão 
capazes de falar de modo perceptível? Provavelmente não. Será que 
Barry aprenderá melhor o inglês depois do implante? Provavelmente 
não, contudo não existem certezas. Será que Barry terá êxito numa 
escola juntamente com crianças 
Página 21 
 Ouvintes? Provavelmente não. Será que então, Barry confiará mais 
nas suas capacidades visuais do que nas auditivas? Sim. 
Apesar da criança surda que foi sujeita ao implante não se mover 
facilmente no mundo ouvinte, é pouco provável que o faça na 
comunidade dos surdos, é pouco provável que aprenda fluentemente 
a American Sign Language (Linguagem Gestual Americana - ASL), 
criando os seus próprios valores fundamentais existentes naquela 
comunidade. A criança surda corre então o risco de se desenvolver 
sem qualquer tipo de comunicação concreta, seja ela falada ou 
gestual. Consequentemente, esta criança poderá desenvolver 
problemas de identidade, de adaptação emocional e até mesmo de 
saúde mental - tudo isto ainda não foi estudado. No seguimento de 
tudo o que foi dito, surge a questão: sendo tão poucas as vantagens 
e os riscos sociais e psicológicos tão grandes, por que razão a FDA 
aprovou a comercialização do aparelho e os cirurgiões a sua 
implantação? 
Qual a verdadeira razão? Por que razão é praticada tal medicina em 
crianças surdas? Para que estas questões sejam justificadas, a 
situação das crianças surdas tem de ser considerada como 
verdadeiramente desesperante. No entanto, pode afirmar-se que a 
situação da criança surda já por si só é desesperante. A criança não 
consegue comunicar com a mãe nem com o pai, nove em cada dez 
crianças têm pais ouvintes e como tal receberão uma educação 
«especial» - de facto, trata-se de uma educação especialmentefracassada que frequentemente conduz a empregos que não 
correspondem às suas verdadeiras capacidades. Uma pessoa surda 
casará com outra pessoa surda e ficará isolada do mundo ouvinte de 
que fazem parte os seus pais e da maioria da sociedade americana. 
A maioria das pessoas que nasceu surda ou que ficou surda muito 
cedo, como a June e que cresceu sofrendo de surdez, integrando-se 
na comunidade dos surdos têm um ponto de vista diferente. Estas 
pessoas consideram-se essencialmente visuais, com uma linguagem 
visual, uma organização social, uma história e com valores morais 
que lhes são próprios, ou seja, estas pessoas têm a sua própria 
maneira de ser e possuem uma linguagem e cultura próprias. A 
investigação que tem sido levada a cabo neste campo desde os anos 
1970, bem como a linguística, a antropologia, a sociologia e a história 
apoia-os nestas suas considerações. Sem qualquer dúvida a criança 
surda enfrenta muitos obstáculos durante toda a sua vida, mas a 
falta de comunicação em casa, a educação de nível inferior nas 
escolas, a discriminação no emprego são obstáculos colocados no seu 
caminho por pessoas ouvintes, que caso conhecessem a comunidade 
dos surdos, os retirariam de imediato. 
Carol Padden e Tom Humphries, escritores surdos, afirmam no seu 
livro American Deaf Culture que os profissionais ouvintes que 
trabalham com pessoas surdas têm um «mundo» diferente do dos 
seus clientes. A seguinte observação ilustra bem essa diferença de 
mundos: de acordo com as pessoas ouvintes, é melhor ser-se duro 
de ouvido do que surdo; aquele que é «um pouco duro de ouvido» é 
muito menos surdo do que aquele que é «muito duro de ouvido». 
Quem é surdo vê as coisas de outra maneira. Quando afirmam que 
uma pessoa é um Pouco-Dura-De- 
Página 22 
 -Ouvido (Nota 1), querem dizer que possui algumas capacidades 
iguais às das pessoas ouvintes mas, que basicamente é surda. Em 
contrapartida, quando dizem que uma pessoa é Muito-Dura-De-
Ouvido, querem dizer que a pessoa se parece muito com as pessoas 
ouvintes, e que de maneira nenhuma se parece com os surdos. Os 
mesmos contraditórios pontos de vista do surdo-mudo e do surdo não 
mudo estão expressos nesta observação: membros da comunidade 
dos surdos criticam normalmente a pessoa surda mas não muda, ou 
seja, aquela que não reconhece totalmente que sofre de surdez. Eles 
afirmam caluniosamente que aquela pessoa Planeia Sempre as suas 
acções para cada situação, de modo a ser aceite no mundo ouvinte. 
Contudo, alguns peritos da audição não entendem a razão pela qual 
alguns surdos-mudos condenam os surdos não mudos que tentam ser 
aceites na sociedade; eles usam termos como «afligido» para o 
primeiro grupo - surdos-mudos - e aplaudem os esforços dos que 
tentam comunicar oralmente. 
Duas culturas, dois pontos de vistas, dois «mundos» diferentes. Este 
livro é uma exploração do abismo que separa estes dois grupos. 
REPRESENTAÇÕES DO SURDO 
Como são os surdos? Para responder a esta pergunta, foram feitos 
pelo menos três estudos. Pode reflectir-se em primeiro lugar sobre a 
identidade dos surdos; eles pertencem a uma categoria e esta tem 
atributos que constituem uma parte da nossa cultura popular, como 
consequência do tratamento do surdo na literatura e nos meios de 
comunicação. Em segundo lugar, tentemos dar um salto do mundo 
ouvinte e tentar imaginar como seria o nosso mundo se fossemos 
surdos. A maior parte das pessoas ouvintes se for levada a pensar 
nos surdos, dão de imediato o salto do seu mundo para o mundo dos 
surdos, visto não terem mais nada em que se basear. Estas pessoas 
nunca leram nada sobre a linguagem e cultura dos surdos, por isso, 
esta passagem imaginária do mundo ouvinte para o mundo surdo é o 
único meio a que podem recorrer para tentarem obter um 
conhecimento mais real. Se por acaso, conhecermos alguém que seja 
surdo, está aberto um terceiro caminho para a compreensão da 
surdez, que é baseada nas características dessa determinada pessoa, 
por exemplo: «John compreende-me quando falo directamente com 
ele; por conseguinte pode afirmar-se que os surdos conseguem ler os 
lábios.» 
Normalmente, todos estes estudos levam as pessoas ouvintes ao 
mesmo ponto de partida respeitante às representações dos surdos: a 
surdez não é um privilégio. 
Na sociedade ouvinte, a surdez é estigmatizada; o sociólogo, Erving 
Goofman distingue três tipos de estigma: físico, psicológico e social. 
«Existe apenas um indiví- 
Página 23 
 duo que engloba os três estigmas, o norte-americano 
descomplexado», explica. «É jovem, casado, branco, heterossexual, 
vive na cidade, é um padre protestante de instrução superior, com 
um bom emprego, bem estruturado sobre o ponto de vista físico e 
com um recorde recente em desporto.» Qualquer desvio é susceptível 
de impor um estigma e nós temos tendência a atribuir muitos 
estigmas quando encontramos apenas um. Todas estas três 
categorias de estigmas são atribuídas aos surdos os quais fisicamente 
são considerados deficientes, facto este que faz com que surjam 
algumas características indesejáveis da sua personalidade, tais como: 
raciocínios confusos e comportamentos impulsivos. Os ouvintes 
podem também considerar os surdos como indivíduos pertencentes a 
uma comunidade específica, chegam mesmo a considerá-los um 
mundo à parte, indesejável, causando-lhes deste modo distúrbios 
sociais, como aqueles presentes na lista de Goffman: prostitutas, 
toxicodependentes, delinquentes, criminosos, músicos de jazz, 
boêmios, ciganos, artistas de rua, vaga-bundos, gente do 
espectáculo, jogadores, «praistas», homossexuais e os pobres que 
sobrevivem nas cidades sem vontade de trabalhar. Mas, mesmo que 
a comunidade dos surdos americanos fosse conhecida pelo que é, 
uma minoria linguística e cultural com uma rica e única herança, 
estaria ainda sujeita a um estigma tribal, tal como acontece com a 
comunidade hispano-americana. 
O estigma é relativo. Na comunidade dos surdos, ser-se surdo não 
mudo é, como já vimos inaceitável. Ser-se surdo não mudo significa 
que este fez más opções de vida, que adoptou indiscriminadamente 
valores fora do comum que privilegiam a fala. As pessoas ouvintes 
não conseguem ver o que está errado com os surdos não mudos; a 
articulação é privilegiada na sociedade americana, enquanto a 
gesticulação já não o é. 
No estereótipo do ouvinte, a surdez representa a falta e não a 
presença de algo. O silêncio é sinônimo de vácuo. De acordo com 
Padden e Humphries, a comunidade dos surdos reconhece que o 
«silencioso» «é um competente de um ponto de vista que julga o 
surdo, que é difuso na sociedade ouvinte, contudo aceitam-no como 
um modo fácil para que outros os reconheçam (aos surdos)». Por isso 
a revista publicada pela National Association of the Deaf (NAD) foi 
intitulada durante muito tempo por The Silent Worker. Mas, para o 
ouvinte, «silencioso» representa o lado obscuro do surdo. Quem é 
surdo não pode ter a mesma orientação e segurança no seu ambiente 
que nós temos no nosso; concerteza, que não podem apreciar 
música, dizemos a nós próprios; nem participarem numa conversa, 
ouvir anúncios ou utilizar o telefone. A pessoa surda anda à toa, 
parece que está numa redoma; existe uma barreira entre nós, por 
isso o surdo está isolado. Gerasin, personagem de Ivan Turgenev, por 
exemplo, foi «expulso pela sua angústia em relação à da sociedade 
dos homens», tal como foi o protagonista surdo de Carson McCulters 
em The Heart is a Lonly Hunter. 
O surdo, na realidade, não consegue comunicar na linguagem do 
ouvinte; para ele o simples facto de tentar é como se envolvesse num 
dialogue des sourdes - um diálogo surdo significa a não compreensão 
mútua. O ouvinte é muitas vezes, em sentido figurado, chamado 
surdo, quando se recusa a ouvir, principalmente, os conselhos 
morais. Se os grandes progressos em inglês estão associados a uma 
mente instruída, um discursosimples, pouco cuidado, assim como a 
gesticulação estão 
Página 24 
 associados a uma mente simples. Porque a linguagem e a 
inteligência estão muito interligadas, quando tentamos classificar 
uma pessoa (ficamos surpreendidos ao ouvir uma inteligência 
superior manifesta - a não ser que tal aconteça de livre vontade - 
numa linguagem lenta, arrastada ou em frases gramaticalmente 
incorrectas), a surdez surge como uma deficiência do intelecto. O 
«mudo» do «surdo e mudo» surge não só para fazer referência à 
mudez, como também à fraqueza da mente. O casal surdo em In This 
Sign, de Joanne Greenberg, é ignorante mesmo em assuntos 
respeitantes ao nascimento de uma criança. Paradoxalmente, a 
surdez pode parecer digna: a tão simplicidade da mente e a inocência 
de uma criança revelam uma alma pura, sem os artifícios da 
civilização. Sophy de Dicken parece que veio do paraíso; Gargan de 
Maupassant não consegue falar, é um pastor ignorante mas forte, 
honesto e íntegro na sua miséria. 
De facto, imaginamos dois tipos de surdez, estando nas nossas 
mentes o tipo mais frequente associado a empregos de nível inferior 
ou mesmo à pobreza. O casal surdo em The Key, de Eudora Welty é 
pobre, ingênuo, «afligido» e têm o comportamento de uma criança. 
Uma pessoa surda pode vender cartas gravadas com o alfabeto dos 
surdos ou fazer trabalhos manuais, como a tipografia. Mas então 
surge o surdo excepcional que consegue falar e ler os lábios, que é 
como todos nós, à excepção de uma ligeira diferença. (Que alívio!). 
Este não vende cartas nem faz trabalhos manuais, não é pobre, nem 
pertence à classe média na nossa imaginação, mas é distinto e 
elegante. Henry Kisor, o editor de Sun-Times, em Chicago, confirmou 
esta boa imagem do surdo na sua autobiografia, em 1990, What's 
That Pig Outdoors. (O título foi escolhido para ilustrar os riscos da 
leitura dos lábios). 
A nossa sociedade é suficientemente rica e instruída para que 
estejamos preparados para conviver com marginais, os quais 
defendem as nossas normas, mas que por razões para além do seu 
controlo, não conseguem viver com elas. Marlee Matlin, a actriz 
surda, conquistou a admiração de muitas pessoas ouvintes quando 
optou por comunicar oralmente na televisão nacional e não ter 
recorrido a um intérprete, ao receber o Oscar pelo seu papel de surda 
culta no filme Filhos de um Deus Menor. No entanto, pelo mesmo 
acto, foi alvo de muitos criticismos por parte de alguns outros 
membros da comunidade dos surdos americanos. Para eles, naquelas 
poucas palavras hesitantes, ela renegou os princípios da história que 
tão brilhantemente tinha representado. Simbolicamente, ela optou 
por não receber o prêmio como um membro da comunidade dos 
surdos e, pareceu mesmo defender a ideia de que o recurso a 
quaisquer palavras em inglês é mais vantajoso para os surdos do que 
a mais eloquente American Sign Language. 
As pessoas que não são surdas sentem-se mais à vontade no 
relacionamento com as que se tomaram surdas (que não são surdas 
de nascença) e que fazem um esforço para falar inglês e ler os lábios 
para assim tentarem ultrapassar as dificuldades da sua incapacidade, 
do que no relacionamento com os membros da comunidade dos 
surdos com os seus modos e linguagem totalmente diferentes. 
Imperdoável, é o facto de que os membros da comunidade dos 
surdos continuem a insistir na sua superioridade - por exemplo, dois 
terços dos surdos adultos entrevistados durante um inquérito em 
1988 consideraram a sua vida social melhor do que a dos ouvintes - 
quando de facto, 
Página 25 
 nós poderíamos apontar-lhes mil e uma razões, justificando que tal 
não corresponde à realidade. Goffman salienta que é esperado que os 
surdos mantenham um acordo: «eles não deveriam avaliar até que 
ponto são aceites pelos ouvintes, nem fazer dessa aceitação a base 
para mais exigências»; por isso da pessoa que é incapaz (aos nossos 
olhos) se espera que seja incapaz; que aceite o seu papel como tal e 
que se conforme, grosso modo, perante a ideia que se faz dele. Em 
contrapartida, ele não será incluído entre os «maus» (prostitutas, 
toxicodependentes ou delinqüentes), mas entre os doentes. O doente 
e o inválido têm direito à nossa tolerância, e ainda têm mais direito à 
nossa «razoável condescendência», à nossa compaixão e ao nosso 
auxílio. 
Mas nós não compreendemos nada. Venha comigo à convenção anual 
da Massachusetts State Association of the Deafs, por exemplo. Os 
amigos, geralmente antigos colegas de escola, ficam felizes ao 
reencontrarem-se após uma longa separação; têm muita coisa a pôr 
em dia e, nos vários pontos do hotel existem grupos de surdos que 
conversam animadamente em ASL. Simultaneamente, decorrem 
reuniões nas várias salas de conferências do hotel para explorar 
questões de interesse comum, como por exemplo, o programa 
político, social e desportivo que se vai desenrolar durante todo o ano, 
a orientação da associação, apoio aos pais ouvintes, investimentos 
pessoais que sejam seguros, a nova tecnologia de interesse para o 
surdo e a sensibilização para o problema da surdez, incluindo as 
funções das várias organizações ao serviço da comunidade como o 
ensino da ASL ou o apoio aos surdos no desemprego. Ao jantar 
realizar-se-á um discurso. A última vez que estive presente num 
destes jantares, o orador foi o presidente surdo da Gallaudet 
University, a principal instituição, a nível mundial, de ensino superior 
de artes liberais para estudantes surdos. Normalmente, os oradores 
apresentam à audiência alguns modos de acção social organizada - 
reivindicações, junto da administração estadual, a favor da formação 
de intérpretes, acções nas escolas em favor da ASL, cartas às 
emissoras de televisão para promover a interpretação de programas 
televisivos - uma acção para melhorar a vida das crianças e dos 
adultos surdos. 
O desfile para escolher a Miss Deaf Massachusetts tem feito parte da 
convenção anual há já alguns anos. As raparigas patrocinadas pelas 
várias escolas secundárias de Massachusetts (ou programas das 
escolas secundárias) para estudantes surdos são julgadas por um júri 
da comunidade dos surdos, notável pelo conhecimento da história do 
surdo a nível estatal e nacional, pela apresentação dos seus 
conhecimentos a nível geral e pelos seus objectivos de carreira e 
ainda pelo simples prazer de olhar para elas. A vencedora toma-se 
numa concorrente para a competição nacional realizada durante a 
convenção da National Association of the Deaf (Associação Nacional 
do Surdo). Tive o prazer de conhecer a Miss Deaf New Jersey de 
alguns anos atrás, agora colega na minha universidade, e a Miss Deaf 
America de 1989, duas raparigas muito bonitas e elegantes. Quando 
saí do auditório, o qual estava superlotado e onde estava a ser 
selectíonada a vencedora de 1989, uma líder dos estudantes surdos 
chamou-me e perguntou-me a minha opinião sobre o desfile. Disse-
lhe que gostava de algumas partes mas que me sentia pouco à 
vontade ao ver raparigas jovens em exposição como se fossem um 
rebanho de ovelhas. «Tem muito que aprender sobre a cultura do 
surdo», respondeu ela. «Penso que é apenas divertido!» 
Página 26 
 No desenrolar da convenção do estado podem ocorrer programas de 
diversão que os clubes dos surdos das cidades de toda a nação 
tradicionalmente apresentam: uma actuação teatral, um sorteio, 
jogos, uma dança ou um desafio desportivo. A convenção estatal 
termina com a atribuição de inúmeros prêmios em reconhecimento do 
serviço prestado à comunidade do surdo. O líder das cerimônias (o 
último de que me recordo foi B. J. Wood, que dirige a Commission for 
Deaf and Hard of Hearing) relembra os muitos êxitos de cada 
ganhador, a quem é dada uma placa comemorativa e a quem se pede 
que profira algumas palavras; normalmente são palavras sobre o que 
ele ou ela não poderiam ter feito (organização de um torneio com 
êxito,a realização de espectáculos, gestão de fundos, gestão de um 
campo de férias para crianças surdas e a publicação do jornal da 
comunidade) sem o auxílio de A, B e C. O reconhecimento da 
prestação de serviços e as felicitações calorosas a todos os presentes 
prosseguem durante horas, até que os amigos desejem, 
involuntariamente, boa noite uns aos outros. 
Pode então concluir-se, que na realidade, os membros da 
comunidade dos surdos americanos não estão tipicamente isolados, 
incomunicáveis, desprovidos de inteligência, não têm 
comportamentos de criança, nem são necessitados, não lhes falta 
«nada», ao contrário do que poderíamos imaginar. Então porque 
razão pensamos que lhes falta tudo? Estes pensamentos incorrectos 
surgem do nosso egocentrismo. Ao imaginar como é a surdez, eu 
imagino o meu mundo sem som - um pensamento aterrorizador e 
que se ajusta razoavelmente ao estereótipo que projectamos para os 
membros da comunidade dos surdos. Eu estaria isolado, 
desorientado, incomunicável e incapaz de receber comunicação. Os 
laços com as outras pessoas seriam desfeitos. Recordo-me dos meus 
pais quando me castigavam com o silêncio; só conseguia suportar 
durante quatro horas e então implorava-lhes pelo seu perdão. 
Lembrava-me o «tratamento do silêncio» dos transgressores do 
Exército. O romancista, Albert Memmi da Tunísia, autor de vários 
estudos sociais sobre a opressão, observa no seu livro sobre 
dependência: «A pessoa que se recusa a comunicar rompe os laços 
psicológicos que o ligam a outras pessoas. Ao recusar tal acto, isola a 
outra pessoa e conduz-se ela própria ao desespero.» Um mundo sem 
som seria um mundo sem significado. O que poderá ser mais 
importante para o sentido da minha própria pessoa do que o meu 
meio sensorial, senão a minha linguagem oral. 
O que motiva o erro da dedução, da imaginação dos leigos 
desinteressados é o medo existencial. A este respeito, com a graça 
de Deus, prossigo eu. «O contacto com alguém angustiado sofrendo 
de alguma doença é considerado como uma má vontade misteriosa», 
escreve Susana Sontag, crítica e autora. Alguns dos meus amigos 
afirmam não se sentirem à vontade com os surdos, mas por um 
motivo diferente, por não saberem como comunicarem com eles; mas 
então pergunto-lhes se se desviam dos cegos quando encontram um 
no seu caminho dos cegos e eles reconhecem que sim*. Cada 
encontro com uma pessoa que nós consideremos deficiente é um 
convite para tentar imaginar como seria se fosse connosco e, para, 
consequentemente, sentir medo. Eles merecem a nossa 
consideração, assim como, nós também a merecemos. Autores do 
século XIX escreveram sobre tais sentimentos, recorrendo à criação 
 Página 27 
de personagens surdas. A poetiza americana, Lydia Sigourney cantou 
The silent ecstasy refinei de um aluno surdo na primeira escola para 
crianças surdas da América, e a personagem de Camille, uma bonita 
jovem surda criada por Alfred de Musset, a qual «possuía uma 
admirável pureza e frescura». 
Numa das nações da África Central, as mães afirmam que ao 
descobrirem que os seus filhos eram surdos, o seu primeiro 
pensamento era verificar se os seus antepassados tinham sido 
enterrados devidamente. Em muitas sociedades, as mães acham que 
a causa da surdez dos seus filhos é devida a agressões dos espíritos. 
Somos seres frágeis e dependentes, parecem querer dizer, e a surdez 
pode ser a conseqüência de uma deficiência moral. Também as mães 
americanas sentem uma culpa inexplicável ao terem conhecimento 
que os seus filhos são surdos. Existe uma crença que persiste, nota 
Sontag, que a doença revela e que é um castigo para o relaxamento 
moral. É de algum modo tranquilizante, saber-se que se contraiu o 
vírus da sida por se ter feito algo «errado»; no entanto, o facto dos 
hemofílicos o terem contraído, involuntariamente, sem terem 
assumido comportamentos de risco é revoltante. Seria melhor se 
existissem razões que explicassem a causa da surdez, algo que 
tivéssemos feito, ou que pudéssemos não fazê-lo para evitar a 
surdez. Tais razões poderiam explicar o motivo pelo qual nos 
afastamos, ou até mesmo justificarem os nossos maus modos para 
com eles. Mas geralmente não há nenhuma razão e, por conseguinte, 
a surdez ou outra deficiência física pode surgir em todos nós, em 
qualquer altura, o e que é aterrorizador. 
O ouvinte ao tentar imaginar como é a surdez - um mundo sem som, 
sem uma comunicação fácil - não deixa de ter algum sentido no 
mundo real, visto que em cada ano milhares de pessoas perdem uma 
parte significativa das suas capacidades auditivas por motivos de 
doença, trauma, ou devido à idade avançada. Algumas destas 
pessoas podem tentar entrar para a comunidade dos surdos para 
aprenderem a ASL, fazerem amigos no seio daquela comunidade, 
fazerem parte das instituições dos surdos, entrarem para um clube de 
surdos, etc.; a maioria não o faz. 
Crescer-se surdo, como a maioria dos que recorrem à ASL, é um 
outro assunto. Ao avaliar o mundo da comunidade dos surdos a 
passagem ao mundo dos ouvintes não tem qualquer vantagem. É 
melhor ser-se surdo ou ouvinte? O antropólogo, Richard Shweder 
formula a seguinte questão: «E melhor ter três deuses e uma esposa 
ou um deus e três esposas?» Obviamente que esta questão não tem 
qualquer sentido, a não ser em relação a um determinado «âmbito» 
cultural. Saber o significado de se ser membro da comunidade dos 
surdos, é o mesmo que imaginar como pensaria, como se sentiria e 
reagiria se tivesse crescido surdo, se a linguagem gestual fosse o seu 
principal meio de comunicação, se os seus olhos fossem as portas da 
sua mente, se a maior parte dos seus amigos fosse surda, se tivesse 
conhecimento de que muitas crianças não podiam apenas gesticular 
após ter tido conhecimento de que muitas o podem fazer, se muitas 
das pessoas que admirasse fossem surdas, se sempre se tivesse 
confrontado diariamente com a ignorância e a incomunicabilidade 
(falta de comunicação) dos ouvintes, se... se, numa só palavra, fosse 
surdo. 
O erro do tentar imaginar é um erro duplo: verdadeiras 
representações de membros de outra cultura não podem ser 
consideradas sem a possibilidade de alterações 
Página 28 
 no seio dessa cultura, a qual requer, pelo menos, compreensão e 
empatia. É ingênuo da nossa parte se pensarmos de outro modo, 
assim como, tal nos levaria ao nosso próprio fracasso. Se não se 
conseguir ultrapassar o erro que anteriormente mencionámos, o 
relacionamento dos ouvintes com os surdos nunca será um bom 
relacionamento nem a educação das crianças surdas terá êxito. 
A DEFICIÊNCIA E OS PADRÕES CULTURAIS DO SURDO 
A primeira vez que vi a ASL, em 1973, foi no Salk Institute for 
Biological Studies in La Jolla, na Califórnia, observei-a com muita 
atenção. Nos terraços expostos à luz do sol com vista para o Pacífico, 
entre os eucaliptos, um homem e uma mulher estavam envolvidos 
numa conversa animada e silenciosa, as suas mãos moviam-se no ar 
e os seus rostos reflectiam, rapidamente, variadíssimas emoções 
humanas. Apesar do facto de eu na altura estar em La Jolla como 
professor de lingüística na Universidade da Califórnia, as minhas 
primeiras deduções acerca daquela cena estavam bastante erradas. 
Julguei que o casal fosse surdo e que os movimentos das suas mãos 
fossem algum gênero de mímica. A Dr.a Ursula Bellugi, que dirige o 
Salk Institute's Laboraty for Cognitive Neuroscience, esclareceu-me: 
o homem era um linguista ouvinte que tinha aprendido a ASL já em 
adulto, a mulher era surda, e eu estava a presenciar uma linguagem 
natural, bastante diferente do inglês, contudo tinha gestos que 
podiam ser encontrados em diversas linguagens orais por todo o 
mundo. Por um lado era diferente das linguagens orais, porque era 
gestual e visual e por outro lado era como todas elas, porque 
também obedecia a regras para a construção das palavras e das 
frases, ou seja, obedeciaa uma gramática. 
É difícil explicar a uma pessoa que não seja linguista a minha 
emoção: senti-me como Balboa se deve ter sentido quando viu pela 
primeira vez o Pacífico! Parecia que a linguagem podia ser expressa 
pelos movimentos das mãos e do rosto bem como pelos pequenos 
sons produzidos pelos movimentos da garganta e da boca. Os 
primeiros critérios para definição de linguagem, tal como eu tinha 
aprendido enquanto estudante - falada e ouvida - estavam errados: 
e, mais importante, a linguagem não dependia da nossa capacidade 
de falar ou escutar, mas sim da capacidade mais abstracta do 
cérebro. Era o cérebro que tinha a linguagem e se essa capacidade 
estivesse bloqueada num canal, ela surgiria através de outro canal. 
A investigação lingüística sobre a ASL, que teve início em 1960 com o 
trabalho de William Stokoe e seus colegas na Gallaudet University 
progrediu nas décadas que se seguiram e, muito rapidamente 
conduziram à investigação que descrevia as linguagens gestuais de 
outras comunidades de surdos - da Grã-Bretanha, Suécia, França, 
China, Tailândia, etc. Como muitos dos locutores das linguagens orais 
já se aperceberam, as palavras faladas são constituídas por um 
pequeno conjunto de vogais e consoantes ordenadas 
seqüencialmente de acordo com determinadas regras. Por sua vez, 
também os sinais são constituídos por um pequeno conjunto de 
elementos: gestos manuais, a sua localização no ou perto do corpo, a 
sua orientação e os seus movimen- 
Página 29 
 tos. Estes componentes dos sinais ocorrem simultaneamente. Ao 
abrir a palma da mão e tocar com o polegar na fronte duas vezes, 
estamos a fazer um movimento que corresponde ao gesto que 
significa PAI na linguagem ASL; se repetir o gesto, mas se tocar com 
o polegar no peito, estará a querer dizer que está tudo bem; repita o 
gesto para pai, mas substitua os dois toques por um movimento 
circular exterior à fronte e significará avô. Coloque as duas mãos 
abertas à frente da cintura, feche-as um pouco (em forma de concha) 
e movimente os pulsos; estes dois gestos significam CONVERSAR- -
GESTUALMENTE. 
Assim como existem regras em inglês que restringem as seqüências 
aceitáveis de vogais e consoantes (por exemplo, se uma palavra 
começar por três sons consonantes, a primeira tem de ser um s), 
também existem regras que restringem as combinações sucessivas 
de quatro elementos dos gestos e, aparentemente pelas mesmas 
razões: simplicidade de execução e de percepção. Uma regra assim 
na linguagem ASL exige que os movimentos, que as colocações e que 
os gestos das duas mãos sejam os mesmos, visto que ambas as 
mãos se movem num gesto. Para fazer o gesto de uma bicicleta feche 
as duas mãos em punho e mova-as em movimentos circula- res 
alternados na frente do seu peito. Se num gesto, as mãos fizerem 
movimentos diferentes, uma tem de permanecer imóvel e, para além 
disto, apenas seis dos vinte movimentos aceitáveis na ASL são 
permitidos àquela mão imóvel. O gesto correspondente à palavra 
discutir exemplifica este facto, pois o dedo indicador bate na palma 
da mão aberta. 
Numa experiência clássica, a Dr.a Bellugi e a linguista Susan Fisher 
ouviram filhos de pais surdos, as crianças eram fluentes em inglês e 
na ASL e contaram a mesma história nas duas linguagens. Uma vez 
que é preciso muito mais tempo para articular os membros do corpo 
do que os pequenos órgãos de articulação da boca, supõe-se que seja 
preciso mais tempo para a linguagem gestual do que para a 
linguagem oral e, consequentemente, a história demora mais tempo 
na ASL do que na linguagem oral. Tal suposição não está 
completamente errada, pois os gestos demoram mais tempo do que 
as palavras, no entanto na experiência de Bellugi e Fischer, as duas 
versões da mesma história demoraram sensivelmente o mesmo 
tempo. As razões que explicam este facto conduzem-nos ao essencial 
da questão respeitante às diferenças entre as linguagens gestuais e 
as linguagens orais e principalmente entre a ASL e o inglês. 
As linguagens gestuais existem no espaço e tiram proveito do 
raciocínio espacial para transmitir mensagens. Na ASL, por exemplo, 
EU-MOSTROTE é um único gesto que aponta para o receptor; tu 
mostras-me é um gesto que aponta para o emissor. Sempre que o 
inglês necessita de três palavras para cada caso, existe apenas um 
gesto com o seu respectivo movimento. Se gesticular OMEU-IRMÃO e 
apontar para a esquerda e gesticular a-minha-irmã apontando para a 
direita, «o meu irmão encontrou a minha irmã» pode ser traduzido 
por um único gesto apontando da esquerda para a direita. Posso 
então, de modo definido, atribuir qualidades ao meu irmão ou à 
minha irmã, gesticulando as citadas atribuições para a esquerda ou 
para a direita. Muitos verbos da ASL, tais como, DAR, NMEAR, 
PREGAR, DIZER-NÃO, ODIAR e ESCARNECER são executados com 
movimentos que incluem quem faz a acção a quem. 
Página 30 
 Uma vez que essa informação é expressa no próprio gesto alterado, 
a ASL, tal como muitas linguagens orais, como o russo, não se limita 
à ordem das palavras, ao contrário do que acontece com o inglês. Por 
exemplo, os três gestos cavalo, vaca e coice (ou as palavras 
correspondentes em russo) podem estar dispostos em qualquer 
ordem na ASL (ou em russo) e não existirão dúvidas sobre o animal 
que está a dar coices ao outro. No entanto a ordem das palavras é 
importante para outros propósitos, por isso é vulgar, numa frase em 
ASL, colocar em primeiro lugar o objecto e só depois o sujeito, como 
na frase de dois gestos: dar-lhe-o-livro, EU-NÃO-QUERO. 
As alterações no movimento do gesto fornecem também informação 
sobre o tempo, a qual requer advérbios em inglês, tais como 
«frequentemente», «repetidamente», «durante um longo período de 
tempo»; por isso doente e doente-por-muito- -tempo-com-várias-
recaídas (longos períodos repetitivos da doença) são um único gesto. 
Os movimentos significando «para cada um deles», «para os eleitos 
em diferentes momentos», «para todo e qualquer um em diferentes 
momentos», aparecem em conjuntos de verbos para originarem 
gestos únicos complexos, como por exemplo, PREGAR-AOS-ELEITOS-
EM-DIFERENTES-MOMENTOS. Alterações na forma do gesto podem 
alterar a informação, por conseguinte, o gesto dia pode ser 
convertido em HOJE, o gesto DAR em dar-um-livro. O movimento 
pode também incluir categorias gramaticais; nos casos em que o 
inglês acrescenta um sufixo à palavra para indicar que se trata de um 
substantivo ou de um verbo, a ASL recorre a tempos verbais, a 
alterações ligeiras nos gestos e a repetições. 
Esta breve descrição de uma pequena parte da gramática da ASL, 
baseada no trabalho da Dr.a Bellugi e dos seus colegas no Salk 
Institut, pode esclarecer o modo como as histórias contadas em ASL 
podem obter o mesmo número de preposições das histórias contadas 
em inglês - cerca de uma preposição por cada segundo e meio. As 
palavras em inglês são articuladas muito mais rapidamente do que os 
gestos em ASL, no entanto requerem muitas mais palavras e sufixos 
do que a ASL para transmitir a mesma coisa. Para que a frase tenha 
uma sequência correcta, como acontece em muitas línguas, a ASL 
transforma a informação em gestos, ordenados e ricamente 
configurados, para que sejam apropriados à visão. O inglês cumpre 
os mesmos objectivos ordenando seqüencialmente várias palavras e 
sufixos. Esta é uma estratégia mais adequada a uma linguagem oral 
do que a uma linguagem visual. Consequentemente, as duas 
linguagens transmitem claramente a imagem das suas diferentes 
modalidades, visual e auditiva; são na realidade duas linguagens 
muito diferentes. 
A literatura da cultura americana dos surdos narrada em ASL, 
consiste na sua própria história ao longo dos tempos, em histórias, 
contos de fadas, lendas, fábulas, romances, poesia, peças de teatro, 
anedotas, alcunhas, jogos de mímica e muito mais. Visto que a 
literatura dacomunidade americana dos surdos menciona as várias 
experiências dos surdos, muito do seu interesse, directa ou 
indirectamente, os ouvintes oprimem os surdos. Por exemplo, na sua 
actuação em My Third Eye, o National Theatre of the Deaf chama a 
atenção para algumas das atitudes mais ridículas dos ouvintes: as 
nossas conversas intermináveis ao telefone, o pânico de sermos 
tocados, 
Página 31 
 a falta de percepção visual, a falta de expressão dos nossos rostos, 
no qual apenas os maxilares se articulam, rostos que pela sua 
insensibilidade negam o que as palavras mencionam. 
O domínio da ASL e a capacidade para contar histórias são altamente 
consideradas na cultura dos surdos. Existem muitas histórias de 
êxito, nas quais o surdo sai triunfante em condições que lhe são 
adversas, por exemplo, dissimular as suas capacidades no concurso 
para um emprego com a ajuda de outros surdos que sejam seus 
cúmplices. Também existem histórias sobre o início de um clube de 
surdos, a compra de um clube e sobre o derrotar da outra equipa. 
Existem histórias sobre a cultura material da comunidade dos surdos 
- relógios de pé equipados com sistemas de pesos que a determinada 
hora batem uns nos outros, acordando o proprietário surdo com as 
suas vibrações - e contos de fadas (aquele tipo de relógios acorda 
todos os surdos da cidade). A capacidade para contar histórias é cedo 
desenvolvida nas escolas de bairro para as crianças surdas, onde os 
mais jovens contam em ASL as histórias dos desenhos animados, 
filmes de cowboys, de guerra e os modos estranhos dos professores 
ouvintes. Existe também um modo formal de contar histórias, por 
exemplo, testemunhando as acções e o carácter de grandes 
personalidades surdas. Uma comunicação clara é muito importante. 
As histórias devem ser ricas em pormenores, começarem no início e 
terminarem no fim, devem ter conversas claras, as conversas 
insinuantes e vagas num esforço para serem cuidadas são 
inapropriadas e podem mesmo ser ofensivas. Como se pode esperar, 
os membros desta cultura têm regras bastante distintas para chamar 
a atenção, para mudança de emissor, para um discurso cuidado, para 
atribuição de nomes e outras atitudes relacionadas com a linguagem. 
É por intermédio da literatura da ASL que uma geração passa à 
seguinte a sua sabedoria, os seus valores, e o seu orgulho, 
reforçando deste modo os laços que unem a geração mais jovem. 
Uma vez que a ASL não é uma linguagem escrita, as publicações em 
inglês - jornais, revistas e livros escritos por e para pessoas surdas - 
têm desempenhado, ao longo da história, um importante papel no 
fortalecimento da cultura americana dos surdos. Outra característica 
notável desta cultura é a sua percentagem de casamentos 
endógamos: nove em cada dez membros da comunidade americana 
dos surdos casam-se com membros pertencentes ao seu grupo 
cultural. Têm sido particularmente importantes sob o ponto de vista 
cultural as instituições e os locais de transmissão cultural, tais como a 
rede das escolas de bairro e os vários clubes de surdos existentes em 
toda a nação. Têm também um papel importante as organizações 
atléticas, políticas, religiosas e fraternais dos surdos. 
Quais são alguns dos valores notáveis desta cultura? Os laços entre 
as escolas de bairro são extremamente importantes, sendo muito 
provável que antigos graduados a elas compareçam frequentemente 
para reuniões de convívio. Quando lhes é perguntado de onde são, os 
surdos normalmente respondem recorrendo ao nome da escola do 
bairro a qual foi por eles freqüentada; esta questão surge sempre nas 
apresentações. Entrevistada num clube de surdos, uma octogenária 
testemunhou eloquentemente a importância dos laços daquelas 
escolas: «Está a ver aquelas pessoas que estão ali sentadas? São os 
meus colegas de turma da Berkeley School. Quando eu 
Página 32 
 tinha nove anos, a minha mãe tirou-me do colégio interno de 
ouvintes e colocou-me naquela instituição. Todos foram meus amigos 
e desde essa altura que mantemos o contacto e o convívio. Claro que 
a partir do momento em que criámos família deixámos de nos ver 
com a mesma frequência de agora que estamos reformados. É duro 
para o meu marido; ele não é deste estado e não cresceu connosco, 
por isso sente-se como se fosse posto de parte.» 
A identidade dos surdos é ela própria muito importante, os surdos 
parecem concordar que uma pessoa que não seja surda nunca pode 
adquirir na totalidade aquela identidade e tornar-se um membro 
habilitado da comunidade dos surdos. Mesmo que essa pessoa tenha 
pais surdos e um domínio nativo da ASL, ela nunca terá tido a 
experiência do crescer surda nem do frequentar uma escola para 
surdos, é como se estivesse dividida entre as duas culturas. Falar e 
pensar como uma pessoa ouvinte é negativamente considerado na 
cultura dos surdos. O surdo que adopta os valores do ouvinte é 
menosprezado e considerado traidor pelos outros surdos. «Nós 
pertencemos todos à mesma família», afirmou um líder dos surdos e, 
na realidade, a metáfora da família é fundamental e necessária, a 
qual é no entanto considerada heterogênea pelos valores dos 
ouvintes. A projecção da identidade do surdo encobre as diferenças 
de idade, classe social, sexo, e de etnias, as quais seriam mais 
notáveis na sociedade dos ouvintes. Existe também na comunidade 
dos surdos uma propensão para a tomada de decisões em grupo, 
ajuda mútua e para uma reciprocidade, características estas que são 
aspectos muito importantes na cultura do surdo. Os meus amigos 
surdos contam-me que se pedem favores com muito mais facilidade e 
que estes são mais rapidamente concedidos, existe menos egoísmo 
do que na sociedade dos ouvintes. Sob o ponto de vista do ouvinte, 
esta «família» envolve-se num grande abraço. Os surdos abraçam-se, 
frequentemente, nos encontros e principalmente nas festas - 
verdadeiros abraços! Eles fazem troça dos abraços tradicionais dos 
ouvintes. As despedidas podem ser muito demoradas e desenrolar-se 
por fases. As despedidas repentinas e mesmo temporariamente 
inexplicáveis são inaceitáveis. 
Entre os surdos existe uma extraordinária lealdade de grupo, a qual 
se pode alargar para sua própria defesa ao negarem qualquer tipo de 
informação aos ouvintes sobre a linguagem e cultura da comunidade. 
Os membros da comunidade crêem, tal como os membros de outras 
minorias culturais, que o casamento deve ser contraído com outro 
membro pertencente à mesma minoria: o casamento com uma 
pessoa ouvinte é totalmente desaprovado. A comunidade dos surdos 
em todo o seu conjunto, considera muito positivamente as crianças 
surdas; por exemplo os adultos surdos das áreas rurais percorreriam 
grandes distâncias para verem crianças surdas, principalmente se 
essas crianças não tivessem contacto com adultos surdos. 
Claramente aquilo com que nos preocupamos aqui é com uma 
minoria lingüística, uma comunidade que possui consequentemente 
uma rica cultura com as suas próprias formas de arte, com a sua 
própria história e estrutura social. O que está intelectualmente em 
discussão é a utilização de um tipo de descrição e não de outro para 
esta minoria de linguagem, uma descrição cultural e não aquela 
baseada na enfermidade. O que pragmaticamente está em discussão 
é o poder e o dinheiro. 
Página 33 
Aplicar um modelo de enfermidade aos membros de um grupo é 
considerá-los e ter atitudes para com eles, particularmente, com 
respeito ao nosso conceito cultural de deficiência física. Este âmbito 
conceituai, o qual normalmente se adquire durante o período da 
aculturação é implícito, ele impõe questões, valores e referências a 
instituições da sociedade. Algumas destas questões que geralmente 
surgem quando um determinado modo de ser ou de comportamento 
é interpretado como uma enfermidade. De que modo surge esta 
enfermidade, quais são os riscos e vantagens dos tratamentos 
disponíveis, casoexista algum, o que é que pode ser feito para 
minimizar as desvantagens de tal enfermidade? Os valores invocados 
são largamente negativos, talvez possamos admirar a adaptação de 
alguém à sua enfermidade ou a sua coragem em lutar contra ela, 
mas a enfermidade é considerada como sendo algo indesejável; na 
melhor das hipóteses somos ambivalentes. As instituições que fazem 
parte deste âmbito conceituai incluem, nomeadamente, as ciências 
biológicas, a saúde e o bem-estar social. 
Aplicar um modelo cultural a um grupo é invocar um âmbito 
conceituai bastante diferente. Implícito nesta posição estão questões 
tais como: Quais são os valores, os costumes, as formas de arte, as 
tradições, as organizações interdependentes e a linguagem que 
caracterizam esta cultura? De que maneira é influenciada pelo meio 
físico e social no qual está inserida? Em princípio, tais questões são, 
pouco importantes, embora possam, obviamente, existir algumas 
pessoas renitentes em aceitar uma diversidade cultural, também 
existem pessoas que, contrariamente às primeiras a valorizam. As 
instituições invocadas por um modelo cultural de um grupo incluem 
as ciências sociais, profissões que desempenham um papel 
intermediário entre as duas culturas (como por exemplo a 
interpretação simultânea) e as escolas, as quais constituem um 
importante meio de transmissão cultural. 
Defendo que o vocabulário e o âmbito conceituai que a nossa 
sociedade tem regularmente utilizado no que respeita às pessoas 
surdas, baseados na enfermidade, são menos úteis para nós e para a 
comunidade dos surdos do que um vocabulário e um âmbito de uma 
relatividade cultural. Pretendo substituir as regras da medicina pela 
curiosidade da etnografia. 
O contraste entre a surdez como enfermidade e a surdez como 
cultura é mais acentuado quando consideramos as opiniões dos 
líderes do movimento pelos direitos de quem é inválido nos Estados 
Unidos e na Grã-Bretanha. Aqueles líderes e alguns peritos no campo 
da enfermidade apresentaram um caso convincente sobre o facto de 
que as pessoas com incapacidades físicas e mentais são oprimidas. 
Eles rejeitam a «tragédia pessoal» como conseqüência da 
enfermidade e apontam os métodos segundo os quais a sociedade 
tem descriminado as pessoas com dificuldades na educação, no 
mercado de trabalho e no acesso físico às instalações públicas. Na 
realidade, eles argumentam que é a sociedade quem cria as 
principais condições que levam, na maioria dos casos, à enfermidade, 
tais como a guerra e a pobreza; é a sociedade quem tem um grande 
poder de decisão sobre quem deve, ou não, ser considerado inválido. 
Por exemplo, no início deste século, o psicólogo Henry Goddard, 
especialista na educação, utilizando os novos testes do Quociente de 
Inteligência «descobriu» débeis mentais e anunciou que uma nova 
forma de enfermidade, presente entre os pobres e necessitando de 
cuidados dos centros de assistências do Estado, 
Página 34 
estava no nosso meio. Quando se trata de um ligeiro atraso mental, o 
resultado mostra que a sociedade tem um importante papel na 
determinação de quem é, ou não, inválido. Em 1984, o Tribunal de 
Relação dos Estados Unidos declarou ter descoberto que a Califórnia 
usava aqueles testes para classificar as crianças negras como 
mentalmente retardadas, descriminando-as propositadamente em 
virtude da sua raça. 
De acordo com o teórico Paul Abberley, considerar a enfermidade 
como algo opressivo assenta em duas asserções: em primeiro lugar, 
que a enfermidade é em parte um resultado histórico das forças 
sociais e não uma necessidade meramente biológica e, em segundo 
lugar, que o modo de vida do inválido tem a importância que lhe é 
devida, mesmo que condenemos as condições que originaram a 
enfermidade. Consideremos, por exemplo, as pessoas com 
deficiências físicas: elas afirmam que a concepção do meio as 
incapacita muitas vezes, nos meios melhor concebidos, elas são 
menos incapacitadas e, por vezes, a enfermidade passa quase 
despercebida. Pedem para que os seus modos de ser e de viver 
sejam respeitados e valorizados, mesmo que lamentemos a falta de 
bons cuidados médicos, de segurança no trabalho ou a guerra que 
levou à sua incapacidade. Este modelo parece aplicar-se a vários 
tipos de incapacidade, incluindo a perda de audição devido à idade 
avançada, acidente ou doença, no entanto, não se aplica aos 
membros das comunidades dos surdos. 
Na realidade, os membros da comunidade americana dos surdos, 
como os americanos com deficiências, os afro-americanos e os 
hispano-americanos, entre outros, estão em desvantagem devido às 
crenças e práticas da maioria dos Estados Unidos. Mas a ambivalência 
aplicada aos casos de enfermidade - respeitando aquela particular 
organização de vida e, lamentando, por outro lado, as condições que 
a criaram - não é apropriada para o caso da cultura dos surdos. A 
alegria dos pais no nascimento do seu filho não é prejudicada ao 
descobrirem que a criança é surda. A experiência de Hanleys é típica: 
Mrs. Hanley conta que no dia 4 de Julho estava sentada à janela a 
observar as crianças na rua que estavam a lançar foguetes, enquanto 
a sua bebé dormia tranquilamente. «Pensei para comigo, ela deve ser 
surda». Não fiquei desiludida; pensei, «vai tudo correr bem. Somos 
as duas surdas, por isso saberemos o que fazer». Joan Philip Meehan 
vem de uma grande família de surdos, dos quais todos esperavam 
que o seu bebé nascesse surdo. «Quero que a minha filha seja como 
eu, seja surda», afirmou ela numa entrevista à Globe de Boston. Nas 
palavras de um líder britânico dos surdos, Paddy Ladd: «A 
comunidade dos surdos vê o nascimento de cada criança surda como 
uma dádiva preciosa.» Os especialistas americanos manifestaram a 
sua opinião numa reportagem em 1991 aos National Intitutes of 
Health; declararam que a investigação genética para melhorar a 
qualidade de vida dos surdos é certamente importante, mas não se 
deve tornar, nas mãos dos ouvintes, numa pesquisa de métodos para 
reduzir a comunidade dos surdos. 
O que faz com que a comunidade americana dos surdos seja mais 
parecida com a comunidade dos hispano-americanos do que com os 
americanos incapacitados é, sem dúvida nenhuma, a sua cultura, 
incluindo a sua linguagem. A adesão de novos membros à 
comunidade dos surdos não é decidida por diagnóstico; de facto não 
é decidida de modo algum, tal como acontece com o processo de 
adesão à comunidade hispânica. Os diversos comportamentos 
culturais e principalmente a língua- 
Página 35 
gem revelam até que ponto um indivíduo pertence, ou não, a uma 
minoria lingüística. Cada um dos grupos desfavorecidos tem as suas 
próprias características e aspectos, que são comuns a outros grupos 
do mesmo tipo. As mulheres, os homossexuais, os americanos com 
deficiências e, discutivelmente, os afro-americanos não constituem 
minorias lingüísticas como constituem os hispano-americanos, os 
americanos nativos e os membros da comunidade americana dos 
surdos. Por outro lado, os homossexuais e os membros da 
comunidade americana dos surdos têm em comum a impossibilidade 
de partilhar a sua identidade de minoria com os seus pais e o facto de 
não poderem desenvolvê-la em casa. As escolas de bairro para 
crianças surdas fornecem um elo vital na transmissão da cultura e da 
linguagem dos surdos, razão pela qual a comunidade dos surdos 
considera abominável acabar-se com as escolas de bairro, ao mesmo 
tempo que também considera abominável o ensino à parte das 
crianças com deficiências em escolas especiais de bairro. Se a 
linguagem e identidade da criança estão integradas na cultura da 
sociedade americana e se essa criança pode prosperar na escola 
local, é difícil perceber porque motivo ela não pode ser aí inscrita. 
Este facto inclui algumas crianças capazes de ouvir alguma coisa. Mas 
nove em cada dez crianças surdas são, ou serão brevemente,membros da comunidade americana dos surdos. Estas crianças têm 
um particular direito e necessitarão de algumas medidas para 
participarem em todo o tipo de organizações para poderem gozar dos 
benefícios desse patrimônio, razão pela qual as organizações das 
crianças e dos adultos surdos têm sido sempre voluntárias, enquanto 
que o ensino à parte das crianças e dos adultos com deficiências foi 
geralmente involuntário. 
O antropólogo Roy D'Andrade verifica que os conceitos culturais mais 
importantes, como o casamento, dinheiro, ou roubo não são factores 
determinantes mas implicam a adesão de um grupo a uma «norma 
regulamentar». Diferentes culturas têm diferentes normas 
regulamentares. Os debates sobre o aborto (em que idade é um feto 
ou um ser humano?), sobre que idade define um menor e o modo 
como decorrem os debates sobre as normas regulamentares só 
podem ser realizados num determinado âmbito cultural. «Esperto» é 
um dos tais conceitos, assim como o são «em tempo», «bem 
sucedido» e «enfermidade». Devido à existência de uma comunidade 
de surdos com a sua própria linguagem e cultura, existe um âmbito 
cultural, no qual ser-se surdo não é ser-se incapaz, muito pelo 
contrário, ser-se surdo no comportamento, valores, conhecimentos e 
ser-se fluente em ASL é considerado, como já vimos, um privilégio na 
cultura dos surdos. Se respeitarmos os direitos dos cidadãos de 
outras culturas, incluindo aqueles que fazem parte do nosso país, a 
terem as suas próprias normas regulamentares, as quais podem ser 
diferentes das nossas (podendo, contudo, recusar fazê-lo, correndo o 
risco de estarmos a ser ingênuos, apenas porque acreditamos que tal 
não é possível), então também devemos reconhecer que a surdez da 
qual eu falo não é uma enfermidade, mas apenas outro modo de 
estar e de ser. 
Alguns líderes surdos dirão que, devido à minha insistência na 
distinção entre os membros da comunidade dos surdos e os membros 
da comunidade dos ouvintes que contudo sofrem de algumas 
deficiências auditivas, estou a satisfazer os interesses daqueles que 
«os diferenciam e os dominam». É verdade que a comunidade dos 
Página 36 
surdos ao juntar-se a outros grupos, pode conseguir atingir 
objectivos, os quais seriam difíceis de atingir por si própria. Mas ao 
adoptar a imagem de enfermidade dos membros da comunidade dos 
surdos, estamos a fortalecer o princípio básico da opressão contra o 
qual a comunidade tem lutado na tentativa de ultrapassá-lo; é o 
arruinar dos esforços da comunidade em nome de alguns dos seus 
objectivos mais importantes, tais como a educação bilingüe e 
bicultural; é o tornar inexplicável a alegria que os adultos surdos e os 
seus amigos ouvintes sentem quando observam uma criança surda a 
gesticular; é o ir contra o sentimento geral da maior parte dos 
membros da cultura americana dos surdos, que se sentem 
simplesmente frustrados quando lhes é dito que são inválidos. A Deaf 
Community News de Massachusetts, por exemplo, quando fez a 
reportagem sobre a Lei de 1991 sobre americanos com enfermidade 
(ADA (nota estrela)), teve de explicar aos seus leitores: «Para 
cumprir objectivos da ADA, os surdos são considerados como 
'incapazes'.» 
Chegamos a olhar para o surdo de um certo modo, a utilizar um 
determinado vocabulário relativo à enfermidade e, estas práticas 
estão tão divulgadas no seio dos ouvintes, que se têm vindo a 
processar há já algum muito tempo; elas estão tão legitimadas pelos 
médicos e paramédicos que imaginamos que estamos a descrever de 
um modo muito cuidado as qualidades dos surdos em vez de 
optarmos por falar deles de um outro modo. No entanto, se 
consultarmos, durante cinco minutos, a história dos surdos, lembrar-
nos-emos do erro desta nossa posição de «senso comum» (nota *). 
Houve uma altura na história da América (assim como na história da 
Europa) em que culturalmente os ouvintes consideravam, 
predominantemente, o surdo em termos de um modelo cultural, este 
período não foi, contudo, duradouro - o melhor período do século 
passado - aquele de que necessitou para conhecer a linguagem da 
comunidade dos surdos para depois ensiná-la às crianças surdas, 
aquele no qual os adultos surdos e a cultura dos surdos 
desempenharam um papel muito importante na educação desta 
minoria. Os surdos publicaram jornais e livros e realizaram 
conferências que focavam principalmente a comunidade dos surdos e 
debatiam os prós e os contras de possuírem o seu próprio território, 
no qual os surdos viveriam e governar-se-iam a eles próprios, talvez 
um território concedido pelo governo federal no Oeste recentemente 
povoado. Proporcionalmente, existiam então muito mais crianças que 
ficaram surdas tardiamente e era de lamentar não aproveitar o seu 
jeito para falar inglês, consequentemente as crianças que podiam 
tirar proveito de tal aptidão teriam cerca de uma hora de treino da 
fala, algumas vezes por semana, após a escola. Não existiam 
educadores com formação especial, os requisitos de um bom 
professor era o possuírem uma boa instrução e fluência na ASL. 
Quase metade dos professores eram surdos. Não existiam 
audiologistas, terapeutas de reabilitação, ou psicólogos educacionais 
e, para a maioria, nenhum destes era aparentemente necessário. A 
criança surda não era «avaliada segundo os nossos métodos, os quais 
por vezes são susceptíveis de causarem alguma tensão» por aqueles 
profissionais: tantos decibéis de perdas auditivas a determinada e a 
determinadas frequências; um relatório sobre 
Página 37 
The Minnesota Multiphasic Personality Inventory; uma avaliação do 
QI. Pelo contrário a criança e o adulto surdos eram descritos em 
termos culturais: que escola freqüentaram, quem eram os seus 
parentes e amigos surdos (caso os houvesse), quem era a sua esposa 
surda, onde trabalhavam, quais as equipas desportivas de surdos e 
organizações de surdos a que pertenciam, qual o serviço que 
prestavam à comunidade dos surdos? 
Se hoje consultarmos a comunidade dos surdos, descobrimos um 
âmbito conceitual semelhante. Mas, de forma notável, aqueles que 
afirmam servir os surdos não consultam a comunidade dos surdos; 
notável porque os valores da nossa crescente sociedade exigem que 
os ouvintes e surdos cheguem livremente a acordo relativamente ao 
modo como cumprir objectivos comuns e ainda que para ultrapassar 
o objectivo comum de todos nós, os ouvintes e surdos deveriam 
recorrer aos termos do filósofo Richard Rorty, «deixar que todos 
tenham uma oportunidade para se autodesenvolverem recorrendo às 
suas melhores capacidades». Consequentemente, os próprios surdos 
seriam participantes cruciais no debate e nos acordos respeitantes às 
vidas das crianças surdas e dos adultos, e aos papéis dos 
profissionais que os servem; no entanto têm sido excluídos 
socialmente pela lei e pela educação opressiva; eles são excluídos 
pelo estatuto ou pela cumplicidade da educação da maioria das 
crianças surdas. O seu conselho, de quem os pais da criança surda 
recém-nascida necessitam mais do que qualquer outra coisa, é 
excluído da casa e da clínica. Os seus serviços, como por exemplo, o 
modelo de linguagem para a criança surda são evitados e a 
responsabilidade é inconscientemente entregue à mãe ouvinte da 
criança, a qual não tem meios para a poder assumir. A sua existência 
é completamente negada; eles não participam nos programas de 
investigação sobre os surdos implementados anualmente pelo 
governo e com um custo de muitos milhões de dólares, apenas 
constituem os objectos passivos de tal investigação. O seu papel em 
programas que prestam serviços às pessoas surdas é muito restrito. 
De que modo se pode realizar o tratamento das pessoas surdas? De 
que modo se divulga um modelo de enfermidade quando este é 
extremamente inapropriado? Desviemos o foco da pessoa rotulada 
inválida e da sua etiologia para o contexto social no qual foi adquirido 
o rótulo

Continue navegando