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Universidade Federal do Agreste de Pernambuco – UFAPE Curso: Licenciatura em Letras – Português/Inglês Professora: Monaliza Rios Silva Disciplina: Literatura Norte-Americana Discente: Dinelly Fernanda Barboza de Matos Análise literária de um trecho do romance “O Último dos Moicanos” (COOPER, 1826), mostrando a questão da identidade literária. Nenhum texto encontra-se fora do seu contexto e cotexto, isto é, como acredita Skredsvig (2001), autores e textos literários se manifestam e interagem com seu contexto cultural. Por isso a literatura de cada lugar, segundo Burgess (2008), apresenta características próprias, seja por sua localização geográfica, seus conflitos, seu clima, seus costumes, isto é, sua história. Durante o final do século XVIII, percebe-se a necessidade da construção de uma identidade nacional na América do Norte, ou seja, a afirmação da formação de um povo e do seu lugar no espaço. Consequentemente, os filhos da terra não podem permitir que os colonizadores fiquem em um espaço que não os pertence, isto significa afirmar que o povo era representado pelo seu território, assim causando um amálgama entre o sujeito e o espaço. Tratamos a literatura, nesta análise, de acordo com o que apresenta Skredsvig (2001), como um veículo para a construção identidade no sentido de identidades nacionais e de grupo. Na obra “O último dos moicanos” (1826), do americano James Fenimore Cooper, observa-se bem as transformações políticas, territoriais e culturais acontecendo nos Estados Unidos. O livro inicia-se durante a guerra franco-indígena ou guerra dos sete anos (1756-1763), guerra entre a França e a Inglaterra por questões territoriais, ambientada na fronteira entre o Canadá e os EUA. Uma extensa e aparentemente impenetrável fronteira, formada por densas florestas, separava as possessões hostis francesas e inglesas. [...] Foi neste cenário de lutas sangrentas que ocorreram os incidentes que vamos relatar, durante o terceiro ano de guerra que a Inglaterra e a França sustentaram para a posse de uma região que, felizmente, nenhuma delas estava destinada a conservar. (COOPER, s/d, p.5-6) Durante a guerra, indígenas de várias tribos estavam de ambos os lados, mostrando assim o “bom selvagem” e o “mau selvagem”. Como heróis na obra temos Nathaniel (branco e adotado pelos Moicanos) e os moicanos Chingachgook e seu filho Uncas, mostrando o convívio harmônico entre os homens brancos e os índios. Uncas e Chingachgook são a imagem do bom selvagem apresentado por Roussel, sendo homens bons e sem maldade por natureza, bem educados, parecidos com os europeus nos modos e aparência, criando a imagem do indígena como herói nacional. Do outro lado, representando o mau selvagem, está Magua, aliado dos franceses, que tem seu caminho entrelaçado com Nathanael e Uncas logo no início, quando tenta levar as irmãs Alice e Cora Munro para uma emboscada dos franceses, mas é impedido pelos heróis. Várias reviravoltas acontecem na obra, perto do final Uncas é definido como líder do seu povo, dos moicanos, porém, no final, em uma luta no penhasco, Cora, Magua e Uncas morrem. Nathanael e Chingachgook confirmam seus laços de cumplicidade e amizade: - Porque se lamentam os meus irmãos? - disse ele, olhando os guerreiros que, entristecidos, o rodeavam. - Porque choram as minhas filhas? Foi um jovem que partiu para os campos da boa caça. Foi um chefe que levou a sua vida com honra. Ele era bom. Era respeitoso. Era valente. Quem o pode negar? Manitu precisava de um guerreiro assim, e chamou-o. Quanto a mim, o pai de Uncas, eu sou “um pinheiro a arder numa clareira dos rostos-pálidos”. A minha raça desapareceu das praias do lago salgado, e das colinas dos Delawares. Estou só... - Não, não - exclamou Olho-de-Águia -, não, Sagamore, não estás só. As virtudes da nossa cor podem ser diferentes, mas Deus fez-nos encontrar para que trilhássemos o caminho juntos. Eu não tenho família, e, tal como tu, posso dizer que não tenho nação. Ele era teu filho, pelevermelha, e do teu sangue... Mas não posso esquecer o rapaz que tantas vezes combateu a meu lado, e que foi meu companheiro em tempos de paz. O rapaz deixou-nos por uns tempos, Sagamore, mas tu não estás só! (COOPER, s/d, p.329) A morte de Uncas, como aparece no último trecho no livro, é o que intitula a obra, além de explicar como fica estabelecido o espaço e o homem daquela terra, já que a morte do índio é uma metáfora para a morte de um povo, de uma nação e de uma cultura. - Basta! - disse ele. - Vão, filhos de Lenape. A cólera de Manitu não está apaziguada. Porque há-de Tamenund ficar aqui? Os rostos-pálidos são donos da terra e o tempo dos peles vermelhas ainda não veio de novo. Os meus dias foram longos demais. Ainda de manhã vi os filhos de Unamis fortes e felizes; e, no entanto, ao cair da noite vivi para ver o último guerreiro da raça dos Moicanos. (COOPER, s/d, p.330) A obra é nitidamente ligada às origens de uma nação e de um povo, uma vez que a literatura dos EUA, de acordo com Skredsvig (2001), é a personificação de uma manifestação cultural verdadeiramente nacional, em que os espaços e lugares são componentes da realidade humana em um nível fundamental. A descrição dos espaços retratados mostram a personalidade bastante sobre a personalidade e características daquela nação, como vê-se nas primeiras páginas: Uma das particularidades das guerras coloniais travadas na América do Norte era ser preciso superar as fadigas e os perigos, em regiões tão selvagens e vastas como aquelas, antes de entrar em confronto com os inimigos. Uma extensa e aparentemente impenetrável fronteira, formada por densas florestas, separava as possessões hostis francesas e inglesas. Os intrépidos colonizadores e as milícias europeias que combatiam a seu lado, por vezes, levavam meses a debater-se contra os rápidos das correntes ou a transpor os escarpados desfiladeiros das montanhas buscando oportunidades para exibir a sua coragem em conflitos mais bélicos. [...] As facilidades que a natureza oferecera aí ao avanço dos combatentes eram demasiado óbvias para serem negligenciadas. O comprido lago Champlain estendia-se desde as fronteiras do Canadá e penetrando profundamente nos limites da vizinha província de Nova Iorque, formava uma passagem natural através de metade da distância que os Franceses eram forçados a dominar a fim de atacarem o inimigo. Perto do extremo sul, recebia um contributo de outro lago, cujas águas eram tão límpidas que haviam sido até escolhidas pelos missionários jesuítas para efectuar a simbólica purificação do baptismo e para merecer, por essa razão, a designação apropriada de ‘Santo Sacramento’. (COOPER, s/d, p.5) O trecho apresenta uma natureza proeminente e expressiva, representando o espírito e o caráter daqueles personagens: fortes, determinados, guerreiros e honrados. A narrativa da obra, trazendo o mito da formação de um povo, e as características apresentadas na categoria espaço, vão desenvolver a identidade da nação, como afirmam Oliveirae Lima (2006, p. 7-8): A questão da identidade se dá [...] criando uma especificidade para determinado povo. É, portanto, da aceitação do mito que se estabelece ou ocorre à influência no homem e consequentemente ao seu comportamento, dando-lhe, um caráter sagrado, que se refere à origem marcado por um tempo e por um espaço geográfico e cultural de um povo. Como dito no início desta análise, um texto está ligado ao contexto e ao cotexto, ele não está solto no tempo e no espaço. Os Estadunidenses, no final do século XVIII e início do século XIX, estavam em tempo de mudança e buscando uma identidade nacional, por isso, em obras pré-românticas, como “o último dos moicanos”, vê-se muito das idéias provenientes no romantismo alemão e incorporando na realidade local , começando assim a formar, junto com a identidade daquela nação recém independente, uma identidade literária. REFERÊNCIAS BURGESS, Anthony. A Literatura Inglesa. 2ª. ed. São Paulo: Ática, 2008, p. 17 à 22. COOPER, J. Fenimore [1826]. O Último dos Moicanos. LêLivros/Companhia Editora Nacional, s/d. OLIVEIRA, Sebastião Monteiro; LIMA, Antônia Silva. O mito na formação da identidade. Revista Dialógica, v. 1, n. 1, 2006. SKREDSVIG, Kari Meyers. The politics of place: Regionalism and local color fiction in nineteenth-century US literature. Revista de filología y lingüística de la Universidad de Costa Rica, v. 27, n. 2, p. 141-153, 2001.
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