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A leveza de estar com quem a gente ama

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“ A leveza de estar com quem a gente ama, mesmo quando estamos nos sentindo cansados... Observa uma coisa ali. Toma iniciativa de fazer algo, mas sempre pedindo permissão. O alívio de estar acertando nas coisas. Que estão nos permitindo algo. Então você chega em casa e agradece. Esse foi o meu dia, simples assim, sem arrependimentos. E o amor que eu nem sabia que era tanto, transborda. Por mais amor. Por mais vida”.
Para cada pessoa que ler esse trecho, poderá imaginar mil e uma situações, mas creio que nenhuma chegará perto do real significado. São as minhas vivências um determinado local que nunca na minha vida acharia que também fosse pedaço meu. E agora mais do que nunca tenho a sensação de pertencimento. Por vários motivos, o primeiro deles é a família, a ancestralidade. Identidade que vem conosco desde que nascemos, e visível para todos, a nossa cor, mas a questão não é essa nesse momento.
No sábado, 29 de maio de 2021, a minha irmã ligou para mim. Ela teria uma obrigação religiosa no dia seguinte e minha avó não poderia ficar sozinha. Sempre que precisa sair, ela pede a minha ajuda. Quero deixar registrado que isso não é uma queixa, nunca será. Mas eu estava tão cansada no sábado. No domingo, 30 de maio de 2021, só queria tirar um dia para não fazer nada, apenas para ler algo e descansar o corpo. Mas eu teria que estar lá no domingo, pouco antes das sete. E eu acabei comentando com as minhas irmãs que sempre me chamavam, às vezes pensavam que eu não tinha o que fazer, por não estar trabalhando no momento. Mas é impressionante que quando me pedem para tomar conta da minha avó, eu nunca paro e penso ou tento inventar uma desculpa para não ir. O “sim” é automático.
Quando eu cheguei ela ainda estava dormindo. Perguntei o que teria para colocar no fogo. Fui logo aprontando o almoço, mas sempre dando uma olhada no quarto para ver se ela já estava acordada e sentada na cama, os rituais de sempre. Perguntei se ela queria comer, ela disse que apena uma pequena xicara com um pouco de café preto. Voltei para o almoço. Então olhei para as escadas que dão acesso ao barracão da casa. O nome do terreiro, cujo minha avó é Nengwa, chama-se Terreiro Tumbansé, e lembrei de Silas, meu sobrinho, ogã de Nzazi. Todas as vezes que ele vai almoçar, ele senta nas escadas que dão para os quartos dos Santos. Um dia perguntei o motivo dele almoçar sempre ali. Perguntei, mas no fundo eu já sabia a resposta. Ele sentava para agradecer, pedir... A verdade era que um momento ´particular em que ele conversava com as entidades. Nesse dia conversamos um pouco com ele como sempre. É uma pessoa que tem paciência para conversar sobre candomblé com quem realmente quer aprender. Quando virei para as escadas, vi que a vela de Nkosi estava apagada. Peguei o fósforo para acender. Vesti uma saia para acender, vi que estavam sujas e varri, deixei tudo limpo. Quando ia acender, lembrei de tomar banho. Entrei no banheiro, tomei meu banho, vesti a minha roupa, coloquei a saia por cima e voltei. Antes de acender a vela, perguntei se eu era digna de acender a vela e que se fosse, que o lume continuasse aceso. Foi então que comecei a fazer os meus pedidos e a agradecer. Quando terminei, fui ver a minha avó, que já estava me chamando a algum tempo para agora tomar um café de verdade. Uma caneca de café com pão.
Quando almoço já estava pronto, comecei a observar algumas coisas. Comecei limpando a casa, lavei os pratos. Fui ver os cágados. O lugar onde costumam ficar estava seco e sujo, primeiro que limpar os cágados, mas acabei passando direto. Voltei para falar com a minha avó que estaria limpando lá em cima, para saber que caso me chamasse, não a ouviria. Comecei a limpar, juntei o lixo. Desci, voltei a falar com ela. Sempre reclamona, falou que não fazem questão de limpar lá em cima, mas não é bem assim. Ela perguntou se os quartos estavam sujos, eu disse que algum sim. Aí ela olhou para mim e falou: limpe o quarto de Oxalá. Quando ela disse isso, fiquei surpresa e comemorando por dentro. Eu não sou uma pessoa iniciada no Candomblé. Na hora não lembrei do “bandagira” de jeito nenhum, só do “agô”. Era agô para tudo que eu tocava. Fiz o meu melhor, até porque não sabia o meu limite. Mas acho que seu certo. Naggai chegou e conversou um pouco com ela e foi embora. Tive uma tarde de boa conversa com Sandra e Mara. Quando Nádia chegou, foi o momento que minha avó quis almoçar e comeu muito bem, pediu um pouco de suco. Nádia ficou conversando um pouco com ela, até que Silvane (Kianda) chegou. Conversamos um pouco e fui embora com Nádia. 
Eu posso dizer que ao longo dos anos, a minha relação com aminha avó, Carmelita Luciana Pinto, Nengwa Xagui, filha de Oguian, com quase 85 anos de iniciação, não foram tão próximas. Eu ia lá de vez em quando. De vez em quando mesmo. Ficava alguns minutos e ia embora. Mais uma vez, quero deixar registrado que nunca foi por causa de religião, quem me conhece sabe disso. Mas a minha querida avó é uma senhora de 92. E nos últimos anos ela tem precisado de auxílios. Vou deixar a humildade de lado e dizer que todas as vezes que ela precisou de mim, estive presente, não apenas eu, mas outras tantas pessoas. E são nesses momentos quem que me vejo ajudando-a meu coração se enche de alegria e lagrimas. Por que eu não tinha noção do amor do amor que sinto por ela, e isso transborda de uma maneira que eu nunca conseguirei explicar. 
Antes de vir embora, olhei a vela azul de Nkosi e ela continuava a queimar. Fui embora para casa e agradeci pelo meu simples dia. Awêto!

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