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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI FILOSOFIA DA CIÊNCIA GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 4 2 FILOSOFIA: NOCOILOSOFIA: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ................................ 5 2.1 Relações entre a ciência e a filosofia .................................................................... 7 3 A FILOSOFIA DA CIÊNCIA................................................................................... 10 3.1 O que é que é filosofia da ciência? ...................................................................... 11 3.2 Relação entre filosofia e ciência .......................................................................... 12 3.3 Diferenças e semelhanças entre filosofia e ciência ............................................. 12 3.4 Contribuições da filosofia para a ciência ............................................................. 13 4 A FILOSOFIA E A CIÊNCIA NO MUNDO MODERNO ......................................... 14 4.1 A matematização e a mecanização da Natureza nos pensadores da Ciência Moderna: Kepler, Galileu e Newton ........................................................................... 20 4.2 O discurso de posse da Natureza:as filosofias de Francis Bacon e René Descartes...... ............................................................................................................ 24 5 AS CORRENTES FILOSÓFICAS CONTEMPORÂNEAS ..................................... 29 5.1 Filosofia contemporânea: apresentando seus pensadores ................................. 31 5.2 Filosofia contemporânea: uma crítica social ........................................................ 34 5.3 Filosofia contemporânea: as interferências sociais e políticas ............................ 36 6 TEORIA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO ........................................................ 40 6.1 Filosofia, a Ideologia e a Metodologia ................................................................. 41 6.2 A Teoria do Conhecimento, a Epistemologia e a Metodologia ............................ 42 7 PLATÃO, AS IDEIAS E O REALISMO ARISTOTÉLICO ....................................... 50 7.1 Reflexões filosóficas associadas ao pensamento grego clássico ........................ 50 7.2 O pensamento de Platão e Aristóteles ................................................................ 53 7.3 Teorias do conhecimento de Platão e Aristóteles ................................................ 55 8 A TEORIA DO CONHECIMENTO NA ESTRUTURA SISTÊMICA DA FILOSOFIA E ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICOS ........................................................................ 58 3 8.1 Elementos sobre a cientificidade da história no século XIX ................................. 61 8.2 Auguste Comte e a Cientificidade da História ..................................................... 63 9 PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO ..................................................................... 65 9.1 Características do conhecimento científico ......................................................... 66 9.2 Alguns aspectos sobre a produção do conhecimento e do saber histórico ......... 67 9.3 Construindo o conceito de historicidade .............................................................. 71 10 Referências ........................................................................................................... 77 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 FILOSOFIA: NOCOILOSOFIA: NOÇÕES INTRODUTÓRIAS Embora aparentemente simples, as questões do que é e para que serve a filosofia estão entre as que mais dificuldades e divergências causam entre os filósofos. Esse mero fato, porém, já indica algo importante sobre a natureza da filosofia: o questionamento sistemático, incessante e profundo de tudo o que se afirma. É comum caracterizar-se a filosofia como aquilo que fazem os grandes filósofos: Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino, Descartes, Locke, Hume, Kant, entre tantos outros. Embora pareça circular, essa definição também ajuda a delinear o domínio dessa disciplina, desde, é claro, que se estudem as obras desses homens. Quando fazemos isso damo-nos conta de que existe uma ampla variação nos problemas, teses e métodos que se consideram pertinentes à filosofia. Voltando às origens da filosofia na Grécia Antiga, notamos que, pela própria etimologia do termo, a filosofia era entendida como o amor ao saber, ou a busca da verdade. Naquela época e, em certa medida, por muitos séculos da era cristã, a filosofia englobava todos os ramos do conhecimento puro (em contraste com as artes e ofícios). Só gradualmente é que alguns deles foram se tornando autônomos, como a matemática, a astronomia, a história, a biologia, a física. Em particular, a distinção entre filosofia e ciência é bem recente, esboçando-se no início do período moderno, no século XVI, e acentuando-se nos séculos seguintes. Baschet (2006). Hoje em dia costuma-se considerar pertencentes ao tronco principal da filosofia as disciplinas da estética, lógica, ética, epistemologia e metafísica, sendo que as duas primeiras mostram tendência à autonomização. De forma muitíssimo simplificada, pode-se dizer que a estética examina abstratamente a beleza e a feiura; a lógica investiga o encadeamento formal das proposições; a ética estuda questões relativas ao bem e ao mal, aos direitos e deveres; a epistemologia ocupa-se do conhecimento, suas origens, fundamentos e limites, enquanto que a metafísica procura especular sobre a natureza última das coisas. Fora esses ramos fundamentais, há ainda diversos outros que resultam de suas interconexões e especializações, como por exemplo a filosofia política, a filosofia da linguagem, a filosofia da ciência, a teologia. Uma das principais correntes filosóficas contemporâneas propõe que a filosofia não deve ser entendida como a formulação ou defesa de teses ou conjuntos de teses sobre o que quer que seja, mas simplesmente como o desenvolvimento de métodos 6 de análise crítica e sistemática, a serem aplicados especialmente ao chamado conhecimento científico. Nessa perspectiva, o filósofo seria alguém que tenta explicitar os conceitos, os pressupostos, a estrutura lógica e as implicações das teorias científicas, políticas, religiosas, etc. Semelhante atitude crítica, mas não de uma crítica leviana, estouvada ou interesseira seria a essência da filosofia, o elemento comum que permearia a grande variedade de linhas filosóficas já concebidas. Baschet (2006). Embora quando se olhe para as abstrações e sutilezas tipicamente discutidas pelos filósofos se possa concluir que a filosofia para nada serve e não poucos filósofos concordariamcom isso, a referida proposta talvez permita encontrar, num plano seguramente afastado do das necessidades materiais cotidianas, uma finalidade útil para a filosofia: a clarificação das bases, métodos e implicações das ciências e de outras disciplinas intelectuais, contribuindo-se assim para a identificação de fundamentos falsos ou inseguros, de falácias argumentativas, de dogmas encobertos. Ensinando, ou pelo menos convidando, o homem a refletir criticamente sobre tudo o que se afirma ou faz em todos os setores, a filosofia de alguma forma auxilia o aprimoramento de seu intelecto e, talvez, de seus sentimentos, que o diferenciam de um mero animal que come, bebe, dorme e se reproduz. www.dinizbioetica.com.br 7 2.1 Relações entre a ciência e a filosofia Em 1952, o filósofo da ciência Karl Popper (1902-1994) publicou um artigo intitulado “A natureza dos problemas filosóficos e suas raízes na ciência”. A tese principal do artigo é, como indica o título, a de que os mais importantes problemas filosóficos, em toda a longa história da filosofia, foram motivados por preocupações ligadas à ciência (incluindo-se a matemática). Popper tinha um alvo claro no texto: uma certa vertente filosófica que prosperou principalmente no século XIX, mas que subsiste até hoje, especialmente fora do mundo anglo-saxão, e que se caracteriza, entre outros pontos, por conceber um abismo profundo entre a filosofia e a ciência, com total despreocupação com aquilo que fica “do outro lado”. Seria quase desnecessário lembrar que, desde a sua origem, o homem sempre cuidou de obter conhecimento sobre os objetos que o cercam, pois disso depende sua sobrevivência. Tal conhecimento histórica e biologicamente primitivo é, pois, antes de tudo um saber como, um conhecimento motivado por algo externo à atividade cognitiva propriamente dita: a necessidade de controle dos fenômenos naturais. A Grécia Antiga testemunhou, no entanto, o surgimento de uma perspectiva cognitiva nova: a busca do conhecimento pelo próprio conhecimento, por mera curiosidade intelectual. Aqueles que cultivavam essa busca do saber pelo saber foram chamados filósofos (traduzindo, “os que amam ou buscam a sabedoria”). Um dos mais importantes desses homens – talvez mesmo o mais importante deles –, Aristóteles (c. 384-322 a.C.), abre uma de suas obras fundamentais, a Metafísica, justamente com a afirmação de que “por natureza, todo homem deseja conhecer” (livro I, cap. 1). Em seguida traça, em um texto que cativa tanto por sua eloquência como por sua precisão analítica, a distinção entre três tipos de saber, ou talvez de etapas na busca do saber. Adaptando um pouco a terminologia, temos: (i) Conhecimento por experiência sensorial direta. Restringe-se aos objetos e eventos individuais, e informa simplesmente acerca do que é. (ii) Conhecimento técnico. Engloba leis gerais, mas dirige-se apenas à questão de como é. Basta, pelo menos num primeiro momento, para dirigir nossas ações. (iii) Conhecimento teórico. Também de tipo geral, procura responder à questão de por que é. Esse é o domínio da ciência propriamente dita, no qual se investigam as “causas” e “princípios” dos fenômenos. 8 Vale a pena ver este comentário do próprio Aristóteles: “Aquele que é mais exato e mais capaz de ensinar as causas é mais sábio, em todas as áreas do conhecimento. E quanto às ciências, igualmente, aquilo que é desejável por si mesmo e com vistas apenas ao conhecimento é mais próprio da sabedoria do que aquilo que é desejável com vistas aos seus resultados ...” (Metafísica, livro 1, cap. 2, 982a.10). Esse cultivo do saber pelo saber talvez seja a principal herança que recebemos dos gregos, e um dos traços mais importantes da cultura ocidental. Chegou até nós não apenas pela filosofia – hoje um tanto esquecida –, mas principalmente por ter sido incorporado ao que hoje chamamos ciência. A utilização do termo ‘ciência’ no sentido contemporâneo é bastante recente, consolidando-se somente no século XX. Porém, a ciência – neste sentido do termo – é mais antiga, remontando mais ou menos ao século XVII. No meio tempo, era usualmente denominada filosofia natural. Tal denominação reflete, é claro, a origem da ciência naquela busca do saber pelo saber destacada pelos Antigos. Eles não distinguiam ciência de filosofia; tudo era filosofia. A palavra ‘ciência’, que já existia (em latim scientia; em grego episteme), era usada para diferençar o tipo especial de conhecimento a que Aristóteles cantou louvores: o conhecimento universal e certo acerca dos fenômenos naturais, dos números, das figuras geométricas, etc., buscado sem preocupações práticas. Esse ideal de universalidade e certeza foi incorporado às ciências, no sentido contemporâneo da palavra, quando começaram a surgir no século XVII. O impressionante sucesso explicativo e preditivo das nascentes disciplinas foi atribuído a um novo método de investigação, que supostamente aliava a observação cuidadosa e, quando possível, controlada dos fenômenos, ao crivo da razão. Baschet (2006). No caso mais significativo, a física, a matematização foi também um ingrediente importante nesse método. A compreensão precisa do chamado “método científico”, das características que distinguiriam as disciplinas científicas das não-científicas, ou pseudocientíficas, constituiu, desde então, um dos temas mais polêmicos da filosofia da ciência, a área da filosofia que se ocupa da análise do conhecimento científico. Há um ponto, porém, que gostaria de ressaltar. É que embora ainda hoje o leigo e muitos cientistas continuem a associar a noção de ciência à de certeza e infalibilidade, as análises epistemológicas levaram, há muito, os filósofos da ciência a reverem essa associação. No âmbito do chamado “empirismo”, o questionamento 9 desse ponto remonta pelo menos a John Locke, no século XVII; no século seguinte, foi aprofundado por David Hume, numa famosa crítica cética. Curiosamente, foi apenas no século XX que houve um reconhecimento mais geral de que a obtenção de conhecimento universal e certo acerca dos processos naturais é um ideal que, depois de dois milênios e meio, deve ser abandonado, por inatingível. Perdido esse traço quase que definitório da ciência, ficou ainda mais difícil encontrar critérios de demarcação entre ciência e não ciência que sejam de aplicação geral. Há hoje diversas propostas em análise, nenhuma isenta de objeções mais ou menos graves. Muitos terão, por exemplo, ouvido referências à concepção de ciência do já mencionado Karl Popper. Mais, talvez, do que qualquer outro filósofo da ciência contemporâneo ele enfatizou o caráter irredutivelmente conjetural de todo o nosso conhecimento da matéria. Numa expressão famosa, Popper sugeriu que entendêssemos o conhecimento científico não como episteme (que requer certeza), mas como doxa (opinião). Segundo Popper, as leis e teorias científicas, mesmo as mais bem estabelecidas, são sempre hipóteses, inventadas livremente para predizer e explicar os fenômenos. O que as tornaria científicas é sua falseabilidade, ou seja, o poderem, em princípio, ser refutadas pela experiência. É claro que as teorias de fato aceitas num dado momento não podem já ter sido refutadas. Mas é importante que sejam refutáveis, pois caso contrário não teriam potenciais pontos de contato com a realidade. Silva e Silva (2013). O progresso da ciência seria, assim, o resultado de um processo constante de conjeturas e refutações, de substituição de hipóteses falseadas por hipóteses melhores e não falseadas, porém sempre falseáveis. Embora essa visão da ciência aparentemente rompa de forma radical com a noção original, há um elemento importante no ideal clássico que Popper procurou preservar e defender, mediante uma argumentação cerrada: o realismo. Essa posição filosófica é, emtermos simples, a de que, embora falíveis, as teorias científicas devem ser entendidas como tentativas sérias, e cada vez melhores, de descrever uma realidade objetiva, ainda quando transcenda o nível dos fenômenos, ou seja, aquilo que é diretamente perceptível aos sentidos. O empreendimento científico continua, nessa perspectiva realista, dando vazão da melhor forma possível ao nosso arraigado desejo de compreender o mundo real, de descobrir como e por que funciona. Silva e Silva (2013). 10 A tese popperiana de que a ciência constitui fonte fundamental de problemas filosóficos tem uma de suas mais importantes exemplificações justamente na discussão acerca do realismo. Essa discussão ou, mais especificamente, a discussão do chamado realismo científico – a existência de recursos cognitivos para legitimar as teorias científicas quando transcendem o nível da percepção imediata –, ganhou novo ímpeto no século XX. Um dos fatores importantes no reavivamento do debate acerca dessa forma de realismo foi justamente o surgimento da mecânica quântica. Como muitos sabem, não obstante o impressionante sucesso prático e a abrangência dessa teoria, ela apresentou desde o início uma série de características teóricas e conceituais que desafiam a intuição física ordinária. Isso levou a sérias controvérsias entre os pais da teoria. A maioria deles, sob a liderança de Niels Bohr, acabou, de forma sem precedentes na história da ciência, defendendo posições anti- realistas científicas, como o instrumentalismo, segundo o qual as teorias são meros instrumentos de predição dos fenômenos, sem a pretensão de que também descrevam a realidade inobservável subjacente aos fenômenos (como os elétrons, os vírus, etc.). Erwin Schrödinger e, principalmente, Einstein, opuseram-se a essa tendência antirrealistas, oferecendo argumentos importantes para mostrar que as referidas características estranhas da mecânica quântica radicam em sua incompletude: a teoria não descreveria completamente certas propriedades dos objetos físicos. 3 A FILOSOFIA DA CIÊNCIA A filosofia da ciência é o campo de estudos filosóficos focado na compreensão, no questionamento e no aprimoramento dos processos e métodos científicos, buscando sempre garantir os fundamentos para que o trabalho científico ocorra da melhor forma, proporcionando um conhecimento que seja indubitavelmente confiável. A filosofia da ciência pode discutir a importância de um método científico rigoroso, bem como elaborar conceitos que norteiem a criação desse método. Além disso, a filosofia da ciência lida com conceitos importantes para a ciência, como verdade, validade argumentativa, paradigma e com a importância da problematização, ou seja, do questionamento e da dúvida. 11 3.1 O que é que é filosofia da ciência? O filósofo, lógico e matemático inglês contemporâneo Bertrand Russell afirmou que a filosofia é a ciência dos resíduos. Essa afirmação ancora-se no fato de que a filosofia, apesar de participar de todo o conhecimento racional no início do pensamento ocidental, teve que se contentar (após a revolução científica moderna) com proporcionar as bases metodológicas e lógicas para qualquer saber que se pretenda racional. Silva e Silva (2013). Assim, o conhecimento filosófico tornou-se o conforto racional que cientistas buscam para estabelecer suas teorias, sem se esbarrarem em preceitos que poderiam deixar seu trabalho sem uma correta fundamentação. A filosofia da ciência busca fundamentar os processos científicos por meio dos conceitos. Na esteira do que foi dito, a filosofia da ciência (mesmo a filosofia sendo uma espécie de “mãe” das ciências) busca a compreensão e o aprimoramento dos métodos e dos processos de validação científica. Enquanto a ciência ocupa-se com seu objeto específico de estudo, a filosofia ocupa-se com tentar entender se esse objeto é corretamente estudado, além de tentar aprimorar os modos do fazer científico, a fim de proporcionar à ciência a maior validade racional possível. Um dos ramos que ajuda a ciência por meio da filosofia é a epistemologia, que busca compreender como o ser humano consegue chegar ao conhecimento. https://mundoeducacao.uol.com.br/filosofia/conhecimento.htm 12 3.2 Relação entre filosofia e ciência A pergunta “o que é” é antiga e importante para a composição do conhecimento filosófico, pois ela busca pela essência de algo, possibilitando assim a enunciação do conceito que delimita o que é perguntado. Não podemos dizer, a rigor, que a filosofia é uma ciência por diferenças existentes entre o método e os objetos de estudo de uma e outra. Enquanto a ciência, entendendo-a a partir da concepção moderna, busca conhecer objetos bem delimitados (cada ciência responsabiliza-se por conhecer um objeto diferente, por exemplo a biologia, que estuda a vida, e a sociologia, que estuda as formações sociais), a filosofia é ampla em relação à possibilidade de estudos. Silva e Silva (2013). A filosofia pode dedicar-se a tentar conhecer absolutamente tudo o que é de formação humana ou racional, desde a moral, a ética e a política, até a lógica, os fundamentos das ciências, os fundamentos da matemática, as técnicas, as artes etc. A filosofia surgiu muito antes das ciências. Enquanto as ciências, como as conhecemos hoje, datam do período da Modernidade, mais ou menos no século XVI, a filosofia teria surgido no século VI a.C. O que há em comum entre essas duas áreas é a busca por um conhecimento que seja válido, racional, que fuja do senso comum e que seja passível de validação, seja pela razão (no caso da filosofia), seja pelas demonstrações e pesquisas empíricas (no caso da ciência). Nessa relação entre as duas áreas do conhecimento, é importante ressaltar que a filosofia é uma espécie de “mãe” das ciências, por ser a primeira a questionar o conhecimento tradicional e de senso comum em busca de respostas mais racionais. 3.3 Diferenças e semelhanças entre filosofia e ciência Por serem áreas distintas do conhecimento, filosofia e ciência possuem suas diferenças, porém, não podemos considerá-las como áreas completamente antagônicas. Como foi dito, por meio da filosofia, as ciências encontraram caminho para formarem-se como uma busca de conhecimento racional, amparando-se na necessidade de estabelecer-se algum tipo de validação do que é conhecido. A filosofia ampara-se na racionalidade para pautar e validar o produto de seu conhecimento, assim como a ciência. No entanto, em relação ao rigor metodológico, https://mundoeducacao.uol.com.br/filosofia/o-que-filosofia.htm https://mundoeducacao.uol.com.br/filosofia/senso-comum.htm 13 a ciência vai além. O método científico procura não somente pautar-se na racionalidade, como também provar empiricamente, por meio de testes rigorosamente controlados, que as suas suspeitas são verdadeiras. Silva e Silva (2013). Nesse sentido, enquanto a filosofia lida apenas com conceitos e com argumentos, a ciência lida com a prática. Além disso, a filosofia é uma área ampla do saber que pode questionar e investigar os mais diversos ramos de nossa sabedoria, além de fornecer fundamentos para várias ciências. 3.4 Contribuições da filosofia para a ciência A filosofia é uma espécie de conhecimento geral e fundamental sobre a racionalidade. Ela tenta entender, questionar e fundamentar as mais diversas áreas do saber, tanto de maneira ampla e geral quanto de maneira mais específica, debruçando-se, às vezes, ao fornecer fundamentos para uma determinada ciência. As regras, os fundamentos e os conceitos racionalmente organizados de uma determinada ciência encontram-se no âmbito da “filosofia” daquela ciência. Por isso temos a filosofia da matemática, do direito, da educação, da história, da ciência, entre tantas outras “filosofias”. Apesar de parecer quea filosofia entra apenas como uma palavra comum deslocada de seu sentido original para designar os fundamentos encontrados por aquela ciência, há o trabalho de filósofos (não necessariamente com graduação em filosofia) que se dedicam a buscar as mais profundas raízes teóricas que amparam a constituição dessas ciências. Além do que foi apresentado, a filosofia busca compreender processos gerais do conhecimento e do raciocínio, formulando uma espécie de teoria do conhecimento (também conhecida como epistemologia). A epistemologia busca compreender os traços que demonstram os modos como o conhecimento ocorre na formação da mente humana. Silva e Silva (2013). De Platão aos filósofos contemporâneos, várias teorias epistemológicas foram formuladas. Podemos destacar as teorias modernas, que se centraram em tentar entender se o conhecimento ocorre na mente de maneira empírica (por meio da experiência prática) ou de maneira completamente cognitiva e racional. O primeiro https://mundoeducacao.uol.com.br/filosofia/platao.htm 14 grupo ficou conhecido como empirista, enquanto o segundo foi chamado de racionalista. Fonte: www.mundoeducacao.uol.com.br 4 A FILOSOFIA E A CIÊNCIA NO MUNDO MODERNO A denominada Revolução Científica do século XVII constitui-se em um marco histórico caracterizado pela mudança, ocorrida na Europa Ocidental, na maneira de se pensar, analisar e representar o mundo natural. Essa Revolução foi descrita e explicada de muitas formas, visto que há inúmeras discussões historiográficas que alimentam controvérsias no que se refere ao período, às origens, às causas e aos resultados por ela alcançados. Partindo desse pressuposto, Koyré (2001) argumenta que, para alguns historiadores, a substituição do mundo geocêntrico (ou mesmo antropocêntrico) medieval pelo universo heliocêntrico desempenhou um papel fundamental para o surgimento da Ciência Moderna; outrossim, outros historiadores acreditam que a suposta conversão do espírito humano da teoria para a práxis transformou o homem de espectador em proprietário e senhor da Natureza; alguns, por sua vez, levam em consideração a substituição do modelo teleológico e organicista do pensamento e da explicação pelo modelo mecânico e causal, que culminou na “mecanização da https://mundoeducacao.uol.com.br/filosofia/empirismo.htm https://mundoeducacao.uol.com.br/filosofia/racionalismo.htm 15 concepção do mundo”; outro grupo de historiadores descreve simplesmente o desespero e a confusão trazidos pela “nova filosofia” a um mundo do qual havia desaparecido toda coerência; isso porque Deus já não podia ser a explicação para a realidade. Daí, pois, a validade de tratarmos aqui da historiografia, pois a mesma nos permite, por meio daqueles que a escreveram, entender os elementos que constituem esse período. Segundo Silva e Silva (2013), a historiografia é uma forma de perceber que todo historiador sofre pressões ideológicas, políticas e institucionais; comete erros e tem preconceitos. Ou seja, toda palavra utilizada para caracterizar um dado período é carregada de significado, já que representa o momento em que foi escrita. A palavra Revolução, por exemplo, pode ser considerada um tanto quanto exagerada para alguns “medievalistas”, que não concordam com a conceituação da Idade Média como sendo um período de estagnação científica. Esse “milênio obscurantista”, atribuído à Idade Média, configura-se em uma ideologia, que Rossi (2001) chama de mito, construído pela cultura dos humanistas e pelos pais fundadores da Modernidade. Baschet (2006), também afirma que foram os humanistas italianos, da segunda metade do século XV, que começaram, como forma de glorificar o seu próprio tempo, associar a Idade Média às ideias de barbárie, de obscurantismo, de intolerância, de regressão econômica e de desorganização política. E é, assim, que se forma a visão de “Idade das Trevas”, que perdura até os nossos dias. Nossa intenção não é defender a Idade Média como uma época “luminosa”, de grandes progressos. A questão aqui não é a sua reabilitação; o que queremos mostrar é que a Revolução Científica merece esse título não pela má reputação da época anterior, mas pelos grandes feitos que se realizaram a partir de então. Para Henry (1998), a ciência formulada a partir do século XVII foi revolucionária porque, ao contrário da estabelecida durante a Idade Média, assemelhou-se à nossa. A Idade Média é, para nós, segundo Baschet (2006), um antimundo, anterior à Modernidade; um mundo rural anterior à industrialização; um mundo da todo-poderosa Igreja, anterior, pois, à laicização; um mundo anterior ao reinado do mercado; em resumo, um mundo totalmente oposto ao nosso. Sendo assim, por mais que a palavra Revolução possa desmerecer o período anterior, ela é cabível quando levamos em consideração a construção de uma nova 16 concepção de mundo e de homem, mais parecida com a que vemos hoje e, por isto, mais valorizada. Henry (1998) chama isso de whiggismo: julgar o passado em função do presente. Esse tipo de whiggismo ainda prospera na história da ciência, que tem como intuito compreender por que e como a ciência veio a se tornar uma presença tão dominante em nossa cultura. Sabemos que a ciência busca entender o mundo. No entanto, esse anseio de encontrar respostas para os mistérios do universo não se iniciou com a Revolução Científica. Isso existiu desde os primórdios da humanidade. Então, por que levamos em consideração apenas a ciência (ideia de ciência) formulada a partir da Revolução Científica? Crosby (1999) explica que, durante o fim da Idade Média e o Renascimento, despontou na Europa um novo modelo de explicação da realidade: o modelo quantitativo começou a substituir o antigo modelo qualitativo. O autor busca compreender, ao longo de sua trajetória, como os europeus (descritos, por um geógrafo mulçumano no século X d.C. como “estúpidos, rudes e embrutecidos”) conseguiram, mais tarde, conquistar boa parte do mundo. Não se trata de sorte, mas, sim, do que os historiadores franceses chamaram de mentalité. Para Crosby (1999), esse novo padrão de pensamento, voltado para o conhecimento quantitativo, permitiu aos europeus, avançar com rapidez na ciência e na tecnologia, dando-lhes habilidades administrativas, comerciais, navais, industriais e militares de importância decisiva para o futuro do continente. Essa nova forma de se refletir sobre a realidade em termos quantitativos foi, sem dúvida, a grande força motriz para iniciar as mudanças revolucionárias. No entanto, essa mudança de mentalité não aconteceu “do dia para a noite”, ou nas palavras de Koyré (2001), como uma “mutação súbita”; foi algo que se vinha fermentando já havia séculos; por isso, temos certa dificuldade em estabelecer um século exato para o início da Revolução Científica. Para Henry (1998), o foco principal foi o século XVII, com períodos variados de montagem do cenário no século XVI e de consolidação no século XVIII. Embora, muitos historiadores afirmem que seu início tenha ocorrido no século XV. É necessário reconhecer que, apesar de descrita e explicada de muitas formas, a chamada Revolução Científica teve, sim, um caráter “revolucionário”. De acordo com Japiassu (1985), a utilização desse termo indica que as antigas verdades científicas foram substituídas por verdades novas. Nas suas palavras, “[...] a lógica formal da não- contradição cede lugar a uma lógica do sentido fundada nos paradoxos e no erro como 17 caminhos para se chegar à verdade” (1985, p. 43). Para ele, esse acontecimento foi plural, pois: Trata-se de uma revolução que substituiu a física qualitativa por uma física quantitativa, que substituiu uma Natureza por outra, uma ciência por outra, o método de autoridade pelo recurso à razão e à experiência. Trata-se de uma revoluçãoque, além de derrubar a ditadura de Aristóteles, arruína completamente, através da luneta astronômica, o dogma da incorruptibilidade dos corpos celeste. Fica ainda absolutamente rejeitado o axioma identificando o real objetivo à percepção sensível: as qualidades são relativas aos nossos sentidos e a matéria é quantitativa (JAPIASSU, 1985, p. 44). De acordo com Koyré (2001), não se tratava de combater teorias errôneas e insuficientes, mas, sim, de se transformar o modo de conceber o mundo e o homem. Isso é revolucionário; e proporcionou um novo modo de se entender o homem e o seu lugar na Natureza. Segundo Koyré (2001, p. 13), “[...] enquanto o homem medieval e o antigo visavam à pura contemplação da Natureza e do ser, o moderno deseja a dominação e a subjugação”. Isso não significa que Deus tenha sido esquecido com o início da Ciência Moderna, Ele foi substituído, segundo Gleiser (2006), pelo Deus “relojoeiro”, o qual, após criar o Universo, deixa-o evoluir tal como um relógio sob a ação de seus próprios mecanismos: as leis da física. Leis que também foram criadas por Deus; sendo função da ciência, entendê-las. Para tal anseio, os cientistas realizaram o estudo científico da Natureza. Esse estudo era desenvolvido a partir do modelo quantitativo: a matemática tornou-se a linguagem da ciência. De acordo com Crosby (1999), os europeus medievais também utilizavam a matemática, mas para fins mais práticos (como, por exemplo, para a feira semanal ou para a coleta local de impostos) e não para coisas mais grandiosas. O mesmo autor explica que o contato da civilização ocidental com a quantificação é algo antigo, que, provavelmente, tenha se estabelecido no período neolítico. No entanto, é preciso distinguir a noção de quantidade da concepção de realidade como quantificável. A concepção de realidade como quantificável descartou a antiga visão de realidade, proporcionando, nas palavras de Crosby (1999, p. 34), “[...] o meio para que dezenas de gerações entendessem o que as circundava, desde as coisas que estavam ao alcance da mão até as estrelas fixas”. A visão de mundo que se tinha foi modificada. Nossa visão de mundo sofreu profundas transformações no decorrer da 18 história do conhecimento e do impacto que as mesmas tiveram no desenvolvimento da sociedade. É oportuno voltar no tempo e recontar um pouco dessa história. Iniciamos com as palavras do físico Gleiser: A sabedoria do passado foi esquecida, condenada pela Igreja como paganismo, a raiz de todo o mal. O esplendor das civilizações grega e romana era uma memória distante. Forjada por santo Agostinho durante o século V d.C., a tênue conexão com o passado se dava através de um platonismo transvertido, que desprezava qualquer interesse nos fenômenos naturais, ao mesmo tempo encorajando o debate de questões teológicas. As respostas a todas as perguntas sobre a astronomia ou cosmologia eram encontradas na Bíblia. [...] De fato a Igreja transformou-se em um símbolo de civilização e ordem social, oferecendo a devoção à religião como antídoto contra “os rituais pagãos dos bárbaros”, [...] a Igreja condenou a busca do conhecimento “pagão”, ou seja, conhecimento sobre assuntos fora da esfera da religião. As tentações carnais, dependentes que são dos cinco sentidos, sem dúvida levavam à danação eterna. Como o estudo da Natureza necessariamente dependia do uso dos sentidos, ele também foi considerado conhecimento pagão (2006, p.88-90). Durante a Idade Média, a Igreja exercia uma forte influência na maneira como as pessoas compreendiam o mundo; ou melhor, a Igreja limitava as pessoas de compreender o mundo. Paradoxalmente a esse contexto, no século VIII, segundo Gleiser (2006), o Império Muçulmano floresceu. Os árabes levaram aos seus domínios um interesse pelo conhecer que já estava esquecido na Europa; esta última, nesse período, se encontrava perdida em completa desordem política. O entusiasmo pelo legado cultural, aos poucos, se difundiu, criando o clima intelectual que mais tarde culminou na Renascença. O interesse pelo estudo da Natureza estava, aos poucos, sendo despertado na Europa. Os teólogos medievais adaptaram as ideias aristotélicas à teologia imposta pela Igreja: a Terra ocupava o centro do Universo; nos céus, os corpos celestes eram imutáveis e perfeitos. A cosmologia aristotélica se encaixara como uma “luva” na teologia cristã. No século XVI, as coisas começaram a mudar. Nicolau Copérnico deu início à grande revolução que virou os “céus do avesso”. Metaforicamente, ele foi quem colocou o “Sol de volta no centro do Cosmo”, ou seja, quem desmistificou a ideia de que a Terra ocupava o centro do Cosmo. Um ato de enorme coragem intelectual, já que essa noção se contrapunha à interpretação teológica da época. Mas, a questão é: o que levou Copérnico a abandonar, radicalmente, a sabedoria tradicional de sua época? Gleiser (2006), argumenta que o feedback para a sua pesquisa começou a partir de sua insatisfação 19 com a falha no modelo de Ptolomeu, que “[...] violava a regra platônica de velocidade circular uniforme para todos os corpos celestes” (p. 98). Gleiser (2006) continua afirmando que, ao tentar fazer com que o Universo se adaptasse às ideias platônicas, Copérnico retornou aos pitagóricos e, assim, mais uma vez, as antigas ideias foram retomadas e readaptadas. Nas palavras de Gleiser (2006, p. 98), Copérnico “[...] estava olhando para trás e não para frente”; e ele continua: “Copérnico ressuscitou o sonho pitagórico de dois mil anos antes. O Sol e os planetas eram parceiros em sua dança através do Universo” (p. 100). A obra de Copérnico, mesmo que lida por algumas das mentes mais influentes do século XVI, só foi surtir efeito 70 anos mais tarde, nas mãos de Galileu e Kepler. São eles os verdadeiros “heróis” da chamada “revolução copernicana”, pois, de fato, foram eles que iniciaram a profunda transformação do nosso conhecimento. Mesmo que a “revolução copernicana” tenha aberto o caminho para o universo infinito e cheio de estrelas, foi a partir das observações telescópicas de Galileu e das descobertas de Johannes Kepler, que as ideias de Copérnico se desenvolveram (GLEISER, 2006). Não é por acaso, que Galileu Galilei é considerado o “pai da ciência moderna”. O que ele fez de tão excepcional para se tornar merecedor desse título? Podemos dizer que ele inventou a ciência. Talvez, essa frase não seja de todo justa, já que muitos, antes dele, haviam plantado as sementes do que viria a se tornar a Ciência Moderna. Para Gleiser (2006), o que Galileu fez de revolucionário foi desenvolver o método que torna a ciência possível, chamado de “validação empírica”: que é a confirmação de hipóteses por meio de experimentos e medidas. E, assim, um novo método para o estudo da Natureza estava por nascer; a concepção de realidade como quantificável transformou a visão de mundo que se tinha até então. Essa nova visão alterou a concepção de Natureza; o modo de explorá- la, de valorizá-la e até de retratá-la. A Natureza sensível foi substituída por uma Natureza idealizada segundo as leis da matemática, conforme veremos a seguir. A Revolução Científica, portanto, introduziu uma mudança radical no conteúdo intelectual do conceito de “Natureza”. 20 4.1 A matematização e a mecanização da Natureza nos pensadores da Ciência Moderna: Kepler, Galileu e Newton A ideia moderna de Natureza mudou não apenas a concepção do que é o Universo, mas também as noções de espaço, tempo e matéria. O enfoque racional, utilizado pelos “filósofos naturais” (lembrando que a palavra “cientista” ainda não existia no século XVII) para confrontar os mistérios da Natureza, criou uma nova visão de mundo. No entanto, a aceitação da concepção de ciência elaborada pelos pensadores considerados modernos não foi algo simples e repentina. A nova visão de mundo, que estava se estabelecendo,decorre de uma duradoura batalha entre o novo e o velho. Segundo Koyré (2001, p. 8), “O caminho que levou do mundo fechado dos antigos para o aberto dos modernos não foi na verdade muito longo”; o difícil foi trilhar esse caminho cheio de obstáculos. O maior deles foi a Igreja Católica, que, embora enfraquecida devido à Reforma Protestante, continuava intolerante a pensamentos contrários à sua interpretação teológica. Para impor-se, a Ciência Moderna teve que superar inúmeros obstáculos epistemológicos e vencer múltiplas resistências. É cabível tentarmos imaginar como foi esse período de transição, em que o homem teve que transformar e substituir não somente os seus conceitos, mas também o seu pensamento a respeito do mundo que ele acreditava conhecer. As modificações econômicas, sociais e religiosas, interligadas com a mudança de mentalité, que ressaltamos anteriormente, estavam, aos poucos, construindo uma nova cultura: “[...] em economia, capitalista; na arte e na literatura, clássica; na atitude perante a Natureza, científica” (JAPIASSU, 1985, p. 51). A grande tarefa do Renascimento foi a redescoberta e domínio da arte e da Natureza. Nesse período, a Europa estava passando por uma espécie de revivificação; trata-se, pois, da fase inicial da Revolução Científica. Segundo Crosby (1999, p. 64) “[...] o Ocidente vinha- se debatendo num profundo desânimo cultural [...] seus modos tradicionais de perceber e explicar vinham sendo deficientes [...]”. Hoje, sabemos que a ciência avança justamente quando teorias são expostas ao seu limite de validade. Foi partindo desse princípio, que os ocidentais, aos poucos, estabeleceram uma nova versão de realidade; o mundo que se conhecia até então estava sendo colocado em prova. A partir do século XVII, o homem foi “retirado do campo da verdade”. A noção que se tinha de realidade não era mais sinônimo de verdade absoluta. A realidade passou a ser aquilo que foi definido teoricamente num sistema de vias de 21 axiomatização, cuja aceitação como verdadeira se impõe na formação de uma perfeita sequência lógica. Japiassu (1985, p. 63) explica: “[...] a axiomática [...] consiste em reduzir o real ao geométrico. Ela substitui as propriedades do espaço real pelas propriedades do espaço geométrico”. A nova concepção de mundo, oriunda da Revolução Científica, começou a desenvolver-se graças ao surgimento de um novo método estabelecido por Galileu Galilei (1564-1642), ou seja, de um plano de pesquisa definido a partir da lei geral para a aplicação mecânica. Esse método científico foi o fator determinante para a evolução da ciência. De acordo com Japiassu (1985), [...] a experimentação torna-se o elemento essencial de todo o estudo da física. O chamado ‘método especulativo’ aristotélico, utilizado pelos escolásticos, é substituído por um novo método na pesquisa das leis naturais (p. 47). Entretanto, o que vem a ser experimentação? Japiassu (1985), explica que esse conceito não trata de uma observação dos fenômenos naturais, mas, sim, de uma interrogação formulada numa linguagem geométrica para com a Natureza. Galileu é herdeiro do platonismo; isso significa que o mesmo acreditava que, através da matemática, seria possível se decifrar a estrutura da Natureza. A ciência [...] baseia-se nas matemáticas enquanto são portadoras de uma espécie de valor supremo, ocupando uma posição-chave no estudo das realidades naturais. Neste sentido, a ciência e a filosofia de Galileu recuperam certa forma de platonismo. Porque o cientista é alguém ativo que toma posse do espaço. É alguém que redescobre a linguagem falada pela Natureza (JAPIASSU, 1985, p. 67). A matemática passou a ser a linguagem para desvendar os segredos da Natureza. O gosto pelo racionalismo quantificado contribuiu de modo decisivo para o surgimento de uma nova concepção de Natureza. Para Galileu, “[...] somente por meio de uma análise exclusivamente quantitativa a Ciência poderia obter conhecimento seguro do mundo” (apud TARNAS, 2011, p. 286). Essa questão também aparece no pensamento de Koyré. Para ele: As leis da natureza são leis matemáticas. O real encarna a matemática. Por isso não há, em Galileu, distância entre a experiência e a teoria; a teoria (a fórmula) não se aplica aos fenômenos “do fora”, ela exprime sua essência. A natureza só responde às questões colocadas em linguagem matemática, porque a natureza é o reino da medida e da ordem. E se a experiência guia ‘como que pela mão’ o raciocínio, é porque, na experiência bem conduzida vale dizer, numa questão bem colocada, a natureza revela sua essência 22 profunda que somente o intelecto é capaz de aprender (KOYRÉ apud JAPIASSU, 1985, p. 78). Nesse ínterim, a Natureza só poderia ser compreendida em termos matemáticos. A matemática trabalha com verdades absolutas, ou seja: 2+2 = 4; não existe discussão, o resultado independe da perspectiva humana, isto é, por mais que os símbolos sejam modificados, o resultado é universal. Contudo, esse resultado é questionável quando nos interrogamos a respeito de outros elementos que constituem o objeto representado pelo número: a matéria. Sendo assim, para entender a complexidade da Natureza, torna-se necessário estudá-la levando em consideração as leis matemáticas e mecânicas. O mundo, para Galileu, apresentava-se como uma espécie de sistema mecânico. Segundo Japiassu (1985, p. 76), “[...] o mecanicismo consiste na filosofia que se explicitou no início do século XVII, segundo a qual todos os fenômenos naturais devem ser explicados por referências à matéria em movimento. ” Assim, a Natureza consistia em uma máquina e, para compreendê-la, seria necessário entender seu funcionamento, por meio da interação entre energia e matéria. “O mecanicismo passou a constituir o programa geral da ciência moderna. ” (JAPIASSU, 1985, p. 76). Contemporâneo de Galileu, Johannes Kepler (1571-1630), outro apaixonado por números e formas geométricas, demonstrou que o Universo estava disposto segundo “elegantes harmonias matemáticas” (TARNAS, 2011). A formulação das três leis do movimento planetário imortalizou seu nome; e lhe concedeu o mérito de ser considerado o maior astrônomo de sua época. Se, para Galileu, a matemática era a linguagem em que o “livro da Natureza” estava escrito, a ênfase dada à matemática por Kepler vai além. Para ele, a matemática não era apenas um instrumento para compreender a Natureza; mas, a própria Natureza era formada conforme as leis matemáticas. Para Kepler, existia uma ligação entre os astros e os acontecimentos terrestres: “[...] nada existe ou acontece no céu que não seja percebido de algum modo secreto pelas faculdades da Terra e da Natureza” (KEPLER apud GLEISER, 2006, p. 107). Na busca por respostas, ele introduziu a Física no estudo do Cosmo, inaugurando uma nova era em Astronomia. A visão geométrica de Cosmo dominou o pensamento de Kepler. Sua busca pela explicação da harmonia celeste era quantitativa/metafísica, alimentada por observações. Para ele, as descrições dos fenômenos naturais deveriam ser físicas; 23 em outras palavras, deveriam revelar as causas por trás do comportamento observado. Enquanto alguns usavam a matemática mística como um modo de atirar lama, o jovem copernicano neoplatônico Johannes Kepler deixou-se levar por uma espécie de mania a respeito dos cinco sólidos platônicos, que são o tetraedro, o cubo, o octaedro, o dodecaedro e o icosaedro. Eles são “perfeitos”, porque as faces de cada um são idênticas (ou seja, as seis faces do cubo são iguais, assim como os vinte triângulos equiláteros do icosaedro são idênticos) [...]. Em 1595, Kepler decidiu que eles explicavam o universo. Esses cinco, ele tinha certeza, podiam ser encaixados nas órbitas (esferas) dos seis planetas conhecidos, com os vértices mantendo as esferas externas do lado de fora e as faces contendo as esferas internasdo lado de dentro – um exemplo divino da predileção de Deus pela ordem platônica. “Vi, escreveu Kepler”, um após outro sólido simétrico encaixar-se com tamanha precisão entre as órbitas apropriadas [...] (CROSBY, 1999, p. 124-125). Cabe ressaltar, que Kepler acreditava que o “universo harmonioso” teria sido criado por Deus. Para ele, sua missão era desvendar o grande mistério por de trás desta construção. E a “chave” para resolver esse mistério seria a geometria. Assim, “[...] mais uma vez, a tradição pitagórica desvendou os segredos da mente do Arquiteto Cósmico” (GLEISER, 2006, p. 110). Isaac Newton (1642-1727) também acreditava em um Deus supremo, que havia planejado o Universo. Pensar que o homem que estabeleceu os fundamentos da mecânica clássica pudesse estar tão conectado às profecias bíblicas pode causar espanto; isso porque, hoje, ciência e religião habitam “mundos opostos”. No entanto, no século XVII, matemática, teologia, astronomia, astrologia, alquimia e química se confundiam. Newton sempre deixou claro sua veneração pela beleza da Natureza, esta última que ele apresentava como evidência da existência de um Criador Divino; tanto que ele afirmou que a “[...] diversidade das coisas naturais que encontramos adaptadas há tempos e lugares diferentes não se poderia originar de nada a não ser das ideias e vontade de um Ser necessariamente existente” (NEWTON apud GLEISER, 1997, p. 190). Tendo em vista a presença de um Deus onisciente e onipresente (que age continuamente no Universo), para se explicar os fenômenos naturais era preciso, segundo o pensamento de Newton, estabelecer uma conexão entre o pensamento humano e o divino. As explicações sobre a verdadeira Natureza, tal como foi criada por Deus, eram de que o seu funcionamento ocorria segundo princípios estritamente mecânicos. Com o advento da filosofia mecanicista, os fenômenos da Natureza foram 24 explicados por interações mecânicas entre seus componentes materiais. O aprimoramento de muitas teorias descritas por seus antecessores permitiu-lhe alterar mais uma vez a noção que se tinha de Cosmo. A integração da filosofia mecanicista com a tradição pitagórica estava moldando uma nova visão de mundo. A cosmologia newtoniana-cartesiana estava agora estabelecida como fundamento de uma inovadora visão de mundo. Pelo início do século XVIII, qualquer pessoa instruída no Ocidente sabia que Deus havia criado o mundo como um complexo sistema mecânico, composto de partículas materiais que se movimentaram num infinito espaço neutro segundo alguns princípios básicos, como a inércia e a gravidade, que poderiam ser matematicamente analisadas (TARNAS, 2011, p. 293). Newton sintetizou as leis do movimento terrestre de Galileu e as leis dos movimentos planetários de Kepler em uma teoria mais abrangente, conhecida hoje como as três leis de Newton (da inércia, da força e da reação). Essas leis regeriam os reinos celeste e terrestre. Em outras palavras, todos os fenômenos conhecidos das mecânicas celeste e terrestre estavam unificados em um conjunto de leis físicas, e eram descritos da seguinte forma: “[...] cada partícula de matéria no universo atraía outra partícula com uma força proporcional ao produto de suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância entre elas” (TARNAS, 2011, p. 292). A Natureza era concebida como um sistema-maquinário perfeitamente ordenado e regido por leis matemáticas. Essa Natureza teria sido criada por Deus em perfeita ordem e mantida por essas leis. O papel do homem, nesse complexo sistema, seria utilizar sua inteligência a fim de entender e, então, dominar a Natureza. 4.2 O discurso de posse da Natureza: as filosofias de Francis Bacon e René Descartes Num período em que descobertas inesperadas destruíam e construíam uma nova visão de mundo, nada era critério absoluto de verdade. As incertezas epistemológicas estabeleciam uma “crise de ceticismo”, assim chamada por Tarnas (2011). Crise está caracterizada pelas contradições entre as diferentes perspectivas filosóficas e pela redução da importância da revelação religiosa para a compreensão do mundo empírico. Nesse ensejo, o trabalho de René Descartes (1596-1650) foi desenvolver um método para o “conhecimento seguro”, assim denominado por ele. Isso significava emancipar o mundo material da crença religiosa. O primeiro preceito 25 de Descartes “[...] era o de nunca aceitar algo como verdadeiro que [...] não conhecesse claramente como tal” (DESCARTES, 1999, p. 49). Começar duvidando de tudo foi o primeiro passo; seu objetivo era eliminar todos os pressupostos do passado que confundiam o conhecimento humano. Dessa forma: Com a aplicação de um raciocínio preciso e minucioso a todas as questões da Filosofia e aceitando-se como verdade apenas as ideias que se apresentassem claras a esse raciocínio, distintas e sem contradições internas. A racionalidade crítica disciplinada superaria a informação nada confiável sobre o mundo, proporcionada pelos sentidos ou a imaginação. Usando esse método, Descartes seria o novo Aristóteles, descobrindo uma nova Ciência que introduziria o Homem numa nova era de conhecimento pragmático, sabedoria e bem-estar (TARNAS, 2011, p. 299). Foi, assim, que Descartes estabeleceu sua maneira de chegar à certeza absoluta. Essa “sua maneira” foi duvidar de tudo, inclusive da aparente realidade do mundo físico; e até mesmo do seu próprio corpo. A única coisa de que ele não duvidava era da sua dúvida. “Pelo menos o ‘eu’ que tem consciência de duvidar, o sujeito pensante, existe. Pelo menos até aqui está certo e é seguro: cogito, ergo sum” (TARNAS, 2011, p. 299). O pensar ou cogito, por sua vez, serviu de base para as outras intuições racionais evidentes. Tendo em vista que o homem é um ser pensante (que tem dúvida), então o mesmo é imperfeito, pois não tem conhecimento de todas as coisas. Descartes, assim, deduziu a necessidade da existência de um Ser superior perfeito: Deus. Tarnas (2011, p. 300), descreve esse pensamento: “[...] nada pode originar-se do Nada, nem um efeito possui uma realidade que não tenha derivado de sua causa”. Dessa maneira, para Descartes, o homem racional deveria conhecer a sua própria consciência, para, então, poder estabelecer a separação entre a res cogitans - “[...] a substância pensante, experiência subjetiva, espírito, consciência, aquilo que o Homem percebe interiormente” (TARNAS, 2011, p. 300) e a res extensa – “[...] substância externa, o mundo objetivo, matéria, corpo físico, as plantas, os animais, as pedras e as estrelas, todo o Universo Físico” (TARNAS, 2011, p. 301). Descartes dividiu o Universo em uma parte física e outra moral. A parte física, para ele, era desprovida de qualidades humanas, podendo ser vista e entendida como uma máquina. Aquele Universo teleológico, visto como um organismo vivo por Aristóteles, não fazia parte de seu pensamento. Para Descartes, “Deus criou o 26 Universo e definiu suas leis mecânicas, mas depois disso o sistema passou a movimentar-se por si, a máquina suprema construída pela suprema inteligência” (TARNAS, 2011, p. 301). Descartes buscou uma reconstrução completa e racional do mundo físico; ele escreveu: “[...] na minha física não há nada que não se encontre também na minha geometria” (DESCARTES apud ROSSI, 2001, p. 209). Rossi (2001), explica que a compreensão da física como geometria e do mundo como “geometria realizada” encaminhou Descartes para uma física “imaginária”, com caráter de “romance filosófico”. Rossi (2001, p. 209), ainda afirma que “[...] as leis cartesianas da natureza são leis para a natureza às quais ela não pode deixar de se adequar porque são elas que a constituem”. Com o termo natureza não viso de modo algum a qualquer divindade ou a qualquer tipo de poder imaginário, mas me sirvo desta palavra para indicar a própria matéria, enquantodotada de todas as qualidades que lhe atribui, tomadas todas em seu conjunto, e sob condição de que Deus continue a conservá-la do mesmo modo em que a criou (DESCARTES apud ROSSI, 2001, p. 203). Partindo do pressuposto de que Deus continua “conservando” ou “preservando” a Natureza, as diversas mudanças que nela acontecem não partem da ação de Deus, mas da própria Natureza (das leis da Natureza). “As regras segundo as quais tais mudanças acontecem quero chamá-las de leis da natureza” (apud ROSSI, 2001, p. 203). Para Descartes, as leis da Mecânica eram idênticas às leis da Natureza. Para entender essa questão, seria necessário levar em consideração apenas os termos quantitativos – o universo físico deveria ser compreendido através da mecânica. Segundo Descartes: A mecânica era uma espécie de “matemática universal” que permitiria analisar e manipular plena e eficazmente o universo físico para servir à saúde e ao conforto da Humanidade. A mecânica quantitativa regeria o mundo, o que justificava a fé absoluta na Razão humana (TARNAS, 2011, p. 302). Esse contexto é o retrato da intitulada “filosofia prática”; com ela, o homem buscaria não apenas a compreensão da Natureza, mas poderia utilizá-la para os seus próprios fins. Não se tratava de uma mera “filosofia especulativa” com a finalidade de se obter conhecimento, mas, sim, de obter conhecimentos úteis à vida. Assim, o homem se tornaria não apenas admirador, mas “senhor e possuidor da Natureza” (JAPIASSU, 1985). Outro expoente, na defesa de uma interpretação voltada à dominação da Natureza por parte do homem, é Francis Bacon (1561-1626). Para ele, 27 através das descobertas da ciência, o homem conseguiria retomar seu lugar de direito na Natureza, resgatando seu lugar de destaque dentro da criação divina. Assim como Descartes, Bacon acreditava que, para se obter êxito na ciência, era necessário a construção de um novo método. Seria, este, um método basicamente empírico: através da cuidadosa observação da Natureza e da hábil criação de muitos experimentos variados, praticados no contexto da pesquisa cooperativa organizada, a mente humana, aos poucos, obteria leis e generalizações que proporcionariam ao Homem a compreensão da Natureza, condição necessária para controlá-la (TARNAS, 2011). Nesse contexto, a compreensão da Natureza traria benefícios ao Homem, pois o mesmo, segundo Tarnas (2011, p. 296), “[...] restabeleceria seu domínio sobre a Natureza”. O uso da palavra “restabeleceria” designa, nesse ensejo, os dois momentos da relação do homem com a Natureza segundo a Bíblia. O primeiro momento é o da criação: E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves do céu, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se move sobre a terra (Gênesis cap. 1: v. 24 – grifo nosso). Segundo o pensamento cristão, Deus havia criado a Natureza para o homem dominar; no entanto, com a Queda6 de Adão, passa-se ao segundo momento, onde o homem é destituído de seu lugar de “honra”. Assim, a única maneira de se restabelecer esse domínio seria através da compreensão da Natureza. Para Bacon, o único caminho viável para restabelecer a posse da Natureza seria mediante uma combinação entre raciocínio dedutivo e experimentação. Para ele, o homem “[...] deveria começar com a análise desapaixonada dos dados concretos e apenas então argumentar indutiva e cautelosamente para obter conclusões gerais com o apoio empírico. ” (TARNAS, 2011, p. 296). Bacon, acreditava que o verdadeiro filósofo deveria não apenas catalogar os fatos de uma realidade supostamente fixa, mas descobrir o método que permitisse o progresso do conhecimento, ou seja, estudar o mundo real diretamente. Vale ressaltar, que Bacon é um dos precursores do novo horizonte da ciência experimental. Smith (1988, p. 32) explica que Bacon acreditava na versão bíblica da criação e, que “[...] a ciência era uma busca divina, na medida em que, através da ciência e do domínio da natureza, os seres humanos poderiam restaurar a harmonia da natureza, realizando assim o desejo de Deus”. O método da ciência/filosofia 28 baconiana tinha o intuito de construir o caminho de volta para o “Paraíso”, um reencontro com Deus pela submissão total da Natureza. Bacon acreditava que a última e mais elementar tarefa humana consistia em dominar o mundo natural. Diante do exposto, chegamos ao ponto que queríamos: a Natureza, na concepção de Bacon, é exterior à sociedade; ela é um objeto a ser dominado e manipulado. A partir de Bacon, tornou-se lugar comum que a ciência trate a natureza como exterior no sentido de que o método e o procedimento científico ditam uma absoluta abstração tanto do contexto social dos eventos e objetos em exame quanto do contexto social da própria atividade científica. Apesar de que a mecânica de Newton permitiu um lugar a Deus no universo natural, a sociedade e o ser humano haviam sido expulsos desse mundo (SMITH, 1988, p. 31). Para Bacon, o domínio da Natureza pelo homem se realizava a partir da aplicação das “artes mecânicas”. Dessa forma, caberia, ao homem, aprofundar o seu conhecimento natural, a fim de desenvolver os meios de domínio sobre a Natureza; tarefa essa desempenhada através da ciência. Todavia, Smith (1988) argumenta que, por mais que Bacon separasse a Natureza exterior do mundo social, ele acreditava que os objetos “naturais” e os “artificiais” possuíam o mesmo tipo de forma e essência. Assim, sejam naturais ou sociais, todos os fenômenos têm uma essência (aquilo que vai além da aparência); nesse sentido, a Natureza é universal. Identifica- se, assim, um dualismo conceitual entre “Natureza exterior” e “Natureza universal”, cujas raízes históricas remontam à filosofia de Kant. A contradição entre ambos os conceitos parte da premissa de que existe uma “Natureza exterior” criada por Deus, com suas próprias leis, e uma “Natureza humana”, cujo comportamento individual e social se apresenta tão natural quanto os aspectos ditos “externos” da Natureza. Isso posto, Smith (1988, p. 28) adverte que a “Natureza exterior e a universal não são inteiramente conciliáveis, pois ao mesmo tempo que a Natureza é considerada exterior à existência humana, ela é simultaneamente tanto exterior quanto interior”. O uso da racionalidade resultou na manipulação do mundo natural de forma cada vez mais sofisticada. A capacidade de entender a ordem da Natureza oferecia, como “prêmio”, o seu controle. 29 Fonte: www.slideshare.net 5 AS CORRENTES FILOSÓFICAS CONTEMPORÂNEAS A filosofia é a arte de formar, inventar e fabricar conceitos, e o filósofo é o amigo da filosofia, aquele que a contempla. Os gregos foram os primeiros a trazer esse conceito, uma vez que aqueles que tinham interesses filosóficos eram denominados sábios (DELEUZE; GUATTARI, 1992). Os gregos foram os pioneiros na arte da filosofia, tanto que essa palavra provém dessa língua: filo significa amor ou amizade, enquanto o sufixo sofia significa sabedoria, ou seja, a filosofia é o amor à sabedoria. Assim, é correto afirmar que a filosofia tem origem milenar. Contudo, essa ciência é muito dinâmica e se modifica substancialmente quando em contato com o tempo e com as metamorfoses que é capaz de operar, causando transformações significativas nos conceitos e pensamentos filosóficos. A partir desse cenário de mudanças, é importante entender que a filosofia é influenciada e influenciadora dos cenários políticos e econômicos. Então, para entender a sua evolução, é importante conhecer alguns acontecimentos determinantes para a história mundial. Em 1789, em Paris, na França, a população tomou a Fortaleza da Bastilha, um marco da Revolução Francesa que determinou uma sucessão de quedas de monarquias ao redor do mundo graças aos seus princípiosliberté (Liberdade), égalité (igualdade) e fraternité (fraternidade), que sugeriam um Estado onde todos fossem livres e iguais perante a lei, o que resultaria em um espírito de fraternidade entre a população. Esses três princípios afetaram não apenas o pensamento dos franceses, 30 mas influenciou todo um movimento que buscava igualar as pessoas, assegurando que todas tivessem os mesmos direitos e deveres sociais (BEEDEEN; KENNEDY, 2017). Outro movimento que ocorreu na Inglaterra entre 1760 e 1860 e modificou a forma como o homem se relacionava com o trabalho foi a Revolução Industrial, um processo em que surgiram máquinas que visavam aumentar a produtividade das fábricas, trazendo uma nova necessidade de trabalho, que não mais operava nos campos e lavouras, oportunizando o êxodo rural. Nesse período, os problemas começaram a aparecer. As cidades não possuíam estruturas para abrigar todos os novos moradores, que trabalhavam mais horas do que deveriam e comiam e dormiam bem menos do que o recomendado, sem ter capital suficiente, com uma constituição social diminuída, gerando uma subclasse social e criando um novo ser: o homem contemporâneo, que apresentava anseios e demandas muito diferentes dos seus sucessores, trazendo a necessidade de pensamentos filosóficos que o acompanhasse, ou seja, a filosofia contemporânea (BEEDEEN; KENNEDY, 2017) Ainda temos o advento da Segunda Guerra Mundial (1939–1945) que trouxe diversos tipos de avanços tecnológicos, além das mudanças no estilo de vida da população no período pós-Guerra e das modificações geográficas geradas pelos conflitos. Portanto, filosofia contemporânea é aquela desenvolvida a partir do século XVIII. Ela engloba os séculos XVIII, XIX e XX. É influenciada pelas ideias da Revolução Francesa e pela mudança substancial acontecida durante a Revolução 31 Industrial, trazendo diversos pensamentos diferentes, cada um com o seu respectivo criador, o filósofo. 5.1 Filosofia contemporânea: apresentando seus pensadores Esse conceito de filosofia trouxe uma gama de teorias contrárias às verdades absolutas, que se auto afirmavam como detentoras de todo o conhecimento existente, muito comum no pensamento clássico. A filosofia contemporânea chegou para quebrar os paradigmas e questionar o mundo, o homem, a sociedade e, até mesmo, Deus, juntamente com formas novas de conflito e reivindicações concernentes à organização geopolítica e epistêmica do sistema-mundo contemporâneo, trazendo à luz os problemas contemporâneos sociais, econômicos e científicos, fazendo novas perguntas para obter novas respostas. Dentro desse novo formato de filosofia, muitas foram as teorias elaboradas, com diferentes visões e abordagens, possuindo diferentes filósofos, que veremos a seguir. Silva e Silva (2013). Friedrich Hegel (1770–1831) Filósofo Alemão, criou a Teoria Hegeliana. Sua teoria teve como base a dialética, o saber, a consciência, o espírito e a história, demonstrando uma preocupação com a modernidade, trazendo a realidade para dentro de um sistema denominado idealismo transcendental. Para ele, a moral é o resultado das relações entre o indivíduo e o meio, com a sensação de que a realidade está em constante evolução e transformação, onde todas as partes interagem entre si, caminhando para um sentido racional (BUCKINGHAM et al., 2011). Ludwig Feuerbach (1804–1872). Por muitos anos, esse filósofo alemão foi discípulo de Hegel, adotando um pensamento contrário ao de seu mestre tempos depois. Tem como principal característica o ateísmo, principalmente, em relação ao conceito de Deus, que seria uma expressão da alienação da sociedade. Ele também acreditava que o homem era um ser finito, ou seja, seus feitos e história terminariam com ele quando morresse, opondo-se ao pensamento cristão vigente (BUCKINGHAM et al., 2011). Seus escritos influenciaram um grande pensador chamado Karl Marx. Karl Marx (1818–1883) Conterrâneo de Hegel e Feuerbach, Marx é um dos principais filósofos contemporâneos. Seria incorreto dar créditos ao marxismo somente a Karl Marx, uma vez que Friedrich Engels colaborou com o 32 principal livro atribuído a Marx chamado de “O manifesto”, um panfleto de 40 páginas. Sua teoria, intitulada de marxista, possuía como enfoque principal o entendimento materialista no desenvolvimento da sociedade, que passou a relacionar o valor monetário com o valor social de uma pessoa. Marx tinha a pretensão de não apenas questionar o mundo, mas mudá-lo por meio de suas ideias, chamadas de comunismo. Esse modelo propunha que a sociedade havia sido separada em duas grandes classes, a burguesia – aquela que detém os meios de produção – e o proletariado – que é a classe trabalhadora (BUCKINGHAM et al., 2011). As principais características de Marx foram suas ideias revolucionárias, com destaque para aquelas relacionadas com a tecnologia, quando afirmava que, conforme a produção tecnológica aumentasse, maiores seriam as desi gualdades sociais geradas no processo (BUCKINGHAM et al., 2011). Marx sonhava com a ideia de que o proletariado assumisse o controle dos meios de produção, retirando o poder absoluto da burguesia, assumindo a igualdade entre todos os homens. Hannah Arendt (1906–1975) A história de Hannah Arendt começa no dia do julgamento de um dos arquitetos do holocausto, o alemão Adolph Eichmann. Durante o julgamento, Eichmann afirmou que ele não realizou todas as atrocidades que era acusado por acreditar nelas ou odiar os judeus, mas porque estava simplesmente cumprindo ordens. Depois de assistir ao julgamento, Arendt chegou à conclusão de que o mal não provém da malevolência ou do desejo de fazer o mal. Em vez disso, ela sugeriu, as razões pelas quais as pessoas agem de certa maneira é que elas sucumbem a falhas de pensamento e julgamento. Sistemas políticos opressivos são capazes de tirar vantagem da nossa tendência para tais falhas, possibilitando que pareçam normais certos atos que possivelmente consideraríamos impensáveis (BUCKINGHAM et al., 2011, p. 272). Arthur Schopenhauer (1788–1860). Na teoria desse filósofo, a essência do mundo está apoiada na vontade individual de viver de cada pessoa, o que compõe a sua visão de mundo. Ela é dividida em dois aspectos, a observação e a experiência. A observação refere-se à maneira como eu olho o universo, com minha crença e cultura; a experiência refere-se às coisas que conheço, assim, somente observo o mundo a partir do que já vi e experienciei (BUCKINGHAM et al., 2011). Friedrich Nietzsche (1844–1900) Seus escritos perpassam temas religiosos, artes, ciências e moral, sempre criticando de forma feroz a sociedade ocidental e 33 cristã. Nietzsche afirma que é necessário revisar todas as questões éticas, sentidos e objetivos, afirmando a essência da vida. Acreditava que o homem é um ser a ser superado, além de acreditar na falência de Deus, afirmando que ele está morto, logo, representa a morte dos valores ditos elevados. O seu conceito mais importante foi o de vontade de potência, que seria um impulso que elevaria o ser humano à sua plenitude existencial (BUCKINGHAM et al., 2011). Theodor Adorno (1903–1969) Oriundo da Escola de Frankfurt, Adorno afirmava que a emoção e a inteligência são necessárias para realizar os julgamentos entre o certo e o errado, uma vez que os julgamentos morais são uma combinação perfeita entre ambos. Assim como Hannah Arendt, Adorno pensava que a realização de atos de crueldade não estaria atrelada apenas a uma insuficiência de sentimentos, mas também de inteligência e entendimento. Esse filósofo condenou os meios de comunicação em massa, como o rádio, o jornal e a televisão, uma vez que eles têm o poder de distorcer as informações, diminuindo a capacidade do sujeito de fazer escolhas e julgamentos morais, levando a uma cultura demassa. Seria uma escolha moral escolher seguir uma cultura de massa em detrimento do pensamento crítico (BUCKINGHAM et al., 2011). Michel Foucault (1926–1984) esse filósofo francês analisou as instituições sociais como a cultura, a sexualidade e as relações de poder. Foucault afirmava que o discurso é formado por diversas regras que são inconscientes, fixadas nas condições históricas em que nos encontramos, também conhecidas como senso comum (BUCKINGHAM et al., 2011). A relação com o homem também foi questionada. Segundo Foucault, trata-se de uma invenção recente e finita, questionando o avanço da tecnologia e a exclusiva humanidade do homem. Por essas diferenças, é impossível utilizar conceitos antigos para o homem atual. Um conceito muito importante desenvolvido por Foucault é o de micropoder, que se refere às novas organizações sociais e disciplinares, que não se resumem apenas na relação entre o Estado e o cidadão, mas sim entre diversas esferas da sociedade. Simone de Beauvoir (1908–1986) nascida na França, essa filósofa é entendida como uma das principais figuras do movimento feminista. Em seus escritos, ela defendia que o ser humano sempre foi compreendido em uma perspectiva masculina, o que não dava uma conotação de humanidade às mulheres. Simone defendia a igualdade entre os sexos, afirmando que não existem características tipicamente femininas ou masculinas, mas uma construção social que delega papéis e 34 características às pessoas (BUCKINGHAM et al., 2011). Augusto Comte (1798–1857) Comte criou uma corrente filosófica conhecida como positivismo, que acreditava unicamente no conhecimento científico como verdade inquestionável. Esse movimento sugere que as ciências exatas possuem um valor e uma relevância social acima das ciências humanas, que apenas buscam entender a natureza humana, desenvolvendo o pensamento crítico (BUCKINGHAM et al., 2011). Diante dessas perspectivas, é possível perceber que a filosofia contemporânea vem para questionar, criticar e, principalmente, modificar o cenário social vigente, que passava por transformações advindas das tecnologias que alteravam não somente os meios de produção, mas também o estilo de vida, as necessidades sociais e materiais de todos os cidadãos. 5.2 Filosofia contemporânea: uma crítica social Ao contrário do que possa parecer, a filosofia não é restrita aos pensadores e filósofos, ou ainda, às universidades; ela é o que fazemos quando não estamos preocupados com a vida cotidiana e podemos pensar, questionar e ressignificar a sociedade, a vida e o mundo. Todo o ser racional que possui a capacidade de raciocinar, possui a capacidade de filosofar (BUCKINGHAM et al., 2011). O caminho do questionamento é mais importante do que o próprio produto. Entretanto, a filosofia contemporânea tinha uma visão mais utilitária e prática. Para seus pensadores, era importante não só vislumbrar um cenário, mas pensar estratégias para modificá-lo, propondo melhorias para a vida cotidiana e para um grupo populacional (BUCKINGHAM et al., 2011). Para compreender como a filosofia opera, é importante entender algumas características dessa ciência. Em primeiro lugar, a filosofia é genuinamente negativa, uma vez que nega todo o senso comum e as ideias prontas que lhes são apresentadas. A indagação é fundamental para a atitude filosófica, pois interrogar sobre a natureza das coisas, das ideias, dos fatos e dos comportamentos é o que compõe a arte de filosofar, causando admiração e espanto. Segundo Chauí (2000, p. 9), isso acontece quando: 35 [...] tomamos distância do nosso mundo costumeiro, através de nosso pensamento, olhando-o como se nunca o tivéssemos visto antes, como se não tivéssemos tido família, amigos, professores, livros e outros meios de comunicação que nos tivessem dito o que o mundo é; como se estivéssemos acabando de nascer para o mundo e para nós mesmos e precisássemos perguntar o que é, por que é e como é o mundo, e precisássemos perguntar também o que somos, por que somos e como somos. Esse movimento apresentou uma concepção conhecida como Teoria Crítica, desenvolvida pela Escola de Frankfurt, que dividia a razão em dois hemisférios distintos: a razão instrumental e a razão crítica (CHAUÍ, 2000). A razão instrumental é entendida como a razão técnico-científica, fazendo da ciência e dos meios técnicos uma maneira de aprisionar, intimidar e gerar medo nos seres humanos, o que configura o oposto da razão crítica, que analisa e interpreta os conhecimentos e a realidade que lhes são apresentados, a fim de gerar mudanças sociais, políticas e culturais para libertar todos os homens daquilo que os oprime. Assim, o conhecimento científico não deve, em hipótese alguma, ser usado para oprimir ou dominar qualquer ser humano, sociedade ou cultura (CHAUÍ, 2000). Esse pensamento exemplifica com maestria a proposta da filosofia contemporânea. Cabe ressaltar que, nesse movimento contemporâneo, a lógica e a linguagem ganham uma importância sublime, já que muitas das questões filosóficas da antiguidade podiam ser resolvidas a partir da correta interpretação dos conceitos apresentados, sugerindo a importância dialética da filosofia, buscando apresentar não apenas conceitos inacessíveis e incompreensíveis. A filosofia contemporânea tem por intuito aproximar as pessoas para que, assim, elas possam ser entendidas como iguais. A prática filosófica do positivismo proposto por Augusto Comte criou uma 36 atmosfera de otimismo e cientificidade que abalou a comunidade dos pensadores contemporâneos, que chegaram a acreditar que justamente esse movimento filosófico tão radical colocaria um fim na filosofia, uma vez que, em um movimento científico extremo, levaria à extinção da filosofia (BUCKINGHAM et al., 2011). Assim, a filosofia teve que reabrir as discussões éticas e morais, como as perguntas sobre a liberdade do homem em relação à sociedade, questionando se sua liberdade estaria ou não condicionada à sua situação histórica e social, buscando compreender as singularidades de cada sujeito e situação. Com essas correntes filosóficas, surgiu o conceito de ideologia, que é algo que orienta o indivíduo nas esferas sociais políticas e filosóficas. Dessa maneira, a filosofia contemporânea teve a intenção de ser um agente modificador da realidade social, o que aconteceu de fato, uma vez que inspirou políticos e figuras públicas que, por meio de diferentes ideologias, modificaram cenários sociais em todo o mundo, o que não foi diferente aqui no Brasil, que também sofreu influências de diversas correntes filosóficas. 5.3 Filosofia contemporânea: as interferências sociais e políticas No período da história brasileira denominado República Velha (1890-1930), ocorreu a ascensão do pensamento positivista, que perpetuou por muitas décadas. Dentro dessa vertente, é possível perceber uma tendência em formular novos sistemas socioeconômicos para substituir o liberalismo imposto na época, uma vez que se acreditava que o poder estava atrelado ao saber, e quem detinha mais conhecimento deveria estar em altos cargos do governo. De acordo com Paim (2007, documento on-line), “deste modo, o fato mais característico da ascensão do positivismo reside nessa capacidade de formular uma proposta política duradoura”. Seria incorreto presumir que o positivismo adentrou em todas as esferas da sociedade, entretanto, nos locais onde se fez presente, isso aconteceu de maneira intensa, como nas universidades, que foram beneficiadas sobremaneira por esse pensamento. O positivismo exerceu tamanha influência em algumas esferas sociais que possuía o caráter semelhante a uma igreja. A primeira associação positivista foi criada em 10 de abril de 1876 e possuía membros como Oliveira Guimarães e Benjamin Constant. Cabe ressaltar que essa entidade visava ampliar o acesso
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