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Geografia: pequena história crítica Antônio Carlos Robert Moraes O OBJETO DA GEOGRAFIA Visão clássica: estudo da superfície terrestre, descrição da terra. Estudo de todos os fenômenos que ocorrem na superfície do planeta. Essa visão se funda na perspectiva kantiana: existem duas classes de ciências – as especulativas, suportadas pela razão, e as empíricas, suportadas por observações e sensações. Entre as empíricas, há a Antropologia (síntese dos conhecimentos relativos ao homem) e a Geografia (síntese dos conhecimentos sobre a natureza). Geografia para Kant: ciência sintética (que utiliza dados das demais ciências); descritiva (enumera fenômenos), e que almeja uma visão conjuntural do planeta. o Visão COROLÓGICA (do espaço). o Problemas: é necessário definir o termo superfície terrestre. Geografia como estudo da paisagem: análise dos aspectos visíveis do real; estudo de uma associação de múltiplos fenômenos (visão sintética). Dois desdobramentos: Geografia morfológica: enumeração dos elementos da paisagem e discussão de suas formas. Geografia fisiológica: descrição do funcionamento da paisagem, que seria um organismo, com funções vitais e elementos que interagem entre si. A geografia deve buscar as inter- relações entre os fenômenos. o Introduz a ecologia na geografia. Geografia como estudo da individualidade dos lugares: descrever todos os fenômenos em uma área delimitada, com ênfase em seu caráter singular. Antiguidade Clássica: Hérodoto ou Estrabão, que descreviam os locais por onde viajavam. Modernidade: Geografia Regional. Descrição de uma região, ou seja, determinada porção de espaço terrestre que pode ser individualizada, em função de um caráter próprio. Geografia como diferenciação de áreas: descrever áreas delimitadas para compará-las, propondo generalizações e explicações que abranjam todas. Geografia como estudo do espaço: o espaço qualifica a geografia enquanto ciência. O que é espaço? Categoria de entendimento Atributo dos seres: somente é se ocupa espaço Ser específico, com características e dinâmica próprias Essa perspectiva introduz a busca da lógica da distribuição e localização dos fenômenos. Geografia como estudo das relações entre sociedade e natureza. Há 3 correntes: Influência da natureza > sobre a sociedade Influência da sociedade > sobre a natureza Correlação entre sociedade e natureza POSITIVISMO A Geografia Tradicional se funda sobre os postulados do Positivismo. Esse embasamento se manifesta de diversas maneiras na conceituação de geografia proposta por tais correntes. Primeiramente, utilizam a proposição de que a ciência se embasa na observação do real, sendo a geografia, dessa forma, uma “ciência empírica, baseada na observação”. Contudo, essa concepção limita o objeto geográfico e torna o cientista um mero observador. Outro resultado da influência positivista sobre o pensamento geográfico é o viés naturalista que guiou inicialmente as correntes tradicionais, que preconiza a existência de um único método científico, o das ciências naturais, que deveria ser aplicado a todas as demais, inexistindo diferença de domínio entre esse ramo e o das ciências humanas. Nesse sentido, a geografia seria “uma ciência de contato entre o domínio da natureza e o da humanidade”, em que o homem é parte da paisagem, um dado, resultado da natureza. J. Brunhes: “para a geografia, a casa (como elemento da paisagem) tem maior importância que o morador”. C. Vallaux: “o homem importa, para a análise geográfica, por ser um agente de modelagem do relevo, por sua ação como força de erosão”. Um terceiro desdobramento do positivismo na geografia é a concepção da mesma como uma ciência de síntese, que recolheria todos os conhecimentos produzidos pelas demais ciências, em oposição à sistematização feita por essas. Humboldt: “os homens se relacionam com os fenômenos celestes através da luz e da gravitação”. O positivismo também ensejou o estabelecimento de princípios metodológicos da geografia, quais sejam: Unidade terrestre: a Terra é um todo, que só pode ser compreendido numa visão de conjunto Individualidade: cada lugar tem uma feição, que lhe é própria e que não se reproduz de modo igual em outro lugar Atividade: tudo na natureza está em constante dinamismo Conexão: todos os elementos da superfície terrestre e todos os lugares se inter-relacionam Comparação: a diversidade dos lugares só pode ser apreendida pela contraposição das individualidades Extensão: todo fenômeno manifesta-se numa porção variável do planeta Localização: a manifestação de todo fenômeno é possível de ser delimitada Tais princípios permitiram certa unidade e continuidade da geografia, e, por sua amplitude, englobam diversas abordagens das pesquisas geográficas, de modo que emergem dualismos característico dessa ciência, como, por exemplo, entre geografia geral e regional, sintética e tópica, física e humana, unitária e especializada. A incorporação dos princípios à investigação geográfica ocorre de forma acrítica, de modo que são tomados como verdades absolutas e automáticas, axiomas. Portanto, tais princípios não permitem uma identificação exata do objeto de estudo da geografia, mas, na realidade, delimitam sua aplicação por exclusão, ou seja, indicando que uma abordagem geográfica seria apenas aquela que aborde a forma, formação, dinâmica, organização ou a transformação da superfície terrestre. ORIGENS E PRESSUPOSTOS DA GEOGRAFIA Pensamento grego: Tales e Anaximandro: medição do espaço e discussão da forma da terra – Geodésia Heródoto: descrição dos lugares Hipócrates: discussão da relação entre homem e meio Aristóteles: temas geográficos dispersos em suas obres, como lugar, relação homem- natureza, clima e descrições regionais A dispersão permanece até o final do século XVIII, embora haja autores que se dedicaram à geografia, mas sem rotular seus estudos dessa forma, como Cláudio Ptolomeu e Bernardo Varenius. Porém, até esse momento, não há conhecimento geográfico padronizado, com unidade temática e continuidade. Trata-se de experiências múltiplas, como os relatos de viagem, compêndios de curiosidades sobre lugares, relatórios estatísticos de órgãos, obras de síntese de outras matérias sobre os fenômenos naturais, catálogos sobre os países do globo, etc. No início do século XIX concretizam-se as fontes necessárias para a emergência da geografia como ciência sistematizada, que podem ser divididas em fontes materiais e fontes teóricas. As fontes materiais fundam-se, principalmente, na consolidação do modo de produção capitalista, e são elas: 1) Conhecimento efetivo da real extensão do planeta a. Teve início com as Grandes navegações. O modo de produção capitalista exige a articulação das relações econômicas em escala planetária, criando um espaço mundializado. 2) Reunião dos dados referentes aos pontos mais diversificados da superfície terrestre em grandes arquivos a. A prática mercantilista e a formação dos impérios coloniais demandou o conhecimento dos territórios dominados e dos recursos ali disponíveis, catalogados e unificados em arquivos. 3) Aprimoramento das técnicas cartográficas. Já as fontes teóricas referem-se à evolução do pensamento, culminando na consolidação da geografia enquanto ciência. São elas: 1) A discussão filosófica: as correntes do séc. XVIII almejam compreender todos os fenômenos do real e explica-los através da razão humana. a. Filosofia do conhecimento: Kant, Liebniz discutem o espaço. b. Filosofia da história: Hegel, Harder discutem a influência do meio sobre a evolução da sociedade. 2) Iluminismo: discussão das formas de poder e organização do Estado. a. Rousseau: relação entre a gestão do estado, formas de representação e extensão do território. A democracia só seria possível nas nações pouco extensas, e os Estadosde grandes dimensões territoriais tendiam a formas de governo autocráticas. b. Montesquieu: ação do meio no caráter dos povos, caráter determinista. Os residentes de regiões montanhosas teriam índole mais pacífica, pois naturalmente protegidos pelo meio, enquanto os de planícies seriam naturalmente guerreiros, diante das constantes ameaças de invasão. 3) Economia Política: estudo dos recursos e análises sistemáticas de fenômenos da vida social. Contabilidade racional e ordenação padronizada das finanças. a. Temas geográficos abordados: produtividade natural do solo, dotação diferenciada dos lugares em recursos minerais, distância, crescimento populacional, etc. b. Adam Smith e Malthus. 4) Evolucionismo: Darwin e Lamarck discutem o papel das condições ambientais na evolução das espécies, na adaptação ao meio. a. Ecologia de Haeckel: inter-relação dos elementos que coabitam em um dado espaço. b. Embasa a metodologia naturalista. A SISTEMATIZAÇÃO DA GEOGRAFIA: HUMBOLDT E RITTER Por uma série de fatores, a sistematização da geografia se concretiza na Alemanha no século XIX, que ainda não havia se constituído como Estado Nacional, dado que a unificação ocorreria apenas em 1870. Permanecia a estrutura fundiária e feudal, que será penetrada pelo modelo capitalista, e passará a expandir-se. A produção se destinará ao mercado, mas o trabalho é servil. Assim, a unificação se torna uma necessidade para a continuidade do desenvolvimento alemão, que havia se acelerado após o bloqueio continental de Napoleão. Em 1815 é constituída a Confederação Germânica, que congrega os principados alemães, os reinos da Áustria e da Prússia, fortalecendo os laços econômicos entre seus membros. Assim, a consolidação do desenvolvimento experimentado dependia do domínio e organização do espaço, da apropriação do território, que enfrentavam o desafio da diversidade regional. Apesar disso, o povo germânico se identificava como grupo unido. Faltava, assim, o território. Assim, a discussão territorial, própria da geografia, desempenha papel central na Alemanha nessa época. Os pais da geografia, responsáveis por sua sistematização, são prussianos: Alexandre Von Humboldt (1769-1859) e Karl Ritter (1779-1859). Humboldt tinha formação naturalista e foi viajante. Propõe estudos geográficos fundados na síntese de todos os conhecimentos relativos à terra, sem o intuito de concentrar conteúdo normativo explícito. Suas principais obras são “Quadros da Natureza” e “Cosmos”. O objeto geográfico seria “a contemplação da universalidade das coisas, de tudo que coexiste no espaço concernente a substancias e forças, da simultaneidade dos seres materiais que coexistem na Terra”, reconhecendo- se a unidade da imensa variedade dos fenômenos na terra. A geografia, como disciplina sintética, se utilizaria do método do empirismo raciocinado, que consiste na intuição a partir da observação. A paisagem causa uma impressão, que será explicada através do raciocínio lógico, identificando a causalidade das conexões contidas na paisagem. Ritter, por outro lado, propõe obra eminentemente metodológica, sendo seu principal livro “Geografia Comparada”. Possuía formação em filosofia e história. Define o conceito de “sistema natural”, uma área delimitada dotada de individualidade; a geografia deveria estudar os arranjos individuais e compará-los. Cada arranjo compreende um conjunto de elementos, que representam uma totalidade em que o homem é o principal. Sua geografia é um estudo dos lugares e busca da individualidade deles. Fortemente influenciado pela religiosidade, o autor afirmava que existia uma finalidade da natureza, uma predestinação dos lugares determinada pelo divino. Sua visão é antropocêntrica, regional e empírica. Posteriormente, dois autores são responsáveis pela expansão do pensamento geográfico na Alemanha: O. Peschel, que revisa a obra de Ritter, define a geografia como estudo das formas existentes nas paisagens terrestres a fim de buscar semelhanças por meio da comparação; e F. Von Richtofen, que desenvolveu trabalhos de campo por meio de técnicas de descrição, visava estabelecer conceitos, e definia o objeto geográfico como sendo a superfície terrestre. RATZEL E A ANTROPOGEOGRAFIA Friedrich Ratzel foi um autor alemão e prussiano que publicou suas obras no ultimo quartel do século XIX. Sua geografia foi um instrumento importante para a legitimação do expansionismo alemão. Unificação alemã: após a constituição da Confederação Germânica, Prússia e Áustria disputavam a liderança da região; diante dos levantes populares de 1848, as classes dominantes locais, que se opunham ao movimento, uniram-se em torno da causa da unificação, respaldada pela população. As duas potencias entram em conflito direto, e a Prússia vence, de modo que a sua organização será imposta ao novo estado, a Alemanha. Caracterizada pela organização militarizada da sociedade e do Estado, a Prússia era dirigida pela aristocracia junker, os proprietários de terra, o que, na Alemanha, ensejará uma política cultural nacionalista e uma política exterior agressiva e expansionista. Dada a unificação tardia, a Alemanha tinha ficado fora da partilha dos territórios coloniais, estimulando seu ímpeto imperialista a que Bismarck dará força. Para Ratzel, “semelhante à luta pela vida, cuja finalidade básica é obter espaço, as lutas dos povos são quase sempre prelo mesmo objetivo, na história moderna a recompensa da vitória foi sempre um proveito territorial”. Principal obra: “Antropogeografia: fundamentos da aplicação da geografia à história”, de 1882, propõe o estudo da influência que as condições naturais exercem sobre a humanidade como objeto da geografia. Tais influencias atuam na fisiologia (somatismo) e na psicologia (caráter) dos indivíduos, e, por meio deles, na sociedade. Ademais, os recursos naturais influenciam a constituição social, e permitem a expansão acelerada ou obstaculizada de um povo, providenciando também o isolamento ou a mistura entre os povos. Então, tais influências se exercem mediatizadas, por meio de condições econômicas e sociais. A sociedade é um organismo que mantém relações duráveis com o solo. O progresso implica em maior uso dos recursos do meio. “Quando a sociedade se organiza para defender o território, transforma-se em Estado”. O território representa as condições de trabalho e existência de uma sociedade. O progresso implica a necessidade de aumentar o território, conquistando novas áreas. Para justificar essas ideias, o autor elabora o conceito de “espaço vital”, que seria o equilíbrio entre a população de uma dada sociedade e os recursos disponíveis para suprir suas necessidades, definindo suas potencialidades de progredir e suas premências territoriais. Trata-se de justificativa do expansionismo como algo natural e inevitável. Para o autor, a geografia é uma ciência empírica, fundada na observação e na descrição. A causalidade dos fenômenos humanos é idêntica a dos naturais. Influencias de Ratzel: Escola determinista/ determinismo geográfico: as condições naturais determinam a história; o homem é um produto do meio. Trata-se de redução da perspectiva original do autor, que fala em influência. o Ellen Semple: nas regiões acidentadas, predominam religiões politeístas; o Elsworth Huntington: condições naturais mais hostis propiciaram maior desenvolvimento. Geopolítica: estudo da dominação dos territórios. o Kjellen: criador do rótulo Geopolítica. o Mackinder: almirante inglês. Discussão da dominação entre os estados-maiores; domínio das rotas marítimas, áreas de influência de um país e relações internacionais. “O pivô geográfico da história” – conceito de “áreas pivôs”: coração de um dado território; quem o dominasse, dominaria todo o território. o Karl Haushofer: parte das forças armadas nazistas, imprimiu caráter bélico à Geopolítica, definindo-a comoparte da estratégia militar. Realizou tratados sobre a ação do clima sobre os solidados, e influenciou os planos de expansão nazistas. Escola ambientalista: estudo do homem em relação aos elementos do meio em que se insere. A natureza seria um suporte à vida humana. VIDAL DE LA BLACHE E A GEOGRAFIA HUMANA Fundador da escola francesa de geografia, Paul Vidal de La Blache publicou suas obras nas últimas décadas do século XIX, e foi responsável por deslocar para a França a discussão geográfica antes concentrada na Alemanha. Contexto francês: diferentemente da Alemanha, a França foi palco central do desenvolvimento capitalista, consolidado após a Revolução Francesa. França e Prússia disputavam a hegemonia no centro da Europa, envolvendo-se na guerra franco-prussiana, em 1870, com vitória da última. A França perde a Alsácia e a Lorena, regiões fundamentais para a industrialização, pois concentravam as jazidas de carvão. Cai o Segundo Império de Luís Bonaparte, e emerge a Terceira República Francesa. Nesse contexto, o Estado francês apoia deliberadamente o desenvolvimento da escola geográfica, pois faz-se necessário pensar o espaço e fundamentar o expansionismo francês, rejeitando a contraparte alemã. La Blache funda sua geografia em um diálogo crítico à teoria de Ratzel, expondo seu intento de justificar a expansão alemã. Adota tom mais liberal, a partir do homem abstrato do liberalismo. Condena a vinculação do pensamento geográfico e o interesse político, sob o pretexto da neutralidade das ciências. No entanto, realiza também justificativa política à expansão colonial francesa, mas de forma dissimulada. Funda a chamada Geografia Colonial. Critica a postura naturalista de Ratzel, pois minimiza o componente humano, como agente passivo da natureza. Em contrapartida, La Blache defende a liberdade da ação humana, que não seria mera resposta às imposições do meio. Valoriza a história, parte de sua formação acadêmica. Não rompe completamente com o naturalismo ratzeliano, pois defende que “a geografia é uma ciência dos lugares, não dos homens”. Em terceiro lugar, desaprova a visão fatalista e mecanicista da relação entre homens e natureza da Antropogeografia. Propõe postura relativista, em que tudo que se refere ao homem é mediado pela contingencia. Assim, a geografia francesa não pretende propor generalizações. Observação: a menção a La Blache como pai da escola francesa não significa que não houvesse geógrafos notáveis anteriormente. Destacam-se, por exemplo, Elisée Reclus, anarquista, que, contudo, não revolucionou as propostas, e E. Lavasseur. Ambos se mantiveram na linha de pensamento defendida anteriormente, enquanto La Blache propõe inovação no ramo. La Blache define o objeto da geografia como a relação homem-natureza inserida na paisagem. O homem é ser ativo, influenciado pelo meio, que o transforma por meio de suas ações. As necessidades humanas são condicionadas pela natureza, e o homem busca soluções para satisfazê- las nos recursos fornecidos pala natureza. Portanto, a natureza fornece possibilidades para a ação humana, de onde advém a denominação Possibilismo (cunhada por Lucien Febvre). O “gênero de vida” seria um conjunto de técnicas e costumes, construído e passado socialmente, que exprime a relação de equilíbrio entre a população e os recursos. A diversidade dos meios explica a diversidade dos gêneros de vida. O gênero de vida tende a se reproduzir sempre da mesma forma, mas há fatores que podem modifica-lo, são eles: Exaurimento dos recursos existentes: leva a população a migrar ou a buscar aprimoramento tecnológico. Crescimento populacional: busca de novas técnicas ou divisão da comunidade para criação de um novo núcleo colonização Contato com outros gêneros de vida: elemento fundamental do progresso humano, pois gera arranjos mais ricos pela incorporação de novos hábitos e técnicas. Os pontos de convergência, como as cidades, seriam “oficinas de colonização”. Dessa forma, os gêneros de vida se difundem pelo mundo, gerando enriquecimento mútuo que culminaria no fim dos localismos. o Domínios de civilização: área abrangida por um gênero de vida comum, com várias comunidades. A geografia é responsável por estudar os gêneros de vida, sua manutenção ou transformação, difusão e formação dos domínios de civilização, tendo em vista a ação humana sobre o espaço. Para o autor, o continente europeu seria um domínio de civilização, de modo que, em seu interior, não se justificaria uma agressão, rompimento das fronteiras e expansionismo. No entanto, o expansionismo francês se concentrava sobre a Ásia e África, e se justifica na medida em que aquelas sociedades estavam estagnadas, sendo tarefa dos franceses levar o progresso europeu até lá. Em relação ao método de estudo geográfico, La Blache era mais relativista, menos generalizador, e propõe o método empírico-indutivo, pelo qual se formulam juízos a partir da observação direta. A investigação geográfica deveria se dar da seguinte forma: Observação de campo indução a partir da paisagem particularização da área enfocada comparação das áreas estudadas e do material levantado classificação das áreas e dos gêneros de vida em “séries de tipos genéricos” Dessa forma, os estudos geográficos culminariam em uma tipologia. OS DESDOBRAMENTOS DA PROPOSTA LABLACHIANA Muitos foram os discípulos de La Blache, grande parte dos quais colaboraram para a sua revista “Annales de Géographie”. Consequentemente, muitos deles se utilizaram de sua teoria e a complementaram conforme suas próprias concepções. Demartonne: geografia física J. Brunhes: geografia humana, em que propõe uma classificação positiva dos fatos geográficos Demangeon: problemática econômica; diferencia meio geográfico e meio físico Vallaux: a geografia humana deve estudar a transformação aparente das coisas da superfície realizada pelo homem H. Baulig, R. Blanchard e J. Sion A “Geografia Universal” de La Blache foi uma obra executada por seus discípulos, e adota abordagem regional da geografia, onde a região é entendida como unidade de análise que exprime o espaço terrestre; ao geógrafo cabe a descrição, delimitação e explicação das regiões. A noção de região advém da Geologia, formulada por L. Gallois, compreendida como parcela da superfície terrestre dotada de unidade natural, com sua individualidade estabelecida através de elementos da natureza. Com a obra de La Blache, humanizou-se o conceito de região. Na concepção lablachiana, a região é entendida como produto histórico, que expressa a relação dos homens com a natureza. Portanto, La Blache contribuiu grandemente para a consolidação da Geografia Regional, mas os estudos tradicionalmente desenvolvidos em seu bojo obedeciam a um formato de pesquisa preestabelecido, denotando seu caráter eminentemente descritivo. Em decorrência da especialização proporcionada por ela, outros ramos geográficos emergiram, como a geografia agrária, urbana e econômica, sendo a última responsável por grande avanço no ramo, pois desprendeu-se da descrição e adicionou outros elementos à análise geográfica sem descaracterizá-la. Após La Blache, é notável a revisão da geografia tradicional realizada por Lucien Febvre, que cunhou os termos determinismo e possibilismo. Ademais, a Geografia Histórica também decorre diretamente da teoria vidalina. A proposta mais elaborada da geografia francesa foi formulada por Max Sorre, que se propôs a estudar as formas pelas quais os homens organizam seu meio como objeto da geografia, e entendia o espaço como “moradia do homem”. Conceituou o “habitat”, uma porção do planeta vivenciada por uma comunidade que a organiza, ou seja, a humanização do meio. A geografia de Sorre pode ser entendida como uma Ecologia Humana, pois entende o homem como transformador do meio. O método utilizado é a cartografia, pela sobreposiçãode dados da observação de um espaço, analisando a formação histórica de cada elemento ali presente, naturais e sociais. A proposta de Sorre proporcionou retomada e enriquecimento das teorias da geografia humana. Posteriormente, destacam-se Lannou e Cholley na França. Lannou: geografia regional, cujo objeto é o homem habitante, diante da ocupação e exploração do solo e a organização social como elemento fundamental. Critica o naturalismo. O estudo geográfico seria o estudo dos agrupamentos e dos estabelecimentos humanos no planeta. Cholley: a geografia analisa combinações, relações entre elementos e o equilíbrio entre eles. Visava restaurar a unidade entre geografia física e humana. ALÉM DO DETERMINISMO E DO POSSIBILISMO: A PROPOSTA DE HARTSHORNE – A PROPOSTA RACIONALISTA Fundada sobre a teoria de A. Hettner, o racionalismo foi desenvolvido principalmente por Hartshorne, e se baseia sobre o raciocínio dedutivo e o neokantismo de Richert e Windelband. Hettner foi um geógrafo alemão, que propunha a geografia como ciência que estuda a diferenciação de áreas, diferença essa que pode ser apreendida pelo próprio senso comum. Portanto, o caráter singular das diferentes parcelas do espaço advém da particular forma de inter-relação dos fenômenos ali existentes. A partir dos anos 1930 a geografia norte-americana se desenvolveu, destacando-se Carl Sauer, da escola da geografia cultural da Califórnia, para quem a geografia deve realizar estudo das paisagens culturais, ou seja, de como a cultura de um povo incide sobre a organização de seu meio. Por outro lado, também emerge a escola do Meio-Oeste, próxima da sociologia funcionalista e da economia, para quem a geografia se concentraria na organização interna das cidades, das redes de transporte, etc. Tal corrente foi pioneira no uso dos modelos e da qualificação. Nos EUA destaca-se Hartshorne, que publica “A natureza da geografia” em 1939 e “Questões sobre a natureza da geografia’ em 1959, que revisa e finaliza sua teoria. Para ele, as ciências se definem por métodos próprios, não por objetos singulares, sendo o método geográfico trabalhar o real em sua complexidade, abordando fenômenos variados, estudados por outras ciências. A geografia seria o estudo da variação das áreas. Área seria uma parcela da superfície terrestre definida pelo pesquisador como instrumento de análise, com base em seu caráter que a diferencia das demais. O caráter de cada área seria dado pela integração de fenômenos inter-relacionados. Então, o estudo geográfico deve buscar a interação do maior número possível de fenômenos inter-relacionados. Trata-se da Geografia Idiográfica, que realiza análise singular, de um só lugar, e unitária, que compreende vários elementos, levando a um conhecimento profundo sobre determinado local. Seu método consiste na escolha de fenômenos a serem estudados, a serem analisados individualmente e depois integrados, aos quais se adicionam novos fenômenos, sem limite de progressão. Também fundou a Geografia Nomotética, que tem ambição generalizadora, apesar de parcial. Diferentemente da geografia idiográfica, em que é possível prosseguir indefinidamente com as integrações, a nomotética propõe uma única integração, a ser reproduzida em outros lugares para encontrar um padrão de variação dos fenômenos tratados. Assim, a Nomotética articula a geografia regional e a geral, possibilitando analises tópicas e a agilização do estudo regional, além do uso da quantificação e da computação em geografia. RESUMO DA GEOGRAFIA TRADICIONAL: conhecimentos sistematizados, com relativa continuidade e unidade, que gera um temário concreto, identificando problemas centrais à geografia; produziu rico acervo empírico, bem como técnicas de descrição e representação, e conceitos fundamentais. CRISE DA GEOGRAFIA TRADICIONAL E RENOVAÇÃO DA GEOGRAFIA A renovação começa a se manifestar em meados da década de 1950 e a superação da geografia tradicional se consolida nos anos 1970. A crise da geografia tradicional se dá por múltiplos fatores: A base social se alterou; passou-se ao capitalismo do monopólio e do grande capital; Revolução tecnológica; Queda do liberalismo econômico e consolidação da intervenção estatal na economia pós- 1929; Urbanização em níveis inéditos; quadro agrário modificado pela industrialização e mecanização; Globalização dos fluxos e relações econômicas; As ferramentas da geografia tradicional não conseguem apreender a complexidade da nova organização mundializada; Derrocada do positivismo clássico; Problemas internos da disciplina: indefinição do objeto de análise e incapacidade de produzir generalizações aceitas. Diferentemente da geografia tradicional, o movimento de renovação não possui unidade, pois são introduzidas diversas perspectivas críticas, cada qual com seu método de preferência. Destacam-se, na renovação, dois movimentos: a geografia pragmática e a geografia crítica. A GEOGRAFIA PRAGMÁTICA A geografia pragmática se funda na crítica à insuficiência da análise da geografia tradicional, mas não questiona seus fundamentos e sua base teórica. Dessa forma, atinge apenas o caráter não-prático da corrente tradicional. O seu intuito é realizar uma renovação metodológica, propondo novas técnicas e nova linguagem, criando uma tecnologia geográfica, fundada em atualização técnica e linguística. A geografia pragmática é amplamente influenciada pelo neopositivismo na medida em que visa um empirismo mais abstrato de dados estatísticos, que utiliza o raciocínio dedutivo. Tal abordagem culmina em um empobrecimento do grau de concretude do pensamento geográfico. Geografia quantitativa Uma das ramificações da geografia pragmática é a geografia quantitativa, defendida, por exemplo, por Dematteis, segundo a qual o temário geográfico poderia ser explorado totalmente como uso de métodos matemáticos. Geografia sistêmica ou modelística Outra subcorrente é a geografia sistêmica ou modelística, que defende o uso de modelos de representação e explicação no trato dos temas geográficos, um nível mais genérico de análise. Um adepto desse pensamento seria Brian Berri. De acordo com ela, os fenômenos se manifestam como sistemas, relações de partes articulados por fluxos, e o modelo deveria expressar a estrutura do sistema. Geografia teorética A geografia teorética reúne a proposta quantitativa e o uso dos modelos das duas correntes anteriores, desenhando uma perspectiva genérica e explicativa da ciência geográfica. Utiliza um instrumental quantitativo, sistêmico e modelístico. Geografia da percepção ou comportamental Estuda como os homens percebem o espaço por eles vivenciado, a valorização subjetiva do território, a consciência do espaço e o comportamento em relação ao meio. Utiliza-se do instrumental desenvolvido pela psicologia, particularmente as teorias behavioristas. A geografia pragmática propõe um conhecimento diretamente operacionalizável, que possibilita a elaboração de diagnósticos fundados em uma descrição numérica exaustiva. Em suma, traça planos para a intervenção estatal no espaço geográfico, especialmente com vistas à reação humana. Trata-se de tecnologia de intervenção na realidade, cujo planejamento serve, afinal, à manutenção da realidade existente, facilitando a ação do Estado. Nada mais é do que um instrumento de dominação burguesa baseado no utilitarismo. É questionada pela geografia crítica, que ataca o empobrecimento que ela introduz na reflexão geográfica, pois simplifica arbitrariamente o universo de análise, tornando-o mais abstrato, de forma anti-histórica e formal, culminando em fracionamento do objeto. A GEOGRAFIA CRÍTICA Embasada em uma postura crítica radical, ruptura com o pensamento anterior, analisa a realidade a partir de oposição à ordem construída. Visa uma transformação da realidade social. A geografia críticaavalia profundamente as razões da crise da teoria tradicional, criticando o seu empirismo exacerbado, os fundamentos positivistas, a estrutura acadêmica, a despolitização ideológica e busca analisar as raízes sociais dos fenômenos geográficos. Evidencia o intuito imperialista da geografia tradicional, a apologia à expansão que realiza. Propõe uma relação entre a geografia e a superestrutura da dominação de classe na sociedade capitalista. Geografia de denúncia Yves Lacoste: a geografia se desdobra em dois planos – a geografia dos Estados-Maiores e a Geografia dos professores. Geografia dos Estados-Maiores: estratégias de ação no domínio da superfície terrestre; prática e gestão do poder. Geografia dos professores: geografia tradicional, cujas funções são mascarar a existência da Geografia dos Estados-Maiores e o valor estratégico do saber geográfico, e angariar dados para a mesma, sob pretensa neutralidade. Lacoste propõe uma visão integrada de espaço, numa perspectiva popular, para socialização do saber e de seu valor estratégico nos embates políticos. A geografia crítica assume conteúdo político expresso e defende que não basta explicar o mundo, cumpre transformá-lo. Nasce na ala mais progressista da geografia regional francesa, que se aproximou da história e da economia, incentivando a perspectiva mais humana. A primeira manifestação dessa corrente foi a obra “Geografia Ativa”, de Lacoste, P. George, Kayser e R. Guglielmo, em oposição à geografia aplicada, denuncia as realidades espaciais injustas e contraditórias. Visa explicar as regiões e o espaço como base da vida social, e sua organização como reflexo da atividade econômica. Essa geografia (de denúncia) não rompe metodologicamente com a geografia tradicional, pois mantinha a abordagem descritiva e empirista da mesma. Posteriormente foi abandonada. A geografia de denúncia não realizou a crítica da geografia tradicional por inteiro. A geografia crítica é marcada por sua multidisciplinariedade, na medida em que se desenvolve em grande parte em estudos temáticos, espcialmente sobre as cidades, realizados e influenciados por não-geógrafos como M. Castels, H. Lefebvre, Foucault, entre outros. David Harvey, que antes adotava a postura neopositivista na geografia, transiciona para uma crítica das teorias liberais sobre a cidade, assumindo postura socialista. Nesse sentido, diversos autores vislumbram o espaço a partir da lógica do capital na apropriação e ordenação dos lugares. Destaca-se, em uma abordagem mais global da geografia, a obra de Milton Santos, que discute o espaço social e vê a produção do espaço como objeto. Para ele, o espaço é uma realidade e uma categoria de compreensão da realidade. O espaço é um fato social, produzido pela ação humana, mas também é um fator, pois é a incorporação de capital na superfície terrestre, que cria formas duráveis, denominadas rugosidades. As rugosidades, por sua vez, criam imposições sobre a ação presente da sociedade (inércia dinâmica) e duram mais do que o processo que as criou, sendo uma herança espacial. Então, o espaço é uma instancia, uma estrutura fixa, uma determinação que atua no movimento da totalidade social. As formas espaciais são resultados de processos passados, mas são também condições para processos futuros. Toda atividade produtiva dos homens implica numa ação sobre a superfície terrestre, numa criação de novas formas, de tal modo que “produzir é produzir espaço”. A organização do espaço é determinada pela tecnologia, cultura e organização social. Os lugares manifestam uma combinação de capital, trabalho, tecnologia e trabalho morto, expresso nas rugosidades. A unidade de análise do geógrafo deve ser o Estado Nacional, que é agente de transformação, difusão e de dotação. As diferenças dos lugares são naturais e históricas. A organização do espaço é uma articulação de elementos naturais e processos históricos. Há uma continua modernização em curso, que obedece à lógica do capital e define os usos do solo, a apropriação da natureza, enfim, a organização do espaço, e tem como traço geral a desigualdade. Portanto, o processo de modernização deve ser objeto de preocupação dos geógrafos.
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