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Etanol O etanol é uma molécula pequena solúvel tanto em óleo quanto em água e, dessa forma, é rapidamente absorvido pelo intestino por difusão passiva. Uma pequena porcentagem de etanol ingerido (0 a 5%) entra na mucosa gástrica de células do trato GI alto (língua, boca, esôfago e estômago), onde é metabolizado, e o restante passa para o sangue. Desse, 85 a 95% são metabolizados no fígado, e somente 2 a 10% são excretados pelos pulmões e pelos rins. I. Metabolismo do etanol A. Álcool-desidrogenase: O etanol é uma molécula pequena que é metabolizada de forma não-específica por vários membros da família álcool-desidrogenase (ADH). As álcool-desidrogenases que apresentam maior especifi cidade pelo etanol são da classe álcool-desidrogenase I. O ser humano possui três genes para a classe álcool- desidrogenase I, e cada um deles apresenta uma variação alélica (polimorfismo). A classe I de álcool-desidrogenases está presente em altas quantidades no fígado, representando cerca de 3% do total de proteína solúvel. Portanto, o fígado é o principal sítio de metabolização do álcool e de formação do metabólito tóxico, o acetaldeído. Embora as enzimas das classes IV e II apresentem uma menor contribuição para o metabolismo do etanol, elas podem contribuir para o seu efeito tóxico. As concentrações de etanol podem ser totalmente altas na parte superior do trato GI (p. ex., a da cerveja é aproximadamente 0,8 M de etanol), e a formação de acetaldeído nesse local pelas enzimas da classe IV (ADH gástricas) pode contribuir para o risco de câncer associado a bebidas leves. Os genes ADH de classe II são primeiramente expressos no fígado e, em níveis mais baixos, no trato gastrintestinal inferior. B. Acetaldeído-desidrogenase: O acetaldeído é oxidado a acetato com a formação de NADH pela acetaldeído-desidrogenase. Mais de 80% da oxidação de acetaldeído no fígado humano é normalmente catalisada por acetaldeído-desidrogenase mitocondrial (ALDH2), que apresenta uma alta afinidade por acetaldeído e é altamente específica. A maior parte da oxidação do acetaldeído restante ocorre por meio de uma acetaldeído-desidrogenase citosólica (ALDH1). Acetaldeído-desidrogenases adicionais agem em uma variedade de alcoóis orgânicos, toxinas e poluentes. C. Destino do Acetato: O metabolismo do acetato requer a ativação de acetil-CoA pela acetil-Coa-sintetase. A entrada de acetato nessa rota está sob controle regulatório de mecanismos envolvendo colesterol e insulina. Portanto, a maior parte de acetato formado passa para o sangue. O acetato é captado e oxidado por outros tecidos, principalmente coração e músculo esquelético, os quais têm uma alta concentração mitocontrial da isoforma de acetilCoA-sintetase (ACS II). Essa enzima está presente na matriz mitocondrial e, por isso, forma acetil-CoA, que pode entrar diretamente no ciclo TCA e ser oxidada a CO2. D. Sistema microssomal oxidante de etanol: O etanol também é oxidado a acetaldeído no fígado pelo sistema microssomal oxidante de etanol, o qual envolve membros de superfamílias de enzimas do citocromo P450. Etanol e NADPH doam elétrons nessa reação, que reduz O2 a 2H2O. ✓ CYP2E1: O MEOS é parte da superfamília de enzimas do citocromo P450, as quais catalisam reações oxidativas similares. Cada isoenzima tem uma classifi cação distinta de acordo com a relação estrutural com outras isoenzimas. A que apresenta maior atividade para o etanol é a chamada CYP2E1. Há uma grande sobreposição da especifi cidade entre as várias isoenzimas P450, e o etanol também é oxidado por várias outras isoenzimas P450. O “MEOS” refere a atividade de oxidação do etanol combinada por todas as enzimas P450. ✓ Indução de enzimas P450: As enzimas P450 são induzidas por seus mais específicos substratos e por substratos de algumas das outras enzimas do citocromo P450. O consumo crônico de etanol aumenta os níveis hepáticos de CYP2E1 cerca de 5 a 10 vezes e causa, também, um aumento de duas a quatro vezes em algumas das outras P450 da mesma família, de diferentes subfamílias e até mesmo de diferentes famílias de genes. O retículo endoplasmático sofre proliferação, com um aumento geral no conteúdo das enzimas microssomais, incluindo aquelas que não são diretamente envolvidas no metabolismo do etanol. Embora a indução de CYP2E1 aumente a depuração do etanol do sangue, ela tem conseqüências negativas. O acetaldeído pode ser produzido mais rapidamente do que pode ser metabolizado pela acetaldeído- desidrogenase, o que aumenta o risco de danos hepáticos, e uma maior quantidade dele pode passar para o sangue e prejudicar outros tecidos. Além disso, as enzimas do citocromo P450 são capazes de formar radicais livres, que também podem levar ao aumento de danos hepáticos e cirrose. E. Variação no padrão do metabolismo do etanol: A rota e a velocidade de oxidação do etanol variam de indivíduo para indivíduo. Diferenças no metabolismo do etanol podem infl uenciar se um indivíduo passa a ser um alcoólatra, desenvolve doenças hepáticas induzidas pelo álcool ou adquire outras patologias associadas ao aumento do consumo de álcool (como hepatocarcinogêneses, câncer de pulmão ou câncer de mama). Os fatores que determinam a velocidade e a rota de metabolização do etanol incluem: •Genótipo: Formas polimorfas de álcool-desidrogenase e acetaldeído-desidrogenase podem afetar bastante a velocidade de oxidação de etanol e a acumulação de acetaldeído. A atividade da CYP2E1 pode variar em até 20 vezes entre indivíduos, particularmente devido a diferenças em induções de variações de alelos diversas. •Histórico de bebida: O nível de álcool-desidrogenase gástrica (ADH) diminui, e a CYP2E1 aumenta com uma progressão de um singelo a um moderado e, em seguida, um pesado e crônico consumidor de álcool. •Sexo: Os níveis sangüíneos de álcool após o consumo de uma bebida são normalmente maiores nas mulheres do que nos homens, em particular devido aos baixos níveis de atividade de ADH gástrica nas mulheres. A diferença sexual nos níveis sangüíneos de álcool também pode ocorrer porque as mulheres em geral são menores. Dessa forma, no sexo feminino, o álcool é distribuído em um espaço 12% menor de água, porque a composição corporal das mulheres consiste em mais gordura e menos água do que a dos homens. •Quantidade: A quantidade de etanol consumida por um indivíduo em um pequeno espaço de tempo determina a rota metabólica dessa substância. Pequenas quantidades de etanol são metabolizadas mais eficientemente através de rotas de baixo Km de classe I ADH e classe II ALDH, e uma pequena acumulação de NADH ocorre para inibir o metabolismo do etanol via essas desidrogenases. Entretanto, quando grandes quantidades de etanol são consumidas em um curto período, uma grande quantidade é desproporcionalmente metabolizada através do MEOS. Uma maior atividade de MEOS pode estar correlacionada com a tendência do indivíduo de desenvolver doenças hepáticas induzidas pelo álcool, porque os níveis de ambos, acetaldeído e radicais livres, podem ser aumentados. F. Energia produzida na oxidação do etanol: O ATP produzido na oxidação do etanol a acetato varia conforme a rota de metabolismo do etanol. Se a oxidação ocorre nas rotas citosólica ADH e mitocondrial ALDH, um NADH citosólico e um mitocondrial são formados com um máximo de 5 ATP produzidos. A oxidação de acetil-CoA no ciclo TCA e na cadeia de transporte de elétrons leva à formação de 10 ligações fosfato ricas em energia. Entretanto, a ativação de acetato a acetil-CoA requer duas ligações de fosfato de alta energia (uma na clivagem de ATP a AMP + pirofosfato e uma na clivagemde pirofosfato a fosfato), a qual deve ser subtraída. Então, a energia total produzida é 13 moles de ATP por mol de etanol. De forma oposta, a oxidação de etanol a acetaldeído pela CYP2E1 consome energia na forma de NADPH, que é equivalente a 2,5 ATP. Então, para cada mol de etanol metabolizado por essa rota, somente um máximo de 8,0 moles de ATP podem ser formados (10 ATP pela oxidação da acetil-CoA através do ciclo TCA, menos 2 para ativação do acetato; a formação de NADH pela aldeído-desidrogenase é balanceada pela perda de NADPH na etapa MEOS). II. Efeito toxico do metabolismo do etanol Doenças induzidas pelo álcool, uma consequência comum e algumas vezes fatal do consumo abusivo, podem se apresentar em três formas: fígado gordo, hepatite induzida por álcool e cirrose. Cada uma pode ocorrer sozinha ou se apresentar em diversas combinações em um determinado paciente. A cirrose induzida por álcool é diagnosticada com um pico de incidência em pacientes com idade de 40 a 55 anos. Entretanto, a ingestão de etanol tem também efeito agudo no metabolismo hepático, incluindo inibição da oxidação de ácidos graxos e estímulo da síntese de triacilglicerol, levando, dessa foram, a um fígado gorduroso. Isso também pode resultar em cetoacidose ou acidose láctica e causar hipoglicemia ou hiperglicemia, dependendo do estado dietético. Esses efeitos são considerados reversíveis. Em contraste, o acetaldeído e os radicais livres formados a partir do metabolismo do etanol podem resultar em hepatites induzidas por álcool, uma condição em que o fígado está inflamado, e as células se tornam necróticas e morrem. Danos difusos aos hepatócitos resultam em cirrose, caracterizada por fibrose (cicatrizante), alteração na arquitetura normal e fluxo sanguíneo, perda da função hepática e, por fim, insuficiência hepática. A. Efeitos agudos do etanol causados pelo aumento da proporção de NADH/NAD+: O NADH não é um produto muito efetivo na inibição de ADH ou ALDH, e não existe outra regulação retroativa por ATP, ADP ou AMP. Por consequência, as formações de NADH no citosol e na mitocôndria tendem a se acumular, aumentando a proporção NADH/NAD+ a níveis elevados. O aumento é até mesmo maior se a mitocôndria se torna danificada por acetaldeído ou lesões de radicais livres. ✓ Modificações no metabolismo dos ácidos graxos: A alta proporção de NADH/NAD+ formada a partir da oxidação de etanol inibe a oxidação de ácidos graxos, os quais se acumulam no fígado. Esses ácidos graxos são reesterificados em triacilgliceróis por combinarem-se com glicerol 3-P. O aumento da proporção de NADH/NAD+ eleva a disponibilidade de glicerol 3-P por promover sua síntese a partir de intermediários da glicólise. Os triacilgliceróis são incorporados dentro de VLDL (lipoproteínas de muito baixa densidade), que acumula-se no fígado e passa para o sangue, resultando em hiperlipidemia induzida por etanol. Embora somente poucas bebidas possam resultar em acumulação hepática de gordura, o consumo crônico acentua bastante o desenvolvimento de um fígado gorduroso. A reesterificação de ácidos graxos a triacilgliceróis por acil-CoA-transferases no RE é acentuada. Como as transferases são enzimas microssomais, elas são induzidas pelo consumo de etanol no momento em que o MEOS é induzido. O resultado é um fígado gorduroso (esteatose hepática). ✓ Cetose induzida por álcool: Ácidos graxos que são oxidados são convertidos em acetil-CoA e subseqüentemente em corpos cetônicos (acetoacetato e β-hidroxibutirato). É formado NADH suficiente pela oxidação de etanol e ácidos graxos, não havendo a necessidade de oxidar acetilCoA no ciclo TCA. A proporção muito alta de NADH/NAD+ direciona a reação no sentido em que todo o oxaloacetato no ciclo TCA se transforme em malato, deixando os níveis de oxaloacetato muito baixos para a citrato-sintase sintetizar o citrato (ver Figura 25.6, círculo 4). A acetil- CoA passa para rota de síntese de corpos cetônicos em vez do ciclo TCA. Embora os corpos cetônicos sejam produzidos em uma taxa elevada, seu metabolismo em outros tecidos é restrito pelo suplemento de acetato, que é o principal substrato energético. Portanto, a concentração plasmática de corpos cetônicos pode ser bem maior do que a encontrada sob condições normais de jejum. ✓ Acidose láctica, hiperuricemia e hipoglicemia: Outra consequência da proporção muito alta de NADH/NAD+ é que o equilíbrio da reação de lactato- desidrogenase é deslocada para a formação de lactato, resultando em acidoses lácticas. A elevação de lactato no sangue pode diminuir a excreção de ácido úrico pelos rins. Consequentemente, pacientes com gota (que resulta de cristais de ácido úrico precipitados nas articulações) são orientados a não beber em quantidades excessivas de etanol. O aumento da degradação de purinas também pode contribuir para hiperuricemia. O aumento da proporção NADH/NAD+ também pode causar hipoglicemia em indivíduos em jejum que estiverem ingerindo bebidas alcoólicas e forem dependentes da gliconeogênese para manter os níveis sangüíneos de glicose. A alanina e o lactato são os principais precursores gliconeogênicos que entram na glicogenólise como piruvato. A maior proporção NADH/NAD+ desloca o equilíbrio de lactato- desidrogenase para a formação do lactato – então, o piruvato formado a partir da alanina é convertido em lactato e não pode entrar na gliconeogênese – e impede outros importantes precursores gliconeogênicos, como oxalato e glicerol, de entrarem na rota gliconeogênica. Em contraste, o consumo de etanol com uma refeição pode resultar em hiperglicemia transitória, possivelmente porque a alta proporção de NADH/NAD+ inibe a glicólise na etapa da gliceraldeído-3-P- desidrogenase. B. Toxicidade do Acetaldeído: Muitos dos efeitos tóxicos do consumo crônico do álcool resultam do acúmulo de acetaldeído, que é produzido a partir do etanol tanto pela álcool- desidrogenase como pelo MEOS. O acetaldeído acumula-se no fígado e é liberado para dentro da corrente sangüínea após altas doses de etanol. Ele é altamente reativo e liga-se covalentemente a grupos aminos, grupos sulfidrilas, nucleotídeos e fosfolipídeos para formar “aductos”. ✓ Hepatite induzida por acetaldeío e álcool: Um dos resultados da formação de aductos de acetaldeído com aminoácidos é uma diminuição geral na síntese de proteínas plasmáticas. Calmodulina, ribonuclease e tubulina são algumas das proteínas afetadas. Proteínas no coração e em outros tecidos também podem ser afetadas por acetaldeído que aparece no sangue. Como consequência da formação de aductos de acetaldeído de tubulina, ocorre diminuição da secreção de proteínas séricas e lipoproteínas VLDL do fígado. Esse sintetiza diversas proteínas, incluindo albumina sérica, fatores de coagulação sangüínea e proteínas transportadoras para vitaminas, esteróides e ferro. Essas proteínas acumulam-se no fígado, com lipídeos. A acumulação de proteínas resulta em afluência de água para dentro dos hepatócitos e inchaço do fígado que contribui para hipertensão porta e distorção da arquitetura hepática. ✓ Acetaldeído e danos por radicais livres: A formação de aductos de acetaldeído realça os danos por radicais livres. O acetaldeído liga-se diretamente à glutationa e diminui sua habilidade em proteger contra H2O2 e prevenir a peroxidação lipídica, além de se ligar a enzimas de defesa de radicais livres. Os danos à mitocôndria por acetaldeído e radicais livres perpetuam um ciclo de toxicidade. Com o consumo crônico de etanol, a mitocôndria começa a fi car danifi cada, a taxa de transporte de elétrons é inibida, e afosforilação oxidativa tende a se tornar desacoplada. A oxidação de ácido graxo é diminuída o máximo possível, acentuando, dessa forma, a acumulação de lipídeos. Grandes mudanças na mitocôndria prejudicam a oxidação mitocondrial de acetaldeído e, assim, inicia-se um ciclo de aumento progressivo de danos do acetaldeído. C. Etanol e formação de radicias Livres: O radical hidroxietil (CH3CH2O) é produzido durante o metabolismo do etanol e pode ser liberado como um radical livre. A indução da CYP2E1, assim como de outras enzimas do citocromo P450, pode aumentar a formação de radicais livres a partir do metabolismo de drogas e da ativação de toxina e carcinogênios. Esses efeitos são realçados pelos danos de aductos de acetaldeído. O fosfolipídeo, o principal lipídeo da membrana celular, é um alvo primário de peroxidação causada pela liberação de radicais livres. A peroxidação de lipídeos no interior da membrana mitocondrial pode contribuir para a inibição de transporte de elétrons e no desacoplamento da mitocôndria, levando à infl amação e necrose celular. A indução da CYP2E1 e de outros citocromos P450 também aumenta a formação de outros radicais e a ativação de hepatocarcinogenes. D. Cirrose Hepática e Perda da Função Hepática: A lesão hepática é irreversível no estágio de desenvolvimento de cirrose hepática. Inicialmente o fígado deve estar aumentado, preenchido de gordura, cruzado com fibras de colágeno (fibroses) e ter nódulos ou hepatócitos regenerados entre as fibras. Como a função hepática está perdida, o fígado ainda torna-se enrugado. Durante o desevolvimento da cirrose, muitas das funções metabólicas do fígado estão prejudicadas, incluindo rotas de biossíntese e de detoxicação. A síntese de proteínas sanguíneas, como fatores de coagulação e albumina plasmática, está diminuída. A capacidade de incorporar grupos amino em uréia está diminuída, resultando na acumulação de níveis tóxicos de amônia no sangue. A conjugação e excreção de pigmento amarelado da bilirrubina (um produto da degradação do heme) está decrescida, e, então, a bilirrubina acumula no sangue. Ela se deposita em muitos tecidos, incluindo pele e esclera dos olhos, fazendo com que o paciente torne-se visivelmente amarelado. Por isso, o paciente é chamado de ectérico.