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- Condição inflamatória aguda no pâncreas, contribuindo para um processo de autodigestão tecidual do pâncreas e possivelmente de tecidos vizinhos, devido a secreção das próprias enzimas pancreáticas;{Pancreatite aguda} - Deflagra um quadro de abdômen agudo inflamatório, que pode causar uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS) ou ainda evoluir para uma disfunção orgânica; Em marrom o ducto colédoco vindo da vesícula, em verde o ducto pancreático (Wirsung) e em laranja o ducto acessório (Santorini) O colédoco e o pancreático se unem formando a ampola hepatopancreática (Vater), que desemboca no duodeno através da papila duodenal maior. O fluxo da ampola de Vater é controlado pelo Esfíncter de Oddi (também previne o refluxo de conteúdo duodenal para o ducto hepatopancreático ✱ OBS: a porção exócrina do pâncreas é composta por ácinos que produzem enzimas, como lipase e amilase, e pró- enzimas conhecidas como zimogênios que são lançadas nos ductos pancreáticos para alcançarem o duodeno e exercerem seu papel na digestão. O tripsinogênio é a pró-enzima que é clivada no intestino na sua forma ativa, a tripsina, responsável por ativar outros zimogênios, catalisando o processo de digestão química. Etiologia e patogênese - Litíase biliar e álcool são as maiores causas (litíase em primeiro lugar da aguda e consumo de álcool a maior causa da crônica); - Apesar dessa relação, apenas 3-7% dos pacientes com cálculos biliares desenvolvem a pancreatite; - Há indícios de que o álcool se associa a outros fatores que influenciam na ocorrência da pancreatite; - Sugere-se que o álcool potencializa a produção das enzimas digestivas e lisossomais pancreáticas, ao aumentar a sensibilidade dos ácinos do pâncreas (secretam o suco pancreático – lipase e amilase) ao efeito da colecistocinina (CCK – estimula a contração de vesícula biliar e a secreção de enzimas do pâncreas, sendo secretada em resposta às gorduras e proteínas); - Hipertrigliceridemia também é uma causa importante de pancreatite aguda; - A pancreatite aguda varia desde intersticial (suprimento sanguíneo do pâncreas mantido e costuma ser autolimitada) até necrosante (suprimento sanguíneo do pâncreas interrompido); - A pancreatite aguda resulta inicialmente da ativação prematura do tripsinogênio em tripsina. A resposta dos ácinos pancreáticos à ativação do tripsinogênio parece ser a rápida indução da morte celular, e essa pode ser uma resposta primariamente protetora; - A tripsina passa então a ativar outras proteases ainda no interior do pâncreas, que produzem injuria e morte celular (necrose, apoptose, autofagia); - Quando a necrose é muito vasta, além de lesão local, a liberação de citocinas pró-inflamatórias e de enzimas digestivas ativadas para a circulação sistêmica, podem produzir a SIRS, caracterizada por hipotensão, insuficiência renal e respiratória; - Na pancreatite biliar, a teoria mais aceita é a de que a passagem do cálculo pela via biliar causa lesão, inflamação e edema no ducto, o que pode causar obstrução dos ductos pancreáticos, podendo o cálculo ficar impactado na porção distal do ducto colédoco, também obstruindo o ducto de Wirsung; - Essa obstrução de saída dos ductos pancreáticos, provocaria lesão dos ácinos por estase dos fluidos e contribuiria para a ativação das enzimas pancreáticas, dando início ao processo de auto-digestão que causa a lesão e inflamação característicos da pancreatite aguda; - Quando ocorre lesão nos ácinos, enzimas lisossômicas podem se fundir às vesículas que contem as pró-enzimas pancreáticas. Com a presença da tripsina (ativa) no pâncreas, e a ativação de outras pró-enzimas, é iniciado um processo de quebra de proteínas das próprias células pancreáticas, perpetuando o processo de lesão do órgão, que causa intensa resposta inflamatória (ativação do complemento, cascata de coagulação e liberação de citocinas como IL-1, IL-6 e TNF-alfa). Clínica - Quadro de dor persistente e intensa na região epigástrica, podendo estar localizada em hipocôndrio direito; - O quadro mais típico é a dor constante e intensa em faixa, abrangendo desde a região epigástrica, aos hipocôndrios e podendo irradiar para o dorso; - Aproximadamente metade dos pacientes tem irradiação para as costas; - A dor pode durar horas até alguns dias e pode aliviar quando o paciente se senta ou se inclina para frente; - 90% tem náuseas e vômitos associados; Paciente com dor abdominal intensa em andar superior do abdome (em faixa ou não), associada a náuseas, vômitos e intolerância à alimentação oral, é suspeita de pancreatite! Exame físico - Variam de acordo com a gravidade; - A dor à palpação no epigástrio pode ocorrer na leve, moderada e grave (sensibilidade muito aumentada no epigástrio ou abdome todo); - Pode apresentar distensão abdominal e ruídos hidroaéreos diminuídos devido à um íleo paralítico secundário à inflamação (se correlaciona com a intolerância à dieta via oral); - Escleras ictéricas devido à coledocolitíase ou edema na cabeça do pâncreas, que causa processo colestático e elevação dos níveis séricos de bilirrubina; - Presença de equimose periumbilical (Sinal de Cullen) e equimose em flancos (Sinal de Grey Turner) é rara, porém sugere a presença de hemorragia retroperitoneal, indicando provável presença da forma necrotizante da doença; Exames laboratoriais - O desequilíbrio entre a síntese e a secreção das enzimas digestivas pancreáticas faz com que essas enzimas extravasem o interior das células acinares e atinjam a circulação sistêmica (tripsina, fosfolipase e peptídeo ativados de tripsinogênio); - Contudo, duas medidas são cruciais para a definição da pancreatite aguda: a amilase e a lipase séricas: ➜ Amilase sérica: aumenta rapidamente já nas primeiras 6-12 horas do início do quadro de pancreatite aguda, e pode voltar ao normal em cerca de 3-5 dias; - 3 vezes o valor de referência, porém como a sensibilidade não é tão elevada, não pode excluir o diagnóstico se não alcançar esse valor de 3x o normal. ➜ Lipase sérica: é a medição mais sensível e especifica para o diagnóstico. Sua elevação se dá entre 4-8 horas do início dos sintomas, atingindo seu pico em 24 horas e retornando aos valores normais em 8-14 dias; - Somente esse valor aumento não fecha diagnóstico, já que a lipase aumenta também em pancreatite crônica, insuficiência renal, colicistite aguda. - Peptídeo de ativação do tripsinogênio elevado; - Leucocitose é comum, refletindo o grau de inflamação sistêmica; - Proteína C reativa marca a gravidade, já que mede a intensidade da resposta inflamatória; - Hiperglicemia é comum, no início deve-se a SIRS e, posteriormente, pode ser secundária a uma destruição das ilhotas de Lahngerhans; - Hipocalcemia é frequente e tem relação direta com a gravidade (necrose); - Alargamento de TAP e TTPA; - Aminotransferases (TGO e TGP), bilirrubina e fosfatase alcalina. Diagnóstico - Qualquer dor aguda intensa no abdome ou nas costas pode sugerir a possibilidade de pancreatite aguda; - O diagnóstico é estabelecido pela presença de 2 dos 3 critérios: 1. Dor abdominal típica no abdome que irradia em faixa para as costas; 2. Elevação de 3 vezes ou mais na lipase e/ou amilase sérica (lipase é mais importante); 3. Achados compatíveis com pancreatite aguda em tomografia computadorizada. - Os exames de imagem são mais importantes para avaliação da etiologia da pancreatite ou das complicações locais. Tratamento - Reposição volêmica: se justifica pelo quadro de hipovolemia que ocorre por fatores que podem acarretar complicações decorrentes de má perfusão tecidual: ⤷ Vômitos; ⤷ Aumento da permeabilidade vascular secundário ao processo inflamatório com consequente perda de líquido para o espaço intersticial; ⤷ Ingesta hídrica reduzida por via oral. - Controle da dor: opioides via EV. Tramadol e morfina são comumente utilizados; - Monitorização: rigorosa nas primeiras 24-48 horas. Sinais vitais, SatO2, volume urinário, eletrólitos, glicemia; - Suporte nutricional: oral ou enteral (apenas quando não é possível a VO. Pode tambémser parenteral, mas não é aconselhável devido ao alto risco de complicações e infecção).