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[00:32, 24/06/2021] Juliana: Lista de leitura Detalhe da pintura Combate do carnaval e da quaresma (1559), de Pieter Bruegel, o Velho. Pieter Bruegel (c. 1525-1569), pintor flamengo, é conhecido pela perspicácia com que representa os costumes populares, retratando o pe ríodo do final da Idade Média e início da Renascença. A tela Combate do carnaval e da quaresma é repleta de cenas que representam situações as mais variadas, dentre as quais selecionamos este significativo detalhe: no lado esquerdo, o símbolo do carnaval, e no direito, o da quaresma. • Carnaval, festa profana, significa "despedida da carne", tanto no sen tido literal como referente ao sexo. Ele caracteriza-se pelo excesso, gula, abundância, estimulação dos sentidos, do prazer, da vida. No quadro, o carnaval é representado por um homem gordo, mon tado em um barril de bebida, tendo sobre a cabeça uma torta e na mão um espeto com uma cabeça de porco. A caracterização dessa figura representa os excessos. Quaresma é o período de 40 dias que antecede a páscoa, principal ce lebração do cristianismo. Ela inicia-se na quarta-feira de cinzas após o carnaval. Na tela, a quaresma é representada por uma mulher magra, pálida, vestida de cinza, e tem uma colmeia como chapéu. A colmeia representa a comunidade ordeira das abelhas; ao mel atribuia-se o poder de "limpar os pecados"; na ponta da vara que segura em riste, como se fosse lutar, encontram-se dois arenques secos; enquanto é puxada por dois religiosos- uma freira e um padre-, crianças ao seu redor tocam matraca, instrumento de madeira que produz um som seco, apropriado para tempos de tristeza e recolhimento. A caracterização da figura lembra o comedimento, o controle dos desejos, a melancolia, a penitência, o jejum, a abstinência, a morte. Essa alegoria nos faz refletir sobre os dilemas que cercam nossa conduta. Como devemos agir? E perguntamos: não seria possível pensar na moral como algo diferente do "combate" entre o excesso e a falta, o gozo desmedido e a extrema contenção dos sentidos? 2º página Os valores Constantemente avaliamos pessoas, coisas e situações: "Esta caneta é ruim, pois falha muito"; "Esta moça é atraente": "Acho que João agiu mal não ajudando você": "Prefiro comprar este, que é mais barato". Afirmações como essas referem-se a: juízos de realidade, quando consideramos o fato de que a caneta e a moça existem; juízos de valor, quando lhes atribuímos uma qua lidade que mobiliza nossa atração ou repulsa. Observe que nos exemplos destacamos valores de utilidade (útil ou inútil), de beleza (belo ou feio), morais (bom ou mau) e econômicos (caro ou bara to). Desse modo, os valores podem ser utilitários, estéticos, éticos, econômicos, e outros podem ser lógicos (verdadeiro ou falso), religiosos (sagrado ou profano) etc. Mas o que são valores? Embora a temática dos valores seja tão antiga quanto a humanidade, só no século XIX surgiu a teoria dos valores ou axiologia. A axiologia não se ocupa do ser (como a metafisica), mas do dever ser, das relações entre os seres e o sujeito que os avalia. Os seres-sejam eles coisas inertes, seres vivos ou ideias-mobilizam nossa afetividade por atração ou por repulsa. Portanto, algo possui valor quando não nos deixa indiferentes. É nesse sentido que García Morente diz: García Morente diz: Os valores não são, mas valem. Uma coisa é valor e outra coisa é ser. Quando dizemos de algo que vale, não dizemos nada do seu ser, mas dizemos que não é indiferente. A não indiferença constitui esta variedade ontológica que contra põe o valor ao ser. A não indiferença é a essência do valer. Em um primeiro momento, os valores são herda dos. Ao nascermos, o mundo cultural é um sistema de significados já estabelecido, de tal modo que aprendemos desde cedo como nos comportar à mesa, na rua, diante de estranhos, como, quando e quanto falar em determinadas circunstâncias; como andar, correr, brincar; como cobrir o corpo e quando desnudá-lo; como apreciar a beleza ou a feiura; quais são nossos direitos e deveres. Con forme atendemos ou transgredimos os padrões,os comportamentos são avaliados como bons ou maus, seja do ponto de vista ético, estético, reli gioso etc. Segundo a valoração, as pessoas podem: achar bonito ou feio o desenho que acabamos de fazer; criticar-nos por não termos cedido lugar a uma pessoa mais velha; considerar bom o preço que pa gamos por uma mercadoria; elogiar-nos por manter a palavra dada. Nós próprios nos alegramos ou nos arrependemos por nossas ações. Isso significa que o resultado de nossos atos está sujeito à sanção em intensidades variadas: a crítica de um amigo, "aquele" olhar da mãe, a indignação ou até a coerção fisica, quando alguém impede pela força que outro seja espancado. Embora haja diversos tipos de valores, vamos considerar neste capítulo apenas os valores éticos ou morais. 3 página 29 Moral e ética O que é ser moral? Para que ser moral? As res postas a essas duas questões são cruciais para orien tarmos nossa conduta em relação aos outros e a nós mesmos. O que entendemos por "bem" ou por "mal" pode definir que tipo de pessoa queremos ser e que compromisso temos com os valores éticos e morais. Vejamos por quê. Os conceitos de moral e ética, ainda que dife rentes, são com frequência usados como sinônimos. Podemos estabelecer algumas diferenças entre eles, embora essas definições variem conforme o filósofo. Moral é o conjunto de regras que determinam o comportamento dos indivíduos em um grupo social. Em um primeiro momento, o sujeito moral é o que age bem ou mal na medida em que acata ou transgride as regras morais admitidas em de terminada época ou por um grupo de pessoas. No entanto, essa definição é incompleta, por isso mais adiante voltaremos a ela para complementá-la. A moral refere-se à ação moral concreta, quando nos perguntamos: o que devo fazer? Como devo agir em determinada situação? O que é certo? O que é condenável? Ética ou filosofia moral é a reflexão sobre as noções e principios que fundamentam a vida moral. Esses princípios e noções dependem da concepção de ser humano tomada como ponto de partida. Por exemplo, à pergunta "O que são o bem e o mal?", respondemos diferentemente caso o fundamento da moral esteja na ordem cósmica, na vontade de Deus ou em nenhuma ordem exteripe à própria consciência humana. Do ponto de vista da ética, podemos ainda per guntar: há uma hierarquia de valores a obedecer? Se houver, o bem supremo a felicidade? O prazer? A utilidade? O dever? A justiça? Igualmente, é possível questionar: os valores são essências? Têm conteúdo determinado, universal, válido em todos os tempos e lugares? Ou, ao contrário, são relativos: "Verdade aquém dos Pireneus, erro além", como criticava Pascal? Haveria possibilidade de superação das po sições contraditórias do universalismo e do relativis mo? Voltaremos a esse assunto no final do capítulo. 3 Caráter histórico e social da moral Em um primeiro momento, herdamos os valores morais. Ao nascermos, o mundo cultural é um siste ma de significados já estabelecido, de tal modo que aprendemos desde cedo as regras de comportamento. Existe, portanto, uma moral constituída, segundo re gras que nos permitem distinguir o ato moral do imoral. As normas morais variam conforme o tempo e o lugar, bem como dependem das formas de relacio namento e das práticas de trabalho. À medida que as relações se alteram, ocorrem modificações nas normas de comportamento coletivo. Essas mudanças eram mais lentas antigamente, mas foram se ace erando a partir da segunda metade do século XX. Dever e liberdade Dissemos que a moral é o con junto de regras que orientam o Immanuel Kant. comportamento dos individuos de um grupo. No entanto, é preciso acrescentar que a moral dependeda livre e consciente aceitação das normas. À exte rioridade da moral, contrapõe-se a necessidade da adesão mais íntima. É assim que saímos do mundo infantil para nos tornarmos adultos. A ampliação do grau de consciência e de li berdade, e, portanto, de responsabilidade pessoal no comportamento moral, introduz um elemento contraditório entre a norma vigente e a escolha pessoal. Se aceitarmos unicamente o caráter social da moral, o ato moral reduz-se ao cumprimento da norma estabelecida e de valores dados e não discu tidos. Nessa perspectiva, a educação moral visaria apenas a inculcar nas pessoas a correta observância das regras e o temor de sanções decorrentes de seu descumprimento. Por sua vez, aceitar como predominante a in terrogação do indivíduo que apenas tem em vista seus próprios interesses destrói a moral. O ser humano não é um Robinson Crusoé em uma ilha deserta, mas "com-vive" com as outras pessoas, e qualquer ato seu compromete os que o cercam. Cabe ao sujeito moral viver as contradições entre dois polos: o social e o pessoal, a tradição e a inovação. Não há como optar por apenas um des ses aspectos, porque ambos constituem o próprio tecido da moral. Dizendo de outro modo, também a decisão vo luntária cria um dever ser que resulta da consciência da obrigação moral. Nesse caso, o dever moral não se cumpre por imposição externa, mas conforme a norma livremente assumida. Eis al por que o ato moral autônomo pressupõe ao mesmo tempo dever e liberdade. Essa flexibilidade não deve ser interpretada como defesa do relativismo, em que todas as formas de conduta são aceitas insistentemente. O professor José Artur gianotti expressa: Os direitos do homem, tais como em geral têm sido enunciados a partir do século XVIII, estipulam condições mínimas do exercício da moralidade. Por certo, cada um não deixará de aferrar-se à sua moral; deve, entretanto, aprender a conviver com outras, reconhecer a unilateralidade de seu ponto de vista. E com isto está obedecendo à sua própria moral de uma maneira especialíssima, to mando os imperativos categóricos dela como um momento particular do exercício humano de julgar moralmente. Desse modo, a moral do bandido e a do ladrão tornam-se repreensíveis do ponto de vista da moralidade pública, pois violam o princípio da tolerância e atingem direitos humanos fundamentais. [00:37, 24/06/2021] Juliana: Compromisso moral O ato moral provoca efeitos não só na pessoa que age, mas naqueles que a cercam e na própria sociedade em sua totalidade. Para ser moral, um ato deve ser livre, consciente, intencional, mas também solidário. O ato moral supõe a solidariedade e a re ciprocidade com aqueles com os quais nos compro metemos. O compromisso assumido não é superficial e exterior, mas revela-se como uma "promessa" pela qual nos vinculamos à comunidade. Dessas caracteristicas decorre a exigência da responsabilidade. Responsável é a pessoa cons ciente e livre que assume a autoria dos seus atos, reconhece-os como seus e responde pelas conse quências deles. A responsabilidade cria um dever: o comporta mento moral, por ser consciente, livre e responsável, é também obrigatório. A natureza da obrigatoriedade moral, porém, não está na exterioridade, porque depende apenas do próprio sujeito que impõe a si mesmo o cumprimento da norma. Pode parecer paradoxal, mas a obediência à lei livremente esco lhida não é coerção: ao contrário, é liberdade. Como juiz interno, a consciência moral avalia a situação, consulta as normas estabelecidas, interioriza-as como suas ou as recusa. Ao tomar decisões e julgar seus próprios atos, o compromisso humano torna a obediência uma decisão livremente assumida. No entanto, por sermos realmente livres, o compromisso não exclui a desobediência: podemos transgredir a norma, mesmo aquela que nós escolhe mos respeitar. E, se a desrespeitamos, esse ato será reconhecido como imoral por nós mesmos. 4 pagina Para refletir Em sua obra A República, Platão relata a lenda sobre um anel que tornaria invisível quem conseguisse virar o engaste para dentro. Foi o que teria acontecido ao pastor Giges, que vivia a serviço do rei da Lídia. Após ter se salvado de um terremoto, ele retirou de um cadáver o referido anel. Ao perceber que podia ficar invisível quando quisesse, entrou no castelo, seduziu a rainha, tramou com ela a morte do rei e obteve o poder. Esse mito nos faz pensar sobre os motivos que estimulam ou coíbem uma ação. Se pudesse ficar invisível em uma loja, você roubaria um celular, por exemplo? Ou o que seria determinante para que, mesmo invisivel, você não roubasse? 6 * A bússola e a balança* Veja a seguir a tira de Minduim, personagem de Charles Schulz, e leia a legenda. A tira nos faz pensar que, mesmo quando sabemos qual seria a conduta mais adequada em determinada circunstância, podemos não cumpri-la, seja ela dada pela cultura, seja expressão de nossa própria con vicção. Isso se deve ao fato de que, ao pesarmos os prós e os contras de cada ação, o fazemos não apenas com a razão, mas também com nossos sentimentos e emoções. A metáfora da bússola e da balança nos ajudará a compreender aspectos psicológicos rele vantes de nossas escolhas morais. A bússola A bússola real indica o norte e permite que não nos percamos. Já a metáfora da bússola indica o que nos "norteia" na direção do que deve ser feito no plano moral. Só isso basta? Nem sempre. Suponha que alguém possui uma bússola in terna e está consciente do que deve ou não ser feito, mas se pergunte: "Por que devo agir moral mente se isso pode ferir meus interesses pessoais?" Para essa resposta, precisamos de outra imagem, a da balança. A balança A balança real pesa alguma coisa concreta. Uma balança metafórica remete ao ato de avaliar "pesos" diferentes a fim de resolver como agir. Suponha que o gerente de pessoal de uma empresa, ao exami nar os testes e as entrevistas dos candidatos a um emprego, fique em dúvida entre dois pretendentes: um deles saiu-se muito bem na avaliação e tem longa experiência na função; o outro não é de todo ruim, até pode vir a melhorar, mas é inferior ao primeiro. A dúvida sobre qual escolher deve-se ao fato de que o segundo é cunhado de um grande amigo seu, por quem fora recomendado. E agora? Ele sabe que o justo seria admitir o mais competente, tanto pelo merecimento do candidato como pelo interesse da empresa. Mas o gerente escolhe o cunhado do amigo. O que aconteceu? Em um prato da balança está o ponto de vista da moral: o que é mais justo. No outro, o que pesou mais para o gerente: suas relações pessoais. Os exemplos podem estender-se para outros similares, como deixar de contratar alguém por ser mulher, negro ou homossexual, entre outros tipos de discriminação. São inúmeros os motivos que levam as pessoas a escolher com base no egoísmo, ou a se omitir, quando deveriam agir: "Isso não me diz respeito": "Não quero me envolver": "Estou com sono": "Tenho medo". [00:38, 24/06/2021] Juliana: Suponha que alguém possui uma bússola in terna e está consciente do que deve ou não ser feito, mas se pergunte: "Por que devo agir moral mente se isso pode ferir meus interesses pessoais?" Para essa resposta, precisamos de outra imagem, a da balança. A balança A balança real pesa alguma coisa concreta. Uma balança metafórica remete ao ato de avaliar "pesos" diferentes a fim de resolver como agir. Suponha que o gerente de pessoal de uma empresa, ao exami nar os testes e as entrevistas dos candidatos a um emprego, fique em dúvida entre dois pretendentes: um deles saiu-se muito bem na avaliação e tem longa experiência na função; o outro não é de todo ruim, até pode vir a melhorar, mas é inferior ao primeiro. A dúvida sobre qual escolher deve-se ao fato de que o segundo é cunhado de um grande amigo seu, porquem fora recomendado. E agora? Ele sabe que o justo seria admitir o mais competente, tanto pelo merecimento do candidato como pelo interesse da empresa. Mas o gerente escolhe o cunhado do amigo. O que aconteceu? Em um prato da balança está o ponto de vista da moral: o que é mais justo. No outro, o que pesou mais para o gerente: suas relações pessoais. Os exemplos podem estender-se para outros similares, como deixar de contratar alguém por ser mulher, negro ou homossexual, entre outros tipos de discriminação. São inúmeros os motivos que levam as pessoas a escolher com base no egoísmo, ou a se omitir, quando deveriam agir: "Isso não me diz respeito"; "Não quero me envolver"; "Estou com sono": "Tenho medo". [00:39, 24/06/2021] Juliana: Valores: relativos ou absolutos? Considerando o que vimos até aqui, alguém poderia estar tomado por uma dúvida: se os valores mudam com o tempo e o lugar, seriam eles relativos e não absolutos? E se eles nos afetam, não nos dei xando indiferentes, mas, ao contrário, mobilizam-nos em direção ao que desejamos, seriam eles subjetivos e não objetivos e universais? Vejamos como alguns pensadores abordaram as questões do valor. Haviamos afirmado no início que a axiologia ou teoria dos valores tornou-se autônoma apenas no século XIX. Isso não significa que antes os valores não despertassem interesse, mas que essa discussão era metafisica, limitada a investigar em que medida os seres têm um valor, ou seja, a discussão não estava focada no que é valor propriamente dito. Assim, Platão se referia ao mundo das ideias, modelo no qual a realidade concreta se espelha. Para ele, haveria o bem em si, o belo em si e o verdadeiro em si, com os quais reconhecemos quando as ações são boas, quando há beleza no que fabricamos/faze mos ou quando uma afirmação é verdadeira. Aristóteles também privilegiava a metafisica ao conceber a natureza como um processo em que todos os seres buscam atualizar no sentido de tornar atual-aquilo que são em potência, visando à plena realização das virtualidades inerentes a cada natureza. Espera-se de uma semente que realize a potência que existe nela para tornar-se planta, e do ser humano que cumpra sua natureza racional, isto é, que viva de acordo com a razão. Como para os filósofos clássicos os valores se fundamentam na metafisica, conclui-se que os valores são universais e absolutos, existem em si, independentemente do sujeito que avalia. É bem verdade que, ao lado dessa tradição, sempre houve posições favoráveis aos relativistas e aos céticos, [00:39, 24/06/2021] Juliana: como os sofistas Gorgias e Protágoras, ou o francês Montaigne, no século XVI, cuja tolerância com a diversidade revelava certo ceticismo. No século XVIII, o escocês David Hume assumiu posição inovadora, aproximando-se do relativismo e do ceticismo ao teorizar sobre a moral do sentimento, segundo a qual são as paixões que determinam a vontade, e não a razão. Além dessa avaliação ética, do ponto de vista da teoria do conhecimento, o filósofo se declarava um cético, o que o levou a reduzir as certezas a simples probabilidades. As criticas à metafisica foram ampliadas no mesmo século por Immanuel Kant, principal representante do lluminismo alemão. Ao afirmar que não podemos conhecer o ser profundo das coisas, concluiu pela in capacidade da razão de ter acesso à metafisica. Como consequência, se o ser não é mais o fundamento das nossas apreciações, cabe ao sujeito assumir o peso e a responsabilidade dos seus valores. É bem verdade que Kant não se referia a um sujeito individual, mas ao sujeito universal, que ele chama sujeito transcendental, capaz de autonomia, de julgar ao fazer juízos estéticos e morals. Dessa maneira, a filosofia kantiana preparou o campo para as discussões axiológicas contemporâneas. A influência de Nietzsche foi marcante para a demolição de antigas crenças, ao considerar a es cala de valores aceita como resultado do hábito e, sobretudo, como herança da tradição cristã. Para ele, a humildade, a caridade, a resignação, a piedade são valores dos fracos e vencidos, próprios de uma "mo ral de escravos", intimamente ligada às necessidades dos que vivem em rebanho. Ao indagar sobre o "valor dos valores", Nietzsche propôs a "transvaloração dos valores", concluindo que eles não existiram desde sempre. Ao contrário, os valores foram criados, por tanto são "humanos, demasiado humanos". A essa altura, pode-se perguntar se todas essas discussões não deslizam para o relativismo moral, dúvida que se acentua ao examinarmos o conceito de contingência, presente no pensamento pós-moderno. Para saber mais Os principals filósofos que se ocuparam de inicio com a filosofia dos valores, ou axiologia, embora per tencessem a orientações bastante diferentes entre si, foram Rudolf Lotze, Franz Brentano, Christian von Ehrenfels, Nicolal Hartmann, Max Scheler, Friedrich Nietzsche, entre outros. [00:41, 24/06/2021] Juliana: 7 pagina É possível a fundamentação ética? A recusa dos valores dados como eternos e imu táveis pode não significar relativismo, desde que estejamos dispostos a examinar os fundamentos da moral. Antes, porém, lembramos que o termo fundamentação não se confunde, aqui, com o fun dacionismo metafisico entendido como adesão a verdades eternas e valores absolutos de caráter re ligioso, político ou filosófico. Ao mesmo tempo, não se trata de afirmar que essa fundamentação possa decorrer apenas de juízos subjetivos, o que banali zaria a ética e até a destruiria, já que ela pressupõe o reconhecimento da alteridade, um "outro-eu". Fundamentar significa argumentar, justificar, dar as razões pelas quais vale a pena aderir a determina dos valores e não a outros; ou então, indo mais fundo na indagação, perguntar-se por que motivo deve haver uma moral em todo agrupamento humano; e por que é importante fazer juízos de valor, ao aprovar ou condenar comportamentos. Hoje, nesse mundo cosmopolita e globalizado, reconhecemos inúmeras éticas possíveis, mas o que importa é o fato de que qualquer uma delas precisa de fundamentações racionais abertas ao diálogo — à - intersubjetividade com os participantes do próprio grupo e eventualmente com outros que possuem ideias divergentes. O respeito às pessoas com opiniões diferentes da nossa é uma virtude do pluralismo democrático, o que não significa a impossibilidade de discordar delas pelo debate aberto. Mesmo quando as dis cussões não alcançam consenso, certamente nos enriquecem os argumentos e contra-argumentos para mudar de ideia ou, pelo menos, para refinar nossa opinião. Pensando bem, será que tanto faz defender a coragem ou a covardia, a sinceridade ou a hipocrisia, o respeito pela vida ou o assassinato, a liberdade ou a escravidão? Se admitirmos que a tendência contemporânea está na aceitação do relativismo, será necessário refinar essa concepção com a possibilidade de valores universalizáveis, ainda que provisórios e voltados para revisões. Trata-se de valores aceitos em determinado periodo histórico por consenso. Aceitar as culturas humanas na sua diversidade e coexistir com elas - como quer o relativismo-não significa tolerar práti cas eventuais de barbárie, o que costuma ocorrer em qualquer sociedade considerada civilizada. Segundo o filósofo francês Franciss Wolf [00:41, 24/06/2021] Juliana: mentos Google [...] ser bárbaro [é] o recurso comum ou siste mático a práticas cruéis - quer na escala familiar das mutilações rituais, quer na escala social dos exterminios em massa. Em suma, é a redução da ideia de humanidade à unidade de uma essência, a que impossibilidade de suportar a humanidade em sua diversidade. O bárbaro é aquele que acredita ser homem é ser como ele, enquanto ser homem é sempre poder ser outro, é poder ser indiano, judeu, cigano, tútsi, mulher etc. [...] O bárbaro é aquele que éincapaz de pensar tanto o uno como o múltiplo- já que os dois estão ligados. Incapaz de pensar tanto a universalidade humana como a diversidade indefinida das culturas. WOLFF, Francis. Quem é bárbaro? in. NOVAES, Adauto (Org) Civilização e barbdrie. São Paulo: Companhia das Letras, 200sp Até aqui abordamos a análise da ética e da moral no aspecto antropocêntrico, ou seja, centrado nos seres humanos como individuos, sem dar realce ao seu entorno, a natureza. No capitulo 18, sobre ética aplicada, são tratados alguns temas relativamente no vos que discutem nossa responsabilidade com relação à bioética, à ética ambiental e à ética dos negócios, apenas alguns dos ramos, entre outros, de uma visão mais ampla sobre a vida na sua relação com o planeta. Para refletir COMO VÃO AS RESOLUÇÕES DE ANO NOVO NÃO TOME PARA UMA PESSOA PODER PROGREOR, ELA PEVE TER LUTA PRIA DO QUE TROM SENFICA, ISSO IMPLEX CERTOS VALORES [00:43, 24/06/2021] Juliana: 8 pagina “Diante da Lei há um guarda. Um camponés apresenta-se diante deste guarda, e solicita que lhe permita entrar na Lei. Mas o guarda responde que por enquanto não pode deixá-lo entrar. O homem reflete, e pergunta se mais tarde o deixarão entrar. -É possível-disse o porteiro-, mas não agora. A porta que dá para a Lei está aberta, como de costume; quando o guarda se põe de lado, o homem inclina-se para espiar. O guarda vê isso, ri-se e lhe diz: -Se tão grande é o teu desejo, experimenta entrar apesar de minha proibição. Mas lembra-te de que sou poderoso. E sou somente o último dos guardas. Entre salão e salão também existem guar das, cada qual mais poderoso do que o outro, já o terceiro guarda é tão terrível que não posso suportar seu aspecto. O camponês não havia previsto estas dificuldades; a Lei deveria ser sempre acessível para todos, pensa ele, mas ao observar o guarda, com seu abrigo de peles, seu nariz grande e como de águia, sua barba longa de tártaro, rala e negra, resolve que mais lhe convém esperar. O guarda dá-lhe um banquinho, e permite-lhe sentar-se a um lado da porta. Ali espera dias e anos. Tenta infinitas vezes entrar, e cansa o guarda com suas súplicas. Com frequência o guarda mantém com ele breves palestras, faz-lhe perguntas sobre seu país, e sobre muitas outras coisas; mas são perguntas indiferentes, como as dos grandes senhores, e para terminar, sempre lhe repete que ainda não pode deixá-lo entrar. O homem, que se abasteceu de muitas coisas para a viagem, sacrifica tudo, por mais valioso que seja, para subornar o guarda. Este aceita tudo, com efeito, mas lhe diz: -Aceito-o para que não julgues que tenhas omi tido algum esforço. Durante esses longos anos, o homem observa quase continuamente o guarda: esquece-se dos outros, e pareceu-lhe que este é o único obstáculo que o separa da Lei. Maldiz sua má sorte, durante os primeiros anos temerariamente e em voz alta: mais tarde, à medida que envelhece, apenas murmura para si. Retorna à infância, e como em sua longa contem plação do guarda, chegou a conhecer até as pulgas de seu abrigo de pele, também suplica às pulgas que o ajudem e convençam o guarda. Finalmente, sua vista enfraquece-se, e já não sabe se realmente há menos luz, ou se apenas o enganam seus olhos. Mas em meio à obscuridade distingue um resplendor, que surge inextinguivel da porta da Lei. Já lhe resta pouco tempo de vida. Antes de morrer, todas as experiências desses longos anos se confundem em sua mente em uma só pergunta, que até agora não formou. Faz sinais ao guarda para que se aproxime, já que o rigor da morte endurece seu corpo. O guarda vê-se obrigado a baixar-se muito para falar com ele, porque a dispa ridade de estaturas entre ambos aumentou bastante com o tempo, para detrimento do camponês. - Que queres saber agora? — pergunta o guarda.
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