Prévia do material em texto
ARTES VISUAIS 5º PERÍODO Manoela dos Anjos Afonso GRAVURA GRAVURA Manoela dos Anjos Afonso Montes Claros - MG, 2011 Copyright ©: Universidade Estadual de Montes Claros UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES 2011 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. EDITORA UNIMONTES Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089 Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214 Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge - Unimontes Ficha Catalográfica: REITOR João dos Reis Canela VICE-REITORA Maria Ivete Soares de Almeida DIRETOR DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÕES Giulliano Vieira Mota CONSELHO EDITORIAL Maria Cleonice Souto de Freitas Rosivaldo Antônio Gonçalves Sílvio Fernando Guimarães de Carvalho Wanderlino Arruda REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA Ubiratan da Silva Meireles REVISÃO TÉCNICA Luci Kikuchi Veloso PROJETO GRÁFICO Alcino Franco de Moura Júnior Andréia Santos Dias EDITORAÇÃO E PRODUÇÃO Ana Lúcia Cardoso Pereira Andréia Santos Dias Clésio Robert Almeida Caldeira Débora Tôrres Corrêa Lafetá de Almeida Diego Wander Pereira Nobre Jéssica Luiza de Albuquerque Karina Carvalho de Almeida Patrícia Fernanda Heliodoro dos Santos Rogério Santos Brant Sânzio Mendonça Henriques Tatiane Fernandes Pinheiro Tátylla Aparecida Pimenta Faria Vinícius Antônio Alencar Batista Ministro da Educação Fernando Haddad Secretário de Educação a Distância Carlos Eduardo Bielschowsky Coordenador Geral da Universidade Aberta do Brasil Celso José da Costa Governador do Estado de Minas Gerais Antônio Augusto Junho Anastasia Vice-Governador do Estado de Minas Gerais Alberto Pinto Coelho Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Alberto Duque Portugal Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes João dos Reis Canela Vice-Reitora da Unimontes Maria Ivete Soares de Almeida Pró-Reitora de Ensino Anete Marília Pereira Coordenadora da UAB/Unimontes Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes Betânia Maria Araújo Passos Diretor do Centro de Ciências Humanas - CCH Mércio Coelho Antunes Chefe do Departamento de Artes Coordenadora do Curso de Artes Visuais a Distância Maria Elvira Curty Romero Christoff AUTORES Manoela dos Anjos Afonso Graduada em Educação Artística com Habilitação em Artes Plásticas pela Faculdade de Artes do Paraná (2000) e pós-graduada em Fundamentos do Ensino da Arte pela mesma instituição (2003). Mestre em Cultura Visual pela Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (2008) com projeto na linha de pesquisa ‘Poéticas Visuais e Processos de Criação’. Professora Assistente da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás. Produção artística concentrada nas seguintes áreas: artes gráficas (gravura, carimbo, arte-postal, manipulação digital de imagens), vídeo- arte, arte e comunicação na rede (blogs). SUMÁRIO Apresentação ..............................................................................................................................09 Unidade I: Gravar e imprimir ...................................................................................................... 13 1.1 Gravar ............................................................................................................................. 13 1.2 Imprimir .......................................................................................................................... 14 1.3 Monotipia........................................................................................................................ 17 Unidade II: Relevo, encavo e demais processos de produção de gravuras e estampas ................. 21 2.1 Relevo ............................................................................................................................. 21 2.2 Encavo ............................................................................................................................ 42 2.3 Litografia ........................................................................................................................ 48 2.4 Serigrafia ......................................................................................................................... 50 2.5 Técnicas digitais ............................................................................................................... 52 Unidade III: Artes gráficas na sala de aula ................................................................................... 55 3.1 Estampa na sala de aula: monotipia, colagraf, carimbo e serigrafia ................................... 55 3.2 Gravura em relevo na sala de aula: matriz em isopor ....................................................... 58 3.3 Gravura em encavo na sala de aula: ponta seca sobre placas de plástico .......................... 62 Referências .................................................................................................................................65 9 APRESENTAÇÃO Olá, seja bem-vindo(a)! Prepare-se para mergulhar no universo das artes gráficas! Depois de ter passado pelos ateliês das linguagens bi e tridimensional, agora você experimentará conceitos e práticas ligados à gravura e à estampa. Ao longo das próximas 16 semanas, você terá acesso ao conhecimento básico necessário para a compreensão da importância das ações “gravar” e “imprimir” não só para o campo das artes, mas também no que diz respeito à evolução de outros importantes setores da produção humana. Por enquanto, olhe ao seu redor e procure identificar o que pode ser produto da impressão de uma matriz. Que tal começar pela sua carteira de identidade? Temos aí o princípio de toda a produção gráfica desde os tempos mais remotos: matrizdedo e a sua impressão. E o que mais pode ser fruto de uma marca/impressão deixada por uma matriz? Os textos e exercícios sugeridos neste livro e no ambiente virtual certamente têm muito a lhe revelar. Portanto, vamos ao trabalho! Desejo-lhe um ótimo curso. Professora Manoela dos Anjos Afonso DADOS DA DISCIPLINA Ementa: Introdução aos conceitos teórico-práticos básicos relacionados às artes gráficas. Produção visual em gravura e estampa a partir do conhecimento inicial das seguintes técnicas: monotipia, colagraf, xilogravura, gravura em metal (ponta-seca) e experimentos digitais. Pesquisa de materiais e suportesalternativos para a produção de matrizes, gravuras e estampas como prática didático-pedagógica para professores do ensino fundamental e médio. Objetivo geral Produzir gravuras e estampas a partir de técnicas como monotipia, gravura em relevo, gravura em encavo, princípios básicos da serigrafia e experimentos digitais. 10 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período 10 Objetivos específicos • conhecer basicamente o universo das artes gráficas por meio da história da arte, dando destaque aos seus principais artistas, conceitos e técnicas; • identificar os principais materiais, suportes e ferramentas utilizados na produção gráfica tradicional; • destacar as modificações sofridas nos campos visual e processual das artes gráficas a partir da comparação da produção gráfica tradicional com a contemporânea; • levantar dados sobre a produção gráfica local; • incentivar a pesquisa local de materiais e suportes alternativos para a confecção de matrizes, gravuras e estampas para atividades tanto artísticas quanto didático-pedagógicas; • introduzir os procedimentos básicos de impressão e gravação em relevo e encavo a partir das técnicas sugeridas na ementa desta disciplina; UNIDADE 1: GRAVAR E IMPRIMIR1.1 Gravar 1.2 Imprimir 1.3 Monotipia UNIDADE 2: RELEVO, ENCAVO E DEMAIS PROCESSOS DE PRODUÇÃO DE GRAVURAS E ESTAMPAS 2.1 Relevo: xilogravura, linóleogravura, colagraf 2.2 Encavo: ponta seca 2.3 Litografia 2.4 Serigrafia 2.5 Técnicas digitais UNIDADE 3: ARTES GRÁFICAS NA SALA DE AULA 3.1 Estampa na sala de aula: monotipia, colagraf, carimbo e serigrafia 3.2 Gravura em relevo na sala de aula: matriz em isopor 3.3 Gravura em encavo na sala de aula: ponta seca sobre placas de plástico GRAVURA UAB/Unimontes 11 Materiais necessários: 1 Material Coletivo • 2 rolos de borracha; • tinta gráfica offset vermelha e preta; • 1 prensa para gravura em metal; • 2 espátulas largas de metal; • 1 pedaço de vidro com no mínimo 60 x 40 cme 1 cm de espessura (com as bordas lapidadas); pode ser substituído por uma bancada de granito polido ou por uma mesa com tampo de vidro, enfim, por uma superfície lisa e firme que não absorva a tinta gráfica. - 1 vidro de óleo de linhaça; • 1 litro de querosene; • muitos jornais velhos; • vários panos e trapos; • detergente, sabonete e esponjas para limpeza; • barbantes e pregadores de roupa para a confecção de varais para secar as gravuras; • talco; • 1 pia/tanque para auxiliar na limpeza dos materiais e da sala de gravura; • bacias retangulares onde caiba o papel A3; • 1 vidro de produto para polir metais (Brasso); • álcool (líquido); • feltro para a prensa de gravura em metal. 2. Material Individual Básico (observar durante as atividades práticas os materiais solicitados,pois estes podem não estar listados abaixo): • 1 placa de madeira no tamanho 20x30 cm (de preferência uma das seguintes madeiras: peroba-rosa, canela, guatambu, goiabeira); • lixa para madeira (uma mais grossa e outra mediana); • lixa d’água (600) para afiar os instrumentos (goivas); • colher de pau para impressão das xilogravuras; • 3 Blocos de papel canson A3; • 1 Bloco de papel sulfite A3; • 1 Bloco de papel canson A4; • 100 folhas de papel sulfite A4; • cola branca; 12 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período • pincéis; • verniz; • papelão Paraná; • estiletes, tesouras; • E.V.A; • 2 blocos de madeira no tamanho aproximado de 5 x 5 (essas dimensões podem variar); • bandejas de isopor; • tinta (guache, óleo ou acrílica); • 1 avental; • escova de dente usada (para limpar a matriz de metal); • lápis, canetas, caderno de anotações; • 1 ponta seca (pode ser um prego ajustado a um cabo de pincel, ou um cortador de azulejo, enfim, uma ponta capaz de riscar a chapa de metal); • 1 chapa de metal (cobre, zinco ou alumínio) no tamanho 15x20cm; • 1 lima; • 2 cartões telefônicos usados ou outro tipo de cartão similar; • 1 par de luvas de borracha ou 1 caixa de luvas cirúrgicas descar- táveis (esta pode ser adquirida em grupo); • goivas (estojo com 6). Roteiro de estudo: Todas as unidades são compostas por atividades que envolvem a leitura de textos, sua posterior discussão em fóruns no ambiente Moodle e a prática de ateliê. Você deverá estar sempre com as leituras, discussões e práticas de ateliê em dia, pois todas as atividades propostas pelo professor possuem um prazo limite de entrega. A gravura é uma técnica que exige dedicação, pois envolve uma série de etapas que não podem ser deixadas de lado. Para se chegar a um resultado satisfatório é preciso obedecer passo a passo o proposto. Portanto, comece o quanto antes a estudar e a praticar. Bom trabalho! 13 UNIDADE 1 GRAVAR E IMPRIMIR Para que você compreenda a gravura como história, técnica e linguagem, faremos, inicialmente, algumas reflexões sobre duas de suas operações fundamentais: a gravação e a impressão. Nesta unidade, você encontrará informações sobre fatos que antecederam a gravura, assim como conceitos introdutórios ligados ao universo das artes gráficas. A partir do conteúdo aqui apresentado, busque aprimorar algumas definições e, em seguida, enriqueça, constantemente, o nosso glossário coletivo disponível no ambiente Moodle. 1.1 GRAVAR A ação de gravar está presente na vida do homem desde os mais remotos tempos. Incisões, sulcos e arranhões feitos em pedras deram forma aos desenhos de nossos ancestrais durante a pré-história. Peças utilitárias e de adorno foram produzidas a partir da gravação em dentes, ossos e chifres de animais no final do período Paleolítico Superior. Mais tarde, por volta de 3500 a.C., os sumérios criaram a escrita cuneiforme, a qual consistia na gravação de pictogramas sobre placas de argila através do uso de estiletes com um corte em forma de cunha. Ao darmos mais um salto até o ano de 196 a.C. deparamos com um pedaço de granito egípcio chamado Pedra de Roseta, no qual foi gravado um texto em três versões: hieróglifo, demótico e grego. Graças a essa gravação é que os hieróglifos puderam ser decifrados posteriormente, em meados do século XIX. Figura 1: Parede de uma igreja em Ouro Preto/MG comranhuras e inscrições. Fotografia: Virgínia Regozino. Ao longo da história da humanidade, existem muitos exemplos que revelam vestígios do ato de gravar. Você se lembra de mais alguns? E atualmente, onde você pode observar sinais dessa ação? 14 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período Poderíamos continuar seguindo a linha da história com a finalidade de encontrar inúmeros exemplos do ato de gravar sobre as mais variadas superfícies (pedra, couro, ossos, chifres, argila, cascas de árvore, bambu, metais, etc.) e com as mais diversas funções dentro de cada uma das culturas. Mas como o nosso foco está sobre o universo da gravura e da estampa, seguiremos agora para o ano 105 d.C., período em que o chinês Ts’ai Lun criou o papel. Foi a partir da criação do papel que a ação de gravar uma superfície passou a exigir outra ação complementar: imprimir o relevo gravado. A partir do século II, a gravação de uma matriz de madeira - técnica chamada de xilogravura – ganhou destaque no Oriente e se manteve, por muito tempo, ligada à função de multiplicar a escrita. Apesar de a China ter sido a pioneira na criação do papel e da xilogravura, foi no Japão que as impressões xilográficas ganharam circulação massiva com o objetivo de multiplicar a informação. Uma única matriz gravada poderia, agora, receber tinta sobre os seus relevos para então ser impressa diversas vezes sobre o papel. Essa é a ideia fundamental da gravura tradicional: a produção de uma matriz gravada em baixo ou alto relevo com a finalidade de ser impressa inúmeras vezes e gerar gravuras semelhantes entre si. Talvez nesse momento tenham nascido os primeiros ‘panfletos’ impressos em série da nossa história. Como você pôde perceber até agora, caminhamos rapidamente por um curto pedaço da história, partindo do ato de “gravar” e chegando ao ato de “imprimir”. Prossigamos com nossas reflexões, aprofundando a leitura sobre a “impressão”. Fique atento à complementaridade dessas ações, pois dela depende essencialmente o universo gráfico. 1.2 IMPRIMIR Figura 2 – Mão. Impressão feita com tinta guache preta sobre papel sulfite A4 por uma luna do curso de introdução à gravura da Fundação Jaime Câmara, Goiânia/2007. Fonte: arquivo pessoal - Manoela Afonso. Na disciplina ‘Ateliê de Linguagens Bidimensionais: Desenho e Pintura’, foi solicitada uma pesquisa sobre os tipos de papel disponíveis em sua cidade. A partir deste levantamento inicial, crie uma lista com informações sobre as referências, formatos, cores, composição e gramatura encontradas em cada um deles. A qualidade do papel interfere profundamente no resultado final de uma gravura e em sua posterior conservação ao longo dos anos. Os papéis mais utilizados por artistas gravadoressão o Washi (papel japonês para xilogravura) e os papéis 100% algodão com ph neutro (para a gravura em metal). Antes de começar seus exercícios práticos, você deverá reunir folhas de pelo menos 2 tipos de papel: um mais fino (papel jornal e/ou sulfite) e outro com gramatura mais alta, ou seja, mais encorpado (papel Canson ou similar). Caso você se interesse em conhecer um pouco mais sobre a história do papel e seus processos de fabricação, acesse o site www.bracelpa.org.br/ bra/saibamais/historia/index. html. Você poderá também observar a riqueza desse universo pesquisando os sites das marcas mais conhecidas de papéis especiais para uso artístico. São elas: Canson: http://www.canson.com.br/ interno.html Fabriano: http:// www.cartierefabriano.it Hahnemühle: http://www. hahnemuehle.com/ Papéis japoneses no Brasil: http:// www.worldpaper. com.br/ prod_restaura.html - leia mais em http://madeinjapan.uol. com.br/2005/12/06/ washi-arte-feita-de-arroz/ Pesquise, experimente e escolha os papéis que possam lhe oferecer os melhores resultados. Fique de olho! GRAVURA UAB/Unimontes 15 O termo “gravura” é utilizado para dar nome tanto à linguagem quanto ao seu produto, ou seja, tanto ao processo de produção quanto às cópias produzidas a partir da impressão de uma mesma matriz gravada. É muito omum o uso incorreto dessa palavra, sobretudo nas escolas. Desde criança, ouvimos nossos professores pedirem para observarmos a ‘gravura x’ que está na ‘página y’ do livro: “Abram o livro na página 37 e observem a gravura da pintura de Leonardo Da Vinci”. Provavelmente, uma gravura dessa pintura de Leonardo nunca tenha existido. No livro, lidamos com reproduções mecânicas de uma imagem que nada têm a ver com gravura. Fique atento a esses detalhes, pois os tão comentados erros de interpretação e compreensão cometidos por alunos do Brasil inteiro, certamente são agravados pela falta de cuidado no uso de termos técnicos por professores das mais variadas áreas do conhecimento. Um livro pode conter gravuras, caso seja um livro-arte produzido manualmente numa tipografia, por exemplo. É realmente surpreendente que a gravura seja um processo tão antigo e fundamental para o desenvolvimento da nossa história, mas que poucos saibam do que se trata. Pergunte aos seus alunos se eles sabem o que é gravura. Esse é um bom começo para a multiplicação do conhecimento que você está adquirindo nessa disciplina. Imprimir é um ato inerente ao ser humano. Depois de dados os primeiros passos, nunca mais deixamos de gravar e imprimir marcas no mundo, a começar por nossas pegadas – verdadeiras impressões-vestígios da nossa passagem. Num período distante, quando nossos ancestrais aprenderam a ler atentamente os sinais da/na natureza, certamente as pegadas impressas por animais selvagens ou por outros seres humanos funcionavam como verdadeiros textos indicativos de como agir e para onde ir. E você? Ao caminhar sobre a areia relativamente úmida pode perceber marcas deixadas pelos seus pés ou sapatos sobre a superfície? O “desenho” dos seus pés ou da sola dos sapatos ficaram impressos devido à pressão exercida pelo peso do seu corpo sobre a areia. Esse é um caso de impressão sem o uso de tinta. Nas artes gráficas, chamamos esta técnica de “relevo-seco”, ou seja, uma matriz gravada não é entintada, é apenas pressionada fortemente contra a superfície do papel. O resultado é uma impressão a seco, sem tinta, tal qual uma marca d’água. E se você pisar numa terra úmida e vermelha antes de andar sobre um piso branco? Certamente perceberá o desenho do solado do seu sapato impresso no chão, em vermelho. Nas artes gráficas ocorre o mesmo: o papel criado pelos chineses passou a ser pressionado contra matrizes gravadas em madeira e entintadas com tintas à base d’água. Ao repetir incansavelmente esse processo, as imagens ou textos gravados iam sendo multiplicados. Figuras 3, 4 e 5: Impressões de jogo-americano de plástico com tinta gráfica preta sobre papel colorplus colorido. Cada uma delas possui as dimensões 12 x 16,5 cm. Autora: Manoela Afonso. Em diversas culturas, a impressão de imagens se fez presente. A pintura corporal, por exemplo, era produzida a partir da impressão (com tintas de fabricação natural) de carimbos feitos com pedaços de tronco ou barro. No Japão, carimbos chamados de hanko ou inkan foram criados com o objetivo de dar autenticidade a documentos, como se fossem uma assinatura pessoal. Atualmente, o hanko pode ser feito em madeira, bambu, pedra ou metais diversos, sendo tradicionalmente impressos com tinta vermelha. Mas por volta de 57 d.C. eles eram feitos em ouro maciço e utilizados por imperadores, homens nobres e samurais. Lembre disso quando for planejar as suas matrizes para não ficarem ao contrário! Observe as imagens abaixo: os alunos esqueceram que a palavra gravada no sentido correto ficaria invertida na impressão. Para que a palavra saia no sentido certo, ela deve ser gravada invertida e 16 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período É interessante ressaltar que, muito antes de Adam Smith (Escócia, 1723 – 1790) ter feito considerações sobre a divisão do trabalho, e de Henry Ford (EUA, 1863 – 1947) ter revolucionado os métodos de produção industrial no século XIX através das linhas de montagem, chineses e japoneses já trabalhavam, muitos séculos antes, com disciplina e conceitos de produção que talvez tenham contribuído para a revolução das descobertas e do pensamento ocidental nesse sentido. Nos antigos ateliês de xilogravura, por exemplo, cada indivíduo exercia uma função distinta: enquanto existiam os responsáveis pelo preparo da madeira, outros desenhavam sobre ela. Então, gravadores faziam as incisões, enquanto existiam outras pessoas para o preparo das tintas e dos papéis. Finalmente, impressores finalizavam o processo. O livro infanto-juvenil “O velho louco por desenho” trata de uma história ambientada no período Edo. Belas ilustrações revelam o funcionamento dos ateliês de xilogravura no Japão desse período, além de dar destaque à produção de um de seus maiores artistas: Hokusai. Vale a pena conferir! PLACE, François. O velho louco por desenho. São Paulo: Companhia das letrinhas, 2004. Você tem carimbos em sua casa? Observe-os. O que acontece com as letras, palavras ou desenhos quando são impressos? Essa é uma das características fundamentais da gravura e da estampa: a inversão da imagem. espelhada. Se você for trabalhar técnicas de impressão com seus alunos, deixe que eles errem a primeira matriz. É na surpresa do erro que esse conhecimento fica gravado na memória. Figuras 7 e 8. Impressões feitas a partir de matrizes de borracha. Imagens: Acima: Dalniran - aluno do projeto Arte na Escola. Dimensões: 5,5 x 3,5 cm. Goiânia/2006. Abaixo: Aline - aluna do curso de Design da Faculda- de Brasília. Dimensões: 1,5 x 4,5 cm. Brasília/2005. Fonte: arquivo pessoal - Manoela Afonso. Sinetes, selos e chancelas também fazem parte do universo da impressão. O sinete, por exemplo, é também um objeto de autenticação, só que ao invés de ser impresso com tinta, a sua marca é feita sobre cera colorida derretida. Antigamente, no Egito, Grécia e Roma esse objeto era feito de madeira, mas a partir de meados do século XVI passou a ser fabricado em metal. Foi justamente nesse período, que as técnicas de gravação em metal avançaram muito na Europa em resposta, dentre outros fatores, ao minucioso e dedicado trabalho de profissionais da ourivesaria. Esse fato contribuiu definitivamente para o surgimento e ascensão da gravura em metal. Antes de prosseguirmos com o conteúdo relacionado às principais técnicas da gravura,vamos fazer uma pequena pausa. Até este momento você percebeu que é na união dos atos de gravar e imprimir que está o berço dos processos de multiplicação da informação, seja através de imagens ou da escrita. A gravação e a impressão por si só não possuíam a força necessária para cumprir tal tarefa; somente em conjunto transformaram- se na potente tecnologia de multiplicação, circulação e consequente massificação do conhecimento. Com a criação do papel e de posse de cada vez mais variedades de tintas, matrizes gravadas puderam ser impressas e transmitir a gerações futuras o conhecimento de sua época. Assim nasceu a gravura, um processo indireto de produção de imagens, ao contrário do desenho e da pintura, por exemplo, que são feitos diretamente sobre o seu suporte definitivo. GRAVURA UAB/Unimontes 17 Materiais Necessários: - objetos com relevo; - pincéis; - tinta guache; - tinta de carimbo; - almofada de carimbo; - papel sulfite; - papel canson; - outros papéis à escolha do aluno. Lembra que na disciplina “Ateliê de Linguagens Bidimensionais: desenho e pintura” você fez um exercício de pesquisa de texturas a partir a técnica “frotagem”? (veja a página 55 do seu livro referente ao Módulo 2, parte 1). Pois bem, agora lhe proponho uma pesquisa semelhante: você deverá selecionar diversos objetos e superfícies que tenham relevos (texturas) e que possam ser entintados e impressos. Por exemplo: moedas, tampinhas, fundos de copos e garrafas, chaves, esponjas, buchas vegetais, solas de sapatos, enfim, todo objeto que apresente uma superfície com altos ou baixos relevos. Pressione o objeto sobre uma almofada de carimbo ou passe tinta guache com um pincel sobre a superfície a ser impressa. Em seguida imprima tal superfície entintada num papel canson - formato A3. Repita a operação diversas vezes e procure fazer no mínimo 3 composições harmoniosas. Antes de utilizar o papel canson você pode fazer testes em papel sulfite. Nas imagens abaixo, observe o resultado da impressão do relevo de um jogo-americano de plástico sobre papel colorido. Levando em consideração a afirmação de que a gravura parte de uma matriz gravada em alto ou baixo relevo, sendo capaz de gerar múltiplas cópias semelhantes, como já foi explicado aqui anteriormente, pergunto-lhe: E quando uma matriz não é durável o suficiente e é capaz de gerar apenas uma cópia? Assim mesmo pode ser chamada de gravura? Seu produto é uma gravura? Tradicionalmente não. Nesse caso estamos falando de uma técnica de estampa: a Monotipia, da qual vamos tratar a seguir antes de voltarmos às técnicas tradicionais de gravura. 1.3. MONOTIPIA Como o próprio nome delata, “mono” significa “um” e “tipia” quer dizer “impressão”, ou seja, trataremos a partir de agora de uma técnica de impressão capaz de gerar apenas uma única estampa. A monotipia é um processo de transferência de uma superfície a outra que se situa entre a gravura, o desenho e a pintura. Foi na Itália, por volta de 1650, que Giovanni Benedetto Castiglione (1609- 1664) fez os primeiros experimentos utilizando essa técnica. Até hoje, diversos artistas pesquisam e produzem bons trabalhos artísticos utilizando e explorando os recursos desse processo. Vale ressaltar também, que a monotipia é uma técnica muito apropriada às práticas artístico-pedagógicas ligadas às artes gráficas na escola, pois não exige materiais complexos e é de simples execução. Nos exemplos abaixo você poderá observar duas monotipias produzidas por alunas do curso de introdução à gravura da Fundação Jaime Câmara, realizado em Goiânia em 2007. Foram utilizados como materiais apenas a tinta guache, alguns pincéis, papel sulfite e uma superfície de vidro. Evidenciam-se, nestes trabalhos, dois dos quatro métodos da monotipia: o aditivo e o subtrativo. Prepare-se para conhecê-los. Figuras 9. Preparação da superfície de vidro para a impressão de uma monotipia. Aluna da Oficina de Introdução à Gravura da Fun- dação Jaime Câmara, Goiânia/2007. Fonte: arquivo pessoal - Manoela Afonso. 18 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período Nas imagens abaixo, você pode perceber tanto as camadas de tinta adicionadas a pincel (método aditivo) quanto a tinta retirada com os próprios dedos pelas alunas (método subtrativo). Figuras 10 e 11. Monotipias (métodos aditivo e subtrativo). À esquerda: Jane Oliveira. À direita: Marley. Ambas alunas da Oficina de Introdu- ção à Gravura da Fundação Jaime Câmara. Dimensões: 29,5 x 21 cm. Goiânia/2007. Fonte: arquivo pessoal - Manoela Afonso. A próxima imagem foi produzida com tinta gráfica, por isso ela apresenta texturas e densidade bem diferentes das imagens anteriores. Figura 12. Monotipia impressa com tinta gráfica (método subtra- tivo). Martha Costa, aluna da Oficina de Introdução à Gravura da Fundação Jaime Câmara. Dimensões: 21 x 29,5 cm. Goiânia/2007. Fonte: arquivo pessoal - Manoela Afonso. Os outros dois métodos de produção de monotipias são o Positivo e o Negativo. Caso você queira exercitá-los, seguem algumas instruções: • o processo Positivo é feito a partir de uma superfície entintada uniformemente. O ideal é utilizar tinta gráfica, mas a tinta a óleo para pintura também serve. Sobre tal superfície, coloque suavemente a folha de papel, sem fazer pressão alguma. Com um palito, bastão Luise Weiss é uma gravadora paulistana que em 2002 publicou um livro infantil escrito todo ao contrário. Junto com o livro vem um espelho, através do qual o texto pode ser visto no sentido correto e, assim, lido sem problemas. WEISS, Luise. Dentro do espelho. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. No campo das artes gráficas, a nomenclatura sempre foi motivo de muita discussão entre artistas e especialistas. Nessa disciplina consideraremos gravura todas as técnicas de impressão que possam gerar uma tiragem composta por cópias semelhantes entre si, originadas a partir de uma matriz gravada em relevo ou encavo. Métodos que possuem matrizes efêmeras (monotipia), ou planas (litografia), ou originadas por processos aditivos (colagraf), fotográficos (serigrafia) e digitais, serão chamados aqui de estampa. Isso não quer dizer que uma coisa seja melhor que a outra! Gravura e estampa ocupam lugares importantíssimos dentro das artes gráficas. Adotaremos esse critério com base na tradição apenas para organizarmos nossas ideias e nivelarmos a narrativa. Posteriormente, através de pesquisas e leituras complementares, você mesmo poderá fazer as suas opções com relação a este e a outros problemas do campo conceitual das artes gráficas. GRAVURA UAB/Unimontes 19 ou outro instrumento desenhe nas costas desse papel. Após o término da interferência, retire-o e observe o resultado: linhas na cor da tinta foram transferidas para a folha de papel tal qual acontece com uma folha de carbono. • o método Negativo nada mais é do que a impressão dos vestígios deixados pelo processo aqui descrito. Ou seja, após retirar a impressão em Positivo, imediatamente coloque outra folha de papel sobre a mesma área entintada e faça pressão nas costas do papel para obter a impressão em negativo. O resultado será a imagem das linhas que você acabou de fazer, só que em negativo, ou seja, mais claras ou até mesmo brancas. Figura 14. Monotipia: processo Positivo. Alunas do Ateliê Livre de Gravura em Relevo do Projeto Arte na Escola/FAV/UFG – Goiâ- nia/2008. Fonte: arquivo pessoal - Manoela Afonso. ATIVIDADE PRÁTICA A segunda atividade prática da nossa disciplina consiste na produção de 5 trabalhos em monotipia: 2 através do método aditivo, 2 através do método subtrativo e 1 utilizando os dois métodos conjuntamente. Materiais necessários: • tinta guache, acrílicaou óleo; • pincéis; • papel sulfite; • outros papéis à escolha do aluno; • uma superfície lisa e impermeável. 1. Numa superfície lisa e impermeável (tampo de vidro, radiografia, acetato, fórmica, bancada de pedra polida) pinte uma imagem com a tinta que você escolheu utilizar. Se você estiver usando uma tinta à base de óleo poderá trabalhar com mais calma. Mas se a tinta for à base d’água terá que correr contra o tempo, pois ela seca mais facilmente inviabilizando, assim, a impressão da estampa. 2. Depois de pronta a pintura, coloque o papel sobre ela. Pressione-o com as mãos, passando-as uniformemente de um lado a A tinta gráfica – offset ou tipográfica - é feita à base de óleo. A partir do seu devido preparo, ela pode ser usada em praticamente todas as técnicas de gravura e estampa artísticas: xilogravura, linóleogravura, calcogravura, colagraf, litografia, monotipia e outros processos de impressão em relevo e encavo. Das técnicas que comentaremos durante a disciplina, apenas a serigrafia não pode ser feita com esse tipo de tinta. Para o manuseio da tinta gráfica, são necessárias algumas ferramentas e materiais, tais como: espátula de metal, rolo de borracha, uma superfície lisa e impermeável, querosene, jornais velhos. O uso correto de todo esse material é fundamental para a boa produção de gravuras e estampas. A partir da Unidade 2 você começará a utilizar essa tinta, portanto, providencie um avental, luvas de borracha, creme hidratante para as mãos, esponjas, detergente, trapos velhos para limpeza das bancadas. Veja o vídeo número 1 para compreender o modo correto de manipular a tinta, quais são as quantidades ideais, como é o manuseio do rolo de impressão, dentre outras informações. Figura 13. Material bá- sico para impressão de gravuras e estampas: latas de tinta gráfica, rolo de borracha e espátulas de metal. Fotografia: Manoela Afonso. 20 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período outro. A impressão é um momento muito importante tanto na produção de gravuras quanto na de estampas. Observe sempre a quantidade de tinta que você está utilizando: nunca use tinta demais, pois a imagem impressa poderá ficar borrada. Faça alguns testes em papel sulfite e, assim que você compreender a relação tinta x pressão, passe a utilizar papel canson para os trabalhos definitivos. 3. Ao retirar o papel da superfície pintada, perceba alguns detalhes: a tinta foi transferida para o papel, mas a imagem recém-obtida por meio da impressão é bem diferente daquela pintada na superfície lisa; a imagem impressa adquiriu outros valores visuais e, além disso, está invertida. 21 UNIDADE 2 RELEVO, ENCAVO E DEMAIS PROCESSOS DE PRODUÇÃO DE GRAVURAS E ESTAMPAS A Unidade 2 apresentará técnicas introdutórias de gravação e impressão em relevo, encavo, litografia, serigrafia e processos digitais, sendo que algumas delas você conhecerá na prática. Temos muito trabalho pela frente, não deixe as atividades acumularem! 2.1 RELEVO Quando as partes ‘altas’ da matriz são entintadas e impressas, di- zemos que houve uma impressão em relevo. Os sulcos da matriz não rece- bem tinta em hipótese alguma, ao contrário: eles são os responsáveis pelas partes brancas da imagem. Nesta unidade, você conhecerá três técnicas de impressão em relevo: a xilogravura, a linóleogravura e a colagraf. Figura 15. Xilogravura chinesa. Fotografia tirada em fevereiro de 2008, durante a exposição “A arte popular da China”, que aconteceu no Museu de Arte de Goiânia/ MAG. Fonte: arquivo pessoal – Manoela Afonso. 2.1.1 Xilogravura O termo Xilo vem de xylon, o qual significa madeira. Xilogravura é, portanto, uma técnica de impressão em relevo a partir de uma matriz de madeira. Na unidade anterior chegamos ao advento da criação do papel, no século II, e do consequente desenvolvimento da xilogravura na China e no Japão com funções de circulação massiva da informação. No século V, carimbos e selos de madeira antes impressos sobre tecido (seda), passam a ter como suporte o papel recém-descoberto. No século IX, o primeiro livro do qual se tem notícia foi impresso também a partir da xilogravura: o Sutra Um exemplar do Sutra Diamante pode ser encontrado na Biblioteca Britânica. Acesse o link: http://collectbritain.co.uk/ onlinegallery/ttp/ sutra/accessible/introduction. html#content e observe as imagens desse precioso livro. Repare que a xilogravura é uma técnica de impressão em relevo. Portanto, tudo o que você visualizar impresso no papel, ou seja, na cor da tinta, é o que estará em relevo na matriz. O que não aparece na impressão foi cavado, desbastado. 22 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período Diamante, texto budista traduzido para o chinês em 868 d.C. As primeiras xilogravuras europeias datam aproximadamente do século XV e muitas delas são anônimas. No ocidente, essa técnica também teve como principal função a comunicação, só que ao contrário dos orientais, as informações eram veiculadas mais por imagens do que pela letra. Tal fato se deve ao alto grau de analfabetismo entre as pessoas do povo na Europa. Os livros dessa época eram copiados à mão por membros da Igreja, a qual detinha a maior parte do conhecimento erudito. A xilogravura passou a servir como suporte à transmissão desse conhecimento: já que a maioria era analfabeta, as informações tinham que ser difundidas através de imagens, geralmente de santos e de passagens da Bíblia. Baralhos também foram impressos a partir da xilogravura. Os jogos de cartas foram muito populares na época das grandes navegações, pois serviam para distrair os tripulantes das embarcações. Figura 16. Baralho francês do século XV – xilogravura. As matrizes de madeira, a princípio, eram conseguidas a partir do corte longitudinal ao tronco das árvores, ou seja, no sentido da tábua. Devido a esse fator, essa xilogravura ficou sendo conhecida como xilo a fio. No século XVIII, o gravador inglês Thomas Bewick (1753-1828) criou a xilogravura de topo, técnica obtida através do uso de matrizes provenientes do corte transversal ao tronco da árvore. O artista francês Gustave Doré (1832 – 1883), grande ilustrador de livros clássicos, como as Fábulas de La Fontaine, Dom Quixote, a Divina Comédia e a própria Bíblia, teve muitos de seus desenhos transformados em xilogravuras de topo. Essa técnica possibilita a obtenção de linhas mais finas, favorecendo os detalhes da imagem que se quer gravar. Isso acontece, porque a madeira sendo cortada transversalmente ao tronco da árvore, apresenta uma maior dureza e uma disposição diferenciada de fibras. Enquanto na xilo a fio os gravadores utilizam instrumentos como GRAVURA UAB/Unimontes 23 facas, estiletes e goivas, na xilo de topo o ideal é utilizar o buril. 24 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período Figura 17. Esquema demonstrativo dos cortes da madeira para xilogravura de topo (à esquerda) e xilogravura a fio (à direita). Foto- grafia tirada na exposição didática do Museu Casa da Xilogravura, situado em Campos do Jordão/ SP. Fonte: http://www.casadaxilogravura. com.br/. Fonte: arquivo pessoal – Manoela Afonso. Figura 18. Maria Vieira Araújo. Xilogra- vura de topo. Diâmetro aproximado: 8,5 cm. Brasília/2007. Fonte:arquivo pessoal – Manoela Afonso. Figura 19. Maria Vieira Araújo. Matriz de xilogravura de topo. Diâmetro aproximado: 8,5 cm. Brasília/2007. Fotografia: Manoela Afonso. Figura 20. Goivas (à esquerda) e buris (à direita). Fotografia: Manoela Afonso. Na Unidade 1, você conheceu o caráter coletivo dos ateliês orientais de xilogravura. Desde o seu nascimento até meados do século XIX, essa técnica envolveu prioritariamente o trabalho em equipe: desenhistas,gravadores e impressores trabalhavam em conjunto. O artista Gustave Doré, por exemplo, não talhava a madeira; ele fazia as ilustrações e as repassava para uma equipe de gravadores, os quais, a partir dos desenhos, produziam as xilogravuras de topo. Muitos desses profissionais ficaram no anonimato. A autoria de diversas gravuras ficou, injustamente, por conta apenas dos ilustradores. Pannemaker, Heliodoro Pisan, Jonnard, Trichon, são alguns dos gravadores que produziram matrizes a partir de ilustrações de Doré, GRAVURA UAB/Unimontes 25 e que, felizmente, co-assinaram algumas das edições. Acesse o link http:// www.catholicresources.org/Art/Dore.htm e observe gravuras feitas a partir de ilustrações de Doré para a Bíblia. Amplie as imagens e perceba que na parte inferior de cada uma delas há a assinatura do ilustrador (Gustave Doré) à esquerda, e a do gravador (diversos profissionais), à direita. Figuras 21 e 22. Assinaturas de Gustave Doré e do gravador Pannemaker. Figura 23. Xilogravura de topo ilustrada por Gustave Doré e gravada por Pannemaker. A tentação de Cristo, 1865. Foi a partir da necessidade de reprodução de imagens e textos ue a xilogravura ganhou força e se estabeleceu, antes de tudo, como uma técnica mais de reprodução documental, comercial e editorial do que propriamente artística. Mas certamente, desde o seu início, muitos gravadores se destacaram pelo admirável valor estético do exímio trabalho que realizaram. Dentre eles, estão Albrecht Dürer (Alemanha, 1471 – 1528), Utamaro (Japão, 1753-1806), Hokusai (Japão, 1760 – 1849), José Guadalupe Posadas (México, 1851 – 1913), Ernst Ludwig Kirchner (Alemanha, 1880 – 1938), Edvard Munch (Noruega, 1863 – 1944), Erich 26 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período Heckel (Alemanha, 1883 – 1970). Esses são apenas alguns dos grandes nomes da xilogravura. Figura 24. Albrecht Dürer. Morte de Maria. Xilogravura, 1510. 29 x 22,7 cm. À medida que a gravação em madeira foi perdendo espaço para a gravura em metal, ela passou a ser utilizada com mais frequência para fins artísticos. A partir do século XIX, a maioria dos artistas começou a explorar a xilogravura poeticamente. No século XX, os gravadores contemporâneos buscaram – e ainda buscam no século XXI - algo que está além do domínio técnico e das funções tradicionais da gravura: o interesse em resolver questões conceituais ligadas não só ao universo das artes gráficas, mas também aos seus anseios e motivações como artistas e seres humanos. À medida que novas técnicas de impressão e reprodução foram surgindo, os processos mais antigos puderam transitar livremente pelo campo da produção poética. Os nomes citados até aqui são apenas exemplos. Certamente, existem muitos outros excelentes gravadores espalhados pelo nosso país. Você conhece algum? Na sua cidade existem gravadores? Quais são as técnicas gráficas que eles utilizam? Faça uma visita ao ateliê desse artista e descubra o que fez com que ele optasse por essa linguagem. Caso não existam gravadores em sua cidade, adote um virtualmente: procure o máximo de informações sobre ele, imagens de seus trabalhos e de seu ateliê. E se você tiver alguma questão pertinente, por que não enviarlhe um e-mail com seus comentários e dúvidas? Conversar com um artista é uma experiência fundamental para a compreensão de alguns processos, linguagens e obras artísticas. Certa- mente, o envolvimento com a arte através da aproximação do artista será um grande dife- rencial na sua formação tanto didático-pedagógica – como professor de artes - quanto poética. GRAVURA UAB/Unimontes 27 Figura 25. Ernst-Ludwig Kirchner, Cabeça Nina Hardt. Xilogravura, 1921. 2.1.2 E no Brasil? A princípio consta que a xilogravura chegou ao Brasil com a vinda da Família Real portuguesa e a consequente criação da Imprensa Régia, em 1808. Assim como na Europa há alguns séculos, no Brasil a xilogravura também prestou serviços comerciais e editoriais logo de início: rótulos, vinhetas, ilustrações, publicidade etc., eram produzidos através das matrizes de madeira. Quando a gravura em metal e a litografia chegaram ao país, a xilo perdeu espaço comercial: foi assim que a gravura artística brasileira começou a ganhar corpo. Figuras como Lasar Segall (Lituânia, 1891 - São Paulo, 1957), Oswaldo Goeldi (Rio de Janeiro, 1895 – 1961) e Lívio Abramo (Araraquara, 1903 – Assunção, 1992) transformaram-se em verdadeiros mestres da escola gráfica brasileira. Vale ressaltar também que, desde muito cedo, nosso país apresentou um time excepcional de gravadoras mulheres: Fayga Ostrower, Renina Katz, Regina Silveira, Maria Bonomi são apenas exemplos de artistas extremamente atuantes nas artes gráficas nacional e internacionalmente, com uma produção significativa em xilogravura. No Brasil, existe também um movimento muito rico e coeso de produção popular em xilogravura. Ela está diretamente ligada à literatura de cordel. Trazida pelos portugueses, esse tipo de livreto tornou-se veículo de informação e crítica popular nas regiões Norte e Nordeste do país. O Tipos móveis são pequenas matrizes em relevo, unitárias, contendo letras e números individuais. Desde meados do século II, na China, os tipos móveis já haviam sido criados a partir de peças de barro cozido, embora a experiência não tenha sido bem sucedida devido à complexidade e variedade dos caracteres existentes na escrita chinesa. Bem mais tarde, no século XIV, os coreanos aperfeiçoaram a utilização de tipos de cobre. No século XV, Gutemberg (Alemanha, 1390 – 1468) fez melhorias nos blocos de impressão, criou a prensa e aperfeiçoou a tinta gráfica. O título do cordel mostrado na “Figura 26” foi impresso numa tipografia, ou seja, numa impressora que imprime tipos móveis. As palavras são montadas letra por letra, colocadas na máquina, entintadas e depois impressas inúmeras vezes. Quando a impressão é finalizada, as palavras são desmontadas e os tipos guardados conforme seus padrões de fonte e tamanho. É um método de impressão artesanal, muito diferente do que encontramos atualmente nas gráficas, onde o processo é quase todo digital. Qual é o principal jornal da sua cidade? Chame seus colegas de curso e faça uma visita à sessão de impressão dos periódicos. Peça para que um funcionário explique como se produz o jornal, da matriz à impressão. Lembre de tudo o que já estudamos até aqui e compare os meios de reprodução da informação conhecidos por você até o momento. 28 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período nome “cordel” surgiu devido ao fato de pendurarem os livretos sempre em barbantes durante as feiras. Mestre Noza, J. Borges (e seus filhos), José Costa Leite, Dila, Damásio Paulo, Abraão Batista, José Lourenço (responsável atualmente pela tipografia Lira Nordestina) são apenas alguns dos importantes nomes da xilogravura dita popular. Figura 26. J. Borges. Capa de cordel feita em xilogravura e tipografia, Pernambuco. GRAVURA UAB/Unimontes 29 Figura 27. Tipos móveis. Fotografia tirada na exposição didática do Museu Casa da Xilogravura, situado em Campos do Jordão/SP. Fonte: http://www.casadaxilogravura.com.br/ arquivo pessoal – Manoela Afonso. 30 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período ATIVIDADE PRÁTICA O objetivo desta atividade é a produção de uma matriz xilográfica e a impressão de 5 boas cópias assinadas e numeradas. Leia as instruções abaixo e providencie todo o material necessário antes de iniciar o processo. De posse de todos os itens, releia o passo a passo e comece a sua xilogravura. 1 O projeto A primeira coisa a fazer é elaborar um projeto para a sua xilogravura. Lembre-se de que a xilo a fio não vai lhe oferecer umnível alto de detalhamento. Portando, crie uma imagem mais simplificada, sem muitas minúcias. É importante também levar em consideração a expressividade da própria madeira: ela vai lhe fornecer elementos visuais tais como texturas, marcas, linhas resistentes ao corte da goiva, etc. Numa folha de papel no tamanho 20 x 30 cm, elabore o seu projeto utilizando caneta hidrocor preta. Evidencie bem as áreas que deverão sair em preto na impressão. Lembre-se de que para que isso aconteça, as áreas brancas do seu desenho deverão ser cavadas na madeira. Caso você domine alguns programas de criação de imagem no computador, poderá realizar seu projeto digitalmente. Depois de pronto, é só imprimi-lo e transferi-lo para a superfície da madeira utilizando papel carbono ou desenho de observação. Figura 28. Manoela Afonso. Ilustração digital. Goiânia/2008. - Um projeto para gravura em relevo deve prever o que será branco (áreas a serem cavadas) e o que será preto (áreas da matriz que ficarão em relevo). GRAVURA UAB/Unimontes 31 Figura 29. Lembre-se de que na impressão a imagem planejada sairá invertida. Materiais necessários para a realização dessa etapa: • folha de papel no tamanho 20 x 30 cm; • lápis; • caneta hidrocor preta. Figura 30. O xilogravador carioca André de Miranda nesta imagem passa seus projetos para a matriz de madeira. Você pode obter mais informações sobre xilogravura no blog do artista: http:// mirandart.zip.net/. Fonte: Manoela Afonso. 2 A madeirazzz A princípio você pode utilizar qualquer madeira que esteja ao seu alcance. As melhores para a xilogravura a fio são: cedro, mogno, imbuia, louro, cerejeira e imburana. Você poderá utilizar também compensados, duratex e eucatex, só que tais materiais não poderão lhe oferecer a beleza da textura da madeira. Eles vão resultar numa impressão chapada, muito próxima das características da linóleogravura (gravura feita com matriz de borracha). A impressão final será algo semelhante à imagem representada pelas Figuras 28 e 29. - os cortes não precisam ser profundos; - as goivas devem estar bem afiadas para que o trabalho seja satisfatório; - evite acidentes: ao gravar a madeira, cuidado para que sua mão de apoio não fique na frente da mão que está manuseando a goiva. Devido à força exercida na gravação, a goiva pode escapar e atingir a sua mão. 32 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período Providencie 1 taco de madeira no tamanho 20 x 30 cm, 1 lixa d’água 600 e 2 lixas para madeira (uma mais grossa e uma mediana). Inicie o preparo da superfície da madeira utilizando a lixa grossa. Depois prossiga com a lixa média e, para dar acabamento, utilize a lixa d’água. No caso do compensado, utilize apenas a lixa d’água. Depois de finalizado esse processo, passe o seu projeto para a superfície da madeira utilizando papel carbono. Cuidado para não pressionar demais o lápis, pois essa ação poderá arranhar a sua matriz. Se você se sentir seguro poderá desenhar o seu projeto diretamente na madeira utilizando nanquim ou até mesmo um pincel atômico preto, como faz o artista André de Miranda na Figura 30. Não esqueça de evidenciar as áreas negras: elas deverão ficar em relevo. Materiais necessários para a realização dessa etapa: • taco de madeira no formato 20 x 30 cm (a madeira não precisa ser espessa) • 1 lixa d’água 600 • 2 lixas para madeira (uma mais grossa e uma mediana) • papel carbono, nanquim ou caneta hidrocor preta • lápis Figura 31. Manoela Afonso. Pausa. Detalhe de xilogravura a fio – matriz e impressão. Brasília/2004. Observe como a textura da madeira é expressiva. As únicas áreas cavadas foram ao redor da xícara e alguns de seus traços internos. Essa impressão foi feita com tinta gráfica vermelha sobre papel canson. 3 As ferramentas e a gravação Você já tem o taco de madeira com o projeto da sua xilogravura. Agora precisa começar a graválo. Para isso precisará de ferramentas chamadas goivas (veja novamente a Figura 20). Para gravar a sua matriz, você utilizará basicamente as goivas em formato de V, U e algumas facas. GRAVURA UAB/Unimontes 33 Figura 32. Sammuel Gonçalves, estudante do curso de Licen- ciatura em Artes Visuais da FAV/UFG, gravando a sua matriz. Goiânia/2008. Fonte: Manoela Afonso. Figura 33. Gravação na madeira. Gilzee Reichman, aluna do Ateliê Livre de Gravura em Relevo do Projeto Arte na Escola/FAV/UFG, Goiâ- nia/2008. Fotografia: Manoela Afonso. As instruções de como manusear tais instrumentos encontram-se no vídeo número 2. Assista-o e mãos à obra! Materiais necessários para a realização dessa etapa: • conjunto de goivas para xilogravura. 4 A entintagem Figura 34. Entintagem. Brasília/2006. Fotografia: Manoela Afonso. 34 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período A entintagem é um passo muito importante para a obtenção de uma boa cópia. Tanto o excesso quanto a falta de tinta prejudicarão os resultados. No vídeo número 1 você teve noções do manuseio da tinta tanto para a monotipia quanto para as impressões em relevo. Assista-o novamente e revise os principais cuidados a serem tomados antes de entintar a sua matriz de madeira. Materiais necessários para a realização dessa etapa: • avental, luvas de borracha, detergente, esponja; • 1 rolo de borracha; • 1 espátula de metal; • tinta gráfica preta; • uma superfície lisa e impermeável (tampo de vidro ou pedra polida); • querosene; • jornais velhos; • Trapos velhos. 5 A impressão Livre de Gravura em Relevo do Projeto Arte na Escola/ FAV/ UFG, Goiânia/2008. Fotografia: Manoela Afonso. Antes de iniciar essa etapa, passe talco nas mãos para evitar que algum resquício de tinta suje os papéis: o talco inibe a ação gordurosa da tinta. Faça uma marca de orientação – chamado de registro - para que as diversas cópias saiam sempre na mesma posição (na Figura 35, o registro é a folha de papel sulfite que está embaixo da matriz. Uma marca feita a partir dos contornos da matriz sobre essa folha de papel será o guia para que a madeira seja colocada sempre no mesmo lugar a cada nova impressão.) GRAVURA UAB/Unimontes 35 Lembre-se de que você deverá imprimir no mínimo 5 cópias, numerá-las e assiná-las. Nessa pequena tiragem todas as cópias devem ser o mais semelhantes entre si, por isso o uso do registro é importante. A impressão da xilogravura pode ser feita com uma colher de pau. Coloque o papel sobre a sua matriz entintada e, como num decalque, friccione a parte redonda da colher nas costas do papel. Esse é um trabalho minucioso e deve ser feito com calma. Depois de impressa, cada cópia deverá ser pendurada num varal para secar. Lembre: a tinta gráfica demora de 2 a 3 dias para estar totalmente seca. Assista ao vídeo número 3 para tirar suas dúvidas quanto aos procedimentos corretos de impressão. Figura 36: Secagem de xilogravuras recém-impressas, Goiâ- nia/2006. Fotografia: Manoela Afonso. Figura 37: Esta é uma típica secado- ra de papel encontrada em muitos ateliês de gravura. Ateliê de gravura da Universidade de Brasília, 2005. Fotografia: Manoela Afonso. Materiais necessários para a realização dessa etapa: • folhas de papel sulfite; • 1 colher de pau; 36 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período • talco; • lápis. GRAVURA UAB/Unimontes 37 6 A limpeza Depois de finalizado todo o trabalho é hora de limpar o ateliê e as ferramentas. Esse processo é muito importante para a conservação do material. Veja logo abaixo como proceder: • retire o excesso de tinta da sua matriz utilizando apenas jornal. Ela não ficará totalmente limpa, mas isso é normal: certifique-se apenas de que não há camadas grudentas de tinta sobre a superfície. • a tinta da bancada, da espátulae do rolo devem ser retiradas com querosene, jornais e panos (observe como proceder no vídeo número 4). Após limpar bem o rolo, lave-o com água e detergente para evitar a corrosão da borracha. 7 A assinatura Uma matriz de gravura pode gerar inúmeras impressões. Quando você define um número limitado de cópias para a sua matriz, está determinando a sua tiragem, ou seja, está fazendo a sua edição. Existe uma convenção para essa tarefa. Visualize a imagem que você acabou de imprimir: essa é a sua mancha gráfica. Abaixo dela, do lado esquerdo, você colocará – a lápis - o número de cópias dessa edição. Se você fez 5 cópias no total, deverá numerar uma a uma da seguinte maneira: 1/5, 2/5, 3/5, 4/5, 5/5. Do lado direito, também abaixo da mancha gráfica, você deverá assinar a sua gravura, sempre a lápis. Se quiser, após a assinatura, você pode colocar também o ano de sua produção. A parte do meio fica reservada ao título da obra, caso exista. Atenção: tradicionalmente gravuras e estampas são assinadas a lápis. Outros dados podem ser indicados durante a produção de uma tiragem. Do lado esquerdo, no lugar dos números da sua edição final, podem aparecer algumas siglas. As mais comuns são: P.E. – prova de estado. Enquanto você estiver experimentando a impressão da sua matriz, provavelmente produzirá provas de estado, ou seja, impressões não muito boas ou apenas processuais, e que não farão parte da tiragem final. Geralmente as P.E’s são muito valorizadas por colecionadores e investidores em obras de arte, pois apesar de não terem sido consideradas boas o suficiente para integrarem a tiragem final, provavelmente são cópias únicas. Uma P.E. de Pablo Picasso, por exemplo, certamente vale muito. P.A – prova do artista. São os 10% da tiragem total à qual o artista tem direito. Caso você queira produzir uma P.A., imprima 6 cópias: 5 delas 38 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período farão parte da sua edição numerada de 1 a 5, e a outra será a sua P.A. Figura 38. Manoela Afonso. Lamparina. Linóleogravura. 5,5 x 3,5 cm, Brasília/2004. 2.1.3 Gravura em Linóleo O linóleo foi criado na Inglaterra em meados de1860, mas só por volta de 1920 é que foi utilizado como matriz para gravura em relevo. Ele parece uma borracha; é um aglomerado feito com cortiça e óleo de linhaça sobre juta, extremamente macio ao corte das goivas. Como no Brasil não existe esse material, utilizamos uma gama variada de emborrachados para piso e solados de sapato, mas os chamamos igualmente de “linóleo”. É preciso pesquisar as melhores borrachas, pois algumas são bastante resistentes ao corte, o que tira facilmente o fio das ferramentas. O linóleo não apresenta textura, como é o caso de algumas madeiras: sua impressão é chapada, pois a borracha geralmente é lisa. O interessante do linóleo é que ele pode ser facilmente recortado com estiletes e tesouras, característica que possibilitou a criação da técnica chamada de “matriz recortada”. Além de poder dar contornos curvos às matrizes – o que na madeira é bem mais complicado – o linóleo possibilita a criação de um jogo colorido de impressão, em que as partes recortadas da matriz podem ser entintadas separadamente, com cores e composições diferentes. GRAVURA UAB/Unimontes 39 Figura 39. Matriz de linóleo (emborrachado para piso). Fotografia: Manoela Afonso. Figura 40. Manoela Afonso. Sonho. Linóleogravura, 10 x 10 cm, Curitiba/2003. Figura 41. Matriz recortada de linóleo (emborrachado para piso). Fotografia: Manoela Afonso. Figura 42. Manoela Afonso. Gita. Linóle- ogravura, 22,5 x 16 cm, Curitiba/2003. Observe como cada uma das partes foi entintada separadamente e, na hora da impressão, montadas conforme o projeto original. Uma matriz dessa natureza pode também ser impressa com suas partes deslocadas, mudando a composição original do projeto (como mostra a Figura 41). Pablo Picasso (Espanha, 1881 – França, 1973) criou, no final da década de 1950, a técnica da “matriz perdida”. A partir dela produziu belíssimas gravuras em linóleo, multicoloridas. Essa técnica pode ser aplicada também na xilogravura e noutros suportes alternativos, e funciona da seguinte maneira: a cada nova cor que se quer imprimir, grava-se mais uma vez a mesma matriz. Por exemplo: a partir de um projeto, inicio a gravação da minha matriz (Figura 43) e, em determinado estágio da gravação, paro e imprimo cópias dessa etapa numa cor mais clara, o amarelo, por exemplo. Em seguida, limpo a matriz e continuo gravando-a para, sobre o amarelo, imprimir o vermelho. E assim por diante. Para cada cor a ser acrescentada, preciso limpar a matriz, cavar mais sulcos e imprimir a nova cor por cima das outras. O resultado é muito satisfatório, colorido, gráfico. Ao chegar à 40 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período última cor, a matriz já estará quase que totalmente desbastada, por isso é que ela é considerada “perdida”. A imagem inicial se foi (Figura 44). Figura 43 (à esquerda). Manoela Afonso. Linóleogravura, 22 x 14,5 cm, Curiti- ba/2003. Figura 44 (à direita). Este foi o penúltimo estágio da gravação. Este é o primeiro estágio de gravação: em preto você pode observar a imagem que foi impressa em amarelo durante o processo de confecção da matriz perdida da Figura 45. Se você observar a gravura final atentamente, perceberá que a impressão em amarelo é muito sutil, aparecem apenas filetes. Repare que a imagem 44 é exatamente a mesma que está impressa na cor vermelha na gravura final (Figura 45). Figura 45. Manoela Afonso. Linóleogra- vura (matriz perdida, impressão final), 22 x 14,5 cm, Curitiba/2003. Figura 46. Matriz em seu último estágio. GRAVURA UAB/Unimontes 41 Repare que as áreas que estão em preto na impressão final (Figura 45) correspondem exatamente ao relevo que sobrou na matriz. Existe outra técnica de inserção de cor na gravura: é a impressão através de duas ou mais matrizes. Isso quer dizer que para cada cor que você quiser colocar na gravura, terá que gravar uma matriz diferente. É praticamente o mesmo raciocínio da serigrafia: para cada área de cor é preciso revelar uma tela diferente. Na figura 47 existem duas matrizes: a primeira, em ocre, gravada apenas com alguns cortes que na impressão aparecem em branco – que é a cor do papel. A segunda matriz é a que está em preto e foi sobreposta. Para trabalhar com a impressão de camada sobre camada é preciso tomar alguns cuidados: a princípio as matrizes têm que ter o mesmo tamanho e é preciso fazer um registro bem preciso para que todas elas sempre sejam impressas exatamente umas sobre as outras, sem deslocamentos. Outro cuidado é deixar cada camada secar bem, pois a sobreposição de impressões com tinta úmida não ficam boas. Como a tinta gráfica demora de 2 a 3 dias para secar, quer dizer que se você for trabalhar com 3 camadas de cor, demorará no mínimo 1 semana de trabalho para obter o resultado final. Figura 47. Manoela Afonso. Persona. Linóleogravura (impressão com duas matrizes), 22 x 16 cm, Curitiba/2002. Vá guardando seus trabalhos no portfólio! E não esqueça de avaliar desde já qual será o escolhido para participar da Galeria Virtual. Fique atento! 42 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período Figura 48. Primeira matriz: impressão em ocre. Figura 49. Segunda matriz: impressão em preto. 2.1.4 Colagraf Colagraf – chamada também de Colagrafia, Cologravura, Papelografia, Papelogravura - é uma técnica alternativa de impressão em relevo. Levando- se em consideração o conceito tradicional, ela não é uma técnica de gravura, mas sim de estampa, simplesmente pelo fato de sua matriz não ser composta por incisões, mas sim, por adição de materiais. Os gravadores cubanos são grandes produtores de colagraf, que nada mais é do que a criação de matrizesatravés de colagens de materiais diversos sobre papelão. Figura 50. Manoela Afonso. Colagraf feita com relevos de cola branca sobre papelão paraná, 21 x 9,5 cm, Curiti- ba/1999. Matriz impressa com prensa- -parafuso para encadernação. GRAVURA UAB/Unimontes 43 Figura 51. Manoela Afonso. Colagraf feita com bombril colado sobre papelão paraná, 19 x 12 cm, Curitiba/1999. Matriz impressa com prensa-parafuso para encadernação. Figura 52. Priscila Paz. Colagraf feita com barbante colado sobre papelão paraná, Brasília/2005. Matriz impressa com colher de pau. ATIVIDADE PR[ATICA O objetivo desta atividade é a produção de duas colagraf com no máximo 15 x 20 cm. Após a confecção das matrizes, devem ser impressas no mínimo 5 cópias de cada uma delas, assinadas e numeradas. Leia as instruções abaixo e providencie todo o material necessário antes de iniciar o processo. Materiais necessários: papelão resistente, barbante, cola branca, verniz, pincéis, outros materiais que possam ser colados sobre o papelão, papel canson para impressão. 44 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período Crie uma matriz de colograf feita com barbante sobre papel paraná ou similar. Em seguida, crie outra matriz só que agora colando materiais diversificados de sua escolha. Você deverá fazer uma composição tanto com o barbante quanto com os demais elementos colados sobre pedaços de papelão resistente. Recorte o papelão no formato que você desejar, com o tamanho máximo de 15 x 20 cm, e utilize uma boa cola branca para fixar os materiais sobre ele. Não descuide da composição visual! Depois de bem secas, passe verniz sobre as matrizes com um pincel: esta etapa é muito importante para que os elementos colados não saiam grudados no rolo de entintagem, que é o próximo passo. No manuseio da tinta, você deverá proceder como na xilogravura. Relembre o passo a passo revendo o vídeo número 1. Com a matriz entintada, faça as impressões utilizando uma prensa. Prensas são equipamentos caros: provavelmente no seu polo você terá acesso a uma prensa adaptada através do uso de um cilindro para massas acoplado a uma estrutura de madeira. Esse equipamento será fundamental para a prática da gravura em metal. Caso você não tenha acesso a ele, também poderá imprimir as suas colagraf manualmente, embora o resultado às vezes deixe a desejar. Para o manuseio da pequena prensa adaptada, assista novamente ao vídeo número 3. Depois de impressas, deixe as cópias secarem num varal e, posteriormente, assine-as conforme a convenção. Figura 53. Prensa-parafuso para encadernação. Ateliê de Gravura 508 Sul, Brasília. Fotografia: Manoela Afonso. GRAVURA UAB/Unimontes 45 Figura 54. Prensa para gravura em metal. Ateliê de Gravu- ra da FAV/UFG, Goiânia. Fotografia: Miguel Ambrizzi. 2.2 ENCAVO Trataremos, a partir de agora, da gravura em metal. Até esse momento você lidou com matrizes em relevo, ou seja, as partes altas da matriz é que foram impressas. A gravura em encavo é exatamente o oposto: a parte a ser impressa é o sulco, logo, a tinta precisa ser empurrada para dentro dos baixos relevos. É por isso que a prensa é fundamental nesse processo: o papel é umedecido e, sob alta pressão, cede até alcançar a tinta que está dentro dos sulcos. Outra diferença é que enquanto na gravura em relevo os processos de gravação são todos físicos, ou seja, as ferramentas ferem diretamente a matriz, na gravura em encavo a maioria das técnicas acontece também pela ação química de diversos produtos, tais como o ácido nítrico e o percloreto de ferro. Devido à complexidade tanto de obtenção quanto de manuseio desses químicos – alguns deles são tóxicos e necessitam de certos cuidados - praticaremos nessa unidade apenas uma das técnicas da gravura em metal: a ponta-seca, procedimento exclusivamente físico, ou seja, a gravação se dá pela incisão direta de uma ponta dura sobre a chapa de metal. A gravura em metal – também chamada de calcogravura – nasceu em meados do século XV, a partir da ourivesaria, na Europa. O uso do metal desbancou a xilogravura, pois as matrizes de cobre eram bem mais resistentes e podiam oferecer mais detalhes às imagens. Albrecht Dürer (Alemanha, 1471 – 1528) era filho de ourives e, além de xilogravuras (Figura 24), produziu muitas gravuras em metal utilizando diversas técnicas tais como buril, pontaseca e água-forte. Enquanto as gravações a buril e ponta-seca são processos puramente físicos, a água-forte envolve o uso de ácidos. Foi no século XVI que Urs Graf (Suíça, 1485 – 1527-9) criou essa técnica, que funciona da seguinte forma: primeiro passa-se um verniz protetor sobre a placa de cobre; em seguida, com uma ponta de metal, desenha-se sobre o verniz, retirando-o; o próximo passo é mergulhar a 46 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período chapa no ácido, o qual corroerá apenas as partes abertas pelo desenho, ou seja, aquelas que estão sem verniz. O resultado oferece linhas bem definidas. Veja, na Figura 55, uma água-forte do gravador francês Jacques Callot (1594 – 1635). Figura 55. Jacques Callot. O mendigo. Água-forte, 1622-1623. 14 x 8,7 cm. Outro exímio gravador da época foi Rembrandt (Holanda, 1606 – 1669), a quem Callot influenciou. Rembrandt ficou conhecido por utilizar a água-forte em seu trabalho artístico, independentemente das suas funções comerciais de reprodução. Observe na Figura 56 como o artista trabalhava o claroescuro: uma de suas características marcantes não apenas na gravura, mas na pintura também. Figura 56. Rembrandt. Auto-retrato, dese- nhando junto à janela. Água-forte, ponta- -seca e buril, 1648. 16 x 13 cm. GRAVURA UAB/Unimontes 47 A gravação a buril é um processo físico que, como a água forte, produz linhas delicadas, exatas. Já na ponta-seca, ao riscar diretamente o metal, obtémse uma rebarba que resultará numa linha aveludada, borrada. Observe, na Figura 57, como as linhas são diferentes das que compõem a gravura de Callot (Figura 55). Figura 57. Auguste Rodin (França, 1840 – 1917). Victor Hugo (detalhe). Ponta-seca, 1884. 22 x 16 cm. ATIVIDADE PRÁTICA Nesta atividade você deverá produzir três boas impressões de gravura em metal utilizando a técnica da ponta-seca. A primeira coisa a fazer é o projeto. Lembre-se de que a gravura em encavo é bem diferente da gravura em relevo: agora você pode inserir detalhes e explorar melhor o desenho sobre a chapa. Mas não esqueça que a linha gravada é que sairá impressa, ao contrário da xilo, em que tudo o que era gravado ficava em branco na impressão final. Para iniciarmos, providencie os seguintes materiais: Material Individual: • uma chapa de cobre no tamanho 10 x 15 cm, de 1 a 1,5 milímetros de espessura. Você pode substituir o cobre por latão ou alumínio. • uma lima. • lixa d’água 600. • uma ponta-seca que pode ser adaptada acoplando-se um prego a um cabo de pincel. Você pode utilizar também riscadores de cerâmica ou outro material cortante e resistente que possa riscar bem a sua matriz de metal (veja a Figura 58). • um bloco de papel canson A4. • 2 cartões telefônicos usados (ou similares) para fazer pinças para 48 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período manusear o papel sem sujá-lo. • jornais cortados em muitos quadrados de aproximadamente 15 x 15 ou 20 x 20 cm para limpeza da matriz antes da impressão. • papel de seda cortado em quadrados de aproximadamente 10 x 10 cm para finalização da limpeza da matriz. • luvas, avental. Material Coletivo: • um vidro de óleo de linhaça. • tinta gráfica, espátula de metal. • uma espátula plástica flexível para entintar a chapa. • jornais para secagem do papel (não podem estar vincados). • uma bacia ou cuba plástica para molhar os papéis. • jornais para limpeza geral, querosene,detergente. Objetos pesados para colocar sobre as impressões: podem ser livros, placas de madeira, ou qualquer outro elemento que faça pressão uniforme sobre o papel recém impresso. Essa etapa é muito importante, pois evita que o papel no qual está impressa a sua gravura fique todo ondulado. Figura 58. Materiais e ferramentas para gravura em metal. Da esquerda para direita você pode observar uma placa de cobre, dois roulettes (que são ferramen- tas específicas para calcogravura), pontas de metal (dois riscadores de azulejo, uma ponta-seca autêntica e uma ponta-seca adaptada com prego e cabo de pincel), lima e tesoura para chapa de metal. Fotografia: Manoela afonso. Assista ao vídeo número 5. Ele apresenta didaticamente todo o passo a passo a ser cumprido para que você obtenha bons resultados com a ponta-seca. Você deverá seguir corretamente cada uma das etapas: 1. Preparação da matriz: chanfrar as bordas da chapa e dar-lhe polimento. 2. Gravação: gravar/riscar o seu projeto sobre a matriz com uma ponta resistente. 3. Preparação da tinta: adicionar óleo de linhaça à tinta para que Assista ao filme “Sombras de Goya”, do diretor Milos Forman. Você terá a oportunidade de conhecer rapidamente o funcionamento de um ateliê de gravura em metal, em pleno século XVIII. Esse trecho do filme pode ser acessado no link http://www.youtube.com/ watch?v=w7Lm__TNNKQ. E já que muitos gravadores costumam dizer que a gravura possui uma “cozinha”, ou seja, pitadas de muitos saberes/ sabores técnicos, desejo-lhe um bom deguste! GRAVURA UAB/Unimontes 49 fique adequada. Figura 59. Preparo da tinta. Fotografia: Miguel Ambrizzi. 4. Preparo do papel: umedecer adequadamente o papel. Figura 60. Exemplo de cuba para molhar papéis. Fotografia: Manoela Afonso. 5. Entintagem: entintar a matriz com cuidado, pois a pressão excessiva pode danificar as rebarbas deixadas pela ponta-seca ao redor das linhas gravadas. Figura 61. Exemplo de entintagem feita com uma pequena trouxa de tecido, chamada de “boneca”. Fotografia: Manoela Afonso. 50 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período 6. Limpeza para impressão: com jornais e papel e seda, limpe as superfícies da chapa que estão em relevo, pois o que nos interessa agora é apenas a sutil impressão do sulco provocado pelas linhas riscadas por você no metal. Figura 62. Limpeza da matriz com jornal. Fotografia: Manoela Afonso. 7. Impressão: através do uso da prensa, imprima a primeira cópia. Lembre-se de que para produzir mais cópias é preciso sempre entintar e limpar novamente a matriz. Figura 63. Colocação do papel umedecido sobre a matriz utilizando pinças feitas de cartão telefônico usado. Fotografia: Miguel Ambrizzi. 8. Secagem: coloque a cópia recém-impressa sob objetos pesados que possam exercer uma pressão uniforme sobre o papel úmido. 9. Limpeza do ateliê: após o término das três impressões, reúna os colegas para limpar o ateliê. A calcogravura oferece uma variedade muito grande de técnicas de gravação. Você já soube algo a respeito de três delas: gravação a buril, ponta-seca e água forte. Existem outras como a maneira negra, o verniz mole, o carborundum, a água-tinta, etc. Para fechar essa parte sobre gravura em metal, você não poderia deixar de conhecer, mesmo que apenas teoricamente, a água-tinta. Assim, quando você for a uma exposição de gravuras, já poderá compreender os processos mais usuais da calcogravura. GRAVURA UAB/Unimontes 51 A água-tinta é uma técnica de gravação de áreas negras através do uso de uma resina em pó: o breu. O breu é aquecido e derretido sobre a matriz, transformando-se em pontos que vedam a chapa. Quando mergulhada em ácido, a chapa terá os pequenos espaços descobertos gravados. O artista Francisco Goya (Espanha, 1746 - França, 1828) foi um grande gravador dessa técnica. Com o aperfeiçoamento da calcogravura através de pesquisas e descobertas feitas por gravadores, a ilustração de livros, produção de mapas, divulgação e documentação de obras de pintura, arquitetura, paisagens, viagens, retratos, tiveram um grande avanço a partir do século XVIII. Figura 64. Francisco Goya. Chinchillas. Buril, água- -forte e água-tinta, 1799. 19,5 x 13,5 cm. Perceba as áreas preenchidas com variados tons de cinza: esse é o efeito da água-tinta. 2.3 LITOGRAFIA A litografia, técnica de impressão planográfica, foi descoberta pelo músico alemão Alois Senefelder (1771- 1834), em meados do século XVIII, quando a gravura em metal estava a pleno vapor na Europa. Sua O estêncil já era utilizado desde o período da descoberta da xilogravura, no Oriente, para estampar móveis, paredes e tecidos. 52 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período matriz é uma pedra calcária extraída de jazidas alemãs e russas, as quais se encontram hoje praticamente esgotadas. Sendo assim, pedras litográficas são objetos preciosos e devem ser manuseadas com muito cuidado. O processo de gravação das pedras é complexo: envolve uma série de procedimentos químicos. Mas resumidamente, pode-se afirmar que a litografia provém da repulsão entre água e materiais gordurosos, os quais são utilizados para fixar a imagem. Após preparada a superfície da pedra, feita a sensibilização e o desenho, parte-se para a impressão da estampa. Quando a tiragem é concluída, apaga-se a imagem de sua superfície. Uma pedra litográfica não é descartável, ela pode ser reutilizada inúmeras vezes. Por exigir uma prensa específica, essa é uma técnica menos acessível: você só poderá praticar a litografia ao trabalhar em ateliês que possuam as pedras e a prensa litográfica. Figura 65. Acervo de pedras litográficas da Facul- dade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás. Fotografia: Manoela Afonso, 2009. GRAVURA UAB/Unimontes 5353 Figura 66. Prensa de litografia da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás. Fotografia: Manoela Afonso, 2009. 54 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período A pedra pode ser trabalhada, dentre outros materiais, com bastões gordurosos ou lápis litográficos É interessante comparar tais ferramentas com aquelas utilizadas na xilo e na gravura em metal: goivas, buris, facas, pontas-secas: na litografia não há incisão feita na matriz. Ao manusear bastões e lápis, o artista pôde recuperar a liberdade do seu traço, próprio do ato de desenhar. São visíveis em algumas impressões litográficas, texturas típicas dos trabalhos feitos com crayon e até mesmo com lápis grafite (Figura 67). Figura 67. Manoela Afonso. Meu jardim. Litografia, 19 x 22 cm, Brasília/2005. A litografia teve importante participação no início da imprensa moderna, no século XIX. Tudo aquilo que antes vinha sendo reproduzido pela gravura em metal – mapas, documentos, panfletos, rótulos, etc. – passou rapidamente à lito. Honoré Daumier (França, 1808 – 1879), Toulouse- Lautrec (França, 1864-1901), Pierre Bonnard (França, 1867 – 1947), Henri Matisse (França, 1869 – 1954) foram alguns dos representantes expressivos dessa técnica. Pesquise- os! E para saber um pouquinho mais, acesse o link http://tipografos.net/tecnologias/litografia. html. Lá você encontrará informações adicionais importantes e bem resumidas. Aproveite para navegar no site, pois é sobre tipografia, boa leitura! A partir de um dos trabalhos feitos nos exercícios anteriores, crie uma estampa digital. Como proceder? - selecione um trabalho já finalizado feito nos exercícios anteriores – certifique-se de que está seco. - escaneie a gravura ou estampa escolhida. - através do uso de programas de manipulação de imagens (paint, photoshop etc) modifique-a e transforme-a numa nova proposta visual. Utilize recursos como cortes, colagens, modificação de cores, multiplicação de partes daimagem, etc. para realizar a sua composição. - caso nunca tenha lidado com esse tipo de programa, peça ajuda ao seu tutor de polo. - salve seu arquivo com resolução de 300 dpi, no tamanho 20 x15 e imprima-o numa folha de papel sulfite. - salve outra versão com resolução de 72 dpi, com a maior das suas dimensões no tamanho de 600 pixels, e poste a imagem no fórum específico. 55 UNIDADE 3 ARTES GRÁFICAS NA SALA DE AULA Na Unidade 3 você será provocado a pensar e a criar recursos, atividades e possibilidades do ensino das artes gráficas na sala de aula. Acompanhe o conteúdo dessa Unidade e, desde já, vá pensando num possível plano de aula referente à gravura ou à estampa para o ensino médio ou fundamental.Quais conceitos das artes gráficas são fundamentais no ensino de artes? A reprodução, a multiplicação, a inversão da imagem, a importância histórica e artística, e o que mais? Essa será a atividade prática que você deverá desenvolver logo mais. 3.1 ESTAMPA NA SALA DE AULA: MONOTIPIA, COLAGRAF, CARIMBO E SERIGRAFIA Você pôde observar que as técnicas da Monotipia, Colagraf e Molde Vazado são de fácil aplicabilidade. A partir dos exercícios práticos feitos para essa disciplina, você pode desenvolver outras propostas de ensino, sempre congregando prática e conceito. Vamos nos deter, aqui, em algumas práticas ligadas à produção de carimbos. O Carimbo Você percebeu, nas Unidades 1 e 2, que o carimbo é uma técnica utilizada, há muito tempo, por nossos ancestrais. Conosco não é diferente, muitos de nós já tiveram a oportunidade de passar pela experiência de confeccionar carimbos de batata na escola, ou então de pintar os carimbinhos impressos nos cadernos pelas professoras do antigo “primário”. Você pode, através do carimbo, extrapolar a simples experiência de criação de matriz e impressão: pode discutir com seus alunos as diferentes funções do carimbo ao longo da história, criar painéis coletivos, enveredar pelo movimento da Arte Postal, da criação de Ex libris, entre outras abordagens. O carimbo de borracha pode ser feito com goivas ou estiletes. Consiste na gravação tal qual é feita na xilogravura e na linóleogravura. É uma ótima oportunidade para trabalhar os conceitos ligados a tais técnicas, inclusive para realizar experiências de impressão colorida, tais como a impressão com duas matrizes ou a técnica da matriz perdida. Ao invés de utilizar tinta gráfica, você pode usar apenas tinta de carimbo. 56 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período Figura 74. Carimbos feitos com borrachas e rolhas de garrafa. Fragmento de painel coletivo feito durante atividade didática, na exposição ‘GG em Brasília’, 2004. Fonte: arquivo pessoal – Mano- ela Afonso. Figura 75. Gravação de borracha escolar com goiva. Oficina de carimbo na Feira do Livro de Brasília/2004. Fotografia: Manoela Afonso. GRAVURA UAB/Unimontes 57 Figuras 76 e 77. Impressão de carimbos feitos com borracha escolar. Oficina de carimbo no Ateliê da Prefeitura de Porto Alegre/2005. Fotografia: Manoela Afonso. Caso você não possua as goivas ou pretenda trabalhar com uma faixa etária menor, a confecção de carimbos feitos com e.v.a. pode ser uma ótima solução. Você poderá trabalhar conceitos como a silhueta e, com os retalhos de seus recortes, aproveitar para inserir o conhecimento ligado ao molde vazado. Figuras 78, 79 e 80. Carimbos de e.v.a. colados a tacos de madeira. Ação educativa, Jataí/2008. Fotografias: Miguel Ambrizzi e Manoela Afonso. E de que outros materiais você pode fazer carimbos? Sylvio Carneiro é um gravador brasiliense que desenvolveu uma técnica de gravação de rolhas com pirógrafo. Essas pequenas matrizes são carimbadas repetidamente com tinta gráfica sobre papel, gerando uma espécie de monotipia, pois apesar de existir uma matriz gravada, as cópias são únicas. Observe o belo resultado desse trabalho nas imagens a seguir: 58 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período Figura 81. Sylvio Carneiro. Estampa feita a partir da impressão com rolhas de garrafa gravadas com piró- grafo. Brasília/2005. Fotografia: Manoela Afonso. Figuras 82 e 83. Sylvio Carneiro. Rolhas gravadas com pirógrafo, Brasília/2005. Fotografia: Manoela Afonso. 3.2 GRAVURA EM RELEVO NA SALA DE AULA: MATRIz EM ISOPOR Figuras 84. Impressão de gravura em relevo a partir de matriz de isopor. Luzia Costa, aluna do Ateliê Livre de Gravura em Relevo, do Projeto Arte na Escola, Goiânia/2008. Fotografia: Manoela Afonso. GRAVURA UAB/Unimontes 59 Para trabalhar conceitos básicos da xilogravura e da linóleogravura, você tem como recurso a utilização de bandejinhas de isopor. Podem ser facilmente gravadas com a unha, lápis, canetas ou qualquer outro instrumento. Técnicas como a matriz recortada, a impressão colorida a partir de duas ou mais matrizes e a matriz perdida podem ser realizadas a partir desse material. Você pode substituir a tinta gráfica por tinta a óleo, ou até mesmo acrílica (desde que trabalhada com certa rapidez, devido à fácil secagem). A colher de pau se presta também à impressão do isopor. Essa é uma maneira eficaz de trabalhar técnicas tradicionais das artes gráficas com poucos recursos. Veja a seguir, imagens de duas impressões feitas a partir de matrizes de isopor: Figuras 85 e 86. Impressões feitas por alunas da oficina de introdução à gravura da Funda- ção Jaime Câmara, Goiânia/2007. Matrizes de isopor impressas com tinta gráfica preta e vermelha. Goiânia/2008. Fonte: arquivo pessoal - Manoela Afonso. Você pode instigar seus alunos à pesquisa de outros suportes, ferramentas, materiais e modos de instalar a gravura e a estampa. Além disso, é muito importante que a técnica não seja passada como uma simples receita: é preciso incentivar a olhar poética e esteticamente. A partir do conhecimento das artes gráficas, o que é possível criar? Tudo o que você quiser. 60 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período Figura 87: Instalação de Mainês Olivetti chamada “De véu e grinalda”. Impressões serigráficas sobre tule. Curitiba, 2000. Fotografia: Manoela Afonso. Figura 88: José César Teatini Clímaco. Gravação em papelão. Brasília, 2008. Observe que o objetivo deste trabalho não é a impressão: o artista, que é fundamentalmente um gravador, passou a trabalhar a partir dos conceitos de gravação e a construir painéis de papelão gravados, colados, sobrepostos – mas não impressos. Perceba como a prática da gravura cumpre um papel importante na criação dessa proposta artística. Fotografia: Manoela Afonso. Conheça agora a Xilocidade: uma proposta artística do xilogravador carioca André de Miranda, em que a xilogravura é impressa sobre jornais do caderno imobiliário. Veja como sua proposta poética é bem fundamentada e vai muito além da técnica pela técnica. O domínio técnico é importante, sem sombra de dúvida. Mas a partir dele, o que você quer fazer poeticamente? Quais são seus anseios e desejos? O que você quer expressar? Boa leitura! GRAVURA UAB/Unimontes 61 XILOCIDADE – memória urbana gravada “Através da série XILOCIDADE inicio uma denúncia sobre o descaso com a memória da arquitetura em muitas cidades brasileiras. São xilogravuras impressas sobre folhas de jornal (offset) retiradas dos cadernos dos classificados. Em anún- cios de novos prédios, imprimo elementos da arquitetura antiga antes presente nesses mesmos terrenos em que ago- ra prevalece o novo em sacrifício do antigo. Sem nenhum critério e já há muito tempo, estes antigos casarões – alguns tombados - estão sendo vendidos e cedendo lugar a moder- nos e esqueléticos prédios. Bairros do Rio de Janeiro, como Santa Teresa, Catete, Tijuca e Centro, aindatentam manter seus antigos casarões do início do século XIX. Muitas dessas maravilhosas construções foram transformadas em pensõesna década de 30, quando em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro ainda não havia a especulação imobiliária. Neles residiam jovens estudantes e famílias inteiras que alugavam seus quartos. Muitos imigrantes que aqui chegavam, subiam suas escadarias e encontravam abrigo nestes sobrados onde estava registrada sua história. Encontrei nesta forma de im- pressão a maneira mais poética de chamar a atenção para este problema urbano. Fica aqui estampada minha denún- cia.” André de Miranda Figura 89. André de Miranda. Xilocidade: ‘Favela’. Xilogravura impressa com tinta preta sobre jornal colorido. Rio de Janeiro, 2005. Observe, do lado esquerdo, que a numeração dessa cópia é 1/1. Isso quer dizer que as Xilocidades são cópias únicas, não há a confecção de tiragens com a mesma imagem, tal qual acontece na monotipia. 62 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período 3.3 GRAVURA EM ENCAVO NA SALA DE AULA: PONTA SECA SOBRE PLACAS DE PLÁSTICO É possível trabalhar ponta-seca sobre placas de plástico: poliestireno, acrílico, acetato, até mesmo sobre radiografias. Basta que seus alunos tenham à disposição pontas duras de metal e a prensa. A prensa feita com cilindro para massa é de fácil confecção e baixo custo se comparada às prensas originais: basta apenas que exista algum dinheiro em caixa e muita vontade por parte de professores e escolas. O processo de trabalho é o mesmo da ponta-seca sobre metal: grava-se a imagem, entinta-se a placa utilizando tinta gráfica ou tinta a óleo, limpa-se a matriz e imprime-se a imagem utilizando a pequena prensa e papel umedecido. Figura 90. Gravação da placa de acrílico. Observe que um papel preto foi colocado debaixo da placa para dar mais visibilidade às áreas já gravadas. Uma das vantagens de se trabalhar com matrizes transparentes é poder colocar o projeto (desenho, fotografias, etc.) debaixo da matriz e trabalhar a gravação sobre ele. Aluno do curso de gravura do Espaço Cultural 508 Sul, Brasí- lia/2004. Fotografia: Manoela Afonso. GRAVURA UAB/Unimontes 63 Figura 91. Limpeza da matriz antes da impressão. Depois de feita a limpeza mais pesada, com jornais, você pode retocar pequenas áreas utilizando algodão, cotonetes, etc. Este pode ser, inclusive, um recurso interessante para a produção de efeitos na impressão. Tais efeitos não podem ser reproduzi- dos em série devido à dificuldade de controlá-los manual- mente: acabam se transformando em cópias únicas, tal como na monotipia. Aluna do curso de gravura do Espaço Cultural 508 Sul, Brasília/2004. Fotografia: Manoela Afonso. Figura 92. Prensa feita com cilindro para massa. Fotografia: Manoela Afonso. Chegamos ao fim dessa disciplina... Espero que ela tenha contribuído tanto para a sua formação como futuro professor, mas também na ampliação do olhar para o mundo. O universo gráfico é vasto e muito importante para a história da humanidade. Desejo que das sementes que joguei, algumas tenham encontrado solo fértil nos seus anseios e desejos por conhecimento. Continue pesquisando e, se possível, produzindo gravuras e estampas! Elabore um plano de aula a partir da criação de uma nova proposta de trabalho para as artes gráficas na sala de aula. Não esqueça de listar os materiais necessários, prever a faixa etária e a quantidade de alunos, descrever o passo a passo da técnica e embasar conceitualmente a sua proposta de trabalho. 65 REFERÊNCIAS CAMARGO, Iberê. A gravura. Porto Alegre: Sagra-DC. Luzzato, 1992. CLÍMACO, José César Teatini de Souza. A gravura em matrizes de plástico. Goiânia: Editora da UFG, 2004. ___________________. Manual de litrografia sobre pedra. Goiânia: Editora da UFG, 2000. COSTELLA, Antonio F. Introdução à gravura e à sua história. Campos do Jordão: Mantiqueira, 2006. ___________________. Breve história ilustrada da xilogravura. Campos do Jordão: Mantiqueira, 2003. ___________________. Xilogravura: manual prático. Campos do Jordão: Mantiqueira, 1986. DAWSON, John. Guia completa de grabado e impresion: técnicas y materiales. Madrid: H. Blume Ediciones, 1982. EICHENBERG, Fritz. The art of the print: masterpieces, history, techniques. New York: Abrams, 1976. GRAVURA: arte brasileira do século XX. São Paulo: Cosac & Naify / Itaú Cultural, 2000. GRAVURA BRASILEIRA HOJE: DEPOIMENTOS. Rio de Janeiro: SESC Tijuca, 1995. ___________________. Vol II. Rio de Janeiro: SESC Tijuca, 1996. ___________________. Vol III. Rio de Janeiro: SESC Tijuca, 1997. GRAVURA EM METAL. Marco Buti, Anna Letycia (orgs.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/Imprensa Oficial, 2002. HERSKOVITS, Anico. Xilogravura: arte e técnica. Porto Alegre: Tchê!, 1986. LEITE, José Roberto Teixeira. A gravura brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1966. 66 ARTES VISUAIS Caderno Didático - 5º Período PLACE, François. O velho louco por desenho. São Paulo: Companhia das letrinhas, 2004. SENAC – DN. Oficinas: gravura. Elias Fajardo; Felipe Sussekind; Marcio do Vale (orgs.). Rio de Janeira: Ed. Senac Nacional, 1999. WATSON, Leda. Sonhos, momentos, emoções: técnicas e gravuras. Brasília: edição da autora, 2008. WEISS, Luise. Dentro do espelho. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. Links úteis: Atelier Piratininga: http://atelierpiratininga.blogspot.com/ Centro de Pesquisa em Gravura da Unicamp: http://www.iar.unicamp.br/ cpgravura/ Estampe.be: http://www.estampe.be/ Galeria Gravura Brasileira: http://www.gravurabrasileira.com/index.asp Graphias: http://www.graphias.com.br/ Museu Casa da Xilogravura: http://www.casadaxilogravura.com.br/ Museu Olho Latino: http://museu.olholatino.com.br/ Regina Silveira: http://reginasilveira.uol.com.br/ Tita do Rego Silva: http://www.titadoregosilva.de/ Xylon Argentina: http://www.xylonargentina.com.ar/ 1.1 GRAVAR 1.2 IMPRIMIR 1.3. MONOTIPIA 2.2 ENCAVO 2.4 SERIGRAFIA 2.5. TÉCNICAS DIGITAIS 3.1 Estampa na sala de aula: monotipia, colagraf, carimbo e serigrafia 3.2 Gravura em relevo na sala de aula: matriz em isopor 3.3 Gravura em encavo na sala de aula: ponta seca sobre placas de plástico