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500 Anos de Educação no Brasil

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-
?Gll: UFRN, 1995. 
, o fa to de o Colégio NEGROS E EDUCAÇÃO 
, E.1sina-lhes latim. NO BRASIL 
~ ::.i tações são dessa 
LUIZ ALBERTO OLIVEIRA GONÇALVES 
J'I'o---.'L<D"', escreveu Zaira 
-: :ém da ilustração, 
Rio de Janeiro: 
_ : T. Queiroz Edi­
~ro que o Decreto 
_-.:::: ~acultava à mulher 
_~ ministro positivista 
:-_ ci t., p. 183. 
- 5. o também foram 
__do para o francês. 
-: ~ Paula Brito, 1845. 
,"J, Florença, 1859. 
O título Cintilações 
~ relações sexuais, 
r a amamentação 
_:.._ 1. op. cit., p. 97-8. 
veniência de as 
.~ eitos de uma boa 
K. C. de. & 
' . ,1. Paris: Denoel­
gravidade da situação 
educacional dos negros 
élparece de forma gritante, não quan­
do comparamos negros e brancos, 
mas quando comparamos negros per­
tencentes a gerações mais jovens (en­
tre 20 e 40 anos) com outros negros 
mais idosos (entre 60 e 80 anos ou 
mais).1 Estes, cuja infância e juventu­
de estão mais próximas do início do 
século XX, padeéem de altíssimos ín­
dices de analfabetismo. Por exemplo, 
em um total de 3 milhões, o percen­
tual é de 70%. Entre as mulheres a si­
tuação é pior: quase 90%. 
Não é preciso muito esforço 
para constatar a precariedade da si­
tuação educacional desse segmento 
étnico. Há uma esperada inversão nas 
expectativas geracionais de forma que 
quanto mais diminui a idade mais 
aumenta o grau de escolarização. 
Desnecessário dizer que são os mais 
jovens (entre 20 e 40 anos) os que têm 
mais anos de contato com o sistema 
de ensino. Ao mesmo tempo, temos 
uma radiografia completa de como se 
distribuem os níveis de escolarização 
entre os negros brasileiros pertencen­
tes a diferentes gerações. 
De certa forma, esse estudo ge­
racional suscita uma série de questões 
e questiona a universalidade de um 
mito da teoria crítica educacional tão 
em voga, de que o sucesso escolar de­
pende, em grande medida, do capital 
cultural, em geral localizado na famí­
lia. Diante de nossos dados brutos, a 
situação é outra. Podemos teoricamen­
te vislumbrar três gerações - filhos, 
pais e avós - em es tágios de escolari­
dade absolutamente diferentes uns 
dos outros.2 
Ao examinar a situação educa­
cional dos negros brasileiros, deve­
mos mudar a direção de nossos 
questionamentos. Não é mais possí­
vel continuar associando mecanica­
mente sucesso escolar e escolaridade 
dos pais. A questão é saber como avós 
analfabetos influenciaram a pouca es­
colarização de seus filhos, e como es­
tes, apesar da pouca escolaridade, 
têm estimulado suas gerações futu­
ras a terem êxito na escola . 
Sem desmerecer a importância 
do papel do capital cultural da famí­
lia no desempenho escolar das crian­
ças e dos jovens, no caso da população 
500 anos de educação no Brasil 
Cel. Antonio 
Carlos, um dos 
fundadores do 
Centro Cívico 
Palmares, 
entregando 
diploma auma das 
formandas da 
primeira turma do 
curso de Corte e 
Costura (Belo 
Horizonte, 1952). 
negra no Brasil, esse papel teria de ser relativizado. Não foi 
por acaso que as mudanças começaram a ser significativas 
para as faixas etárias que, em 1990, estavam entre 20 e 40 
anos, ou seja, indivíduos que nasceram no período caracteri­
zado pela expansão das políticas públicas ed ucacionais. Não 
é possível fixar o olhar apenas sobre as famílias, se se quiser 
saber o que aconteceu na educação das gerações mais novas 
é preciso fixá-lo também no Estado. A escola pública univer­
sal e gratuita teve algum peso na referida expansão. 
As idéias que pretendemos desenvolver, a seguir, falam 
do abandono ao qual os negros foram relegados: quem teria se 
ocupado de sua educação no período colonial ou mesmo nos 
anos imediatamente após a Abolição da Escravatura? Como os 
negros se organizam no início do século XX para lutar contra as 
precárias condições educacionais e contra o abandono a que 
foram deixados na fase de expansão urbana do país? 
COMECEMOS PELO ABANDONO. 
DE ONDE VEM ESSA IDÉIA? 
Fomos levados a buscar as possíveis respostas a essas 
importantes questões no século XIX. Este, apesar de já estar­
mos em plena travessia para o século XXI, permanece, para 
nós, tão misterioso quanto fascinante. Nele podemos estudar 
como o governo imperial preparou-se para garantir os cuida­
dos com as crianças negras, após a Lei do Ventre Livre de 
1871. Exigia-se que os senhores de escravos tomassem a seu 
encargo as crianças livres até a idade de oito anos . No caso de 
abandono, previa-se que essas crianças fossem encaminhadas 
a instituições estatais criadas para esse fim. 3 
326 
-
~ :om assem a seu 
'::1OS. No caso de 
encaminhadas 
Negros e educação no Brasil - Luiz Alberto Oliveira Gonçalves 
Sobre essas instituições há al­
guns poucos estudos que apontam a 
existência de iniciativas, seja da par­
te do govern04 ou de certos setores 
privados das elites dominantes, que 
envolviam medidas visando à edu­
cação das crianças negras livres. Não 
foram, entretanto, iniciativas que se 
universalizaram. Embora os dados 
acerca das ações desenvolvidas por 
essas instituições sejam ainda parcos, 
sabe-se que uma delas nunca rece­
beu uma criança sequer.s As pesqui­
sas que já estão em andamento 
sobre essas instituições certamente 
nos trarão informações interessan­
tes quanto ao seu funcionamento, 
mas dificilmente poderemos dizer 
que elas responderam às necessida­
des educacionais das crianças negras. 
Em outros termos, a situação de aban­
dono não foi por elas superada. 
Podemos estudar ainda no sé­
culo XIX iniciativas voltadas para a 
educação de adultos . Criaram-se, as­
sim, os cursos noturnos, pelo Decreto 
7.031 de 6 de setembro de 1878. No ano 
seguinte, a Reforma do Ensino Primá­
rio e Secundário proposta por Leôn­
cio Carvalho completava o projeto 
educacional do Império: instituía a 
obrigatoriedade do ensino dos 7 aos 14 
anos e eliminava a proibição de escra­
vos freqüentarem as escolas públicas. 
Há registros de que em algumas pro~ 
víncias os escravos não só eram incen­
tivados a freqüentar aulas noturnas 
como de fato as freqüentavam. 6 Os 
cursos poderiam ser criados ou por de­
cisão dos poderes públicos ou por par­
ticulares, incluindo associação ejou 
entidades literárias e políticas? 
O fato de existirem iniciativas 
com vistas à inclusão dos escravos e 
dos negros livres em cursos de instru­
ção primária e profissional não nos 
autoriza inferir que essa tenha sido 
uma experiência universal. Porque 
não foi. A esse respeito, Peres nos cha­
ma a atenção para aquelas provín­
cias, como a do Rio Grande do Sul, 
onde "não só havia escolas que não ad­
mitiam a hipótese de matricular escra­
vos como também se negavam aceitar 
os negros livres e libertos" .8 A autora 
sugere que os cursos nos quais se re­
gistrava alguma presença de negros, 
eram aqueles encabeçados por"abo­
licionistas, republicanos e, ainda, fer­
renhos críticos da Igreja católica e 
defensores da instrução para o pOVO"9 
Em outros termos, serviam-se desses 
cursos para divulgar idéias contra o 
sistema escravista e aproveitavam 
para envolver negros (livres, escravos 
ou libertos) na causa abolicionista. E 
ainda, como pretendiam "incutir pre­
ceitos de moralidade e civilidade", 
algo que se acreditava não existir nos 
africanos e seus descendentes, "as au­
las não podiam prescindir da presen­
ça dos negros" .10 
Embora tenham existido inicia­
tivas dessa natureza, os registros sobre 
a participação efetiva dos negros são 
incipientes. Através deles é muito difí­
cil ou quase impossível saber quem, de 
fato, era negro. Como muitos desses 
cursos continuaram a existir após a 
Abolição, era de se esperar que as bar­
reiras que a mentalidade escravista 
criara para dificultar a freqüência de 
negros nas aulas noturnas diminuíssem 
ou desaparecessem. Mas não foi isso 
327 
500 anos de educação no BrasIl 
que aconteceu. A República não expandiu os direitos políti­
cos imediatamente após sua proclamação, nem garantiu o 
acesso de todos à educação durante muitas décadas. Agra­
vou-se muito a situação dos negros, que após a LeiÁurea 
foram lançados à própria sorte. 
Saltemos, assim, para uma segunda hipótese aparen­
temente plausível, uma vez que ela nos remete a sólidas associa­
ções religiosas cujos traços podem ser recuperados no século 
XVIII: são as irmandades dos negros católicos. Teriam elas 
exercido algum papel na educação dos negros brasileiros? 
Tal hipótese foi amplamente difundida no Brasil em 
1988, por ocasião do Centenário da Abolição da Escravatura, 
momento em que teólogos e agentes pastorais negros busca­
vam recuperar o papel evangelizador da Igreja católica e sua 
ação na defesa dos oprimidos. Mas essas idéias, como mui­
tas outras, precisam ser relativizadas e contextualizadas para 
que se possa, de fato, avaliar seu potencial explicativo. 
NãO temos a intenção de polemizar para provar ou 
contestar o papel educador do associativismo católico ne­
gro, no século XIX. Ele existiu, difundiu-se e teve função 
bastante definida em várias regiões brasileiras . Resta saber 
se ele nos ajuda a compreender os processos educativos que 
envolviam os descendentes de africanos na travessia do 
século XIX para o XX . 
Para darmos conta dessa tarefa estudamos basicamente 
obras de história ou de antropologia, nas quais os autores apre­
sentam alguma interpretação acerca das ações desenvolvidas 
pelas irmandades de negros católicos brasileiros. São estudos 
riquíssimos. Comparados entre si, dão-nos um formidável pa­
norama do quão controversas eram as funções desempenha­
das por aquelas"confrarias de homens pretos". Por meio 
dessas divergências, construimos nosso modelo interpretati­
vo realçando todos os aspectos que, de certa maneira, indica­
vam como as irmandades acabavam influenciando o 
comportamento de seus membros. 
Dada a condição em que os escravos africanos foram 
lançados no continente americano, muitos pesquisadores bus­
caram compreender como se deu o processo de integração 
desses seres humanos em um ambiente que lhes era hostil, 
dominado pelos valores e pela cultura dos povos colonizado­
res. O cristianismo, em qualquer de suas versões, teve um 
papel muito importante na conversão de muitos cativos. 
328 
Negros e educação 110 Brasd - Luiz Alberto Oliveira Gonçalves 
Grandes mestres da Sociologia mínima condição de oferecer as ba­
já mostraram o quanto o cristianismo ses da emancipação dos negros ou 
foi crucial na construção do mundo seja, não tinha condição de educá-lo 
- a Lei Áurea 	 moderno. Com ele se difunde e se ex­ para a liberdade. Para isso, somos 
pande a noção de sujeito que liberta tentados a comparar o papel da reli­
os indivíduos das amarras do siste­ gião dos colonizadores no Brasil e 
ma. Foi por meio da noção de sujeito nos Estados Unidos, no que se refere 
que os indivíduos passaram a lutar à libertação dos escravos. Isso ajuda 
contra todo tipo de dominação.]] Por a nossa argumentação. 
mais que essas idéias sejam atraen­ É do conhecimento de todos que 
tes, não concordo plenamente com a colonização desses países se deu sob 
elas. Nas conquistas iniciadas no sé­ a égide do cristianismo. Enquanto en­
culo XVI, as religiões dos coloniza­ tre nós dominou a doutrina católica, o 
dores eram cristãs. Entretanto, o protestantismo evangelizou, todo-po­
cristianismo dos colonizadores portu­ deroso, aquela imensa colônia da 
g~eses não emancipou os negros es­ América do Norte. 
cravos nem os livres. Ele não foi uma 
Em relação ao período colonial,
religião da liberdade. Ao contrário, ele 
muitas comparações já foram feitas
"legitimou prática e teoricamente o 
entre essas duas nações. Não temos,
sistema colonial", aplicando castigos 
aqui, qualquer intenção de repeti-las.
"aceitos na época como princípio mo­
Interessa-nos, sim, lançar algumas
ral da formação do trabalhador" e 
idéias quanto ao papel do cristianis­
ameaçando os escravos fujões com a 
mo na educação dos negros, lá e cá. 
excomunhãoY Quando se fala em ca­
Comecemos assinalando algu­tequese dos negros, não há qualquer 
mas diferenças remarcáveis. Essasindício de que a educação dos cativos 
J autores apre­ nada têm a ver com a famosa dicoto­estivesse nos planos da Igreja católi­
..: d esenvolvidas mia criada por Gilberto Freyre, na qualca. Todas as vezes que evocamos o 
. São estudos o catolicismo dos senhores de escravosdescaso da Igreja para com a educa­
~ formidável pa- brasileiros era tolerante e doce, en­ção dos negros no Brasil no período 
desempenha­ colonial, há sempre uma boa alma que quanto o protestantismo dos proprie­
_:-etos". Por meio tários estadunidenses era intolerantenos lembra do magnífico trabalho dos 
_~elo interpretati ­ artistas mestiços do barroco mineiro e cruelY A diferença que inicialmen­
maneira, indica­ que bebiam, certamente, nos cálices di­ te assinalamos refere-se à qualidade 
: :1 ~ ! llenciando o vinamente dourados de Ouro Preto ou das relações que esses dois grupos de 
de São João Del Rey. Mas não são os representantes do escravismo no 
: .' à · icanos foram acidentes históricos que nos interes­ Novo Mundo estabeleciam com suas 
~ _.::quisadores bus­ sam no momento e sim as regularida­ próprias convicções religiosas. 
de integração des da vida cotidiana. Roger Bastide oferece-nos um 
_ lhes era hostil, Seria mais interessante exami­ retrato dos proprietários de escravos 
colonizado­ nar algumas si tuações que mostram as muito interessante. Segundo ele, o 
. -ersões, teve um razões pelas quais o catolicismo prati ­ aristocra tismo desses proprietários 
~:os cativos. cado no Brasil colonial não tinha a era tão acintoso que criava entre eles 
329 
500 anos de educação 110 Brasil 
Solenidade de 
formatu ra da 
segunda turma do 
curso de Corte e 
Costura oferecido 
pela Associação 
José do Patrocínio. 
(Belo Horizonte, 
1956). 
e seus cativos uma distância social extrema. Isso fez com que 
ficassem, durante muito tempo, absolutamente indiferentes 
quanto às manifestações religiosas dos escravos africanos14 
Foi em função da arrogância e da indiferença dos pro­
prietários de escravos que cultos africanos puderam ser in­
troduzidos em solo brasileiro, criando seus próprios "nichos": 
lundus, candomblés, candombes, jongos.. . 15 
A partir dessas observações, podemos interrogar-nos: 
se os proprietários de escravos brasileiros eram, de fato, indi­
ferentes ao que se passava no universo religioso dos cativos, 
quem, então, se interessava por sua evangelização? 
Tudo indica que era a própria Igreja católica e foi dura 
a batalha dos santos padres para convencer os proprietários 
de suas responsabilidades cristãs quanto ao batismo obriga­I~ 	 tório dos negros 1 6 Os senhores adotavam a famosa posição 
do "tanto faz como tanto fez". O fato de africanos serem con­
vertidos ao catolicismo e, mesmo assim, continuarem sendo 
escravos não abalava, de forma alguma, a consciência cristã 
dos escravocra tas brasileiros. 
Mas não foi assim que as coisas se deram nos Estados 
Unidos. A evangelização dos escravos naquele país não era, 
em hipótese alguma, vista como algo puramente formal, sem 
qualquer conseqüência para a instituição cristã. Os proprietá­
rios de escravos proibiam aos negros o sacramento da conver­
são . Na verdade, "os cristãos brancos impediam, aos escravos, 
acesso à cristianização por causa das implicações de igualda­
de na Bíblia"Y Como no contexto do cristianismo protes­
tante evangelizar pressupunha educar em sentido pleno, 
tinha-se medo de que "a educação dada aos negros pudesse 
330 
Negros e educação no Brasil- Luiz Alberto Olivr::Íra Gonçalves 
- _:erença dos pro­
::,uderam ser in­
prios "nichos": 
_~ I terrogar-nos: 
~ .. :11, de fato, indi­
- 7 050 dos cativos, 
ção? 
- :ó lica e foi dura 
"'_ proprietários 
..: - atismo obriga­
~ :a mosa posição 
__ .:: . l OS serem con­
. .. :nuarem sendo 
;:: )nsciência cristã 
: 2c::-am nos Estados 
:::~ . e país não era, 
__ '::!' e formal, sem 
~~:§. Os proprietá­
.L:.ento da conver­
_ ::n, aos escravos, 
. ;Õ€s de igualda­
õ-'anismo protes­
~~ sentido pleno, 
==. egros pudesse 
setransformar em fonte de rebelião 
anti-escravista".18 Os senhores de es­
cravos nos Estados Unidos considera­
vam o batismo como um atentado a 
seus direitos de proprietário.19 
Temos, assim, duas maneiras 
opostas de se lidar com doutrinas e 
princípios religiosos, o que levou as 
Igrejas, tanto nos Estados Unidos 
quanto no Brasil, a adotarem postu­
ras em consonância com a forma pela 
qual os proprietários de escravos 
viam respectivamente suas respon­
sabilidades enquanto cristãos. 
No período colonial, o clero, 
apesar da negligência dos proprietá­
rios, ocupava-se de tudo o que se re­
feria à conquista de alma do cativo: 
batismo, catequese e outros sacramen­
tos. 20 O sacramento de conversão do 
africano era importante para o clero 
católico ao ponto de levá-lo a interfe­
rir na legislação das províncias para 
controlar a instituição do compadrio, 
que ficou proibido aos negros, segun­
do uma "interdição" publicada em 
1719, na província 'de Minas Gerais. 
Nela se dizia: "os negros não poderão 
nunca serem padrinhos de outros ne­
gros, porque eles são bárbaros e inca­
pazes de catequizar e doutrinar seus 
afilhados através da ciência e da pre­
ocupação dos homens brancos, que fo­
ram nutridos com o leite da Igreja".21 
Embora os historiadores te­
nham assinalado as preocupações da 
Igreja católica de catequização dos ne­
gros no Brasil, não há registros de uma 
ação educativa que os iniciasse na ár­
dua tarefa da leitura dos evangelhos. 
A palavra escrita lhes era inacessível. 
Como eram então doutrinados? 
331 
No catolicismo imposto às 
classes populares "a figura do Cris­
to Revelado no Novo Testamento é 
pra ticamente desconhecida"22 São os 
"santos" que estão na base do catoli­
cismo popular. Assim, a catequese 
dos africanos no Brasil não se fez 
acompanhar de um processo que 
pressupusesse, antes de mais nada, a 
aquisição da leitura . Na realidade, 
não se buscava decifrar no Novo Tes­
tamento as mensagens do Cristo Re­
velado; o catolicismo dos negros, no 
período colonial, foi estruturado a 
partir de suas devoções aos santos e 
à Virgem Maria. O que de fato eram 
as irmandades? Que função preen­
chiam na vida colonial? 
Alguns estudiosos definiram­
nas como "associações de tipo mutua­
lista ou corporativista", funcionando 
paradoxalmente nos interstícios de 
uma sociedade colonial dividida en­
tre senhores e escravosY Enquanto 
ideal tipo, as irmandades religiosas 
dos negros correspondem ao conceito 
de associação tal qual o descreveu 
George Simmel, a saber: uma forma 
social de longa duração cujo conteú­
do pode mudar, até desaparecer, sem 
que se altere a forma 24 Muitas irman­
dandes foram construídas no século 
XVIII e existem até os nossos dias. 
É importante ressaltar que es­
sas irmandades não surgiram de uma 
necessidade associativa dos negros, 
nem religiosa nem profana; os escra­
vos conservavam suas formas pró­
prias de associação. As irmandades 
foram criadas verticalmente pelo Es­
tado português, pois, no período co­
lonial, o Estado era o único agente 
500 anos de educação no Brasil 
que podia autorizar a construção e o funcionamento de uma 
irmandade. 2s Entretanto, o terreno, os templos e outros pré­
dios construídos pelos membros das irmandades eram in­
corporados ao patrimônio da Igreja, graças a um contrato 
firmado com o Estado. 
Que tipo de problema poderiam as irmandades solu­
cionar caso fossem autorizadas a funcionar na colônia? Na 
literatura sobre o assunto, encontramos duas respostas. 
A primeira mostra claramente que coroa portuguesa, 
quando pressionada a autorizar a construção de irmandan­
des na colônia, viu nisso uma saída para se livrar das cláusu­
las do contrato que a obrigava a construir igrejas e assegurar 
o culto no Brasip6 
A segunda não deixa dúvida de que as irmandades se­
riam uma solução que iria ao encontro do racismo dos proprie­
tários de escravos. Constrangidos pela hierarquia eclesiástica a 
catequizar seus escravos e a introduzi-los no mundo cristão, os 
escravocratas viram nas irmandades uma ótima oportlmidade 
para separar de uma vez por todas as igrejas dos brancos da 
igreja dos negrosY Ou seja, mandavam seus escravos à missa, 
entretanto não suportavam conviver com o mau cheiro exalado 
por eles.28 Como bons cristãos, agiram para conversão de seus 
escraVOS sem precisar aceitá-los no mesmo espaço de culto. 
Entretanto, as irmandades, assim como a Igreja católica 
como um todo, estavam atravessadas pelo"dualismo funda­
dor" da sociedade brasileira - senhores e escravos. Por causa 
dessa dualidade, elas acabavam refletindo divisões e conflitos 
de classe e de raça. 29 Refletiam rivalida­
des entre as próprias irmandades em fun­
ção de nações africanas revitalizadas no 
interior de cada irmandade (congos, ban­
tos ... ). Havia irmandades cuja presença 
majoritária era de africanos, que disputa­
vam com outras irmandades de negros já 
nascidos no Brasil (os crioulos), que se batiam contra as irman­
dades dos mulatos e assim por diante. As irmandades eram, 
para os negros e mulatos livres, um local onde podiam exercer 
uma "atividade mais social que mística", eram "um canal de 
ascensão social, um meio de melhorar o status quotidiano".3o 
Embora tenham constituído suas irmandades, os ne­
gros e os mulatos continuavam subordinados ao controle dos 
brancos; eram organizações leigas, mas "tinham sua direção 
332 
Negros e educação no BrasIl- Luiz Alberto Oliveira Gonçalves 
to de uma 
- o :rmandades solu­
irmandades se­
"';-mo dos proprie­
. eclesiástica a 
. lUl.do cristão, os 
- -'-'.l1a oportunidade 
_ i;.- dos brancos da 
__cravos . Por causa 
~\-isões e conflitos 
::-".21etiam rivalida­
.ar\dades em fun­
,, ~ revitalizadas no 
:la e (congos, ban­
- ':es cuja presença 
~os, que disputa­
_:ades de negros já 
. . contra as irman­
_'"TI1.andades eram, 
_ ':e podiam exercer 
"wn canal de 
diretamente subordinada ao vigário 
que controlava as decisões".3] Essa su­
bordinação corresponde à fase de mu­
dança das instituições católicas "fim 
do regime do Padroado", e foi ne­
cessário ao clero tomar medidas que 
garantissem sua unificação e sua au­
toridade sobre os leigos, "organizados 
em irmandades, confrarias, com lide­
ranças leigas e autônomas".32 O clero 
retomou o controle e centralizou o 
poder no Papa. Esse processo ficou co­
nhecido como "romanização do cato­
licismo brasileiro" .33 
Ainda que representando a se­
paração de dois catolicismos - o dos 
brancos e o dos homens de cor - não 
chegou a existir no Brasil uma rup­
tura total entre eles tal como havia 
ocorrido nos Estados Unidos. Segun­
do Bastide, isso não ocorrera no Brasil 
porque as irmandades não permitiam 
à "consciência de raça exprimir-se 
através da experiência mística, já que 
o catolicismo negro era controlado por 
um líder branco".34 
Voltando nossa atenção para o 
clero protestante nos Estados Uni­
dos, podemos perceber que sua pos­
tura reforça a separação das Igrejas 
ao extremo. 
Visto que para os proprietá­
rios o batismo de seus escravos re­
presentava uma ameaça a seus 
direitos, coube ao clero elaborar tex­
tos eclesiásticos consistentes, sepa­
rando o cristianismo da liberdade 
civil. Segundo a declaração do bispo 
anglicano de Londres, que viveu na 
primeira metade de 1800, os escravos 
podiam vir a ser cristãos e abraçar o 
evangelho sem causar qualquer dano 
para seus proprietários, pois a liber­
dade que o cristianismo oferecia aos 
cativos nada tinha a ver com a liber­
dade civil. Liberdade cristã significa­
va "a liberação do pecado de Satã, da 
concupiscência, das paixões e dos de­
sejos incontrolados". 35 Quanto à con­
dição de homem livre ou cativo, nada 
disso seria alterado.36 
Foi portanto dentro dessas 
preocupações que se efetuou, nos Es­
tados Unidos, a separação social dos 
cultos. A segregação começa nas igre­
jas, mas depois ela se espalha para 
toda sociedade estadunidense.37 A se­
paração racial das igrejas se realizou, 
primeiro no norte dos Estados Unidos,à época, antiescravista, e não no sul, 
a sede da aristocracia racista. Para 
Cone, esse fato mostrava que o anti­
escravismo do norte estadunidense 
não era tão humanitário como se ima­
ginava. Na realidade, a escravidão 
não era vital para a economia daque­
la região, tal como era para a região 
sul. Os proprietários do norte se pre­
ocupavam com os negros não como 
mão-de-obra indispensável para a la­
voura, mas como elementos úteis em 
suas campanhas pró-abolicionistas. 
Por isso, consentiam e toleravam igre­
jas só para negros, com líderes reli­
giosos negros.38 
Já no sul, intolerantes e tradicio­
nais, os proprietários de escravos su­
listas não admitiam a separação das 
igrejas. Viam o liberalismo do norte 
com escárnio e medo, uma vez que re­
voltas abolicionistas eram geradas no 
interior das igrejas freqüentadas pelos 
negros. Como autodefesa, proibiam, 
por meio de leis, qualquer iniciativa 
333 
500 anos de educação no Brasd 
que oferecesse aos negros educação; vetavam-lhes o direito 
de se organizarem sem a vigilância dos brancos.39 
De certa forma, vários estudos mostram que a separação 
dos cultos nos Estados Unidos, embora tenha aprofundado o 
sistema segregacionista, favoreceu a constituição não de uma 
igreja para os negros, mas de uma Igreja negra.40 Foi a partir 
daí que surgiu uma Teologia Negra - a leitura do Evangelho, 
mensagens do Cristo Revelado, tendo como referência a práti­
ca e a experiência dos "povos negros". Liberdade de culto e 
direito de livre organização passam a ser sinônimos. 
Bem ou mal, a separação das igrejas no norte dos Esta­
dos Unidos teve importante papel na vida cultural estadu­
nidense pós-abolição. O protestantismo ensinou os negros 
a ler, a escrever, a encontrar formas artísticas para expres­
sar os sofrimentos vividos. Os Blues e os Negro-spirituals 
são apenas uma parte desse movimento.41 Tudo isso contri­
buiu para criar uma subcultura. Do gueto? Muito provavel­
mente. Mas foi a partir daí que os teólogos negros 
acreditavam que nasceria o verdadeiro Cristo.42 Um Cristo 
que conclamava uma Igreja capaz de ajudar a liberar os cris­
tãos negros do racismo da sociedade. Uma Igreja autônoma 
dirigida por negros e ao serviço de suas reivindicações.43 
. Como se pode ver, em dois países cristãos tivemos dois 
modelos de cristianização, com impactos muito diferentes na 
educação dos negros. Mas será que as irmandades não influen­
ciaram o comportamento dos negros? Vimos que não deram 
contribuição alguma à sua escolarização, pelo menos no perío­
do que se situa entre a segunda metade do século XIX e a pri­
meira do século XX, mas contribuíram muitíssimo para 
preservar tradições africanas. Se quisermos entender o lado da 
resistência, temos que entender como funcionavam essas irman­
dades. Embora supervisionadas por brancos, elas incorpora­
ram elementos africanos, o que fez com que o catolicismo negro 
brasileiro tivesse algo de original. Vale talvez destacar a seguir 
como elas contribuíram para educar os negros no Brasil. 
Antes porém gostaríamos de situar em que perspecti­
va pretendemos examinar o tema da educação. Como dito 
anteriormente, ao fazer o balanço da situação educacional 
dos negros no Brasil, concentramos nossas observações na­
quilo que se referia à escolarização (graus e níveis de educa­
ção escolar). Mas sabíamos que operávamos em limites assaz 
estreitos. Como muitos outros pesquisadores compartilhamos 
334 
Negros e educação no Brasil - Luiz Alberto Olivelic7 Gonçalves 
-am-Ihes o direito 
::l que a separação 
aprofundado o 
.:.:..ição não de uma 
: a.40 Foi a partir 
:- -ra do Evangelho, 
:-eferência a práti­
- Idade de cul to e 
7:- -inou os negros 
.__,-as para expres­
_~ _ egro-spírítuals 
udo isso contri­
- _1uito provavel­
-_ó logos negros 
42 Um Cristo 
-greja autônoma 
-:-~ - -indicações_43 
- menos no perío­
<_ -ulo XIX e a pri­
~ r -am essas irman­
: _=- elas incorpora­
.:. :::atolicismo negro 
destacar a seguir 
no BrasiL 
:: :'1i\ eis de educa-
o tm1 limi tes assaz 
::ompartilhamos 
da idéia de que ed ucação não se res­
tringe à aquisição da escrita, menos 
ainda ao saber exclusivamente esco­
lar. Colocaremos, aqui, o acento nos 
processos de educação para a cida­
dania . Foi por meio deles que os ne­
gros brasileiros aprenderam a lutar 
contra o preconceito e a discrimi­
nação raciais, incluindo em seu 
ideário reivindicações que visavam 
romper com o abandono exigindo di­
reitos sociais e iguais oportunidades 
de educação e trabalho. 
Na realidade, quando falamos 
em educação o mais adequado seria 
buscar nas ações de pessoas, grupos 
ou instituições indícios de que têm a 
capacidade de alterar o comporta­
mento de outrem em uma dada dire­
ção. Como se pode ver, o conceito de 
educação que aqui adotamos exclui 
prudentemente todas as formulações 
idealizadoras de p.edagogia humanis­
ta, tão em voga na segunda metade 
do século XIX europeu. 44 Optamos 
por um conceito mais sociológico de 
educação. Ele inclui o desejo dos clás­
sicos de que educar é "conduzir pela 
mão". Trata-se entretanto de "um 
conduzir" bem direcionado, voltado 
para fins práticos. Chegamos, dessa 
forma, ao conceito de educação, no 
sentido que Karl Mannheim lhe deu, 
ou seja, técnica social capaz de influ­
enciar comportamentos.45 
Dito isso, sentimo-nos aptos 
para indicar o que as irmandades te­
riam ensinado aos negros - como fo­
ram educados por elas? 
Os autores mostram que, apesar 
da baixa condição social de seus mem­
bros, as irmandades funcionaram 
como associações de assistência e de 
ajuda materia1.46 Um exemplo disso 
foi a Irmandade de Nossa Senhora do 
Rosário dos Pretos de São Paulo_ Se­
gundo Raul Joviano do Amaral (mem­
bro dessa irmandade e posteriormente 
um dos líderes do movimento negro 
no início do século XX), a irmandade 
de São Paulo funcionava como uma 
espécie de associação mutualista, 
onde famílias africanas após terem 
obtido sua liberdade vinham se ins­
talar para viver e desenvolver seu 
próprio comércio_47 A Irmandade do 
Rosário dos Arturos em Contagem, 
estado de Minas Gerais, tem até hoje 
uma estrutura comunitária nos mol­
des descritos por AmaraL48 Outros 
estudos mostram ainda que muitas 
dessas irmandades controlavam se­
tores em hospitais e prestavam as­
sistência aos escravos mutilados ou 
inválidos_ 49 Existiam, no século XIX, 
irmandades praticamente em todo o 
Brasil. Todas funcionando em áreas 
urbanas_Ali praticavam-se algumas 
funções administrativas que acaba­
vam preparando os indivíduos para 
conduzir atividades comunitárias e 
"as relações comunitárias faziam-se 
na medida exata da identificação en­
tre os que dela participavam" .50 Eram 
associações que integravam e libera­
vam os indivíduos liberando seus 
anseios, "funcionando como um ca­
nal de suas queixas, palco de suas 
discussões".51 Por tudo isso, podiam 
interferir (como interferiram) no com­
portamento de seus membros, edu­
cando-os para vida associativa no 
mundo urbano. Formava-se a partir 
delas um embrião do que seriam as 
organizações negras combativas que 
335 
500 anos de educação no Brasil 
dominaram a primeira metade do século XX; é delas que 
falaremos a seguir. 
De certa forma, a educação como técnica foi ampla­
mente utilizada pelos movimentos sociais dos negros no iní­
cio do século XX. Que movimentos foram esses? 
Revoltas e rebeliões que dominaram praticamente todo 
o período da escravidão negra no Brasil, dando à luz modelos 
de organizações sociais forjadas pelos escravos rebeldes, co­
nhecidas como quilombos, reapareceram na era republicana 
sob a forma de movimentos sociais. Foi no início de nosso sé­
culo, mais precisamente na segunda metade dos anos lO, que 
os movimentos de protesto dos negros no 
Brasil adquiriram um caráter eminente­
mente urbano. Agem como atores coleti­
vos, contribuindo para "projetar o povo 
na história".52 Tanto os documentos quan­
to os registros de algumas entidades ne­
grastestemunharam manifestações contraa discriminação e o preconceito raciais, ainda que de forma 
minoritária, em prósperas regiões urbanas: Porto Alegre, 
Santos, Rio de Janeiro, Recife. 
Mas foi na cidade de São Paulo que o movimento assu­
miu proporções imensas. Sua urbanização seguia rapidamen­
te os paradigmas da modernidade. O modo de ser moderno, 
ao mesmo tempo rompendo e tensionando o modo de ser tra­
dicional, propicia a emergência de novos atores sociais, por 
conseguinte, de novos conflitos de classe, raciais e étnicos, afe­
tando a convivência entre os próprios nativos ou entre eles e 
os imigrantes estrangeiros53 
Os estudos desses primeiros movimentos suscitam ques­
tões sobre as mudanças que se processavam no interior das 
comunidades negras, ou seja, nos grupos que envolviam os 
descendentes de africanos, incluindo todos os que resultaram 
de mestiçagem dos negros ou com os brancos ou com os índi­
os. Afinal de que estamos falando? De algo que, em geral, é 
aceito como tácito ou óbvio, mas que, no entanto, não é nem 
uma coisa nem outra. 
Quando estudávamos as condições sociohistóricas, que 
favoreceram a emergência de movimentos negros no Brasil, já 
nos chamava a atenção o fato de que os líderes desses movi­
mentos eram recrutados entre os mais educados, entre aqueles 
336 
-
Negros e educação no Brasil- Luiz Alberto Oliveira Gonçalves 
_ XX; é delas que 
à luz modelos 
:­_a era republicana 
~.:úcio de nosso sé­
:'2 dos anos lO, que 
. -to dos negros no 
.:.ará ter eminente­
- ~mo atores coleti­
"projetar o povo 
C':> ,a I,. lJC':> contra 
que de forma 
- ­ -: Porto Alegre, 
::xguia rapidamen­
::...;) de ser moderno, 
. iJ modo de ser tra­
:'i:ores sociais, por 
::-']5 ou com os índi­
~ _ que, em geral, é 
=- .an to, não é nem 
desses movi­
-'O.'::os, entre aqueles 
que já haviam atingido um certo nível 
de escolarização. E alguns deles com 
formação em nível superior.54 
Veja-se como José Correia Leite, 
nascido em 1900 na cidade de São Pau­
lo, um dos líderes desses movimentos, 
pronunciou-se a esse respeito em seu 
livro de memórias. Intitulando-se au­
todida ta, diz ele que aqueles movimen­
tos eram liderados por uma "minoria 
preocupada em apontar os erros e as 
injustiças da tal abolição da escravatu­
ra". A seu ver, "só os negros (pode­
riam) advogar essa questão", pois era 
"uma carga muito forte e negativa dos 
400 anos de retardamento não só físi­
co, mas também mental e espiritual".55 
Foi assim que, segundo o velho 
militante, "um grupo mais ou menos 
esclarecido entendia que o negro de­
via ir a campo para se conscientizar e 
combater com a mesma arma do bran­
co: cultura e instrução, o que o negro 
não tinha nem se preocupava em ter" .56 
Talvez essa constatação expli­
que porque no ideário de luta dos ne­
gros brasileiros a educação sempre 
ocupou lugar de destaque: ora vista 
como estratégia capaz de equiparar 
os negros aos brancos, dando-lhes 
oportunidades iguais no mercado de 
trabalho; ora como veículo de ascen­
são social e por conseguinte de inte­
gração; ora como instrumento de 
conscientização por meio do qual os 
negros aprenderiam a história de seus 
ancestrais, os valores e a cultura de seu 
povo, podendo a partir deles reivin­
dicar direitos sociais e políticos, direi­
to à diferença e respeito humano. 
A grosso modo, a educação, 
em geral, e a educação escolar, em 
particular, sempre estiveram no topo 
das reivindicações desses movimen­
tos. A educação, apesar das diferen­
tes situações em que é reivindicada, 
aparece como um valor. A questão é 
saber: como esse valor foi dissemina­
do entre os descendentes de africa­
nos, principalmente no início de 
nosso século? Quem teria escolariza­
do a minoria negra que, à época, en­
cabeçava aqueles movimentos? 
Depoimentos apontam para a 
existência de entidades negras de ca­
ráter cívico e recreativo que manti­
nham em suas dependências cursos 
destinados às crianças e aos jovens 
negros . Em geral, essas entidades 
conservavam nomes de personagens 
abolicionistas ou datas significati­
vas relativas à emancipação da raça 
negra . Surgiram da iniciativa dos 
próprios negros, com o objetivo de 
promover e melhorar auto-imagem 
57 da população negra.
Infelizmente carecemos de fon­
tes documentais sobre essas entida­
des, embora consideremos que só 
recentemente os pesquisadores (aqui 
me incluo) tenham se lançado na 
busca de documentos que registrem 
sua história. Por isso não creio que 
se possa dizer, com certeza, que es­
ses documentos não existam. Há 
muito trabalho ainda pela frente . 
Por enquanto temos nos servido das 
fontes orais . 
Em 1988, tivemos a oportunida­
de de ouvir o valioso relato de uma 
professora, Efigênia Pimenta, no Insti­
tuto de Recursos HumanosJoão Pinhei­
ro, por ocasião de um evento no qual 
se discutia o centenário da Abolição. 
337 
500 anos de educação 110 Brasil 
Visita da diretoria e 
de alguns membros 
da Associação José 
do Patrocínio 
a uma galeria de 
arte, como parte das 
atividades culturais 
da entidade. 
Seu pai, coronel da polícia e militante em organizações negras 
paulistas, veio para Minas Gerais, residiu em Juiz de Fora e 
Uberlândia. Após fixar residência em Belo Horizonte, criou a 
Associação José do Patrocínio, em 1951, cujo objetivo era pro­
mover a raça negra por meio da educação e da instrução e 
orientar as famílias quanto à formação de crianças e de jo­
vens. Efigênia, como participante ativa do movimento, pôde, 
na ocasião, esclarecer questões do tipo: quem dava os cursos? 
Que espécie de curso era oferecido? Como eram mantidos/58 
Entretanto, é preciso ressaltar que essas associações não 
eram exclusivamente educacionais. Na realidade, eram entida­
des beneficentes, ou seja, educação e assistência social caminha­
vam juntas. Pelo menos, é o que mostra o depoimento de alguns 
líderes paulistas. Segundo Correia Leite, o assistencialismo teria 
de predominar pelas seguintes razões: "Naquele tempo era fa­
vor, era caridade ( ... ). Era tudo por meio de favor. Eu achava isso 
injusto, com relação a nós negros. Pois, as colônias estrangeiras 
resolviam isso formando associações beneficentes e mútuo so­
corro. Os italianos tinham essas associações . Quando eu es­
tava em uma roda de negros eu procurava discutir isso: ( ... ) 
porque nós não podemos ter também uma associação assim?"59 
Entre 1906 e 1940, foram registradas, no estado de São 
Paulo, várias associações de assistência . Para ilustrarmos cita­
mos algumas: "Flor de Maio", em São Carlos; "José do Patrocí­
nio", em Rio Claro; "Luiz Gama " , em Jundiaí; e, ainda, 
"Organização de Cultura e Beneficência Jabaquara" e "Socie­
dade Beneficente 13 de Maio", ambas em São Paul0 60 
338 
Negros e educação no Brasil- Luiz Alberto Oliveira Gonçalves 
= ~_ izações negras 
__ Juiz de Fora e 
~orizonte, criou a 
_'':>j etivo era pro­
d a instrução e 
Tianças e de jo­
<; associações não 
e, eram entida­
ocial caminha­
de alguns 
estrangeiras 
e mútuo so­
uando eu es­
":Í5cutir isso: ( ... ) 
;:z:s 
A primeira entidade de que se tem 
o registro do funcionamento como 
escola de formação de líderes sur­
giu em 1926, na cidade de São 
Paulo, Centro Cívico Palmares. 
Florestan Fernandes dedicou algu­
mas páginas de sua obra à analise 
dessa entidade. Ele a descreve 
como um espaço de agitação polí­
tica, que contribuiu para reduzir os 
riscos de um movimento acéfalo: 
formou quadros61 
Até os adversários do Centro 
Palmares reconheceram seu papel de 
liderança. Veja-se, por exemplo, como 
Correia Leite (um de seus opositores) 
definia os objetivos daquela entidade: 
fazer a aproximação do negro ( ... ) 
para acabar com a dispersão que 
havia ( .. ) O que o Palmares queria 
era que o negro se tornasse um ele­
mento de força, de conjunto. Não 
precisava que toda raça negra se 
reunisse, mas pelo menos parte 
dela tivesse aquela consciência ( ... ) 
O clamor era sempre esse: de que 
o negro tinha de ter uma lideran­
ça, um caminho (... ) Toda a preo­
cupação era ( ...) unir os negros para 
umaluta de reivindicação junto 
aos governos, para que eles ouvis­
sem nosso apelo.62 
Foram relatos como esses que 
me fizeram repensar o papel da edu­
cação para os negros naquele momen­
to da história brasileira. Penso que fica 
clara a idéia anteriormente apresenta­
da de que a ed ucação para os negros, 
no início do século XX, teria de fun­
cionar como técnica social de influen­
ciar comportamentos. Havia ali uma 
necessidade histórica. As mudanças 
de atitudes e de mentalidade eram 
muito difíceis, pois como nos lembra 
339 
Correia Leite, "o treze de maio não 
estava longe". Muitos dos que milita­
vam no Centro Palmares teriam sido 
netos ou filhos de escravos. Os negros 
tinham de aprender que eram irmãos, 
que "tinham o mesmo problema, a 
história era uma só". Era a consciên­
cia da origem que os unia, fosse dou­
tor ou fosse de classe baixa, "todos 
vinham da senzala ". Mesmo aque­
les que por acidente "tinham sido 
apoiados pela família dos escravo­
cratas" não podiam fugir a essa cons­
ciência. Os poucos esclarecidos sabiam 
disso. "A maioria, entretanto, saiu da 
escravidão completamente abandona­
da (.. . ) não entendia absolutamente 
nada, vivia pelos porões, completa­
mente esquecida das origens". 63 
Não há como não reconhecer o 
quão significativo é o relato que aca­
bamos de reproduzir. Nele podemos 
apreender o clima de desorientação 
vivido pelos negros em São Paulo, 
no início do século XX. Tal clima já 
havia sido assinalado por Fernandes, 
ao estudar as relações entre negros e 
brancos naquela cidade. As relações 
inter-raciais passavam por mudan­
ças, fazendo com que São Paulo mer­
gulhasse em um profundo estado de 
anomia social. Era possível consta­
tar a ti tudes do tipo "cada um por si" 
ou disposições psicossociais, dando 
a sensação de estar em completa vi­
gência de uma"guerra de todos con­
tra todos". 
Já tivemos oportunidade de cri­
ticar essa visão unilateral dos fatos . 
Insisto na idéia de que outras expe­
riências vividas pelos negros em 
São Paulo precisam ser levadas em 
500 anos de educação no BrasIl 
consideração, pois novas teias de solidariedade foram tecidas 
naquele momento . Não quero com isso desvalorizar as fontes 
orais sobre as quais trabalhamos. Quero, sim, ressaltar a ne­
cessidade de cruzá-las com outras fontes, pois só assim pode­
remos validar as informações que delas tiramos. Por exemplo, 
o relato de Correia Leite se torna significativo na medida em 
que, contrastado com outras experiências ou histórias de vida, 
expressa a luta de um negro que teve de contar consigo mes­
mo, com sua própria iniciativa, para sair de um terrível esta­
do de anomia social. 
Não é por acaso que, para ele, a escola tenha aparecido 
em sua vida como algo quase inacessível e as poucas experiên­
cias escolares nunca lhe tenham dado a sensação de que teria 
aprendido alguma coisa. Teve dificuldade em matricular-se em 
uma escola quando criança, pois, como ele mesmo diz, "não 
tinha quem se responsabilizasse por mim (... ). Eu era um meni­
no prejudicado porque tinha de enfrentar sérios problemas da 
minha vida. E já era 'minha vida"'.64 Freqüentou pela primeira 
vez uma escola na adolescência. Tratava-se de um estabeleci­
mento particular. A professora o aceitou porque, em troca, ele 
varreria o quintal da escola.65 Mal começou a ler as primeiras 
letras, a professora fechou a escola mudando-se para o interior 
do es.tado. Dali para frente, as experiências não foram muito 
diferentes. Descobriu que a maçonaria tinha escolas que aten­
diam os pobres e negros. Estudou um tempo em uma dessas 
escolas até que fechou. Teve ainda experiência em uma escola 
dirigida por um padre que atendia meninos jornaleiros, mas 
tudo assim, sem muita sistematização.66 
Florestan Fernandes apresenta outros depoimentos que 
indicam que para muitos negros a vivência escolar, quando 
houve, foi marcada por essa fluidez que dava o tom ideológico 
àquele momento histórico. Para Fernandes, a doutrina liberal 
orientava as mudanças. O clima era competitivo. Na competi­
ção, os negros estavam em desvantagem. Despreparados para 
responder às novas exigências do mercado de trabalho, tinham 
que disputar com os imigrantes europeus e com os brancos 
brasileiros, supostamente mais adaptados à nova ordem 
competitiva.67 A convivência dos negros com os trabalhadores 
estrangeiros teve conseqüências que a meu ver ainda não fo­
ram suficientemente estudadas. Houve, sim, conflitos raciais. 
Mas houve também troca de experiências e aprendizado mú­
tuo. Correia Leite nos oferece informações muito interessantes 
340 
-
Negras e educação no Brasil - LuÍZ Alberto Oliveira Gonçalves 
as fontes 
ressaltar a ne­
- :0 assim pode­
Por exemplo, 
. . a medida em 
: --"-'=' ara o interior 
:BO foram muito 
-colas que aten­
em uma dessas 
omaleiros, mas 
::.e. oimentos que 
. -colar, quando 
:: .om ideológico 
outrina liberal 
~: o interessantes 
de sua convivência com a "italianada". 
"Os italianos começaram a gostar de 
mim porque além de eu ser um meni­
no abandonado, era educado, maleá­
vel e sabia responder o que devia e o 
que não devia ( ... ) assim, passei a con­
viver no meio dos italianos, a gostar 
da ópera e de outro tipo de música". 68 
Fernandes insiste no fato de que mui­
tas atitudes novas adotadas pelos lí­
deres negros foram inspiradas ou 
incitadas no e pelo confronto com os 
imigrantes europeus. Assim como as 
entidades dos italianos, dos espanhóis 
e dos portugueses se formaram para 
defender os seus interesses nacionais e 
étnicos, os negros buscaram construir 
entidades nos mesmos moldes para 
defender seus próprios interesses. 
Criaram como eles uma imprensa ati­
va e militante e passaram a incentivar 
atitudes de autonomia, apelando para 
o esforço de cada um, para a respon­
sabilidade do ptóprio indivíduo no 
seu sucesso ou fracasso e defenderam 
a educação como instrumento de as­
censão social. Enfim, agiram, segun­
do Fernandes, como "verdadeiros 
puritanos do liberalismo".69 
Concordamos parcialmente 
com essas idéias. Outras experiên­
cias têm de ser consideradas. Não se 
pode esquecer que o movimento ne­
gro no Brasil cria suas organizações 
de luta no mesmo período em que a 
classe operária amplia suas ações. 
Edgar Carone, estudando o movi­
mento operário no início do século 
XX, traz registros importantes sobre 
organizações dos trabalhadores em 
várias partes do país. O autor destaca 
algumas atividades que caracteriza­
ram bastante o proletariado urbano, 
341 
enfatizando que tais atividades esta­
vam a exigir uma melhoria das condi­
ções educacionais dos trabalhadores, 
principalmente os nativos, uma vez 
que os imigrantes traziam consigo já 
uma certa qualificação . Para este au­
tor muito se aprendeu com a expe­
riência dos imigrantes estrangeiros; 
foi um período farto em material es­
crito. Forjou-se, naquele momento, 
uma significativa imprensa operária, 
apareciam assim reivindicações que 
implicavam a escolarização do mun­
do do trabalho. 70 
A partir das pistas apontadas 
por Carone, passamos a nos interro­
gar sobre o nível de organização de 
algumas profissões ou ocupações que 
concentravam, como bem nos retratou 
Fernandes, grandes contigentes da 
população negra masculina: marcena­
ria, carpintaria e outras atividades que 
se ajustavam aos poucos à nova reali­
dade econômica do país. Foi ali que 
encontramos registros de um tipo de 
educação voltada para o mundo do 
trabalho, da qual os negros participa­
vam.71 Faltam pesquisas sobre essas 
experiências e não temos condição de 
dizer se a presença de negros nos cur­
sos era significativa. Mas nada disso 
justifica sustentar a idéia de que tudo 
era anomia social. A tese do abando­
no é correta, mas não absoluta. Estu­
dando a inserção dos negros no 
mercado de trabalho na Bahia, em 
particular na cidade de Salvador, a 
pesquisadora Luiza Bairros ajuda a 
entender que a absorção de mão-de­
obra negra exigia qualificação e esco­
larização.72 Aos negros só foi possível 
a qualificação porquenão estavam 
500 anos de educação /10 BrasIl 
isolados, abandonados à própria sorte. Contaram com outro 
tipo de solidariedade: a de classe. 
Para finalizar este artigo, pareceu-nos interessante apre­
sentar as orientações daquela que foi a primeira grande pro­
posta visando ao desenvolvimento moral e intelectual do negro 
brasileiro. O texto foi redigido por Raul Joviano do Amaral, 
na ocasião presidente da Frente Negra Brasileira, em 1936. Nele 
aparece um programa de ação que se estrutura em três eixos: 
agrupar, educar e orientar. 
Agrupar significava, naquele contexto, mobilizar ou 
desenvolver uma capacidade de mobilização dentro dos "im­
perativos dos tempos modernos", que exigiam de todos os 
setores raciais, econômicos e filosóficos "harmonia de ação 
para defender os interesses vitais da existência" . A educa­
ção aparecia nitidamente como um mecanismo de ascensão 
social. O texto ressaltava criticamente os efeitos perversos 
do ensino difundido nas escolas, onde a maioria era branca. 
Nessas escolas, "o negro minado por terríveis insinuações 
carregadas de preconceitos se afasta de outros negros me­
nos favorecidos" . Diante dessa situação a Frente Negra se 
propunha a tomar para si a educação coletiva dos negros 
"do curso primário até as noções necessárias para as lutas 
do tréj.balho cotidiano". 
A Frente Negra criou uma escola: "Nos cursos os pro­
fessores davam aulas gratuitas . Os frentenegrinos que estu­
davam e estavam fazendo Engenharia, outros que faziam 
Biologia, outros Comércio, eles se propuseram a dar aulas (.. . ) 
a escola era formada por quatro classes, com professoras no­
meadas pelo governo. Nas classes a gente aceitava até filhos 
de japoneses, que moravam ali pertinho"?3 
Ao longo do século XX, foram poucas as experiências que, 
a exemplo da Frente Negra, criaram suas próprias escolas. Ini­
ciativas dessa natureza concentraram-se na cidade de Salva­
dor. Essas escolas aparecem no interior de movimentos 
associados aos blocos afros, por volta de 1970. A maioria das 
ações dos movimentos negros tem sido junto às Secretarias de 
Educação. A luta para melhorar a situação educacional da po­
pulação negra tem sido cada vez mais intensa. Alguns traba­
lhos têm se mostrado bem sucedidos, tais como os que são 
desenvolvidos nos estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Gran­
de do Sul, desde meados de 1980. Ali, o Núcleo Estudos Ne­
gros de Santa Catarina tem liderado importante movimento 
342 
-
Negros e educação no Brc1sil - Luiz Alberto Oliveira Gonçalves 
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de reforma educacional tendo como dizer que o aumento, se houvesse, 
alvo o combate da discriminação ra­ afetaria principalmente os outros seg­
cial no sistema de ensino. mentos: negro e pardo. Em nossas 
Terminamos este artigo lem­ projeções, a população entre 20 e 30 
brando um dado que não nos sai da anos, já no início do século XXI, seria 
cabeça desde que refletimos sobre a majoritariamente negra e mestiça, 
situação educacional dos negros no com predominância masculina. Em­
Brasil no limiar do século XXI. Bus­ bora corramos riscos ao prever o fu­
cando decifrar sinais do futuro na de­ turo, nada nos impede de imaginá­
mografia, pareceu-nos curioso a ten­ lo. Se as projeções acima estiverem 
dência de redução da população corretas, muito provavelmente as 
jovem brasileira. De fato, ela se con­ pressões por melhores condições edu­
firmava. Só que afetava mais direta­ cacionais virão inicialmente de jovens 
mente a população definida tecnica­ negros e pardos. Esperemos para ver 
mente como branca, o que significava o que vai dar. 
NOTAS 
1 Por ocasião do centenário da Declaração dos Direitos Humanos, o professor Kabengele 
Munanga encomendou-me um trabalho para ser apresentado na abertura de um ciclo de 
conferências, por ele organizado, cujo objetivo era examinar, em diferentes perspectivas, 
qual teria sido o impacto da referida Declaração nas melhorias das condições de vida da 
população negra, n·o limiar do século XXI. O tema que me foi proposto, "Situação educa­
cional dos negros no Brasil", pareceu-me dificílimo. Tinha-se uma expectativa de que eu 
fizesse um balanço dos últimos cinqüenta anos. E foi isso que fiz. Com o auxílio de 
alguns colegas da universidade, experts em estudos estatísticos, pude aventurar-me 
a experimentar novas maneiras de ler a longa combinação de dados do censo brasileiro. 
Recusei-me, entretanto, a comparar década por década. Procedimento correto mas enga­
noso, pois por pior que ainda esteja a situação educacional dos negros, todas as vezes 
que comparamos as décadas sempre encontramos alguma melhora, algum avanço. Fun­
ciona como uma espécie de tranqüilizante em relação às mazelas do passado. E quanto 
ao futuro, esse tipo de leitura evolutiva acaba reforçando a eterna esperança de que tudo 
há de ficar melhor. Indo por outras vias, decidi comparar dados dentro de uma mesma 
década, tomando como referência o censo de 1990. A unidade de comparação foi a das 
gerações segundo a cor e o grau de escolarização. O ponto médio, por questões óbvias, 
recaiu sobre a população cuja idade estava em torno de 50 anos, ou seja, os nascidos ime­
diatamente após a Declaração dos Direitos Humanos. A partir daí pude estudar a situação 
educacional das gerações abaixo ou acima dos 50. Não agrupei na categoria "negro" da­
dos que se referiam aos que se declararam, à ocasião do censo, pretos e pardos, ou seja, o 
"homem de cor". Foram analisados separadamente. Para efeito da presente exposição, 
não entrarei em detalhes sobre a arquiconhecida defasagem que há entre brancos, pardos 
e pretos quando se lhes comparam oportunidades e chances educacionais respectivamen­
te. Aliás, estudos dessa natureza são feitos com freqüência. Dentre eles, destacam-se os 
trabalhos de Carlos Hasenbalg e de outros pequisadores do IURPEJ. Cf: HASEN­
BALG, C. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Graal,1979 
343 
500 anos de educação no Brasil 
e Perspectivas sobre raça e classe. Rio de Janeiro, 1981, mimeo e Notas sobre relações de 
raça no Brasil e na América Latina, São Paulo, 1990, mimeo. 
2 	 GONÇALVES, Luiz Alberto de O. Situação educacional do negro no Brasil. Seminário 
sobre os Direitos Humanos no limiar do século XXI, São Paulo: Universidade de São 
Paulo, 1998 (mimeo) . 
3 CAMPOLINA, A M. P. e outros. "Escravidão em Minas Gerais". Cadernos do Arquivo. 
N. 1, Belo Horizonte, 1988. 
4 Informações mais detalhadas acerca dessas instituições nos foram repassadas por Mar­
cus Vinícius Fonceca, pesquisador do Grupo de Estudo sobre Educação e Etnias, FaE/ 
UFMG. Investigando relatórios do Ministério e da Secretaria dos Negócios de Agricultu­
ra e do Comércio, relativas às duas últimas décadas do século XIX, Fonceca identificou 
nove instituições destinadas a receber crianças beneficiadas pela Lei do Ventre Livre, 
distribuídas nas seguintes províncias: Pará, Piauí, Pernambuco, Goiás, Ceará, Rio de Ja­
neiro e Minas Gerais. Todas subsidiadas pelo Ministério. Foram criadas entre 1871 e 
1881. O resultado dessa pesquisa deve sair ainda no primeiro semestre de 2000, com o 
título: Concepções e práticas educacionais em relação aos negros no processo de abolição 
do trabalho escravo no Brasil - 1867-1888. 
5 Idem. 
h 	VanildaPaiva registra a freqüência de escravos na província do Pará Cf: PAIVA, V. P. 
Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Loyola, 5. ed. 1987. Celso R. Beisiegel 
descreve uma experiência na qual um tipógrafo na província do Paraná ministrava cur­
sos em escolas noturnas para escravos em 1882. Cf. BEISIEGEL, C. R. Estado e educação 
popular: um estudo sobre a educação de adultos. São Paulo: Pioneira, 1975, p. 64. 
7 PERES, E. T. "Templo da Luz": os cursos noturnos masculinos de instrução primária da 
biblioteca pública pe!otense (1875-1915). Porto Alegre: UFRGS, dissertação de Mestra­
do, 1995, p. 106. 
x Ibdem, p. 100. 
9 Idem. 
10 Ibdem, p. 115. 
11 TOURAINE, A. Crítica da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1995. 
12 VALENTE, A. V. L. La mort chez les noirs de lafratemitédu Rosário. UFMS, 1994. mimeo, p.4. 
!3 FREYRE, G. Casa grande e senzala. Rio de Janeiro: José Olympio, 1933. 
14 BASTIDE, R. As religiões africanas no Brasil. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1985, p. 223. 
15 Idem. 
Ih CARVALHO, J. M. "Escravidão e razão nacional". In: Dados. Rio de Janeiro: Ed. Vértice, 
v. 31 (n" 3): 287-308, 1988. 
17 CONE, J. H. "A igreja branca e o poder negro". In: CONE, J.H. e WILMORE, G.S. Teolo­
gia negra. São Paulo: Paulinas, 1986, p. 131-149. 
18 Idem. 
19 Idem. 
20 VALENTE, 1994, p. 4. 
21 	 CAMPOLINA, A e outros. Cademos do Arquivo. 
22 OLIVEIRA, P. R. "Catolicismo 'popular' como base religiosa". In: CAMARGO, c.P.F. 
(org.) Católicos, protestantes e espíritas. Petrópolis: Vozes, 1973, p. 7. 
344 
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.:::, ~994. mimeo, p. 4. 
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~~-\ MARGO, C.P.F. 
Negros e educação no BrasIl- Luiz Alberto Oliveira Gonçalves 
23 	 HOORNAERT, E. Formação do catolicismo brasileiro 1500-1800. Petrópolis: Vozes, 1978. 
SALLES, F. T. Associações religiosas no ciclo do ouro. Introdução ao estudo do compor­
tamento social das irmandades de Minas Gerais no século XVIII. Belo Horizonte. Centro 
de Estudos Mineiros, 1963. 
24 SIMMEL, G. Sociologie et épistémologie. Paris: PUF, 1981. 
25 MELLO, V. As Confrarias de Nossa Senhora do Rosário como reação contracultural no 
Brasil. Afro-Ásia, Salvador, (13): 107-118, abril, 1980. p.I11-2; SCARANO, J. Devoção e 
escravidão: a irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos do Distrito Diamanti­
nense do século XVIII. São Paulo: Ed. Nacional, 1976, p. 19. 
26 SALLES, op. cit., p. 29. 
27 BASTIDE, op. cito 
2~ HOORNAERT, E. (coord.) História da Igreja no Brasil. Primeira época. TomoU/ I, 3d ed., 
Petrópolis: Vozes/Paulinas, 1983, p. 385. 
2Y BASTIDE, op. cit., p. 222. 
30 Idem. 
31 VALENTE, op. cit., p. 6. 
32 Idem. 
33 Idem. 
34 BASTIDE, op. cit., p. 79. 
35 CONE, J. H. The spirituals and bllles. New York: Seabuty Press, 1972, p. 147. 
36 Idem. 
37 HASELDEN, Kyle. The racial problem in Christian perspective. N. Y.: Harlor & How, 
1959, p. 29. 
3H CONE, 1986, P 148. 
39 Idem. 
4Q A literatura sobre esse assunto é muito abundante. Para se ter alguma idéia sobre o tema 
consultar: FRAZIER, E. F. The negro church in American. New York: Schokem Books, 
1964; JOHSON, Joseph A. Or). The soul of the black preacher. Philadelphia: United Church 
Press, 1971 . 
41 CONE, 1972. 
42 THURMAN, H. Jesus and the desinherited. Nashville: Abingdon-Ckesbury Press, 1949. 
43 FORMAN, J. "Manifesto negro". In: CONE & WILMORE. Teologia negra. São Paulo: 
Paulinas, 1986, p. 99-109. 
44 Isso se deve ao fato de que nossa pesquisa lidou com fontes primárias muito incipiente­
mente, ou seja, nos debruçamos muito pouco sobre documentos da época; a fonte oral 
utilizada (entrevistas com militantes dos anos 20 e 30) limitou-se aos dados já coletados 
e disponibilizados em arquivos ou livros. 
45 MANNHEIM, K. e STEWART, W. A. C. Introdução à sociologia da educação. São Paulo: 
CuItrix, 1962. 
46 SCARANO, op. cit., p. 79. 
47 AMARAL, R. J. OS pretos do Rosário de São Paulo. São Paulo: Alarico, 1954, p. 57-59. 
4B SANTOS, E. P. Religiosidade, identidade negra e educação: o processo de construção da 
subjetividade de adolescentes negros dos Arturos. Belo Horizonte, FaE/UFMG, 1997. 
Dissertação de Mestrado. 
345 
49 RUSSEL-WOOLD, A. J. R. Fidalgos and philantropists. The Santa Casa de Misericordia 
of Bahia. (1550-1755), Berckeley, University of Berckeley, 1968. 
50 BOSCHI, 1996, p. 26. 
51 Idem. 
52 FERNANDES, F. A integração do negro na sociedade de classe. São Paulo: Ática, 1986, v. 2. 
53 FERNANDES, F. Idem. GONÇALVES, L. A. O. Le mouvement noir au Brésil. Ulle: Presses 
Universitaires du Septentrion, 1997. 
54 	Encontramos essas referências em alguns depoimentos desses líderes. Todos participa­
ram na organização de uma poderosa entidade no início do século XX: Frente Negra 
Brasileira. São eles: Aristides Barbosa, formou-se em Letras e Sociologia ("Depoimen­
tos", 1998, p. 15), Francisco Lucrécio, cursou ginásio na cidade de Campinas e em São 
Paulo estudou na Escola Livre de Odontologia. Cf. BARBOSA, M. (org.) Frente negra 
brasileira. "Depoimentos" . São Paulo: Quilombhoje, 1998. 
55 CORREIA LEITE, J. e CUTI. ... E assim dizia o velho militante Correia Leite. Depoimen­
tos e artigos. São Pa ulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992, p. 19. 
56 Idem. 
57 GONÇALVES, op. cit. 
5l! Há um vídeo sobre esse depoimento que pertence à associação José do Patrocínio, hoje 
sediada em Belo Horizonte. 
59 CORREIA LEITE, p. 55. 
60 Cf. CUNHA, Jr. 1995, p. 71 e FERNANDES, op. cit., p. 45. 
61 FERNANDES, op. cit., p. 41-2. 
62 CORREIA LEITE, p. 74. 
63 Idem. 
fi ' Ibidem, p. 23, grifos do autor. 
n5lbidem, p. 25 . 
66 Idem. 
67 FERNANDES. Op. cito 
68 CORREIA LEITE, p. 25. 
69 FERNANDES. Op. cito 
70 CARONE, E. A República Velha. Instituições e classes sociais (1889-1930). São Pa ulo: Difel, 
DIFEL, 1978. 
7\ GONÇALVES, 1997. 
72 BAIRROS, L. Pecado no paraíso racial: o negro na força de trabalho na Bahia (1950-1980), 
Salvador: UFBa, 1987. 
73 Francisco Lucrécio. "Depoimento". In: BARBOSA, M. op. cit., p. 42.

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