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Filosofia e ensino de filosofia Disciplina: Seminários Avançados de Filosofia II Tutor: RICARDO A COIMBRA DE MENDONCA RA: 1108226 Aluno(a): Luís Gonçalves Mariguela Turma: DPFF1202 Unidade: Batatais Apresentação O presente trabalho pretende demonstrar como o filósofo David Hume desenvolve sua crítica acerca do racionalismo e consequentemente da ciência cartesiana, através de suas críticas ao princípio de causalidade e o princípio de identidade, e a partir das indagações feitas por Hume sobre o racionalismo e sua impossibilidade de construção do conhecimento demonstraremos como Kant superou as questões levantadas por Hume e resgatou o valor do racionalismo para ciência, como também demonstrou a possibilidade de se produzir um conhecimento eficaz pautado na razão sem, no entanto desconsiderar a experiência como fonte de conhecimento. Hume e Kant desconstrução e reconstrução da razão A crítica levantada por Hume acerca da construção de um conhecimento verdadeiro é construída em dois princípios fundamentais, o primeiro é o principio da causalidade e o segundo da identidade pessoal. Segundo Hume a noção de causalidade é a crença em que há uma relação causal entre todos os fenômenos naturais, no entanto o que existe é uma conjunção entre os fenômenos e não uma relação propriamente dita, ou seja, a noção de causalidade surge da repetição dos fenômenos da mesma experiência e por hábito projetamos essa suposta repetição como uma causa. Mas nossa experiência no passado nada pode provar para o futuro, senão na suposição de haver semelhança entre um e outro. Esse é um ponto, pois, que absolutamente pode ser comprovado e que assumimos como certo sem qualquer prova. Somos determinados exclusivamente pelo hábito a supor o futuro conforme o passado. Quando vejo uma bola de bilhar movendo-se em direção a outra, minha mente é imediatamente levada pelo hábito ao efeito costumeiro, e antecipa minha visão, concebendo a segunda bola em movimento. Nada há, nesses objetos, considerados abstrata e independentemente da experiência, que me leve a tal conclusão. E mesmo depois de eu ter tido a experiência de muitos efeitos dessa espécie, nenhum argumento me determina a supor que o efeito será conforme a experiência passada. (HUME, p. 69, 70,71) Acerca da crítica ao princípio de identidade pessoal, Hume coloca em xeque o modelo cartesiano que concebe a mente como substância pensante, com a afirmação de que nada preexiste na mente antes da experiência, pois a própria percepção do “eu” como algo pensante depende das impressões que recebemos do exterior. Há alguns filósofos que imaginam que estamos a todo momento conscientes de algo a que chamamos nosso “eu” e que sentimos sua existência contínua, tendo certeza, para além de qualquer evidência ou demonstração, de sua perfeita identidade e simplicidade (...) Infelizmente, todas essas afirmações são contrárias a essa mesma experiência a que esses filósofos recorrem, nem temos qualquer idéia do eu do modo como a explicam. De que impressão poderia essa idéia ser derivada? (Hume, Tratado sobre a natureza humana, I, sec. VI apud MARCONDES, 2007 p.188) Ao afirmar que não há possibilidade da existência da res cogitans cartesiana e que tudo que conhecemos inclusive nós mesmos parte de impressões derivadas da experiência e que a própria noção de “eu” surge de um hábito criado por nossa memória, assim temos continuidade temporal dessas impressões que nos faz crer que há um “eu” independente dos sentidos. Toda percepção da realidade na teoria de Hume parte das percepções, ou seja, todos os conteúdos da mente humana são percepções, essas por sua vez possuem duas qualidades, derivadas e originárias. As percepções derivadas são imagens produzidas pela memória a partir das impressões e as originárias são impressões sensitivas (sensações e emoções), as impressões simples geram as impressões complexas que partem das combinações entre impressões distintas, associações por semelhança e contiguidade e por fim as relações feitas entre as diversas associações. As impressões complexas por sua vez geram as ideias complexas, que são constituídas de proposições fundamentas no hábito e na crença, gerando a falsa ideia de causalidade, que não é uma relação contingente às percepções derivadas e originárias, pois nada nos garante que o fenômeno responsável por originar tais percepções irá se repetir da mesma forma no futuro. Da mesma forma que Hume desconstrói o princípio de causalidade, até então sustentáculo do método científico em voga, o conceito de substância também é minado, pois não há nada que não seja percebido pelos sentidos e nem constituídos sem os sentidos, dessa forma, tanto as substâncias corpóreas quanto as espirituais não podem ser objeto de conhecimento, mas de crença. As críticas elaboradas por Hume questionam a validade da ciência racionalista, principalmente o método cartesiano, lançando incertezas sobre a capacidade de conhecer as coisas em si, pois para Hume conhecemos apenas as impressões das coisas. A problemática lançada por Hume suscitará em Kant o interesse em resolvê-la. Os questionamentos céticos de Hume abalaram profundamente Kant, que visava empreender uma defesa do racionalismo contra o empirismo cético. Percebeu, no entanto, a importância das questões levantadas pelos empiristas, destacadamente Hume...(MARCONDES, 2007, p. 212) Em resposta aos questionamentos levantados por Hume, Kant desenvolverá o que foi denominado uma filosofia transcendental, que se ocupa com nosso modo de conhecer os objetos e a análise das condições para a construção do conhecimento, para tanto, Kant parte da distinção entre juízos analíticos e juízos sintéticos. Os juízos analíticos são universais e necessários, porém não amplifica o conhecimento. Juízos analíticos (afirmativos) são, portanto, aqueles em que a ligação do predicado com o sujeito é pensada como identidade, enquanto aqueles em que esta ligação é pensada sem identidade devem ser chamados juízos sintéticos. Os primeiros também poderiam ser chamados juízos explicativos, e os outros juízos extensivos: os primeiros, com efeito, com o predicado não acrescentam nada ao sujeito, mas o dividem apenas, decompondo-o em seus conceitos parciais...(Kant apud REALE, 2009, p.397) O juízo sintético possui duas qualidades: a posteriori e a priori. O juízo sintético a posteriori possui por característica a ampliação do conhecimento do sujeito com algo que não estava contido implicitamente nele. Segundo Kant os juízos sintéticos mais comuns são aqueles que formulamos baseando-nos na experiência. O juízo sintético a priori é independente da experiência, mas relacionados a ela em algum grau, contudo são universais e aplicados a todos os sujeitos, Kant usa como exemplo o conhecimento matemático. Em primeiro lugar devemos observar que as verdadeiras proposições matemáticas são sempre juízos a priori, e não empíricos, pois comportam uma necessidade que não pode ser extraída da experiência. E caso não se queira conceder isso, limitarei minhas proposições à matemática pura, cujo conceito comporta já que ela não contém um conhecimento empírico, mas simplesmente um conhecimento puro a priori. (Kant apud REALE, 2009, p.398) Para Kant o saber científico é constituído pelos juízos a priori, pois todos os juízos sintéticos ampliam o conhecimento, os a posteriori a partir da experiência e os a priori a partir intuição que não depende da experiência, mas do próprio juízo em si. Todas as operações aritméticas, por exemplo, são “síntese a priori”. O juízo 5+7=12 não é analítico, mas sintético: com efeito, nós recorremos aos dedos das mãos quanto contamos (deve-se pensar também nas operações que realizamos com o ábaco), ou seja, à intuição, graças à qual nós vemos nascer (sinteticamente) o novo número correspondente àsoma. (REALE 2009, p. 357). É através do juízo a priori que Kant propõe uma resposta ao questionamento huminiano da impossibilidade da construção de um conhecimento racional, sem negar categoricamente que a experiência também é parte constitutiva do conhecimento, porém o conhecimento a priori amplia o conhecimento do sujeito não apenas por sua relação entre o objeto e sujeito cognoscente, mas ele cria algo além da própria experiência como o resultado da soma de dois números, o resultado não estava implícito nos números antecessores e nem tão pouco são originários de uma sensação, no entanto foram criados apenas com o uso do intelecto, sendo esse conhecimento a verdadeira base da ciência para Kant, pois a mesma tem por função ampliar o conhecimento a partir de predicados universais que não são encontrados nos juízos a posteriori. Conclusão Hume ao elaborar sua crítica às noções básicas da ciência cartesiana puramente racional e ao afirmar a impossibilidade do conhecimento fora da experiência mina as possibilidades do desenvolvimento científico, pois segundo Hume só podemos perceber os fenômenos enquanto estes ocorrem, mas não podemos conhecer com segurança nada além das manifestações dos fenômenos e nem inferir nada com base na razão, pois esta é constituída a partir das sensações. Em resposta aos questionamentos de Hume e na iminente impossibilidade de construção do saber cientifico que Hume desencadeia, Kant opera um resgate do valor do conhecimento racional, sem negar categoricamente a experiência como fonte de conhecimento, Kant insere uma nova forma de conceber a racionalidade, seu conceito de juízo a priori oferece nova possibilidade de construção de um conhecimento puramente racional que foge as indagações de Hume e fornecem respaldo coerente para o desenvolvimento científico que não seja pautado exclusivamente pela sensação. Bibliografia 1. MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré- socráticos a Wittgenstein. 5.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. 2. REALE, Giovanni, História filosofia: Filosofia moderna, v.4/Giovanni Reale, Dario Antiseri; [tradução Ivo Stormiolo]. – São Paulo: Paulus, 2009. 3. HUME, David, Resumo de um tratado da natureza humana, trad. Rachel Gutierrez e José Sotero Caio, Editora Paraula, s/d.
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