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Resenha do filme - Que horas ela volta - Disciplina Antropologia jurídica

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Resenha sobre o filme “Que horas ela volta”.
O filme é a perfeita representação da classe média x ralé, de Jessé de Souza. Val, natural de Recife, deixa o nordeste e sua filha, rumo à São Paulo para trabalhar de empregada doméstica (que no final das contas é tudo, além de empregada doméstica).
	Os treze anos que Val viveu na casa dos patrões, passou a ser “praticamente da família”, esse “praticamente da família” nada mais é do que uma separação abissal entre as classes. Val jamais pode comer do sorvete dos patrões, jamais pode entrar na piscina, jamais pode se sentar à mesa, mesmo sendo “praticamente da família”, esse “praticamente da família” é para colocar Val numa função maior do que prevista em um contrato de trabalho, é porque ela é praticamente da família é que não custa nada ela ser empregada doméstica, babá, garçonete nas festas, trabalhar diuturnamente.	
	Esse “praticamente da família” quer mostrar que a classe média está onde merece estar, como o próprio Jessé relata. “Dona” Bárbara ao oferecer pagar o colchão para Val receber a filha, mostra o quanto a classe média é generosa e por isso justifica estar no status que está. 
	A classe média fica extremamente incomodada quando existe qualquer perigo à naturalização da separação e supremacia deles em relação à ralé. É o que acontece quando Jéssica, filha de Val chega à cidade para prestar vestibular.
	Inicialmente, quando Jéssica é apresentada aos patrões e esses lhe questionam qual faculdade ela pretende cursar, eles a tratam como uma coitadinha impossibilitada de passar em um vestibular de uma faculdade destinado aos melhores - que espera-se que sejam na sua totalidade de classe média -. É mais uma vez a naturalização do status da classe média. Perguntam à Jéssica se a escola onde ela estudava no nordeste era boa porque a faculdade que ela pretende cursar é difícil, e quando ela responde que o colégio público não era bom, a patroa lhe responde com um “coitadinha” alisando seu braço.
	A expectativa é que o filho da classe média passe no vestibular que quer, não espera-se que a ralé tenha a mesma oportunidade.
	Jéssica, extremamente questionadora, principalmente em relação ao comportamento da mãe em relação aos patrões, não se importa em aceitar os convites do patrão que logo se apaixona por ela. Sugere ficar no quarto de hóspedes e acaba conseguindo, aceita ir ao atelier do patrão e almoçar na mesa dos patrões – algo extremamente inaceitável e inconcebível na cabeça de Val.
	Algo que me chama muito atenção é quando Jéssica, após permitir ser jogada na piscina por Fabinho, Val ao chamar a sua atenção dizendo que empregado não entra na piscina de patrão, Jéssica pergunta “Mas onde está escrito isso? Onde você aprendeu isso?” e Val responde “Essas coisas a gente nasce sabendo”. Ou seja, exatamente o que Jessé fala sobre a ralé se culpar e se colocar no lugar de ralé a qual pertence.
	Por sua vez, Bárbara ao ver que Jéssica havia entrado na piscina, chama o empregado responsável pela manutenção para que esvazie a piscina e a explicação é que ela havia visto um “rato” dentro da piscina. Fabinho conversando com Jéssica sobre isso fala “Minha mãe viu um rato dentro da piscina, perigoso né?! Doença...”, Jéssica responde “Rato, né?!”. Na cabeça de Jéssica que já havia percebido o que aconteceu, o rato era ela, a ralé que invadia a casa grande, “muito segura de si”, como descreve Fabinho.
	Jéssica é o mal que a classe média tenta evitar, ela é vista não como alguém que questiona a imposição social, mas como elemento subversivo da natureza que ela pertence.
	Quando Jéssica passa no vestibular, a patroa trata logo de dizer para Val para que não se anime muito, embora ela tenha feito uma boa pontuação, a segunda fase é muito mais difícil. Esse “não se empolgue, a segunda fase é mais difícil” é uma forma de mostrar que Val sequer tem a oportunidade de sonhar em ver a filha cursando arquitetura na faculdade de ricos. Até mesmo porque, se Fabinho que teve uma boa educação não passou, dificilmente Jéssica “pode” passa na segunda fase.
	Outra coisa interessante a analisar no filme é que, quando o filho da classe média não passa no vestibular desejado, ele é enviado para o exterior para cursar inglês. Ele é de certa forma premiado. Não existe punição por ter sido enrolado e não ter estudado. Ele ganha 6 meses na Austrália, morando sozinho e fazendo inglês e o papai mandando dinheiro para manter a vida de luxo.
	Enquanto isso, Jéssica tem que lutar contra sua realidade de mãe jovem, solteira, nordestina, pobre, filha de empregada doméstica.
	O próprio nome do filme tem uma relação bem grande com o livro de Jessé de Souza. “Que horas ela volta?” nos remete à cena em que Val estava cuidando de Fabinho ainda criança na piscina. Fabinho pede para que Val entre na piscina e ela, como esperado, responde que não pode. Em seguida, Fabinho a vê conversando no telefone com Jéssica e ele pergunta de sua mãe.
	Como Jessé explica, a classe média tem condições de comprar o tempo da ralé, para que possa trabalhar, estudar e exercer outras atividades que lhe atribua cada vez mais dinheiro e prestígio, ao passo que a ralé, ao vender seu tempo que é a única coisa que tem a oferecer no mercado de trabalho, torna-se escravo daquela família, em uma visão contemporânea da sociedade. Val é a mãe de Fabinho, é com ela que ele quer dormir quando tem problemas de sono, é ela que ele quer abraçar quando é reprovado no vestibular...
	Mas mesmo vendo a importância de Val em sua vida, Fabinho jamais terá coragem de modificar o tipo de relação estabelecido entre patrão e empregado. Ele sequer consegue questionar as atitudes dos pais em relação a pessoa que ele mais ama.
	O final do filme é lindo. Bem diferente do final das histórias da maioria da ralé brasileira. Val ao perceber que os questionamentos de Jéssica estavam corretos, decide pedir demissão e abandonar a família que embora durante os treze anos tenha “lhe tratado como da família”, logo mostrou que não era bem assim quando Jéssica chegou com sua ruptura do sistema social estabelecido entre as classes.
	A meu ver o filme traz a mesma crítica e faz a mesma proposta feita por Jessé, uma forma diferente de analisar a sociedade e as relações de classes pré-estabelecidas.

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