Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIRIO – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro CEDERJ – Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro MATERIAL DIDÁ TICO IMPRESSO CURSO: História DISCIPLINA: História Moderna II CONTEUDISTAS: Paulo Cavalcante e Victor Hugo Abril AULA 7 TÍTULO: A Revolução Inglesa do século XVII META DA AULA Analisar a natureza e os resultados do processo revolucionário inglês no século XVII OBJETIVOS Esperamos que, ao final dessa aula, você seja capaz de: 1. Reconhecer as principais correntes historiográficas sobre a Revolução Inglesa; 2. identificar as principais fases e características do processo revolucionário. INTRODUÇÃ O Observe o mapa da Inglaterra abaixo. Figura 7.1: O Reino Unido da Grã-Bretanha. http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png Qual é a nossa primeira impressão ao observar esse mapa? Notamos duas destacadas extensões de terra firme contornadas de água por todos os lados. Essa explicação lhe é familiar? “Claro! Que pergunta...” Pois bem, a Inglaterra é parte de uma ilha. Pequena, muito pequena. Este Estado insular conheceu no século XVII uma revolução sem precedentes tanto em relação à sua própria história como em relação à história da Europa. O mapa anterior nos apresenta o Reino Unido da Grã-Bretanha constituído por quatro países (reinos): Inglaterra, País de Gales, Irlanda do Norte e Escócia. Como entender o impacto histórico produzido por acontecimentos dados numa região tão pequena como a Inglaterra? Vamos colocar tudo em perspectiva. Observe o próximo mapa. 2 http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:United_Kingdom_labelled_map7.png Figura 7.2: O Reino Unido em relação à Europa e ao mundo (destaque). Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:EU-United_Kingdom.svg 3 http://en.wikipedia.org/wiki/File:EU-United_Kingdom.svg Você olhou bem para a parte destacada do mapa (figura 7.2)? Mal dá pra perceber a Inglaterra, não é? Quando colocada no plano do mundo, isto é, no planisfério, ela é uma pequena e insignificante mancha verde escuro. Pois é, a idéia de grandeza que temos da Inglaterra não é proporcional à extensão do território do seu reino. Talvez a nossa pergunta inicial não tenha sido em vão. É preciso pôr em perspectiva as idéias preconcebidas que absorvemos acriticamente ao logo da vida para podermos produzir um estudo histórico suficientemente crítico e objetivo. O historiador inglês Lawrence Stone (1919-1999) – que juntamente com o historiador inglês e marxista Christopher Hill (1912-2003) são considerados os maiores conhecedores do tema – sustenta que antes de propormos uma explicação sobre um acontecimento histórico é necessário, em primeiro lugar, estabelecer a natureza deste acontecimento que precisa ser explicado. Portanto, é justo perguntar: “O que aconteceu na Inglaterra em meados do século XVII?” (STONE, 2000, p.99). Que pergunta difícil de responder! Boxe Se o seu inglês não está tão bom a ponto de ler textos longos, lembre-se de utilizar a ferramenta Google Tradutor. Ela ajuda muito. A propósito, a Wikipédia possui verbetes em inúmeros idiomas, no entanto, os verbetes em inglês costumam ser bem mais completos do que os em português e em espanhol. E, é claro, como o acontecimento se deu lá, é bom acompanhar o que dizem sobre a sua própria história. http://en.wikipedia.org/wiki/Lawrence_Stone http://en.wikipedia.org/wiki/Christopher_Hill_%28historian%29 Fim do boxe Afinal, foi uma “Grande Rebelião” ou uma Revolução? Foi o conjunto de revoltas das classes mercantis, de camponeses e de membros dissidentes das classes fundiárias contra reis odiosos e/ou impopulares? Ou foi uma guerra interna causada por crises político-institucionais? Resultou da ampliação do conflito entre instituições e ideologias religiosas ou foi, em suma, a disputa pelo poder do Estado entre a classe decadente (a aristocracia) e a classe em progresso (a burguesia)? Questões, quantas questões... Ótimo, então estamos no caminho certo. 4 http://en.wikipedia.org/wiki/Lawrence_Stone http://en.wikipedia.org/wiki/Christopher_Hill_%28historian%29 Boxe Explicativo Para não nos perdermos nesta variedade de nomes para designar o mesmo ou diferentes processos conexos, vamos separar as coisas. Segundo o historiador brasileiro Modesto Florenzano, quando tocamos neste tema encontramos três expressões consagradas: A Grande Rebelião, A Revolução Puritana e A Guerra Civil. A Grande Rebelião (1640-1642) designa a revolta do Parlamento contra a Monarquia Absolutista, após uma prolongada disputa pela posse da soberania, isto é, da direção política do Estado. A Revolução Puritana designa tanto os conflitos religiosos entre a Igreja Anglicana e a ideologia puritano-calvinista – quanto uma dasbases intelectuais do processo revolucionário. A Guerra Civil (1642-1648) indica que o conflito entre o Parlamento e a Monarquia, exacerbado pelas divergências religiosas, terminou em enfrentamento armado.” É preciso, ainda, tratar de três outros termos. O nome A República de Cromwell (1649-1658) “aponta para o desdobramento lógico do processo, fruto da criação de um exército revolucionário (New Model Army) e do aparecimento da ideologia política radical dos niveladores (levellers, em inglês), que conduziu ao julgamento e execução do rei e à proclamação da República (Commonwealth – designação do governo sob Cromwell e o Parlamento entre 1649 e 1660). A Restauração (1660), por sua vez, aponta para o encerramento e os limites da revolução. Por fim, há o nome A Revolução Gloriosa (1688). Chamada de “gloriosa” (“glorious”) porque dada sem desordens e derramamento de sangue (Bloodless Revolution) – embora essa avaliação do evento não seja absolutamente precisa – quando da deposição do rei Jaime II pela associação entre membros do Parlamento e a força invasora “convidada” do holandês Guilherme III de Orange-Nassau que, em conseqüência, subiu ao trono como Guilherme III da Inglaterra (II da Escócia), deitando por terra a possibilidade de as reivindicações revolucionário-democráticas voltarem à cena principal. (FLORENZANO, 1985) Para informações complementares, veja os seguintes verbetes. http://en.wikipedia.org/wiki/English_Civil_War http://en.wikipedia.org/wiki/English_Revolution#cite_note-1 http://en.wikipedia.org/wiki/Glorious_Revolution Fim do boxe 5 http://en.wikipedia.org/wiki/English_Civil_War http://en.wikipedia.org/wiki/English_Revolution#cite_note-1 http://en.wikipedia.org/wiki/Glorious_Revolution INTERPRETAÇÕ ES SOBRE A REVOLUÇÃ O INGLESA “Disse alguém que lutei e me engajei para afastar maus conselheiros do rei; (...) outro disse que me engajei para estabelecer a pregação; (...) um terceiro disse ainda que lutei contra o rei, concebendo-o mais como agente ativo que como agente passivo subordinado a qualquer conselheiro; outro teria lutado contra a opressão em geral” George Downing, 1647- 1648 (Apud HILL, 1984, p. 9). Que tal pensarmos um pouco sobre este depoimento? Vamos tomá-lo como representativo da dificuldade de definir processos históricos. Aliás, como se observa, a dificuldade é do próprio ator social, George Downing, em seu próprio tempo e a respeito de suas próprias ações. Quais são as possibilidades em jogo? Ele teria combatido os conselheiros do rei. Ele teria combatido em prol de uma pregação religiosa. Ele teria responsabilizado a pessoa do rei, a despeito dos seus conselheiros, pelos atos do governo e o combatido. Ele teria lutado contra a opressão social e, talvez, até mesmo contra a injustiça. Muito bem, isso está no texto de época. E no presente, munidos de diferentes informações e conhecimentos amealhados ao longo de nossas vidas, como expressaríamos a mesma dificuldade para produzir definições? Podemos inferir que o poder do Estado que representava e protegia uma velha ordem essencialmente feudal foi derrubado, numa palavra, o rei e a própria monarquia. E o que mais? Associando aspectos econômicos, é possível dizer que a mudança no quadro político liberou forças sociais que contribuíram para que se tornasse possível o livre desenvolvimento de práticas capitalistas. Essa última é mais ousada, não é? No entanto, não nos é estranha. Pois então, o esforço para oferecer uma caracterização cabal, final ou definitiva sobre processos históricos é tarefa louvável, mas cuja realização é impossível. Os contextos históricos são repletos de nuances. Parte delas decorrem do efeito do tempo, um certo esfumaçar da lente que observa o passado desde o nosso presente; mas parte decorre da complexidade peculiar à própria interação 6 social dos homens. São múltiplos atores sociais, quase nunca facilmente identificáveis, diferentes princípios e valores em jogo. Enfim, em situação revolucionária, como é o nosso caso, toda estrutura econômica, social, política e cultural entra em transformação, ora acelerada ora mais lenta, mais intensa num ramo e menos em outro. Tanto isso é verdade, que para os próprios contemporâneos do século XVII, o seu posicionamento no campo de luta não deixa de expressar ambigüidades e contradições, como se constata no depoimento anterior. Tanto isso é verdade, que Lawrence Stone julgou poder “afirmar com segurança que nenhuma controvérsia histórica nos últimos cinqüenta anos [aproximadamente entre 1920 e 1970] atraiu tanta atenção. Por quê? Em primeiro lugar, o terreno do desacordo parecia ser o mais abrangente possível: desacordo sobre a definição dos termos usados para explicar os fenômenos em questão; desacordo sobre o que aconteceu; desacordo sobre o modo como aconteceu; desacordo sobre as conseqüências do que aconteceu. Uma tal ausência de terreno comum é verdadeiramente rara, e sua manifestação pareceu colocar em dúvida o direito do historiador ser visto como um pesquisador empírico que fundamenta sua investigação sobre a razão e a prova” (STONE, 2000. p. 78) Podemos, seguindo Christopher Hill (HILL, 1981, p. 13-22), dividir em três grandes campos as interpretações básicas da Revolução Inglesa que se originaram ao longo do próprio processo e se desenvolveram e se consolidaram após 1688. Quais são elas? 1. A mais conhecida de todas foi formulada pelos próprios líderes do Parlamento em 1640 e apresentada em suas declarações e apelos ao povo. Adotada pelos historiadores liberais (whigs), afirma que o movimento revolucionário inglês decorre da luta dos exércitos parlamentares pela liberdade do indivíduo e de seus direitos consagrados na lei contra um governo tirânico, isto é, ilegítimo, injusto, opressivo e violento: uma monarquia que prendia sem processo jurídico, tributava sem o consentimento do Parlamento, 7 saqueava os bens privados e procurava destruir as instituições parlamentares. 2. Por sua vez, os historiadores conservadores (tories), em oposição aos liberais, sustentam que a política real não era tirânica. Segundo esta linha interpretativa, o rei Carlos I e os seus conselheiros procuravam proteger o povo da exploração econômica levada a cabo por uma reduzida classe de capitalistas em busca de êxito. Ademais, julgam que a oposição que o rei enfrentava vinha dos homens de negócio que, de forma organizada, identificavam seus interesses políticos com a Câmara dos Comuns e seus interesses religiosos com o puritanismo a fim de atenderem os seus próprios objetivos. 3. A terceira interpretação chama para o centro da explicação o conflito religioso, isto é, qual dentre estas duas religiões deveria ser a dominante na Inglaterra: o puritanismo ou o anglicanismo? Essa vertente perpassa tanto a historiografia liberal como a conservadora. A bem da verdade, é importante ressaltar que a presença da religião na vida social daquele tempo ocupava um lugar bem mais central e vasto do que hoje em dia. No entanto, vale lembrar esta ressalva metodológica de Christopher Hill: “o fato de os homens falarem e escreverem utilizando uma linguagem religiosa não devia impedir-nos de compreender que existe um conteúdo social por detrás do que, aparentemente, são ideias puramente teológicas”. (HILL, 1981, p. 22) A partir dessas, por assim dizer, matrizes interpretativas, o processo interpretativo prosseguiu e não pára de avançar. Vamos citar dois desdobramentos. Uma das maneiras mais difundidas de se interpretar a Revolução Inglesa é compreendê-la como o conjunto de lutas entre classes sociais. Pelo seu vocabulário (luta de classe) você já nota a filiação teórico-metodológica desta corrente: o marxismo. Para os seus autores, em uma das faces da Revolução Inglesa, aparentemente, tudo se passava como se o seu caráter, isto é, a sua natureza, fossede uma guerra religiosa entre anglicanos e católicos de um lado e puritanos de outro. Na outra face, por sua vez, aflorava o aspecto político e 8 institucional como se pode observar nas disputas e lutas entre o rei e o Parlamento. Portanto, para esta corrente interpretativa que estamos expondo, as diferentes naturezas – religiosa, política e institucional – , a despeito de manifestarem conteúdos reais, legítimos e importantes da vida social, não podem por si só definir o caráter da Revolução Inglesa. Na verdade, essas diferentes faces expressam profundas transformações econômicas e sociais de longo prazo que não são facilmente observáveis. Talvez o maior representante dessa corrente, Christopher Hill, afirma: “A Guerra Civil foi uma luta de classes em grau bem maior do que a teoria ortodoxa inglesa costuma aceitar. A divisão geográfica do norte e oeste versus o sul e o leste é também uma divisão econômica e social entre as áreas economicamente atrasadas, caracterizadas por uma economia relativamente auto-suficiente, e aqueles distritos influenciados pela demanda do mercado londrino, onde a agricultura e as relações de propriedade ou posse da terra estavam sendo comercializadas. Os adeptos do rei eram principalmente os senhores ‘feudais’ (‘feudal’ landowners) do norte e do oeste, e os membros mais altos da hierarquia eclesiástica, juntamente com seus camponeses obrigados (tenants) e seus dependentes. Por toda parte na Inglaterra, além do mais, havia aristocratas (gentlemen) perturbados pelos motins contra o cercamento de terras (enclosure), preocupados com a possibilidade frequentemente proclamada de uma revolução ao mesmo tempo social e política e com o ‘apelo ao povo’ contido na Solene Advertência (Grand Remonstrance). O Parlamento retirava sua força da City, dos portos marítimos, da gentry e dos yeomen ‘progressistas’ (‘progressive’) dos condados meridionais e orientais. Seu triunfo foi determinado, em última instância pelo apoio dos grandes comerciantes capitalistas de Londres, embora imediatamente pelas vitórias do Exército de Novo Tipo (New Model Army). As grandes linhas da legislação do Interregnum foram determinadas pela influência predominante do capital mercantil, embora a curto prazo os interesses particulares do Exército tivessem um peso considerável” (HILL, 1958. p. 153-154) Glossário Anglicanismo – Reforma religiosa operada na Inglaterra no século XVI em consequência da qual o protestantismo foi adotado como religião oficial do país. A 9 Igreja Anglicana constituiu-se em ruptura com o papado, porém, organizada de cima para baixo pelo rei Henrique VIII e sem praticamente alterar a liturgia ou a teologia papistas. Em 1534, foi promulgado o Ato de Supremacia reconhecendo o monarca como chefe supremo da Igreja inglesa. A Igreja Anglicana conservou a hierarquia da Igreja Romana e em especial a autoridade dos bispos, que passaram a obedecer mais diretamente ao rei. Sob o reinado de Elizabeth I, o Ato de Supremacia foi revogado e, em 1563, a Lei dos 39 Artigos tornou-se a verdadeira carta do anglicanismo. Na Escócia, porém, o poder dos reis conhecia sensível declínio quando se deu a Reforma. John Knox, o grande líder protestante escocês, hostilizou diretamente a rainha Maria Stuart, e a Reforma se fez contra o poder monárquico, abolindo, ao mesmo tempo, a própria instituição episcopal. A administração da Igreja na Escócia competia aos presbitérios, isto é, assembléias. A partir de 1603, com a união das duas coroas (inglesa e escocesa) numa só pessoa, a de Jaime (que já era rei da Escócia desde 1567 como Jaime VI e assume o trono inglês como Jaime I), produzia-se a redução da Escócia, reino mais pobre, a uma posição dependente face à Inglaterra. No plano religioso isso significou a tentativa de William Laud, bispo de Londres e depois arcebispo de Cantuária, no sentido de impor aos escoceses o modelo da Igreja Anglicana e em especial a administração por bispos. Deve-se registrar que o sistema episcopal sob a autoridade de Laud também produziu muito descontentamento na Inglaterra. Desse modo, se é justo imaginar, por um lado, que Jaime I tivesse simpatia pela posição antiepiscopal dos puritanos ingleses, por outro, também é possível supor que apreciasse a oportunidade de se livrar da tutela dos presbiterianos, que dirigiam a Igreja escocesa. O fato, porém, é que no começo de seu reinado reuniu os dirigentes dos grupos que havia na Igreja Anglicana para uma conferência no palácio de Hampton Court: uma tentativa de chegar a um denominador comum. A conclusão do rei após o encontro foi expressa de várias maneiras: “sem bispos, não haverá rei” ou “sem bispos, não haverá rei, não haverá nobreza” (“No bishops, no king, no nobility”). Os nobres e plebeus escoceses proclamaram então a “Liga e Pacto Solenes” (com Deus) e iniciaram, em 1638, uma guerra em defesa de sua Igreja. É essa guerra que detona o processo revolucionário inglês dos anos 40. Aristocracia – é a nobreza propriamente dita (nobilitas maior) composta pelo lordes, ou seja, pelos nobres titulados que são, segundo esta ordem hierárquica decrescente: duque, marquês, conde, visconde e barão. A aristocracia inglesa 10 normalmente, até o século XVII, é mais rica e poderosa do que a mera gentry (mere gentry). Cavalier – cavaleiro; nome dado durante a guerra civil aos partidários do rei. Os defensores do Parlamento eram denominados, de forma pejorativa, Roundheads, cabeça redondas, porque costumavam usar cabelos curtos em contraste com os cortesãos. City (The) – designa a um só tempo a parte central da cidade de Londres e o centro financeiro e comercial, situados nos distritos mais antigos. É onde estão as duas Casas do Parlamento e a sede dos departamentos administrativos. Common Law – é o direito consuetudinário (ou costumeiro) vigente nos países anglo-saxões, com exceção da Escócia, e que se opõe ao direito romano, porque neste último prevalece o texto escrito da lei e tem menor importância a voz dos tribunais e da tradição. Na common law os tribunais enunciavam a tradição e os costumes e desta forma apareciam como defensores das liberdades antigas contra as pretensões despóticas dos reis, especialmente sob a dinastia Stuart. No sistema da commom law não existia ensino de direito nas Universidades ou em escolas especialmente destinadas para esse fim. Desde pelo menos o século XIV – época em que se consolida a commom law – , o direito aprende-se pela freqüentação dos tribunais. Os jovens fidalgos e nobres (que precisam conhecer “a lei da terra” porque ela não é só a lei vigente no país, é a lei que trata das questões de propriedade fundiária) vão a Londres, onde ficam morando em uma de quatro hospedarias, os Inns Court, destinadas a esses aprendizes de advogado. Lá eles dormem e tomam suas refeições, cada mesa sendo presidida por um advogado mais experiente que, portanto, dirige as discussões e conversas deles sobre os pontos que observaram assistindo aos julgamentos. Obviamente, também não existe exame ou diploma, da mesma forma que não há currículo ou sequer, antes de uma certa data, manual; o que eles têm é uma experiência que, finalmente, os capacitará a proceder em juízo. Note-se que esse sistema informal de aprendizado, em vez de democratizar o acesso ao saber, na verdade o torna difícil, porque restrito a quem tem posses; e os julgamentos são pronunciados em law French, uma corruptela do antigo franco- normando, de modo que a maior parte do povo não tem como entendê-los. Commons – terras ou terrenos comunais, isto é, as terras que são propriedade coletiva de uma aldeia ou comunidade. 11 Commonwealth – como observa Renato Janine Ribeiro em suas especializadas e esclarecedoras notas à tradução brasileira do livro The World Turned Upside Down (O Mundo de Ponta-Cabeça), de Christopher Hill, e das quaisnos servimos largamente neste Glossário, a despeito de muitos traduzirem o termo Commonwealth por “Estado”, na maior parte das vezes é preferível traduzi-lo por “república”. É preciso considerar que: 1) dos séculos XVI a XVIII o termo “república” (que é a tradução mais aproximada de Commonwealth, correspondente inglês do latim res publica) serve para designar tanto os Estados republicanos quanto os monárquicos; 2) O termo “Estado”, no singular, é menos utilizado (no plural serve para referir “os Estados” de um príncipe, de um rei, etc.); 3) na mesma época, porém, o termo “república” conota, se comparado com “reino”, uma preocupação maior com a coisa pública (res publica), com o bem comum, e é por isso que certos regimes nos quais os cargos são preenchidos por eleições, como o dos Países Baixos ou (de 1649 a 1660) o da Inglaterra, são designados Repúblicas ou, no caso inglês, Commonwealth. Enfim, há uma ambigüidade no termo “república” que merece ser preservada. Corporation Acts e Test Acts – conjunto de atos, os primeiros em 1661 e os segundos em 1673 e 1678, que visavam excluir dos cargos públicos as pessoas que não professassem a religião oficial. Diggers – escavadores, do verbo to dig, cavar, escavar, revolver. Grupo que se instalou em 1648 num terreno não aproveitado (terras comunais, commons) e se puseram a preparar a terra para a semeadura: uma espécie de reforma agrária feita espontaneamente e em direta oposição aos poderes da sociedade e do Estado. Chamavam-se a si próprios , também, de True Levellers (niveladores autênticos). Ver Levellers. Enclosure – cercamento de terras; procedimento adotado desde o século XV até o XVIII/XIX, tendo o seu auge nos séculos XVII e XVIII. Consistia na transformação (divisão e cercamento) em propriedades privadas de terras que eram anteriormente comunais (commons), isto é, de uso comum, às quais todos os habitantes de uma aldeia possuíam direitos comunais de acesso e uso. Ademais, esses direitos não eram excludentes (note que uma cerca reserva uma área para um proprietário) – por exemplo, podia-se usar essas terras comunais para pastagens e até de plantio. Na divisão e cercamento das terras seguia-se geralmente a proporção de terras que cada beneficiário já possuía como propriedade privada – de modo que os ricos 12 ganhavam mais, e os mais pobres não só nada recebiam, como ainda perdiam todo e qualquer direito às terras anteriormente comunais. O cercamento foi denunciado por Thomas Morus, em famosa passagem de seu livro Utopia, na qual comenta que os carneiros, antes animais tão delicados e inofensivos, tornaram-se devoradores de homens; com efeito, a divisão das terras comunais deu-se muitas vezes em conjunto com a redução da agricultura dos pobres e a expansão dos rebanhos pertencentes aos mais ricos. Erastianismo – doutrina que pregava a dependência da Igreja em relação ao poder temporal. Gentry – o conjunto, ou o coletivo, dos gentlemen; o que define um gentleman é, nas palavras do historiador Peter Laslett, “nunca trabalhar com as mãos para satisfação de necessidades materiais, mas somente em atividades recreativas”, ou seja, essencialmente, a riqueza. Pois, na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII, para alguém ser gentleman, basta ser rico e estar disposto a comprar uma propriedade rural (com um solar, ou mansão) e um brasão podendo ser comprados livremente no mercado. Daí porque não é apropriado considerar – e traduzir – como fazem muitos, a gentry como uma pequena e média nobreza (nobilitas minor), à maneira do continente europeu; daí também a razão de historiadores conservadores como Trevor-Roper, considerarem a gentry como uma pequena nobreza frustrada e decadente e de historiadores marxistas, ou de tendência marxista, de Engels a Hill, passando por Tawney e Thompson, considerarem-na, como, nem mais nem menos, uma burguesia rural e capitalista; daí a razão, finalmente, para o historiador norteamericano Hexter, ter definido com muita propriedade a polêmica sobre esta camada social, absolutamente estratégica, da moderna história social inglesa, de “tempestade sobre a gentry” (storm over the gentry). Gentlemen – John Selden, em Titles of Honour (1614), discorrendo sobre o nome “gentlemen”, fala da “nossa maneira inglesa de usá-lo” (“our English use of it”) como correspondente ao termo nobilis (uma palavra ambígua já que nobre pode designar tanto a posição elevada e titulada – portanto, restritíssima – de uma pessoa na hierarquia social como o conjunto de elevadas qualidades individuais de qualquer pessoa) e que designa, em conexão com este, as formas de enobrecimento em vários países europeus. Os gentlemen não possuíam títulos e não havia um ingresso regulamentado nessa pequena nobreza. Para ser gentleman (fidalgo, 13 cavalheiro, gentil-homem) era preciso uma vida gentil, isto é, isenta de trabalho manual e de suas penas: esta qualidade chama-se gentility. Ver gentry e squire. Grand Remonstrance – Solene Advertência; conjunto de reivindicações contra a Coroa votado e aprovado pelo Parlamento em novembro de 1641. Protesta, em especial, contra os males produzidos pelas políticas e monopólios régios e os conseqüentes danos infligidos ao comércio e à indústria pela arrecadação de impostos cuja legalidade era duvidosa. Interregnum – período que começa com a deposição e execução do rei Carlos I (1649) e termina com o retorno (Restauração) da monarquia mediante a coroação de Carlos II (1660). Durante esse período, domina a cena principal à frente da república proclamada (Commonwealth) a figura de Oliver Cromwell, que recusou ser coroado rei, mas aceitou o título de Lord Protector (título tradicional que tinham os regentes da coroa na Inglaterra durante a menoridade dos reis). O período do Interregnum costuma ser subdividido em: 1) Primeiro Período da Commomwealth da Inglaterra, de 1649 até 1653); 2) O Protetorado sob Oliver Cromwell, de 1653 até 1658; 3) O Protetorado sob Richard Cromwell, entre 1658 e 1659; 4) O Segundo Período da Commonwealth da Inglaterra, entre 1659 e 1660. Jacobita – grupo partidário da dinastia dos Stuart (Jaime II, derrubado por Guilherme de Orange em 1688). Levellers – niveladores, do verbo to level, assim conhecidos por pretenderem nivelar as distintas condições sociais; movimento igualitário e radical hostil à monarquia e parcialmente oposto a Cromwel, defendiam a soberania do povo, a extensão do voto, a igualdade de todos perante a lei e a tolerância religiosa. Ver Diggers. Little Parliament ou Barbone’s Parliament – Em julho de 1653 Cromwell convocou uma assembléia, que deveria ser consultiva e cujos membros foram escolhidos pelos líderes do Exército com base em listas encaminhadas pelas congregações independentes – quer dizer, a meio caminho entre os presbterianos e os separatistas (ou sectários). Essa assembléia, porém logo assumiu o título de Parlamento e empreendeu uma série de reformas, ressaltando-se as que afetavam os interesses da profissão legal: a abolição do tribunal do Chanceler, o estabelecimento do matrimônio civil, a venda de terras de emigrados, a supressão ou redução dos dízimos, a simplificação da legislação contratual, a atenuação das penas (por exemplo: a mulher que matasse seu marido não mais seria queimada 14 viva; o batedor de carteiras não seria enforcado caso fosse criminoso primário), etc. O caráter radical das medidas desse Parlamento valeu-lhe uma alcunha pejorativa – “Barbone’s Parliament”, ou Parlamento de Barbone, zombaria dirigida contra “Praise- God” Barbon, um de seus membros, assim chamado porque não perdia a ocasião de dizer “Deus seja louvado”. E valeu-lhe, mais seriamente, a dissolução. Monk – George Monck ou Monk (1608-1670) começou a guerra civil servido ao rei, porém, aprisionado pelas forças do Parlamento, mudou de lado e tornou-se um dos generaisda República de Cromwell. À morte deste, em 1659, controlou a situação com o seu Exército e restaurou a realeza. Carlos II deu-lhe o título de duque de Albemarle. Puritanismo – nome dado aos integrantes do movimento de reforma religiosa que não obedeciam às normas do anglicanismo, reivindicando que a Igreja fosse purificada – o que originou o termo – de todos os ritos e cerimônias que lembrassem o papismo. Posteriormente, o termo foi aplicado a todos que praticavam, com rigor, o repouso dominical e rígidos hábitos de vida. Os puritanos, que defendiam as idéias clavinistas, formavam duas facções: a dos presbiterianos e a dos congregacionistas. Foi na gentry e nas classes mercantis urbanas que o puritanismo encontro maior receptividade e sua penetração nesses dois segmentos sociais revestiu-se de extraordinária importância, dado que esses grupos tinham sido os mais atingidos pelas grandes transformações da Inglaterra no século XVI. Os presbiterianos reivindicavam uma Igreja desligada do Estado, enquanto os congregacionistas, também chamados independentes, proclamavam a autonomia de cada adepto e sua liberdade para pregar a religião. O ardor e a convicção das idéias fizeram dos puritanos um dos grupos religiosos mais significativos da Inglaterra no século XVII. Quakers – tremedores, grupo religioso, os que tremem diante de Deus. Ver Seeker. Ranters – faladores ou divagadores, grupo religioso, os que usam a linguagem de forma bombástica e teatral e/ou que também discorrem à toa. Ver Seeker. Seekers – aqueles que buscam, do verbo to seek, procurar, buscar. Os Seekers, assim como os Ranters e os Diggers, são os nomes de diferentes grupos que formularam questões de teor cético acerca de todas as instituições e crenças de sua sociedade. Neste momento, é importante ressaltar que não é própria daquela época uma diferenciação clara entre a política e a religião, por exemplo. Portanto, o nome Revolução Puritana não se refere a uma revolução que é de fundo exclusivamente religioso. De fato, diz respeito a uma revolução cujo fundo é político, social, 15 econômico, cultural e que se expressa religiosamente em função da indissociabilidade – específica daquela época – entre todos esses campos da manifestação humana. Squire ou esquire – escudeiro; gentil-homem ou fidalgo, à vezes a principal figura dominante da aldeia ou da circunscrição; os escudeiros, em seu conjunto, formavam a squirearchy, isto é, pertenciam à chamada nobreza menor (nobilitas minor) constituída, de cima para baixo, pelos knights (cavaleiros) e baronets (baronetes), squires e gentlemen. Tenant – rendeiro ou arrendatário, este pode ser um camponês, ou um conjunto de camponeses que paga ao proprietário da terra – que é um landlord, ou seja, um aristocrata – com parte do que produz e com ele mantém relações pessoais diretas e de dependência (neste caso temos a tenantry); pode ser também um empreendedor, um capitalista que simplesmente paga um aluguel, em dinheiro, pela terra e não mantém com o proprietário-aristocrata quaisquer vínculos pessoais ou extra-econômicos (neste caso temos um prosperous tenant farmer – literalmente, um “próspero fazendeiro arrendatário” – , desde que bem sucedido). Yeomen – é um pequeno proprietário rural que goza de direitos políticos, como o direito de voto e o de servir como jurado; membro da yeomanry, os alabardeiros (espécie de arqueiros) do rei, Fim do Glossário Grande este Glossário, não é mesmo? Pois é, ele não se destina somente a esclarecer os termos específicos da história de um país. Ele abre novas perspectivas de estudo e revela toda a complexidade da Revolução Inglesa. É também dessa complexidade que emergem diferentes correntes historiográficas e não somente, como se poderia imaginar, das injunções o tempo presente e das concepções e adesões teórico-metodológicas e políticas dos próprios historiadores, por exemplo, historiadores conservadores, liberais ou de esquerda (socialistas, social-democratas, marxistas, comunistas, etc.). Por intermédio da citação de Hill você pode notar não apenas o tema da luta de classes, mas também o caráter pronunciadamente burguês que ele atribui à Revolução. E isto não significa que a Revolução foi feita ou conscientemente 16 desejada pela burguesia. Para Hill: “A Revolução Inglesa, como todas as revoluções, foi causada pela ruptura da velha sociedade e não pelos desejos da burguesia ou pelos líderes do Longo Parlamento. Seu resultado, no entanto, foi o estabelecimento de condições muito mais favoráveis ao desenvolvimento do capitalismo do que aquelas que prevaleceram até 1640.” (HILL, 1984. p. 8-9) É-nos impossível desenvolver adequadamente os argumentos – mesmo os principais – da polêmica historiográfica em torno da Revolução Inglesa. Não temos espaço para isso. No entanto, vamos consignar um outro modo de ver esse processo histórico, bastante crítico da abordagem dos autores marxistas, mas também, em certa medida, complementar. O já citado historiador Lawrence Stone, ao passar em revista às criticas que muitos historiadores fizeram do modo como ele interpretava a Revolução Inglesa e, notem bem, neste caso a crítica vinha de historiadores conservadores, notadamente Trevor-Roper e G. R. Elton, afirma: “Se é verdade que a minha interpretação, era, em certo sentido, razoavelmente conservadora, abriu, contudo, de maneira variada, novas áreas. Era nova a ênfase nos defeitos estruturais da política Tudor que remontavam à Reforma; e nas forças de mudança social, econômica e cultural a longo prazo operando sob a superfície dos acontecimentos particulares. Era nova também a ênfase na multiplicidade de fatores, sociais, econômicos, políticos, religiosos, militares, ideológicos e pessoais, operados para dar conta do problema. Era nova a combinação dos novos achados da história social, utilizados de uma forma decididamente não marxista e não determinista, com a mais tradicional ênfase, à maneira whig, no conflito político e religioso. Era nova, finalmente, a divisão das causas da Revolução em longo prazo, curto prazo e disparadores [estopins] que tornou este amálgama conceitualmente operativo.” (STONE, 2000. p. 282) Atividade 1 – atende ao objetivo 1 1) Quais são as características principais da interpretação de Christopher Hill? (6 linhas) 2) Qual é a crítica que Lawrence Stone faz à interpretação marxista? 17 (3 linhas) 3) Que inovações Stone julga haver proporcionado à interpretação da Revolução Inglesa? ( 3 linhas) 4) Qual é o ponto de contato entre Stone e os historiadores liberais (whig)? (2 linhas) 5) Cite pontos de contato entre Hill e Stone. (3 linhas) Respostas comentadas 1) É uma interpretação baseada a um só tempo tanto na história social como no marxismo. Por isso os aspectos econômicos e sociais de longo prazo ganham relevo na explicação em detrimento dos aspectos políticos de curto prazo. Há também a tendência para ver a superação definitiva do feudalismo e a ascensão decidida do capitalismo. 2) Stone a considera mais determinista do que dialética, isto é, nela os aspectos econômicos e sociais da realidade estudada determinam o comportamento dos demais aspectos, por exemplo, os políticos e culturais. 3) Mostrou a importância dos aspectos estruturais de longo prazo, tanto os políticos quanto os econômicos, sociais e culturais. 4) A ênfase no conflito religioso e político para explicar a revolução. 5) A filiação à história social. A ênfase nas causas de longo prazo, em especial as de origem econômica e social. Fim da atividade Se é possível verificar claramente as críticas feitas à historiografia de orientação marxista pelo revisionismo historiográfico de qualidade, aqui representado pelo notável historiador Lawrence Stone, também é possível constatar inúmeros pontos de contato, de identidade.E a maior concordância entre Hill e Stone é sobre o caráter revolucionário da Revolução Inglesa. Para aqueles que imaginam que revolução é assunto exclusivo de historiador de esquerda e/ou marxista, vale a pena acompanhar mais esta citação de Stone, tanto a título de conclusão como, principalmente, a título de provocação ao arraigado 18 conservadorismo social que está impregnado em todos – ou quase todos – nós brasileiros. “A natureza revolucionária da Revolução Inglesa pode ser demonstrada tanto por suas ações quanto por suas palavras. Suas realizações incluem não apenas a execução de um rei (os ingleses tinham uma longa tradição de assassinatos de reis odiados, de William Rufus a Eduardo II, a Ricardo lI), mas o seu julgamento em nome do "povo da Inglaterra", acusado de alta traição por ter violado "a constituição fundamental deste reino". Isto era algo que nunca fora feito antes. A Revolução implicou não apenas na substituição de um rei por outro, mas na abolição da instituição monárquica; não apenas na execução de pessoas e no confisco da propriedade de uns poucos nobres, mas na abolição da Câmara dos Lordes; não apenas num protesto contra os "curas desagradáveis" de Hobbes, o clero e os bispos, mas na eliminação da Igreja estabelecida e no confisco das propriedades episcopais; não apenas num ataque aos funcionários impopulares, mas na abolição de toda uma série de instituições administrativas e legais de crucial importância para o governo. Mais do que por seus atos, a natureza revolucionária da Revolução Inglesa fica demonstrada, de maneira talvez ainda mais convincente, por suas palavras. O simples fato de que foi uma revolução tão extraordinariamente fecunda em palavras - entre 1640 e 1661, publicaram-se mais de 22.000 sermões, discursos, panfletos e jornais"- bastaria para sugerir fortemente que se tratou de algo muito diferente do habitual protesto contra um governo impopular. Esta torrente de palavras impressas evidencia um choque de idéias e de ideologias, e a emergência de concepções radicais afetando todos os aspectos do comportamento humano e todas as instituições da sociedade, da família à Igreja e ao Estado.” (STONE, 2000. p.102-103) QUADRO GERAL DO PROCESSO REVOLUCIONÁ RIO Em 1603 o rei da Escócia, James Stuart, assumiu o trono inglês em substituição a rainha Elizabeth I, última soberana da dinastia Tudor. Conforme a organização institucional da Coroa inglesa, o rei era assessorado pelo Conselho Privado, composto por nobres da sua confiança. As questões judiciárias laicas eram 19 julgadas pela Câmara Estrelada. No que concernia à política religiosa, esta era conduzida pessoalmente pelo arcebispo Laud e pelos tribunais eclesiásticos que cuidavam das questões ligadas à religião, à disciplina social e à subversão, temas estes frequentemente enquadrados através da repressão religiosa. Estes representavam os tribunais da Corte de Alta Comissão. Além disso, tínhamos o Parlamento e seu sistema bicameral, composto pela Câmara dos Lordes, integrada pela aristocracia, e a Câmara dos Comuns, integrada por proprietários rurais, mesmo que de origem burguesa, eleitos nos vários condados ingleses. (ARRUDA, 2006, p.66-7) Entretanto, o governo de Jaime Stuart diferia do de seus antecessores, principalmente, no emaranhamento da questão das relações exteriores com os problemas religiosos. A monarquia sob os Tudor consolidou o protestantismo, na sua forma anglicana, e definiu-se por oposição ao papa de Roma e especialmente à Espanha, monarquia católica. O mal-estar em relação ao governo de Jaime I se dava por sua mãe, a rainha Maria da Escócia, ter sido a candidata papal ao trono inglês, mesmo sendo Jaime I um protestante convicto. A pedra de toque das desconfianças dos ingleses começou quando Jaime I aproximou-se dos espanhóis, ou seja, aproximou-se da monarquia católica e do antigo inimigo inglês. A aproximação era para estabelecer um acordo de paz entre Inglaterra e Espanha (Conferência de Somerset House). Quando eclodiu a Guerra dos Trinta Anos, em 1618, ao invés de Jaime I ajudar seu cunhado protestante afastado do trono do Palatinado, na Alemanha, o rei inglês enviou seu filho Carlos para pedir a mão da infanta espanhola. À frente das negociações do casamento estava o articulador da diplomacia inglesa, duque de Buckingham. Tal atitude causou furor no Parlamento e a oposição tornou-se tão forte que chegaram a solicitar a cabeça de Buckingham. Apenso a isso, o rei fazia várias alterações na política financeira do reino, como o aumento das taxas alfandegárias, estabelecimento de monopólios sobre produtos estratégicos, aumento de impostos, etc. Convém lembrar que a sustentação financeira do Estado era o ponto vital do relacionamento entre o rei e o Parlamento. O teatro de tensões e conflitos estava montado. Os descontentamentos com os rumos da política externa, da política religiosa e da política financeira davam lugar 20 à luta política entre o Parlamento e a monarquia Stuart. Esses antagonismos afloraram a partir de 1610, começando, em seguida, as negociações. Na tentativa de ampliar e consolidar as suas rendas, a Coroa ofereceu ao Parlamento o Grande Contrato, pelo qual renunciava a seus direitos feudais sobre as propriedades em troca de uma verba anual. Esta verba gerava discordâncias no Parlamento quanto ao valor a ser creditado ao rei. Logo se configurou nova tensão concernente ao Projeto Cockayne, ainda sob Jaime I, no qual as manufaturas de tecidos ficariam sob controle real, transformando esse monopólio numa importantíssima fonte de renda para o Estado. A reação da burguesia foi imediata, recusando tal projeto. Com a morte de Jaime I, o seu filho assume o trono inglês, Carlos I, em 1625. Três anos depois entrava em guerra contra a França. É nesse período que emerge como voz destacada no Parlamento Oliver Cromwell, indo contra a empreitada do rei na França. Mas a resposta do rei foi a dissolução do Parlamento em 1630 e a definição de seu governo pessoal ancorado na Câmara Estrelada, no Conselho do Norte e de Gales, bem como em dois competentes assessores: o arcebispo Laud (para a política religiosa) e o conde de Strafford (para a repressão política). Carlos I governou “sozinho” de 1630 até 1640, período chamado Tirania. A paz nas relações exteriores possibilitou maior desenvoltura na ação régia combinado com o maior enrijecimento da política interna e a ação dos tribunais especiais. Tanto foi assim que, no plano financeiro, aproveitou a intensificação de ataques piratas às costas inglesas para cobrar o ship money. Esse imposto recaía para a população em geral, leigos ou clérigos. Deveriam pagá-lo fornecendo ao Estado um navio ou seu equivalente em dinheiro. Não era nada novo, pois tal imposto já tinha sido adotado nos reinados de Elizabeth I e Jaime I. Entretanto, a conjuntura era outra. Um próspero e influente cidadão inglês, John Hampden, primo de Oliver Cromwell, recusou-se a pagar o imposto, apenas uma libra, depois de feito o rateio entre a totalidade dos contribuintes. Porém o fato de ele não pagar não tem significado econômico, mas sim uma questão de princípio, pois o Ship Money não havia sido autorizado pelo Parlamento. Hampden foi preso pela Coroa, mas solto pela pressão popular. Pressão que convergiu para, a partir de 1640, haver uma recusa geral de se pagar os impostos outorgados pela Coroa. 21 Outra postura controversa de Carlos I foi a tentativa de impor o ritual anglicano à calvinista Escócia, terra de seus ancestrais. Em 1637, a Escócia se rebelou contra as tentativas absolutistas do rei e da Igreja Anglicana (a Escócia era presbiteriana) e ocupou militarmente o norte da Inglaterra. O rei teve que convocar o Parlamento (13 de abril de1639) para obter recursos, mas diante das exigências dos parlamentares, decidiu dissolver o Parlamento (4de maio de 1640), período conhecido como Parlamento Curto (Short Parliament). O rei convocou novas eleições e instalou outro Parlamento (Long Parliament, isto é, Parlamento Longo) que durou até 1653. Sabedor de que o rei dependia dos recursos votados por ele, o Parlamento praticamente tomou o governo em suas mãos: aboliu as contribuições navais e os tribunais especiais, denunciou e aprisionou o arcebispo Laud e o conde Strafford e aprovou uma lei proibindo a própria dissolução pelo rei. Carlos I respondeu a estes atos invadindo a Câmara dos Comuns para prender os líderes que lhe faziam oposição, mas estes foram avisados com antecedência, fugiram e se refugiaram na City. Pouco tempo depois, a cidade de Londres ficou em pé de guerra. O rei se retirou para Oxford e declarou guerra ao Parlamento em agosto de 1642. Começa a Revolução. Vamos dispor os processos conforme a divisão adotada por Arruda (2006), extraindo trechos da sua exposição. Veja bem, nesta divisão, vamos retomar a sucessão de acontecimentos de um ponto anterior com o objetivo de refinar um pouco os desdobramentos do processo e explicitar algumas contradições, por exemplo, o Parlamento. Ele não era inteiramente contrário ao rei. O Movimento Revolucionário de 1640 Primeira Fase (1640-1642) O Parlamento expressava, essencialmente, o universo político dos pequenos e médios negociantes, somado ao dos comerciantes ricos. Em reuniões sucessivas, as várias decisões do Parlamento punham por terra o Antigo Regime. Iniciou-se pela destruição da máquina burocrática do Estado, abolindo a Câmara Estrelada e a Corte de Alta Comissão; os assessores mais importantes do rei foram perseguidos, 22 Laud foi aprisionado e o duque de Strafford foi condenado à morte. O rei foi proibido de manter um exército permanente; a política tributária passava para o controle do Parlamento; a política religiosa seria conduzida pelo Parlamento; pelo Ato Trienal, o Parlamento teria de ser convocado regularmente, ao menos de três em três anos, sem o que poderia haver uma autoconvocação. Apelando para a massa, constituída por artífices e aprendizes, muito mais do que criados, mendigos ou marginais, denominados pelos contemporâneos de rude rabble, os principais líderes da Câmara dos Comuns, John Pym e John Hampden, redigiram uma dura acusação contra o governo de Carlos I, numa reunião de parlamentares opositores, que culminou na elaboração da Solene Advertência (Grand Remonstrance) e sua consequente aprovação pelo Parlamento, em novembro de 1641, numa votação na qual a diferença foi de apenas 11 votos (159 a 148). Este resultado acirrou a divisão no Parlamento. O grupo mais conservador defendia a preservação da hierarquia eclesiástica e considerava que a fragmentação do poder real, além deste ponto, poderia ser excessivamente perigosa. A alta burguesia, que pretendia uma monarquia reformada de acordo com seus interesses, passava a temer a impetuosidade das massas. Aproveitando-se desta cisão, pois de fato entre os Lordes e os anglicanos já se articulava um partido favorável ao rei, a 3 de janeiro de 1642, Carlos I, em pessoa, entrou na Câmara dos Comuns e exigiu a prisão de cinco deputados (e um lorde), entre os quais Pym e Hampden, acusando- os de traição. O ato não só era irregular – o rei queria submetê-los a processo de impeachment, que não cabia contra parlamentares – como nada feliz politicamente. Carlos fracassa e logo depois deixa Londres e hasteia em Oxford o seu estandarte de guerra. Este foi o motivo imediato para a eclosão da guerra civil. Ilustração 23 Figura 7.3: John Pym (1584-1643). Foi o grande líder do Parlamento nos primeiros estágios da luta contra o rei, até a sua morte. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/John_Pym Fim da iustração Segunda Fase (1642-1649) Esta é a fase da Guerra Civil na qual se defrontaram os partidários do rei também chamados cavaleiros (Cavaliers), contra os partidários do Parlamento, também designados cabeças redondas (Roundheads), por causa do cabelo cortado rente. Os cabeças redondas, em termos gerais, eram puritanos ou presbiterianos, embora muitos outros subgrupos também os integrassem. Imediatamente, em vários condados, eclodiram rebeliões populares, invocando o nome do Parlamento contra os “papistas”. Ilustração 24 http://en.wikipedia.org/wiki/John_Pym Figura 7.4: Representação de um cabeça redonda, por John Pettie. Note a bíblia em sua mão. Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Roundhead 25 http://en.wikipedia.org/wiki/Roundhead O início da guerra foi desastroso para as milícias arregimentadas pelo Parlamento, pois não eram tropas profissionais e, portanto, pouco adestradas no uso das armas. Por outro lado, os cavaleiros eram guerreiros profissionais. Coube a Oliver Cromwell criar o Exército de Novo Tipo (New Model Army), constituído de forma revolucionária, pois a ascensão não se fazia por nascimento e sim por competência e merecimento, estimulando entre os próprios homens a livre discussão, o que, flagrantemente, contrariava as elites do exército revolucionário. Fim da ilustração Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Cavalier Figura 7.5: Príncipe Rupert, um cavaleiro típico. 26 http://en.wikipedia.org/wiki/Cavalier http://en.wikipedia.org/wiki/Cavalier http://en.wikipedia.org/wiki/Cavalier http://en.wikipedia.org/wiki/Cavalier http://en.wikipedia.org/wiki/Cavalier Figura 7.6: Mapa das Revoluções Inglesas. Fonte: Atlas da História do Mundo, p. 180. 27 No ano de 1646, o comandante Lorde Fairfax, em nome do Parlamento, toma a cidade de Oxford, obrigando o rei a fugir para a Escócia. Os escoceses aproveitaram a oportunidade para receber a indenização, que há muito exigiam, pela mobilização das tropas que invadiram a Inglaterra em 1639, cedendo em troca o rei ao Parlamento. Os setores mais conservadores do Parlamento, os presbiterianos, passam a tramar junto ao rei. Com o intuito de se livrarem do próprio Exército, estes setores tentaram enviar as tropas para conquistar a Irlanda sem o pagamento de seus soldos. Antecipando-se à trama sórdida que então se urdia, os baixos escalões do Exército conduzidos pelos niveladores (Levellers) – agrupamento político surgido em Londres, representante dos ideais dos pequenos produtores, e assim denominados porque alguns de seus líderes defendiam a igualdade da propriedade – deram início à agitação, recusando-se à desmobilização do Exército até que fossem atendidas as suas reivindicações. O Exército passa a ser então um poder rival do Parlamento, criando-se um tripé: Parlamento, Exército e rei. Em 1647, o Exército aprisiona o rei com a finalidade de impedir um acordo com o setor presbiteriano do Parlamento. Organizam-se os comitês no Exército que determinaram a criação do Conselho do Exército, um conselho político, no qual sentavam-se em condições de igualdade oficiais e soldados eleitos. Com a prisão do rei, um outro grupo, os independentes, liderados por Cromwell, tinham o controle da situação, mas não conseguiram impedir a onda democratizante propagada pelos niveladores e que varria o Exército. Em novembro de 1647, os niveladores tentaram assumir o controle do Exército. O golpe foi frustrado e o Conselho do Exército extinto, liquidando as aspirações democratizantes na estrutura militar. Neste exato momento o rei, aproveitando-se da oportunidade decorrente das fissuras no Exército, fugiu da prisão, reorganizando a contra-revolução. Foi o quanto bastou para que o Exército voltasse a se unificar sob a liderança de Cromwell, vencendo esta segunda e rápida guerra civil. 28 Figura 7.7: Oliver Cromwell, c. 1649, por Robert Walker http://en.wikipedia.org/wiki/Oliver_Cromwell Boxe Cromwell, antigo aliado dos niveladores (Levellers), mas depois seu adversário, teria afirmados sobre eles: “... você não tem outro jeito para lidarcom estes homens 29 http://en.wikipedia.org/wiki/Oliver_Cromwell a não ser quebrá-los, ou eles acabarão contigo.” (Dictionary of English and European History, 1485-1789. Apud. THOMPSON, 2001. p. 88) Fim do boxe Consciente do perigo representado pela figura do rei, isto é, pela constante ameaça de restauração, o Exército força o julgamento e a condenação de Carlos I pelo Parlamento depurado. No dia 30 de janeiro de 1649, Carlos I foi decapitado. A 6 de fevereiro a Câmara dos Lordes foi abolida. No dia seguinte a Câmara dos Comuns emitiu este comunicado: “Ficou provado pela experiência que a função do rei neste país é inútil, onerosa e um perigo para a liberdade, a segurança e o bem- estar do povo; por isso, de hoje em diante, tal função fica abolida”. Em 19 de maio ano a República foi proclamada, iniciando-se a fase da Commonwealth. Terceira Fase (1649-1653) A jovem República está ameaçada por todos os lados. Não pode convocar eleições, pois os realistas, presbiterianos e anglicanos, certamente, venceriam. Na Irlanda, aproveitando-se do caos reinante, começa a rebelião contra os ingleses. Os realistas emigrados conspiram na Escócia e Holanda. O desalento e a insatisfação, que caracterizaram os setores inferiores da pequena burguesia, deram origem ao movimento dos escavadores, também chamados de niveladores autênticos (Diggers e True Levellers). Este movimento era constituído, principalmente, pelos trabalhadores rurais expropriados. Seu ideal era uma utopia baseada no comunismo agrário. Baseavam-se no pressuposto de que as terras comunais e as outrora pertencentes ao Estado, ao clero e à aristocracia, agora sem donos, lhes pertenciam por direito. Se o movimento mais democrático surgido no processo revolucionário, os niveladores, não tinha a intenção de “virar o mundo de cabeça para baixo”, para usar a expressão de Hill, coube aos deserdados da fortuna, criados, mendigos, proletários, niveladores e escavadores frustrados, integrados nas seitas radicais, realizarem esta tentativa, muito especialmente os Ranters, os Seekers e os Quakers, que florescem nos anos 1650, após o silenciamento dos niveladores. Tão logo o movimento dos niveladores fora debelado em 1649, Cromwell partiu para a Irlanda a fim de dominar a insurreição, deixando o governo nas mãos 30 de um Conselho de Estado provisório. Em 1650, o filho de Carlos I desembarcou na Inglaterra à frente de um exército escocês: foi vencido por Cromwell no ano seguinte. Em 1651, Cromwell adota uma medida econômica de impacto: o Ato de Navegação. Este estabelecia que as mercadorias importadas só poderiam entrar na Inglaterra em navios ingleses ou do próprio país produtor: um verdadeiro golpe no comércio de intermediários dos holandeses e que resultou na guerra entre Inglaterra e Holanda, de 1652 a 1654. A vitória inglesa demarca o ponto de declínio do poderio holandês no plano internacional e o início da ascensão internacional inglesa. A 20 de abril de 1653 é dissolvido o Longo Parlamento, constituindo-se a seguir uma Assembléia composta pelos partidários de Cromwell, incumbida de preparar uma nova Constituição, e que dá a Cromwell o título de Lord Protector. Em 1657, novo Parlamento foi convocado e uma Constituição determinava a substituição do Conselho do Exército por um conselho constituído por membros do Parlamento, que passava também a controlar as finanças do Exército, submetendo o próprio Lord Protector, a quem foi oferecido tornar-se rei: oferta por ele recusada. Cromwell morreu de “febre” a 3 de setembro de 1658 após haver vivamente encarnado o ideal dos pequenos proprietários rurais. Quando de sua morte, o seu filho Richard Cromwell não estava à altura dos desafios da época. O contexto também era outro. As dissensões internas provocaram lutas até que um dos generais de Cromwell chamado Monk preparou a restauração dos Stuart. Dezoito meses depois de assumir o governo no lugar do pai, uma revolta palaciana, liderada pelos principais chefes militares de comum acordo com o Parlamento, depôs Richard Cromwell. O Parlamento proclamou Carlos II (1660-1685) rei da Inglaterra. O monarca restaurado acatou toda a legislação limitativa do poder absoluto dos reis, prometeu anistia aos participantes da guerra civil e reconheceu os novos donos das terras confiscadas. É nessa época que surgem dois partidos políticos: os tories, partidários de um poder real forte, e os whigs, favoráveis a uma monarquia controlada pelo Parlamento. De todo modo, a restauração da monarquia exigia a destruição da 31 memória dos regicidas. O corpo de Oliver Cromwell foi desenterrado de seu túmulo, julgado e decapitado. Em 1685, após a morte de seu irmão Carlos, subiu ao trono Jaime II. Este, entretanto, quis reascender o comportamento absolutista de seus antepassados, favorecendo os católicos e apoiando a reconstituição dos bens da aristocracia. Com efeito, o que precipitou os acontecimentos foi o nascimento do seu primeiro filho homem. Quando assumiu o trono, Jaime tinha duas filhas, ambas protestantes. Quando o seu filho nasceu, em 1688, decidiu batizá-lo na religião católica. Os líderes da oposição ao rei contataram Maria Stuart, filha mais velha de Jaime II, e seu marido Guilherme de Orange-Nassau, estatúder (stadtholder) das Províncias Unidas. Não houve luta nessa revolução. Guilherme desembarcou na Inglaterra e Jaime fugiu para a França. O Parlamento declarou vago o trono, proclamando Guilherme e Maria reis da Inglaterra. Guilherme III e Maria II prestaram juramento perante os parlamentares de acatarem, eles próprios e seus sucessores, os princípios contidos na Declaração de Direitos. Esta enumerava todas as práticas ilegais dos reis anteriores. Desse modo, reconhecia-se que era ilegal o rei suspender leis, cobrar impostos sem o consentimento do Parlamento, recrutar tropas sem autorização, prender cidadãos sem culpa formada, interferir no funcionamento da justiça, etc. Segundo o balanço de E. P. Thompson: “A Revolução de 1688 permitiu não um compromisso entre o “feudalismo” e o “capitalismo”, mas um arranjo exatamente apropriado ao equilíbrio de forças sociais do momento e, ao mesmo tempo, suficientemente flexível para durar. Os beneficiários do entendimento foram precisamente aqueles que estavam representados no Parlamento, isto é, as pessoas que gozavam de uma propriedade substancial e, especialmente, de uma propriedade fundiária. Ao mesmo tempo, uma imunidade limitada e manipulada, além das medidas restritivas como as Corporation Acts e as Test Acts, colocou fora do jogo as pequenas manufaturas, artesãos etc. A parte de carisma que a Coroa e a alta aristocracia souberam preservar permitiu manter a ordem social, ao mesmo tempo em que se proibia (e isso graças à dissidência jacobita) o restabelecimento da antiga autoridade. A Igreja, obedecendo a um erastianismo 32 sem grandeza, sob o controle local da gentry e exercendo uma influência pouco profunda, de tipo mágico, reforçava a autoridade dos proprietários sobre o povo.” (THOMPSON, 2001. p, 216) Ao lançar um olhar no conjunto das lutas do século XVII que caracterizam a Revolução Inglesa, é possível concluir que as transformações gerais pelas quais o país passou imprimiram um ritmo mais rápido ao avanço das práticas capitalistas no campo e na cidade, assim como abriu caminho definitivo para a hegemonia comercial inglesa no plano internacional. Figura 7.8: Rei Guilherme, terceiro da Inglaterra e Irlanda e segundo da Escócia, por Godfrey Kneller http://en.wikipedia.org/wiki/William_III_of_England 33 http://en.wikipedia.org/wiki/William_III_of_England Figura 7.9: Rainha Maria II da Inglaterra, Escócia e Irlanda http://en.wikipedia.org/wiki/Mary_II_of_England Atividade 2 – atende o objetivo 2 A República (Commonwealth) foi uma época de grandes dificuldades: guerras, preços altos,fome, epidemias, enfim, para enfrentá-la o poder acabou centralizado nas mãos de Oliver Cromwell. A 4 de julho de 1653, ele pronunciou este discurso de abertura do chamado Pequeno Parlamento (Little Parliament ou Barbone’s Parliament). Por favor, leia primeiro, no Glossário, o verbete Little Parliament e, depois, este trecho do discurso de Cromwell. A seguir, responda as perguntas propostas. “Certamente, nesta Revolução, houve, como desdobramento dos sucessos que aprouve a Deus conceder ao Exército e à autoridade então estabelecidas, grandes coisas realizadas; além dos grandes golpes que foram vibrados nas nações e nos 34 http://en.wikipedia.org/wiki/Mary_II_of_England próprios lugares em que a guerra se travou, coisas grandiosas foram realizadas nos assuntos civis também. Antes de tudo, aos criminosos foi levada a justiça – e ao maior dentre todos. O nome – pelo menos o nome – de Commonwealth [República] foi dado ao governo deste Estado. Medidas de controle e de depuração foram tomadas a respeito de todas as pessoas e posições. O rei foi deposto e levado às barras da justiça, e, com ele, muitas personalidades importantes. Eliminou-se a Câmara dos Lordes. A Câmara dos Comuns ela mesma, a representação do povo inglês, passada no crivo, depurada e reduzida a um punhado de membros como vós bem vos recordais. E realmente Deus não quis limitar-se a isso, pois, diga-se de passagem, se convém atribuir a nós mesmos nossas faltas e nossos fracassos, a glória da obra, em troca, pode muito bem ser atribuída ao próprio Deus e pode ser considerada Sua obra maravilhosa.” (The Letters and Speeches of Oliver Cromwell, 1904. p. 274-275. http://ia600408.us.archive.org/6/items/cromwell02cromuoft/cromwell02cromuoft.pdf ) 1) Quem é o maior criminoso de todos? Por que? (1 linha) 2) Qual é o significado social da eliminação da Câmara dos Lordes? (3 linhas) 3) Na qualidade de historiador, diga: qual foi o papel de Deus na Revolução? (3 linhas) 4) Relacione: revolução, República e justiça. (5 linhas) Repostas comentadas 1) O rei. Porque ele, segundo aqueles que o julgaram, cometeu ato de alta traição por ter violado a constituição fundamental do reino. 2) A eliminação da parte do Parlamento reservada à aristocracia (os lordes, nobreza maior), antiga, rica, titulada e conservadora. 3) Nenhum. Cromwell faz uso retórico da figura do deus cristão porque, ao fim e ao cabo, tudo circulou e se chocou entre puritanos, anglicanos, católicos etc. 4) Uma das respostas possíveis: A proclamação da República, isto é, a instauração de um sistema de governo que verdadeiramente cuidasse do bem de todos (bem 35 http://ia600408.us.archive.org/6/items/cromwell02cromuoft/cromwell02cromuoft.pdf comum, Commonwealth, coisa pública, enfim, res publica) foi um desdobramento do processo revolucionário que se iniciou em 1640, insurgindo-se contra os desmandos ou injustiças da monarquia sob os Stuart e buscando, portanto, o estabelecimento da justiça. Fim da atividade Depois de haver percorrido todas estas páginas, você se lembra de como iniciamos a aula? Pois é, falávamos da pequenez geográfica da Inglaterra que o planisfério estampa. Ao mesmo tempo e ainda mais ao final desta aula, temos a impressão de que a Inglaterra é maior, mais presente e mais importante. Volte lá ao início da aula e olhe uma vez mais para o planisfério, isto é, para a parte em destaque. Vemos com nitidez a América do Sul e o contorno do litoral do Brasil, não é? Então, é deste lugar, bem maior, bem mais presente em nossas vidas, mas, talvez, ainda não tão importante para o mundo dos negócios, dos capitais e dos conflitos internacionais, repetimos, é deste lugar que você, historiador brasileiro, pensa e reconstrói a nossa própria história. Todo historiador produz conhecimento histórico a partir de um determinado lugar social de produção. Portanto, precisamos ter consciência do nosso. RESUMO Por Revolução Inglesa compreendemos o conjunto de profundas alterações sociais, econômicas, políticas e culturais transcorridas entre 1640 e 1688. Ao longo dessas décadas houve guerra civil, a república foi proclamada, a monarquia foi restaurada, a tolerância religiosa assumiu um lugar relevante, o comércio, a agricultura, a manufatura e o próprio conceito de propriedade avançaram, todos – embora obedecendo a diferentes ritmos e conhecendo resistências e retrocessos – na direção do fortalecimento e da consolidação das práticas capitalistas. REFERÊ NCIAS BIBLIOGRÁ FICAS ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. Tradução por João Roberto Martins Filho. São Paulo: Brasiliense, 2004. 548p. ARRUDA, José Jobson de Andrade. A Grande Revolução Inglesa, 1640-1780: Revolução Inglesa e Revolução Industrial na construção da sociedade moderna. 36 São Paulo: Hucitec; Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1996. 210p. ____. Perspectivas da Revolução Inglesa. Revista Brasileira de História, São Paulo, 1984. n.7, p.121-131. ____. A Revolução Inglesa. São Paulo: Brasiliense, 1990. 100p. Atlas da História do Mundo. São Paulo, Folha de São Paulo, 1995. 320p. CHAUNU, Pierre. A Civilização da Europa Clássica. Tradução por Teresa F. Rodrigues. Lisboa: Estampa, 1987. 2 v. FLORENZANO, Modesto. Olhando para os dois lados do Canal da Mancha: polêmicas e revisionismo na historiografia da Revolução Inglesa. Projeto História, São Paulo, 2005. v. 30, p. 127-136. Disponível em: http://www.pucsp.br/projetohistoria/downloads/volume30/06-Artg- %28Modesto%29.pdf ____. A Revolução Russa em perspectiva histórica e comparada. Lua Nova, São Paulo, 2008. n. 75, p. 41-57. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ln/n75/03.pdf ____. As revoluções burguesas. São Paulo: Brasiliense, 1985. 120p. FRASER, Antonia. Oliver Cromwell: uma vida. Tradução por Marcos Aarão Reis. Rio de Janeiro: Record, 2000. 738p. HILL, Christopher. O Eleito de Deus: Oliver Cromwell e a Revolução Inglesa. Tradução por Carlos Eugênio Marcondes de Moura. Consultoria desta edição por Edgar Salvadori de Decca e Leyla Mezan Algranti. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. 279p. ____. O mundo de ponta-cabeça: ideias radicais durante a Revolução Inglesa de 1640. Tradução, apresentação e notas por Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. 481p. ____. Puritanism and Revolution: Studies in Interpretation of the English Revolution of the 17th Century. London: Secker & Warburg, 1958. ____. A Revolução Inglesa de 1640. Tradução por Wanda Ramos. Porto: Presença, 1981. 111p. Original (em inglês) disponível em: http://www.marxists.org/archive/hill- christopher/english-revolution/index.htm ____. Uma revolução burguesa? Tradução por Luiz Antonio de Almeida. Revista Brasileira de História, São Paulo, 1984. n.7, p. 7-32. LASLETT, Peter. The World We Have Lost Further Explored. London: Routledge 1983. SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. Tradução por Renato Janine Ribeiro e Laura Teixeira Motta. Revisão técnica por Renato Janine Ribeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 724p. ____. Liberdade antes do liberalismo. Tradução por Raul Fiker. São Paulo: UNESP, 1999. 112p. STONE, Lawrence. Causas da Revolução Inglesa (1529-1642). Tradução por Modesto Florenzano. Bauru: EDUSC, 2000. 307p. ____. La crisis de la aristocracia, 1558-1641. Madrid: Revista de Occidente, 1976. The Letters and Speeches of Oliver Cromwell: with elucidations by Thomas Carlyle. Notas por S. C. Lomas. Introdução por C. H. Firth. London: Methuen, 1904. v. 2. Disponível em: http://ia600408.us.archive.org/6/items/cromwell02cromuoft/cromwell02cromuoft.pdf TREVELYAN, George MacCaulay. A Revolução Inglesa. Tradução por Leda Bozacian. Brasília: UnB, 1982. 115p. 37 http://www.pucsp.br/projetohistoria/downloads/volume30/06-Artg-%28Modesto%29.pdf http://www.pucsp.br/projetohistoria/downloads/volume30/06-Artg-%28Modesto%29.pdfhttp://www.scielo.br/pdf/ln/n75/03.pdf http://www.marxists.org/archive/hill-christopher/english-revolution/index.htm http://www.marxists.org/archive/hill-christopher/english-revolution/index.htm http://ia600408.us.archive.org/6/items/cromwell02cromuoft/cromwell02cromuoft.pdf UNIRIO – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro CEDERJ – Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro AULA 7 TÍTULO: A Revolução Inglesa do século XVII
Compartilhar