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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO (UFES) CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA CURSO DE BACHAREL EM GEOGRAFIA GUILHERME MENDES ALVES POR UMA ECOLOGIA DA PAISAGEM: O LIXO E AS ALTERAÇÕES DA PAISAGEM NA PRAIA DE MAR AZUL EM ARACRUZ -ES VITÓRIA, ES 2021 2 GUILHERME MENDES ALVES POR UMA ECOLOGIA DA PAISAGEM: O LIXO E AS ALTERAÇÕES DA PAISAGEM NA PRAIA DE MAR AZUL EM ARACRUZ - ES Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharelado em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Paulo Cesar Scarim. VITÓRIA, ES 2021 3 GUILHERME MENDES ALVES POR UMA ECOLOGIA DA PAISAGEM: O LIXO E AS ALTERAÇÕES DA PAISAGEM NA PRAIA DE MAR AZUL EM ARACRUZ – ES Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Geografia do Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, com requisito parcial para obtenção do grau de Bacharelado em Geografia. COMISSÃO EXAMINADORA Aprovada em: ___/___/___ _______________________________________________ Professor Doutor Paulo Cesar Scarim Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Orientador ________________________________________________ Professor Mestre Maurício Sogame Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) ________________________________________________ Professor Doutor Carlos Alfredo Ferraz de Oliveira Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) ________________________________________________ Professor Doutor Soler Gonzalez Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) 4 AGRADECIMENTOS Eu, Guilherme Mendes Alves, venho agradecer por mais uma realização tão esperada em minha vida. Agradeço a Deus por me permitir chegar ao fim de mais uma estrada e abrir os caminhos para tantas outras através de uma pesquisa geográfica no bairro onde nasci, cresci e onde vivo com meus pais e irmãos. Ao analisar a importância da Geografia em minha formação acadêmica pessoal, sinto-me satisfeito por conseguir exercer o olhar geográfico sobre o ambiente no qual eu achava que conhecia, mas na verdade havia muito a descobrir. Realizando uma caminhada pela praia de Mar Azul, pude observar que algo estava errado, o espaço geográfico estava sofrendo com o descarte de lixo na praia de maneira preocupante. Do início ao fim da faixa de areia da praia, observando os seus limites com os bairros vizinhos, foi possível verificar a existência de diversos tipos de lixo, que com o movimento de retrabalhamento da praia, estavam indo e vindo, uma hora à restinga, outra hora a faixa de areia ou ao mar, onde se perdem na imensidão do oceano. Percebi ali a oportunidade de poder colaborar com o lugar onde nasci com os conhecimentos adquiridos na universidade, exercendo não somente o papel de geógrafo por profissão, mas também por ação de cidadania e compromisso com a preservação da praia, enquanto meio ecológico. Agradeço aos meus pais João e Maria Lucia, que sempre me incentivaram a continuar os meus estudos. Agradeço aos meus irmãos Marcelo, João Victor e Hugo, grandes exemplos para mim, e grandes irmãos que sempre me ensinaram muito com gestos simples de convivência familiar. Agradeço também a minha namorada Rosângela, que se tornou uma das pessoas mais importantes em minha vida, em minha história de vida. Uma outra paixão que não foi a Geografia acabou nos unindo: a música. Entre encontros remotos e construção de pensamentos parabenizo o professor orientador Paulo Cesar Scarim, por suas contribuições para que essa pesquisa pudesse se realizar. 5 RESUMO “Por uma ecologia da paisagem: o lixo e as alterações da paisagem na praia de Mar Azul em Aracruz - ES é um trabalho que pretende explorar o conceito de ecologia da paisagem como um instrumento geográfico de proteção ao ambiente costeiro. Foi realizada uma coleta de dados por meio de observação empírica e de fotografias na praia de Mar Azul, localizada no município de Aracruz (ES). Entre os autores que orientam esse trabalho, destacam-se Cosgrove (1998) que inspirou as reflexões sobre o ordenamento da paisagem dentro do espaço geográfico e a capacidade de intervenção humana no processo de alteração da paisagem; ao pensar no entendimento da ecologia da paisagem como uma geossistema com interações entre suas ramificações, foi utilizado como aporte teórico os estudos de Bertrand (1971). No capítulo 1, a praia é observada sob olhar da geografia, abordando o conceito da palavra para alguns autores, as leis que buscam proteger o ambiente costeiro, e a relação do homem com esse patrimonio natural de preservação; no capítulo 2 é realizada a delimitação da área de estudo, observando- se a escala de análise através de fatores territoriais e ambientais do bairro onde a praia se localiza com relação ao município; já no capítulo 3 é colocada em destaque a paisagem, não apenas como um elemento geográfico presente no espaço, mas a sua característica que evidencia a produção espacial: o movimento; por fim, no capítulo 4, o termo ecologia da paisagem é definido através de conceitos geográficos e se estabelece a relação de um morador do bairro de Mar Azul com a prática da ecologia da paisagem, no sentido de pertencimento de identificação local. Neste trabalho, será compartilhado um pouco do material coletado em campo por meio de fotografias. O resultado deste percurso geográfico, que se iniciou através de uma caminhada na areia da praia de Mar Azul indica que a ecologia da paisagem é instrumento potente para preservação das alterações da paisagem no ambiente costeiro. Palavras-chave: Ecologia da Paisagem; Praia; Lixo; Alterações; 6 ABSTRACT “For a landscape ecology: garbage and landscape changes at Mar Azul beach in Aracruz - ES is a project that aims to explore the concept of landscape ecology as a geographical instrument for protecting the coastal environment. Data collection was carried out through empirical observation and photographs on the beach of Mar Azul, located in the municipality of Aracruz (ES). Among the authors who guide this work, we highlight Cosgrove (1998) who inspired the reflections on the ordering of the landscape within the geographical space and the capacity for human intervention in the process of altering the landscape; when thinking about the understanding of landscape ecology as a geosystem with interactions between its branches, the studies of Bertrand (1971) were used as theoretical support. In chapter 1, the beach is observed from a geographic perspective, addressing the concept of the word for some authors, the laws that seek to protect the coastal environment, and the relationship of man with this natural preservation heritage; in chapter 2, the study area is delimited, observing the scale of analysis through territorial and environmental factors of the neighborhood where the beach is located in relation to the municipality; in chapter 3, the landscape is highlighted, not only as a geographic element present in space, but its characteristic that highlightsspatial production: movement; finally, in chapter 4, the term landscape ecology is defined through geographical concepts and the relationship between a resident of the Mar Azul neighborhood and the practice of landscape ecology is established, in the sense of belonging to local identification. In this work, some of the material collected in the field through photographs will be shared. The result of this geographic route, which began with a walk on the sand of Mar Azul beach, indicates that the ecology of the landscape is a powerful instrument for preserving changes in the landscape in the coastal environment. Keywords: Landscape Ecology; Beach; Garbage; Changes; 7 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Mapa de localização do bairro Mar Azul ...............................................................21 Figura 2 – Mapa de Limites administrativos do município de Aracruz ..................................24 Figura 3 – Mapa de Zoneamento urbano da orla do município de Aracruz ............................26 Figura 4 – Mapa de Zoneamento urbano do município de Aracruz.........................................28 Figura 5 - Quadro esquemático de problemas e resoluções ambientais para o bairro de Mar Azul ..................................................................................................................................................30 Figura 6 – Continuidade do Quadro esquemático da Figura 4 ................................................30 Figura 7 – Área de restinga da praia de Mar Azul próximo ao limite com o bairro Putiri ......33 Figura 8 – Lixo exposto em meio a vegetação da praia de Mar Azul .....................................34 Figura 9 – Lixo exposto em meio a vegetação e ao processo de erosão da praia de Mar Azul ...................................................................................................................................................34 Figura 10 – Garrafa PET em meio a vegetação da praia de Mar Azul ....................................38 Figura 11 – Chinelo encontrado em meio a vegetação da praia de Mar Azul .........................38 Figura 12 – Garrafa PET lançada na faixa de areia da praia de Mar Azul ..............................39 Figura 13 – Embalagem de desodorante aerossol lançada na faixa de areia da praia de Mar Azul...........................................................................................................................................40 Figura 14 – Parte de boné de praia lançado na faixa de areia da praia de Mar Azul ...............40 Figura 15 – Placa de incentivo a preservação em uma castanheira da praia de Mar Azul ......43 Figura 16 – Placa de incentivo a preservação da praia de Mar Azul no acesso a faixa de areia da praia ..................................................................................................................... ...............44 Figura 17 – Placa de incentivo a preservação do mar na praia de Mar Azul ...........................44 Figura 18 – Esquema de Paisagem como Geossistema proposto por Bertrand .......................46 Figura 19 – Placa de alerta para os impactos de ações de preservação ...................................47 Figura 20 – Placa de analogia as pegadas na areia e o cuidado com o lixo na praia de Mar Azul ..........................................................................................................................................48 8 LISTA DE SIGLAS IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IEMA Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos IJSN Instituto Jones dos Santos Neves MMA Ministério do Meio Ambiente PDM Plano Diretor Municipal SPU/ES Secretaria de Patrimônio da União – Espírito Santo ZPA – 1 Zona de Proteção Ambiental 1 UFES Universidade Federal do Espírito Santo 9 SUMÁRIO AGRADECIMENTOS ............................................................................................................... 4 RESUMO.................................................................................................................................... 5 ABSTRACT ............................................................................................................................... 6 LISTA DE FIGURAS ................................................................................................................ 7 LISTA DE SIGLAS....................................................................................................................8 1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 10 1.1 O MAR, A PRAIA, O LIXO E O HOMEM ...................................................................... 10 1.2. A PRAIA SOB O OLHAR DA GEOGRAFIA ................................................................. 12 1.3 A PRAIA: PATRIMÔNIO NATURAL DE PRESERVAÇÃO ......................................... 13 1.4 O LIXO: UMA HERANÇA DO COMPORTAMENTO HUMANO NA SOCIEDADE MODERNA OU UMA RUGOSIDADE DO ESPAÇO? .........................................................18 2. MAR AZUL: CONTEXTUALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO.................................... 21 3. PAISAGEM E IMAGEM: MOVIMENTO E TRANSFORMAÇÃO ................................. 32 4. A ECOLOGIA DA PAISAGEM: UMA MANEIRA DE PRESERVAR A PRAIA ........... 43 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 500 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 52 10 1. INTRODUÇÃO Ao buscar refletir sobre a prática da ecologia da paisagem, a pesquisa realizada busca fazer uma análise reflexiva sobre a praia de Mar Azul e as alterações decorrentes do descarte inadequado de lixo nesse ambiente costeiro. O objetivo geral deste trabalho é compreender de que a maneira a análise da interrelação do ser humano e a natureza, enquanto seres atuantes no espaço geográfico, ou seja, apreendidos de modo unitário, é capaz de promover a ecologia da paisagem enquanto meio de proteção e preservação ambiental. A escala de análise se dá na praia de Mar Azul, na qual a metodologia de pesquisa, se desdobra em duas etapas: Uma empírica e reflexiva e outra prática e curiosa, no sentido de buscar adentrar a praia em sua totalidade dinâmica e constante. Para isso, as reflexões iniciais sobre o desenrolar dessa pesquisa aconteceram durante uma caminhada na praia de Mar Azul, onde surgiram percepções e questionamentos quanto a presença de lixo descartado em várias partes da praia. Após isso, como complementação do campo realizado, foram coletadas fotografias que pudessem expressar de maneira significativa as nuances de conhecimento geográfico que aguardavam o olhar do geógrafo para serem desveladas, isso mesmo, tirar o aspecto de adormecimento com relação aos problemas ambientais da praia. Assim, nos capítulos seguintes, serão contextualizados a partir do olhar geográfico os conceitos de praia, o seu caráter de preservação estabelecido por meio de leis de proteção ambiental e o lixo e a relação do homem e o seu comportamento em meio aos impactos ambientais percebidos, de maneira integrada. Além disso, o conceito de paisagem e posteriormente o conceito de ecologia da paisagem serão analisados com a utilização de fotografias da praia de Mar Azul que intensificam a necessidade de se realizar a prática da ecologia da paisagem. 11 1.1 O MAR, A PRAIA, O LIXO E O HOMEM Compreender os processos de degradação da paisagem costeira, requer umaminuciosa análise de comportamento social do homem em relação ao ambiente marinho. A deposição de materiais dos mais diversos tipos, sobre as praias, tornou-se um problema de ordem e características peculiares. Dentre eles estão: O descuido com o habitat da fauna e da flora de regiões costeiras, consequência da poluição das praias. Porém, um fator crucial para a Geografia que demonstra de maneira clara os efeitos nocivos do descarte incorreto de lixo nas praias, é a alteração da paisagem. O fio condutor dessa pesquisa se dá inicialmente por meio da observação empírica. Durante uma caminhada pela praia de Mar Azul, localizada no município de Aracruz – ES, observei que ao longo da extensão de areia da praia, haviam diversos tipos de lixo, principalmente envoltos na restinga e outras vegetações que fazem parte do local. Suertegaray (2002), sinaliza que uma pesquisa de campo em Geografia, deve envolver métodos construtivos de conceber o conhecimento a partir de uma ferramenta de análise. As escalas estabelecidas na pesquisa, devem acompanhar consequentemente os diferentes métodos aplicados. Segundo a autora, O geógrafo, por sua vez, deve realizar a sua análise com a premissa de observar a realidade ao seu redor por meio das práticas sociais. A partir desse momento, caminhar pela faixa de areia da praia se tornou para mim uma prática social, que analisa uma outra prática social: A deposição de lixo na praia. A ferramenta de análise é a paisagem, com isso, foram registradas imagens que poderão auxiliar na transcrição dessa pesquisa. A escala, está delimitada na praia de Mar Azul, em Aracruz – ES. A justificativa para esse recorte espacial, em primeiro vem da carência de pesquisas acadêmicas especificamente sobre essa praia, existem inúmeros trabalhos realizados sobre o município de Aracruz, mas pouquíssimos comentam sobre a praia de Mar Azul e os seus aspectos geográficos. Um segundo fator para a escolha desse recorte, vem das diversas possibilidades da ciência geográfica se relacionar com os elementos que compõem a praia, principalmente quanto ao fator de pertencimento e integralidade do local, onde nasci e fui criado, e que para o profissional geógrafo, torna-se o ponto fundante da profissão na capacidade de conseguir gerar um retorno à sociedade aquilo que é o seu objeto de estudo: o espaço geográfico, espaço construído pelas suas relações com o meio em que vive. 12 Os processos metodológicos serão pautados pela contextualização do conceito de paisagem, através de autores como Cosgrove (1998) e Bertrand (2004), dentre outros. Para isso, serão utilizadas fotos que possam auxiliar a compreensão das alterações na paisagem percebidas na praia de Mar Azul, e como a ciência geográfica pode estabelecer uma análise reflexiva sobre as ações do ser humano na paisagem. Além disso, será necessário também compreender de que maneira são estabelecidas as leis de proteção ao ambiente costeiro e marítimo, e como a relação de proteção ao ambiente costeiro está relacionada à ecologia da paisagem. 1.2. A PRAIA SOB O OLHAR DA GEOGRAFIA Para compreender melhor como se dá a definição do que é a praia, em termos geográficos, torna-se interessante pontuar por primeiro o que é a zona costeira. Vitte (2003), define zona costeira como a zona de interação entre os meios terrestres, marinhos e atmosféricos. A palavra interação, aqui sinalizada, indica um certo tipo de contato, ou seja, um certo tipo de movimento entre os elementos presentes na praia. Com isso, pode-se destacar duas definições de praia que compõem com o olhar geográfico o que é de fato a praia: A área onde ocorre material inconsolidado. Estende-se em direção à terra, a partir da linha de maré mais baixa, prolongando-se até o local onde se dá a mudança do material que a constitui ou das formas fisiográficas, como, por exemplo, a zona de vegetação permanente, de dunas ou de penhascos costeiros. O limite superior de uma praia marca o limite efetivo de ondas de tempestade. (POPP, 2010, p. 207) O autor sinaliza o fato de que o limite da praia ocorre até o momento em que há mudança de material inconsolidado para zona de vegetação, por exemplo. Ocorrendo um tipo de interação. Enquanto que para Suertegaray (2003): Praia (beach) – são depósitos, geralmente, lineares de sedimentos acumulados por agentes de transporte marinho ao longo do litoral. Normalmente o sedimento predominante das praias são as areias, o que não significa que não haja praias formadas de cascalhos, seixos e outros sedimentos finos além das areias. A largura dessa feição tem relação direta com as marés que são responsáveis pelo seu constante movimento e retrabalhamento. (p.188); Aqui a autora declara que a largura da feição de uma praia, o seu limite, tem relação direta com o movimento das marés e seu constante retrabalhamento. As interações reveladas por esses dois 13 autores, compõem por primeiro, a caracterização do relevo a partir de causas naturais, de processos degradantes que são de certa maneira influenciadores geomorfológicos. A esse respeito, Teixeira (2009) bem descreve: ...os processos de modificação do relevo costeiro podem ser continuamente observados, “como resultado da ação integrada dos agentes marinhos (correntes geradas por ondas e marés), atmosféricos (ventos e tempestades) e dos atuantes sobre os continentes (intemperismos e erosão)”. TEIXEIRA (2009, p. 393) Entretanto, é necessário considerar que a influência de degradação do relevo costeiro, e sua consequente definição não ocorre somente por vias geomorfológicas, mas também, por vias antropomórficas. Tal fato não foi citado por nenhum dos autores descritos, mas é possível estabelecer essa relação de movimento pela ação humana, através dos impactos causados pelo lixo nas praias e a sua reflectância na paisagem. Aqui deve-se observar um fato importante: A praia não é somente uma faixa de areia, é também paisagem. 1.3 A PRAIA: PATRIMÔNIO NATURAL DE PRESERVAÇÃO No Brasil, a praia tornou-se um dos maiores atrativos turísticos para aqueles apreciam o valor estético da beleza da natureza, tornando-se um dos ambientes de lazer mais frequentados em diversas parte do mundo. Buscando ir além disso, pode-se observar o quão importante as águas salinas são para a humanidade por meio de sua extensão territorial. Boudou (2001), define a importância dos mares com uma crítica aos princípios geográficos de estudo do planeta Terra. O autor aponta: Paradoxalmente, o nosso pequeno planeta chama-se “Terra”, enquanto, atualmente, aproximadamente 71% de sua superfície é constituída de água (salgada)! ... O maior dos oceanos, o Pacífico, sozinho, ocupa uma área superior à soma de todos os continentes juntos. No nosso Hemisfério Sul, cerca de 81% da superfície é composta, hoje, de líquidos. (BOUDOU, 2001, p.71) É necessário compreender que quando o autor sinaliza a imensidão de área que o mar ocupa na Terra, a observação sobre os impactos decorrentes de alterações antropomórficas, acontecem em três ambientes que se auto complementam: os oceanos (e os mares), e os seus limites: os litorais (ou costas) e suas margens (as zonas costeiras). Boudou (2001) chama a atenção para a problemática da ocupação e uso das “fachadas marítimas”, onde aqui nessa pesquisa, será 14 contextualizada a problemática das alterações da paisagem, na praia de Mar Azul (zona costeira), decorrente da deposição de lixo no local. Ao realizar uma busca por pesquisas acadêmicas que trabalharam a temática da praia no estado do Espírito Santo, notam-se alguns trabalhos orientados por dois fatores principais de caracterização do ambiente costeiro: Caracterização morfodinâmica das praias e delimitação da orla marítima urbana. Assim, a maior parte dos trabalhos encontrados são do acervo da Universidade Federal do Espírito Santo,com alguns trabalhos elaborados nos cursos de Geografia, Oceanografia e Arquitetura e urbanismo. A ocupação do mar pelo homem remonta aos primórdios da humanidade. Através das grandes navegações, foram possíveis inicialmente as primeiras viagens científicas, desbravando os mares, que ainda eram sinônimo de grande mistério. A partir do século XX, nota-se o processo de litoralização, da humanidade, com maior ocupação do ambiente marinho para fins diversos. Ainda em Boudou (2001), o autor destaca a importância dos mares em vários aspectos, sejam o social, comercial, situações de sobrevivência, econômica, transporte. Com o passar dos anos, em busca de preservar consistentemente as capacidades naturais de funcionalidade do mar para o homem, e a sua qualidade, tornaram-se constantes as discussões na comunidade científica sobre a poluição e degradação dos mares. A Conferência de Estocolmo, em 1972, representa o marco inicial de implementação de discussões sobre as emergências ambientais no mundo. A partir daquele ano, iniciam-se as preocupações com a presença de lixo nos mares e nas zonas costeiras, o chamado lixo marinho, cuja origem está atrelada em ações antropogênicas. (FALCÃO; SOUZA, ano, p. 3) Após a Conferência de Estocolmo, foi lançado o programa sobre os mares regionais, que representava a coordenação de vários planos e suportes legais para determinar acordos regionais obrigatórios entre Estados, tendo o objetivo de preservar o ambiente marinho. Cerca de 120 países participaram da ação. Nesse encontro, foram estabelecidos 9 planos de ação abrangendo o Mar Mediterrâneo (1975) o Mar Vermelho e Golfo de Aden (1976), o Golfo Pérsico e Arábico (1978), o Largo Caribe (1981), os Mares do Leste Asiático (1981), o Pacífico Sudoeste (1981), o Africano Oeste e Central (1981), o Pacífico Sul (1982) e o África Oriental (1985) (MORE, 2002). 15 Os elementos norteadores da ação implementada seguiam os princípios gerais da Conferência de Estocolmo, são eles: a) avaliação ambiental; b) gerenciamento ambiental; c) medidas de suporte. Entretanto, é necessário destacar que a exclusão do oceano Atlântico nos planos de ação estabelecidos, podem ser um dos fatores que contribuem para ações tardias de preservação do mar no Brasil, apesar de haver reconhecimento legal para a preservação. Cabe aqui destacar que a preservação ambiental é antes de tudo um dever de todos. Entretanto, Araújo & Costa (2003) observam que um grande número de pessoas não exerce os princípios básicos de cidadania, onde tratam o espaço público como um bem que não lhe pertence, como algo distante, mas que pode ser explorado, ignorando sua responsabilidade de mantê-lo limpo. A esse respeito, a sociedade civil brasileira, possui disciplina legal para ser também responsável pelo ambiente marinho e costeiro. Observa-se que no encontro de mares regionais, não está citado o mar atlântico, porém, em Pedro (2012), é citada a Convenção sobre o Direito do Mar, realizada em MontegoBay, na Jamaica em 1982, promovida pelas Nações Unidas, foi instituída legalmente em âmbito internacional em 1994. Em 1995, o Brasil entra em cena englobando em seu decreto legislativo interno os princípios da referida Convenção. A partir do decreto no1530 de 22.6.1995, é instituída a Zona Econômica Exclusiva que delimita o mar territorial do país a 12 milhas náuticas, medidas a partir da linha de base prevista no Tratado. O Brasil teria então exclusividade para aproveitamento de recursos naturais, proteção ambiental, pesquisa científica e instalação de plataformas (PEDRO, 2012). Considerando ainda, um período anterior ao tratado, no caso brasileiro, no artigo 225 da Constituição Federal de 1988 determina a proteção ambiental como dever de todos, seja o governo ou a sociedade civil. A outorga ao meio ambiente, estabelece o status jurídico de bem de uso comum do povo, a ser preservado em prol da qualidade de vida das presentes e futuras gerações (BRASIL, 2000). O mesmo artigo, em seu parágrafo 4o, define como patrimônio nacional, entre outros ecossistemas, a zona costeira. Sua utilização somente pode ser feita, na forma da lei, em condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. (FARIAS, 2014, p. 280). Contudo, com relação as ações antrópicas de degradação da zona costeira, observa-se comumente ações de degradação do ambiente marinho que não contabilizam os riscos inerentes para esse recurso natural e patrimônio de todos os seres vivos. Em Soriano (2009), vemos a 16 crítica sobre essa postura do Brasil com relação a ocorrência de desastres naturais. O autor define desastre como uma ruptura que ocorre de forma repentina em um determinado espaço sobre uma determinada população. Essa ruptura, que também pode ser chamada de desequilíbrio, acontece de maneira consciente por parte da população ou não. O desastre para ele revela uma fraqueza da estrutura ou sistema social. O país estaria então concentrado em assegurar a preservação ambiental marinha e costeira por meio da legislação, mas ainda é ineficaz em prever o risco de desastre. E quais seriam esses riscos? Qual a frequência com que vem acontecendo? Quem seriam os responsáveis? Farias (2014), afirma que cerca de 70 milhões de habitantes que residem em áreas costeiras geram 56 mil toneladas diárias de lixo, (das quais 42 nela) e em seguida ao ambiente costeiro. Estima-se que, em escala global, até 80% do lixo encontrado em praias chega à costa através dos rios próximos. Porém, isso depende em parte, dos padrões de circulação das águas costeiras. As pessoas que frequentam as praias também contribuem, ao deixar os próprios resíduos na areia (LAIST, 1987). A dinâmica costeira (ventos, ondas e marés) transfere o lixo para a água, onde a poluição assume um caráter global no oceano. Ao identificar essa premissa do caráter global que uma ação local pode reverberar mar adentro, Massey (1994) bem destaca: Finalmente, todas essas relações interagem com a história acumulada de um lugar e ganham um elemento a mais na especificidade dessa história, além de interagir com essa própria história imaginada como o produto de camadas superpostas de diferentes conjuntos de ligações tanto locais, quanto com o mundo mais amplo. (MASSEY, 2000, p. 185) A autora sinaliza que a história acumulada de um lugar com o conjunto de camadas superpostas no local, sugere a construção de uma consciência global do lugar, de tal maneira que para a questão do lixo nas praias, torna-se relevante questionar-se até onde pode chegar as camadas de lixo que se acumulam em zonas costeiras? De que forma se deve tratar o lixo nesse ambiente local pensando as características globais que o lugar assume a partir da dinâmica de retrabalhamento constante de uma praia? Ainda em Farias (2014), o autor pontua que o principal responsável pela degradação dos oceanos decorre do atual estilo de vida das sociedades. Lacerda (2014), sinaliza a característica 17 dos resíduos sólidos enquanto mercadoria. Porém, o seu valor de uso se encontra amparado em um corpo material, que ocupa um espaço físico, em um determinado lugar ao ser descartado. No Brasil, nos últimos anos, “a produção média diária de lixo aumentou de 0,5 para 1,2 kg por pessoa nas capitais, e o consumo de embalagens de alimentos cresceu mais de 100%”. Quanto mais desenvolvido um país, “maior a geração de resíduos sólidos, em especial de derivados de petróleo como plásticos, nylon e isopor, de difícil degradação natural”. (FARIAS, 2014, p. 281). A maior preocupação das autoridades ambientais em escala mundial é com a proliferação dos pellets no ambiente marinho. Os pellets são grânulos formados por resinas poliméricas processadas na indústria química, que servem de base para o processamento de plásticos em seus mais diversostipos de uso. Tais resíduos, de fonte industrial, são na maioria das vezes transportados ao mar por meio dos rios. Entretanto, quando se fala em degradação costeira, é necessário analisar também dois elementos que compõem o cenário de poluição: A densidade demográfica em ambientes costeiros e os períodos de alta temporada. Farias (2014), apresenta dados relevantes que consideram os potenciais turísticos como influenciadores da degradação de zonas costeiras. O autor cita que a maior parte da população mundial vive em zonas costeiras, há pelo menos 100km da costa, e que o Brasil é um dos países mais afetados pela degradação ambiental marinha, devido a sua extensa área litoral, que corresponde a 5% do território nacional, mas que abriga cerca de 39 milhões de habitantes. (Dados de 2014). O turismo promovido nas cidades litorâneas brasileiras, assume um caráter negativo quando não se observa a necessária fiscalização sobre o cumprimento das leis ambientais seja por parte das prefeituras, da iniciativa privada ou da sociedade civil. O lixo deixado nas praias é responsável pela diminuição da vinda de turistas. Ao final das temporadas de grande movimento, vários tipos de lixo de difícil degradação como copos de plástico, canudos, garrafas são deixados nas regiões costeiras. O lixo não só diminui a qualidade de vida da população, mas também põe em perigo a vida dos organismos marinhos, como os mamíferos e aves marinhas (COE, 1997; FOWLER, 1987; LAIST, 1987; CARR, 1987; MORE, 2002; SILVA, 2009). Uma curiosidade que deve ser destacada são as motivações que levam esses turistas a se deslocarem para as zonas costeiras. As motivações dos turistas deveriam corroborar com a preservação do ambiente marinho, mas acabam por representar em alguns momentos a 18 reprodução ou replicação da vida cotidiana dos grandes centros urbanos nas praias. Kiyotani (2012), identifica a partir dos estudos de MACEDO E PELLEGRINO (1999), o surgimento dos subúrbios de veraneio, que se tratam de um bairro de segunda residência, localizado nas praias, destinado a ser utilizado nas férias de verão ou em períodos de grandes feriados. Os motivos mais atrativos para a existência dessa segunda residência compreendem: a proximidade de distância entre a primeira residência e a segunda residência, facilitando o deslocamento até sua residência de lazer, além disso, a opção da localidade condicionada pelo bem-estar que determinado local proporciona aos seus proprietários. Aqui se revela uma contrariedade com relação ao comportamento dos turistas, que foi pontuado anteriormente por Farias (2014). Por isso, a maioria dessas está em locais aprazíveis aos olhos e com meio ambiente preservado (pelo menos no ato da compra), afinal os moradores pretendem “fugir” da degradação ambiental e paisagística dos grandes centros. (KIYOTANI, 2012, p.6). A fuga da degradação urbana, é por vezes replicada na degradação costeira. Aqui pode-se determinar que o vínculo do turista com a segunda residência, acaba por intensificar a ação degradante do ambiente costeiro e marítimo. Kiyotani (2012), sinaliza o fator de vínculo territorial e social, onde os proprietários da segunda residência estabelecem uma ligação de pertencimento com o local da segunda residência. Assim, a fuga do estilo de vida dos grandes centros e de sua marca de poluição, acaba se tornando na realidade, a reprodução das mesmas marcas de poluição só que em ambiente diferente. 1.4 O LIXO: UMA HERANÇA DO COMPORTAMENTO HUMANO NA SOCIEDADE MODERNA OU UMA RUGOSIDADE DO ESPAÇO? O modelo de produção e consumo capitalistas, veem com o passar dos anos modelando o comportamento humano, de tal maneira que o lixo se torna uma herança que é fruto desse comportamento. A construção dessa triste herança, remonta à Modernidade, ou dita Sociedade Industrial, onde se percebe que as relações sociais estão inseridas em um processo histórico que assume valores técnico-científicos, econômicos, financeiros, culturais e políticos. A espacialização da produção ocasionada pelo estilo de vida e costumes do ser humano, 19 representaram grande impacto ambiental, com a produção em larga escala de produtos variados, de composição de materiais também variados. Vieira e Berrios (2002), destacam: Na questão ambiental, a voracidade na produção de mercadorias e o ritmo veloz que se imprime ao consumo, contrastam com o desinteresse e a lentidão com os quais age para solucionar os problemas ambientais que acarretam em diversas partes do planeta os processos de produção e consumo desenvolvidos em desacordo e/ou oposição com os interesses e necessidades do ambiente. VIEIRA, BERRIOS (2002, p.38) Em determinado momento da história humana, a capacidade de organizar e manter o equilíbrio do meio ambiente, foi deixada de lado, de tal modo que o meio se adaptou às condições impostas pela produção desenfreada de bens de consumo. Santos (1997), afirma com clareza que o meio é resultado de uma adaptação constante do planeta Terra às necessidades humanas. No caso do lixo derivado da produção do homem, esqueceu-se do meio e viabilizou-se somente a necessidade de produzir. A esse respeito, ainda em Santos (1978), o autor utiliza o termo rugosidades do espaço, para se referir ao que identifica o tempo passado como forma no espaço construído, na paisagem, no tempo presente. As rugosidades são o espaço construído, o tempo histórico que se transformou em paisagem, incorporado ao espaço. [...] nos oferecem [...] restos de uma divisão de trabalho internacional, manifestada localmente por combinações particulares do capital, das técnicas e do trabalho utilizados. [...] O modo de produção que, [...] cria formas espaciais fixas, pode desaparecer – e isto é freqüente – sem que tais formas fixas desapareçam. (SANTOS, 1978, p. 138) Desse modo, o lixo, enquanto herança do comportamento humano da sociedade moderna, atua como uma rugosidade do espaço na sociedade contemporânea, a sociedade no tempo presente. Santos (2012), ainda afirma que essas rugosidades são o que restam do processo de supressão, acumulação e superposição com que as coisas podem ser substituídas e acumuladas nos mais diversos lugares. Assim, o lixo representaria então a supressão (eliminação) de um objeto, que por conta do modelo de produção e consumo capitalistas se acumula no espaço e se superpõe a cada camada de acumulação, adquire dessa maneira o caráter de rugosidade, pois é um processo inacabado que ultrapassa o tempo histórico passado, e cria memórias de tal tempo histórico, deixando assim uma herança. 20 Mas afinal, o ser humano tem produzido lixo, ou tem produzido resíduo? O que se vê no meio ambiente, é resultado de necessidade ou de consumo exacerbado? Vieira e Berrios (2002), bem colocam que lixo e resíduo, são termos que não podem ser citados separadamente. Para os autores, deve-se levar em conta a condição a que o material, resistente a decomposição, se encontra. Inicialmente, o termo lixo foi utilizado para designar as cinzas provenientes da ação do fogo para destruição dos resíduos que sobravam das atividades do homem. Assim, não seria correto chamar de cinzas, ou tecnicamente de lixo, materiais que não foram incinerados, tais como papel, utensílios domésticos, roupas...dentre outros. A partir do momento que tais materiais são incinerados, suas cinzas seriam chamadas de lixo. Em contrapartida, o termo resíduo, segundo os autores, seria utilizado para denominar a situação, o lugar em que esses objetos se encontram. Na ocorrência de que esses objetos estejam lançados no meio ambiente de maneira inapropriada, são então resíduos. Lixo ou resíduo, a destinação final desse tipo de material, ou seja, o seu descarte se dá de maneira diferente, a depender do espaço ao qual se encontra. Quanto à destinação final há umanítida diferença em relação aos critérios que prevalecem entre os países ricos. Uns priorizam a alternativa do aterro sanitário, (o caso dos EUA) outros a incineração e reaproveitamento de energia (o caso da Europa Ocidental). As percentagens de reciclagem e compostagem, ainda que em níveis diferenciados, também são bastante razoáveis entre eles. Nos países pobres, a maior parte do resíduo/lixo tem o lixão, e outras formas precárias como alternativa de destinação. VIEIRA, BERRIOS (2002, p.41). A partir dessa observação de Viera e Berrios (2002), é possível notar o impacto da globalização na capacidade de gerir o lixo/resíduo em diferentes espaços. Santos (1997), sinaliza que a globalização leva a construção de um novo meio geográfico cuja produção é maior quanto mais produtivo e quanto maior for o seu conteúdo em ciência, tecnologia e informação. Cria-se, desse modo, uma disparidade entre espaços adaptados às exigências das ações econômicas, políticas e culturais características da globalização e outras áreas não dotadas dessas virtudes, formando o que, imaginativamente, Milton chama de espaços luminosos e espaços opacos, respectivamente. 21 Países como Estados Unidos, ou o continente europeu, citados por Vieira e Berrios (2002), se tratam então de espaços luminosos, com investimentos para produzir em grande quantidade e para eliminar os resíduos em grande quantidade também. Entretanto, os países mais pobres, seriam os espaços opacos, com pouca infraestrutura para destinar adequadamente o próprio lixo. Neste capítulo, é possível analisar que lixo/resíduo além de ser um composto material, é também um composto das relações sociais, econômicas e produtivas, e que não deixa de ser produto em nenhum momento de sua existência. Mas de que maneira, esse produto tem impacto na paisagem? E como proteger a paisagem para que a preservação do ambiente das praias possa ser o principal produto a ser gerado a partir das relações sociais, ao invés do lixo? Nos próximos capítulos serão propostas reflexões a partir de observações empíricas e de material visual que podem auxiliar a construir as possíveis respostas para essas perguntas. Desse modo, o princípio norteador para que se compreenda a situação da praia de Mar Azul, é a ecologia da paisagem, que assume caráter primordial de proteção ao ambiente costeiro. Deve- se considerar de que maneira, a praia, ao ser reconhecida não somente como um conceito geográfico, mas também como um patrimônio de preservação natural, sofre influência de impactos ambientais degradantes, como o lixo descartado incorretamente e quais foram as ações de mitigação de impactos como esse ao longo dos anos, na praia de Mar Azul. 2. MAR AZUL: CONTEXTUALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO O bairro Mar Azul encontra-se localizado no município de Aracruz, estado do Espírito Santo. Em sua fundação, o nome do bairro era Andorinhas. Posteriormente passou a se chamar Mar Azul. Segundo dados da Prefeitura Municipal de Aracruz, o bairro possui extensão de 1km de praia, que compreende o fim da reserva (Mar Azul até o rio Sauê, segundo informações PROJETO ORLA, 2016), que faz divisa com o bairro Praia do Sauê e o início da Praia de Putiri. Atualmente, o município de Aracruz possui população estimada de 103.101pessoas (IBGE, 2020). 22 Figura 1 – Mapa de localização do bairro Mar Azul Fonte: GEOBASES/IJSN Elaborado por: Lincoln Duques de Barros O mapa acima descreve a localização do bairro de Mar Azul, com relação aos limites com os bairros vizinhos, bem como a localização do município de Aracruz no Estado do Espírito Santo. Para melhor contextualização do município de Aracruz, situando o bairro de Mar Azul, serão utilizados alguns conceitos desenvolvidos por Santos (2002), tais como o território das redes, e os espaços luminosos e os espaços opacos. Segundo Orrico (2010), o município de Aracruz encontra-se localizado no Norte do Estado do Espírito Santo, que até meados da década de 70, suas principais atividades econômicas giravam em torno da produção agrícola, principalmente o café. Tal fato se deve a presença de imigrantes italianos no município. Entretanto, é a partir da década de 70 que o as capacidades de organização territorial do município de Aracruz se transformam, com a promoção do Plano Nacional de Desenvolvimento, projeto do governo federal, apoiado pelo governo estadual. É quando o município recebe a instalação da Aracruz Celulose S/A, que atualmente, depois de fusões corporativas se tornou a empresa Suzano. A fábrica é uma das maiores exportadoras de celulose, papel e seus derivados. Sua organização 23 territorial pode ser analisada a partir de concepções geográficas que revelam um estado segregador do espaço geográfico. Na fundação da antiga Aracruz Celulose, havia uma demanda por mão de obra devido ao início desse novo empreendimento. Essa demanda aconteceu de maneiras diferentes em um espaço, sendo mais específico, com a criação dos bairros Coqueiral e Barra do Riacho. Vieira (2012), sinaliza que antes da construção da empresa, o bairro Barra do Riacho possuía cerca de 2000 pessoas residentes, após o início das obras, o bairro passou a ter 10000 pessoas, de diversos lugares do Brasil, que buscavam trabalhar para a empresa. Segundo o autor, em geral, tratavam-se de homens, com pouca qualificação profissional. Em contrapartida, o bairro Coqueiral foi projetado e construído pela empresa Aracruz Celulose, sendo que até meados da década de 70 a 80, somente residiam nesse bairro, funcionários da empresa, que na sua maioria possuíam nível de escolaridade superior e altos cargos na empresa. É um bairro direcionado para uma determinada classe social, com clube privativo, pequeno teatro, ruas largas, áreas gramadas, campos de futebol e praças. E durante algum tempo, esse bairro era considerado um bairro nobre na orla de Aracruz. Hoje, ele não é mais um bairro privativo, sendo habitado também por pessoas que não trabalham na empresa. Esses espaços segregados criados pela implantação da empresa, trazem consigo o conceito de território das redes, mencionado por Santos (2002). Ele diz que um território não é mais dividido em regiões, mas em redes, que no sistema capitalista, são a condição para o estabelecimento de uma economia mundial e uma sociedade global. Porém, as redes criam espaços luminosos (a exemplo do bairro Coqueiral de Aracruz) e espaços opacos (a exemplo do bairro Barra do Riacho). Dois bairros criados em um mesmo tempo, em um mesmo espaço, mas com finalidades e características diferentes. Mais tarde, um outro empreendimento foi instalado no município, e a sua instalação causou de certa maneira uma alteração na paisagem, especificamente ao longo da praia. Em Izoton (2016), a descoberta da camada de Pré-sal no Brasil, propiciou uma demanda de investimentos destinados a produção petrolífera e a atividade portuária na região. A empresa Petrobras construiu um terminal de abastecimento no município, no entorno do bairro Barra do Riacho. Mas o grande empreendimento no município de Aracruz foi a instalação do Estaleiro Jurong Aracruz. O autor sinaliza que o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente do EJA, esclarece que a posição estratégica de instalação da empresa atende ao campo de exploração do pré-sal. 24 Figura 2 – Mapa de Limites administrativos do município de Aracruz Fonte: Instituto Jones dos Santos Neves modificado pelo autor Mar Azul 25 O mapa apresentado define os limites administrativos do município, com seus distritos e elementos hidrográficos. Cabe destacar que entre os limites de cada distrito, é possível encontrar algumas das aldeias indígenas pertencentes ao município, as quais em sua totalidade são 12 aldeias, onde 10 aldeias indígenas são da Terra indígena Tupinikim Guarani, e 2 aldeias indígenasda Terra indígena Comboios, ambas localizadas no município, onde vivem os povos indígenas Tupinikim e Guarani 26 Figura 3 – Mapa de Zoneamento urbano da orla do município de Aracruz Fonte: Prefeitura Municipal de Aracruz modificado pelo autor 27 O mapa acima faz parte do Plano Diretor Municipal de Aracruz (PDM), e descreve de que maneira está delimitado o zoneamento dos bairros pertencentes a orla de Barra do Sahy. Nota- se que ao localizar o bairro de Mar Azul, o mapa classifica o bairro como uma zona turística, na cor roxa, e possuindo zonas de proteção ambiental 1 (ZPA-1), a qual abrange o início e final da área total do bairro, com maior abrangência na faixa litorânea. 28 Figura 4 – Mapa de Zoneamento urbano do Município de Aracruz Fonte: Prefeitura Municipal de Aracruz 29 O mapa acima descreve o zoneamento do município de Aracruz, onde as áreas delimitadas na cor cinza se encontram as principais atividades industriais atualmente do município: A empresa Suzano, Estaleiro Jurong Aracruz e a Portocel. A localização entre os três empreendimentos citados se dá no decorrer da Rodovia ES-010, no sentido Norte do Estado, e a rodovia ES-257, que aporta a fábrica de papel e celulose da Suzano, além também de seu viveiro próprio. Rodovia a qual integra os bairros da orla do município de Aracruz à sua sede. Para compreender como se dá o caráter de preservação ambiental da praia e como o retrospecto de degradação costeira acontece, será contextualizado o Projeto Orla de Aracruz. O projeto foi idealizado no ano de 2016 pela Prefeitura Municipal de Aracruz (PMA), o Ministério do Meio Ambiente (MMA), Secretaria do Patrimônio da União – ES (SPU/ES) e o Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA). Aqui estão os principais objetivos do projeto: Fortalecer a capacidade de atuação e articulação de diferentes atores do setor público e privado na gestão integrada da orla, aperfeiçoando o arcabouço normativo que ordena o uso e ocupação desse espaço; Desenvolver mecanismos de participação e controle social que concorram para uma gestão integrada; Valorizar ações inovadoras de gestão voltadas ao uso sustentável dos recursos naturais e da ocupação dos espaços litorâneos; Inserir o espaço litorâneo na dinâmica de desenvolvimento do município, que nas últimas décadas esteve muito focada em sua porção central; Compatibilizar o novo momento de desenvolvimento industrial do município com as exigências ambientais advindas da inserção das unidades de conservação de proteção integral; Implementar um sistema de governança local baseado em um Comitê Gestor da Orla de caráter deliberativo. (PROJETO ORLA, ARACRUZ, 2016). 30 Por meio de levantamento de dados coletados em campo e com reuniões com as devidas lideranças comunitárias, o projeto elaborou um relatório, que analisa os pontos fortes e fracos de cada praia do município, com relação ao ordenamento territorial e as capacidades de preservação das respectivas praias. Dentre elas a de Mar Azul. Abaixo segue uma tabela elaborada pelo projeto, que apresenta esse estudo sobre a praia: Figura 5 – Quadro esquemático de problemas e resoluções ambientais para o bairro de Mar Azul Fonte: Projeto Orla (2016) Figura 6 – Continuidade do Quadro esquemático da Figura 4 Fonte: Projeto Orla (2016) 31 No item Configuração local e usos, chama a atenção a descrição de que a maioria das casas são de segunda residência, termo mencionado em capítulo anterior. A tabela coloca essa situação como também um problema. Aqui cabem alguns questionamentos: a) a segunda residência em regiões costeiras é um problema por ser uma segunda residência, não possuir utilização regular e assim o bairro ter descrédito em relação ao funcionamento de aparelhagens públicas, tais como saneamento básico, coleta de lixo, educação, segurança? b) ou a segunda residência é um problema que deriva exclusivamente da especulação imobiliária? Neste caso, as duas perguntas trazem consigo as próprias respostas. A maior parte dos problemas da praia de Mar Azul que estão listados no projeto acompanham a existência de segundas residências, e as tratam como um problema: Maioria das casas como segunda residência; Propriedades particulares sem utilização regular; Sazonalidade – fluxo de turistas no verão Especulação imobiliária Poluição sonora, resíduos sólidos e poluição do ar Aumento da poluição sonora no verão. (PROJETO ORLA, ARACRUZ 2016) Entretanto, a resolução dos problemas analisados no projeto, visa primariamente garantir a função socioambiental dos bens da União. Ou seja, o fomento de conservação das praias tem um objetivo patrimonial e não necessariamente social, apesar de envolver nas respostas aos elementos degradantes, a participação da comunidade, em reuniões públicas. Com isso, o Projeto elaborou junto ao relatório, um plano de gestão integrada, no qual o setor Sahy- Saue, onde se encontra a praia de Mar Azul, recebeu 146 propostas de ações mitigadoras. Em cada ação, um órgão ou entidade se torna responsável pelo seu cumprimento em um determinado prazo. Realizando uma busca de atualizações sobre o cumprimento desses prazos, e através de observação empírica, nota-se que boa parte das ações mitigadoras não foram cumpridas. Apenas uma delas de caráter de preservação aconteceu com maior relevância, que é a preservação da restinga da praia. A partir desse ponto da pesquisa, é possível contrastar os dados levantados pelo Projeto, com a situação atual da praia, onde é possível observar que uma das ações mitigadoras foram preservadas em meio a alguns excessos. 32 Para isso, serão contextualizados nos próximos capítulos como o conceito de paisagem, e principalmente a ecologia da paisagem, enquanto prática reflexiva e ao mesmo tempo ativa, se torna o meio pelo qual a relação de pertencimento em relação à praia se estabelece. 3. PAISAGEM E IMAGEM: MOVIMENTO E TRANSFORMAÇÃO A paisagem enquanto uma categoria do espaço geográfico, é uma das maneiras que conseguir extrair do próprio espaço geográfico as construções e reconstruções do processo de retrabalhamento existente no espaço da praia especificamente. Para realizar a constatação de como o processo de retrabalhamento é influenciado por impactos decorrentes do descarte incorreto de lixo na praia de Mar Azul e de que maneira a ecologia da paisagem se mostra como um instrumento de combate a essa prática, será necessário antes de tudo a utilização de imagens coletadas em campo que irão proporcionar maior entendimento do que será abordado a seguir. Para isso, torna-se necessário dividir a utilização das imagens em sessões especificadas de acordo com as suas características. São elas: a) Paisagem estática, b) Paisagem focalizada e c) Paisagem em movimento. 33 a) Paisagem estática Figura 7 – Área de restinga da praia de Mar Azul próximo ao limite com o bairro Putiri Fonte: acervo do autor (2020) A imagem traz consigo a paisagem em concretude, ou seja, sua expressão máxima com relação ao conjunto de elementos que podem caber nela, onde se percebe a faixa de areia, o mar, a restinga, a vegetação local. Para Santos: Paisagem é o conjunto de formas que num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e a natureza. Ou ainda, a paisagem se dá como conjunto de objetos concretos. (SANTOS,1997 apud Suertegaray:p.5) O autor declara que sucessivas relações se estabelecem na paisagem, de tal maneira que a sua concretizaçãose dá por um conjunto de elementos. Entretanto, o foco é o que permite compreender melhor a maneira como os elementos constituintes da paisagem se inter- relacionam, permitindo assim entender quais heranças estão sendo deixadas na praia, além das pegadas na areia? 34 b) Paisagem focalizada Figura 8 – Lixo exposto em meio a vegetação da praia de Mar Azul Fonte: Acervo do autor (2020) Figura 9 – Lixo exposto em meio a vegetação e ao processo de erosão da praia de Mar Azul Fonte: Acervo do autor (2020) 35 Observando-se um pouco melhor o que há na restinga, um dos elementos da paisagem vista de maneira estática, é possível perceber a relação antrópica estabelecida com a paisagem, de tal maneira que permite considerar as implicações de ações externas ao conjunto da paisagem. A esse respeito, é necessário então considerar a dinamicidade da paisagem: a paisagem não seria a simples junção de elementos geográficos..., mas a combinação dinâmica, estável, dos elementos físicos, biológicos e antrópicos, porque a paisagem não é apenas natural, mas é total, com todas as implicações da participação humana. (BERTRAND 1971,apud MAXIMIANO. P.88) Bertrand (1971), propõe que a paisagem não é apenas natural, mas é total, abrigando a participação humana, onde aqui é possível notar o estabelecimento da cultura como sendo o meio utilizado para expressar a ação do homem na integralidade da paisagem. Sauer (1998), ao escrever sobre a paisagem define como sendo uma área em que estão inseridas associações de formas modeladoras, que são físicas e culturais. A morfologia da paisagem aparentemente está associada apenas a essas duas formas, porém ideias pré-concebidas podem influenciar significativamente na descrição de uma paisagem. O observador da paisagem, no caso da geografia cultural, o geógrafo, tem dentro de si uma forma genérica de paisagem que é utilizada em comparação a aquilo que ele observa. Essa generalidade para conceber aquilo que se vê fica atrelada a um princípio subjetivo apenas, no campo físico, onde se percebe a naturalidade da paisagem, não generalidade pré-estabelecida, toda paisagem terá uma individualidade, irá ser constituída de determinados processos naturais ou não que permitem dizer: essa montanha não é igual a outra montanha. Além da percepção visual de como a paisagem se apresenta, é preciso considerar que a paisagem tem conteúdo, no qual a cultura é incluída. Sauer (1998) define que a cultura na paisagem delimita a marca da ação do homem sobre uma área, no qual formam-se grupos de homens associados por descendência ou tradição. Por exemplo, ambas as imagens expostas na b) Paisagem focalizada, permitem determinar genericamente que as pessoas que frequentam a praia consomem bebida alcóolica, mas o conteúdo, a cultura enraizada por assim dizer, está no fato de que o ato de preservar o meio, ou seja, a praia, é deixado de lado quando se observa o descarte incorreto dos resíduos. Aqui pode-se propor uma questão fundamental a ser feita analisando o contexto atual da sociedade do século XXI, em relação aos estudos geográficos 36 culturais: Existe atualmente uma maneira de identificar os simbolismos reais e tradicionais culturalmente estabelecidos quase que de forma oral apenas, num ambiente familiar, em meio ao mundo globalizado? Sauer (1998) apresenta um método morfológico, que ainda não responde à questão colocada acima, mas que convém conhece-lo afim de se chegar a alguma resposta conhecendo outros métodos. Segundo Sauer (1998): “O estudo morfológico não considera necessariamente um organismo no sentido biológico, como, por exemplo, na sociologia de Herbert Spencer, mas somente considera conceitos de unidades organizadas que estão relacionadas”. (SAUER, Carl, 1998. P 31). Considerar uma paisagem, e dentro da paisagem uma cultura, implica considerar processos e organizações que modelam essa paisagem, é o que diz Sauer (1998). É um método puramente objetivo, que estabelece significados as formas da paisagem, mas que ao mesmo tempo pode tornar-se restritivo para um estudo crítico da paisagem, a partir de suas manifestações culturais. Nesse caso o fenômeno em si no estudo morfológico da paisagem, se dá nos arranjos percebidos em processos organizacionais, a descrição está sempre marcada pela conexão desses processos. Entretanto, a análise do fenômeno das manifestações culturais exige talvez um olhar mais lúdico, não tão preciso, que seja experimental, mas que também se atenha aos efeitos de tais manifestações nos processos que são formados. Faz-se necessário lembrar que o homem é agente também dos fenômenos que interferem nas formas percebidas. Sauer (1998) traz uma estruturação da paisagem natural e da paisagem cultural, mas no texto é perceptível que ele desenvolve mais a um do que a outro. Ele consegue articular melhor os fatores geognósticos e climáticos, às formas de clima, terra, maré e vegetação. Enquanto que em relação a paisagem cultural, ele cita que é um campo de estudo pouco cultivado, pouco estudado. Ele considera os fatores e os meios corretos (cultura, tempo e paisagem natural), mas a forma dada por ele ainda é limitada pelo seu método de caráter morfológico, atentando-se a processos organizacionais de população, habitação, produção e comunicação, como sendo os processos fundantes. Entretanto, ao considerar que Sauer (1998), utiliza de argumentos que separam o homem da natureza, a ponto de considerar a cultura uma fator pormenorizado na construção de uma paisagem, cabe destacar que o próprio homem é um ser natural e cultural ao mesmo tempo, de 37 tal maneira que se torna parte dessa paisagem, a ponto de devorá-la. A esse respeito, Haesbaert (2012), utiliza a antropofagia enquanto um dos meios de se compreender a capacidade recreativa do próprio homem: [...] a sociedade antropofágica viola o intocável, rompe com os limites (ou vive nos limites...), des-reterritorializa-se num espaço onde a multiplicidade não é apenas um estorvo ou um resquício, é uma condição de existência e de recriação não- estabilizadora do novo. (HAESBAERT, 2012, p.33). A recriação constante, ou seja, que não estabiliza aquilo que é novo, instiga no próprio homem o processo de devorar a cultura que o envolve, a cultura com a qual ele se relaciona, ao devorá- la e se reconhece parte dela, e que por essa multiplicidade é uma condição natural. Cosgrove (1998) percebe a paisagem natural como o mundo físico ou o meio ambiente natural, estabelece limites à conduta humana. Mas ele determina que esses limites são amplos de tal maneira, que pode tornar-se perigoso qualquer apelo a eles dentro de uma abordagem da geografia humana. A sua proposição do que é a paisagem é em certa medida parecida com a de Sauer (1998), ele fala da paisagem como um mundo racionalmente ordenado, cuja estrutura é acessível a mente humana. Mas ele vai um pouco mais além, quando cita que todo esse processo de organização do ambiente orienta o ser humano a alterar e aperfeiçoar o ambiente, fazendo intervenções. Por fim ele determina que a paisagem lembra ao ser humano a sua posição no esquema da natureza, e que através da técnica o ser humano torna-se participante da paisagem. A técnica aqui está atrelada a cultura. Sauer (1998) também fala em tantas outras obras sobre as técnicas, mas Cosgrove (1998) identifica na história do homem, em diversos contextos, a representatividade de culturas diferentes e como elas constroem paisagens, portanto diferentes. Para isso, ele considera alguns fatores que moldam a cultura, para depois definir como esses fatores constroem as paisagens. Primeiramente, ele considera a consciência como um ato reflexivo e determinante da cultura. É como se a consciência fosse um medidor de potencialidade do ambiente, que pode acontecer até mesmoinconscientemente: “A maioria de nós falará em voz baixa, respeitosa, ao entrar numa igreja, sem pensar conscientemente porque estamos assim fazendo”. (COSGROVE, 1998. P 102) 38 Nesse ponto onde se estabelece a consciência como ato reflexivo, faz-se necessário o seguinte questionamento: Qual a consciência que as pessoas que frequentam a praia de Mar Azul criam ao adentrar a praia quando se deparam com as seguintes marcas na paisagem: Figura 10 – Garrafa PET em meio a vegetação da praia de Mar Azul Fonte: acervo do autor (2020) 39 Figura 11 – Chinelo encontrado em meio a vegetação da praia de Mar Azul Fonte: Acervo do autor (2020) As pessoas que frequentam a praia de Mar Azul, constroem a consciência de que as ações de descarte incorreto de resíduos lançados na praia, implicam em uma transformação do meio? Cosgrove (1998) trata a natureza, de tal forma que qualquer intervenção do homem nela, implica na transformação da natureza em cultura. Um objeto natural passa a adquirir um significado cultural, tornando-se um objeto cultural na natureza. Esse objeto não perde as suas propriedades naturais, mas ganha propriedades culturais. O objeto ao qual o autor se refere, não se trata aqui da garrafa PET ou do chinelo mostrados nas fotos acima, mas sim da praia. A intervenção humana se torna tão grande, que os resíduos passam a se tornar parte integrante da praia, pois assumem um valor cultural em meio a maneira como a praia é utilizada pelos banhistas. 40 c) Paisagem em movimento Figura 12 – Garrafa PET lançada na faixa de areia da praia de Mar Azul Fonte: acervo do autor (2020) Figura 13 – Embalagem de desodorante aerossol lançada na faixa de areia da praia de Mar Azul Fonte: Acervo do autor (2020) 41 Figura 14 – Parte de boné de praia lançado na faixa de areia da praia de Mar Azul Fonte: Acervo do autor (2020) A paisagem enquanto movimento, representada pelo vai e vem das ondas da praia de Mar Azul, mostra nas fotos trazidas um problema maior do que o esperado: O descarte incorreto dos resíduos pode ser carregado pelas ondas para os mais diversos lugares não sendo perceptível as constantes alterações da paisagem, visto que em diferentes pontos da praia, em tempos diferentes, pode ser notada a presença ou não dos mesmos resíduos. Assim, esses resíduos, estão sempre sujeitos a instabilidade da paisagem. Como bem define Bertrand: A paisagem não é a simples adição de elementos geográficos disparatados. É, em uma determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução. (BERTRAND, 1972, p.141). Quando Bertrand (1972), define a perpétua evolução, aqui pode-se considerar uma contrariedade que se torna cronológica. A evolução da paisagem da praia que recebe inadequadamente uma quantidade de resíduos em seu conjunto, torna-se na verdade a evidência do regresso da paisagem, no sentido de sofrer intervenções que são prejudiciais para a preservação do meio. Desse modo, a paisagem a qual se encontra sujeita a deposição de resíduos, já se tornou outra pela presença desses resíduos, e também se torna outra devido ao 42 tempo que esses resíduos levam para serem coletados ou para serem carregados pelo movimento das marés, onde irão compor um outro conjunto, em uma outra paisagem. Como bem coloca Sauer: Não podemos formar uma ideia de paisagem a não ser em termos de suas relações associadas ao tempo, bem como suas relações vinculadas com o espaço. Ela está em um processo constante de desenvolvimento ou dissolução e substituição. Assim no sentido corológico, a alteração da área modificada pelo homem e sua apropriação para o uso são de importância fundamental. A área anterior à atividade humana é representada por um conjunto de fatos morfológicos. As formas que o homem introduziu são um outro conjunto. (SAUER, 1998, p.42). Reconhecendo-se o surgimento de um outro conjunto a partir das alterações da paisagem, torna- se necessário conceber que a paisagem humanizada, adquire caráter premonitório, ao ser possível considerar riscos ao meio ambiente através das transformações provocadas pela humanidade na paisagem. Desse modo, os resíduos na praia sugerem a possibilidade de degradação do ambiente costeiro, onde a necessidade de adaptar o meio de acordo com as necessidades humanas, deve, ao contrário, adaptar o meio a prevenção de riscos ao ambiente costeiro. A paisagem é quem adverte os tipos e intensidades do aproveitamento do solo, das consequências das atividades humanas sobre o sistema natural e a intensidade dos impactos ambientais, o tempo que desperta a necessidade de proteção frente a certas alterações provocadas pelo homem [...]. (ROMERO e JIMÉNEZ: 2002, p.) A necessidade proteção, expressa por Romero e Jimenez (2002), considera que os esforços aplicados em um sistema natural (a praia), podem representar ao longo do tempo, o surgimento de riscos e desastres ambientais. O risco, sendo a maior ou menor condição de que aconteça um dano ou uma catástrofe social em um determinado local ou região, implica a existência de uma ação natural ou não (processos naturais ou sociais). Amaro (2003), bem coloca que o homem possui o papel social de prever e limitar os efeitos negativos no ambiente em que vive. Porém, o ato de assumir para si essa responsabilidade, é algo vem ocorrendo a passos largos. Historicamente a gênese do risco se dava por meio de crenças religiosas, as quais depositavam a responsabilidade da limitação dos prejuízos causados por grandes catástrofes, como sendo uma ação divina de acordo com o sacrifício elevado a Deus. 43 Numa breve evolução histórica da genese, do risco, o homem tradicional angustiado pelas inundações, sismos, fomes, epidemias ou guerras, tinha aperfeiçoado técnicas de sacrifício de animais ou de seres humanos, supondo que o sangue derramado reduziria as possibilidades de retorno dessas grandes catástrofes. (AMARO. 2003, p.115). O que na verdade acontecia, era a falsa ideia de que Deus era quem ordenava o risco e que as ações do homem no planeta não teriam relevância para impactar o meio ambiente. Amaro (2003), chama a isso de “ética da fatalidade”, onde os desastres ambientais são percebidos pela humanidade como sendo o domínio mitológico no processos de desequilíbrio ambiental no planeta Terra. Entretanto, com o passar dos anos, para garantir os meios de sobrevivência e manutenção de um sistema de vida, o homem passou a assumir a ética da responsabilidade. A partir daqui o homem passa a reconhecer nos desastres naturais, a expressividade das deficiências de seus conhecimentos, do seu estado de alerta e da resposta reativa frente aos riscos. Ao direcionar a cultura de riscos no Brasil, Soriano (2009), sinaliza: O Brasil apresenta uma cultura de segurança e não de risco, desta forma, não se verifica a gestão dos riscos, acionados apenas em situações em que o risco já se concretizou na forma de desastre. (SORIANO. 2009, p.3) A praia de Mar Azul, com a deposição de resíduos em sua paisagem, acaba por revelar que a gestão do risco no município não assume uma posição que considere a ocorrência de desastres a longo prazo. Porém, uma ação social e simplificada por parte de um morador do bairro, revela a consciência de que o homem é capaz de estabelecer o monitoramento de ações preventivas através da educação ambiental. 4. A ECOLOGIA DA PAISAGEM: UMA MANEIRA DE PRESERVAR A PRAIA A ecologia da paisagem possui caráter fundamental para que se estabeleça uma relação de integração entre o ser humanoe o meio em que ele vive, possibilitando o reconhecimento do seu papel como agente transformador da paisagem, mas também como agente protetor da paisagem. As imagens a seguir são expressões de um dos moradores do bairro com relação ao cuidado e preservação da Praia de Mar Azul. Para melhor análise será contextualizado o princípio da Ecologia da Paisagem, como ponto fundamental para revelar o caráter geográfico que essa ação possui para com o meio ambiente. 44 Figura 15 – Placa de incentivo a preservação em uma castanheira da praia de Mar Azul Fonte: Acervo do Autor Figura 16 – Placa de incentivo a preservação da praia de Mar Azul no acesso a faixa de areia da praia Fonte: Acervo do autor 45 Figura 17 – Placa de incentivo a preservação do mar na praia de Mar Azul Fonte: Acervo do autor As imagens coletadas representam uma das maneiras de buscar minimizar os impactos de ações não preventivas com o meio ambiente, neste caso, mais específico, a praia. Pode-se inferir que possivelmente sem conhecimento geográfico acadêmico, mas com propósito de vida, o morador que assim fez as placas sinalizando cuidados simples que os frequentadores da praia podem ter com o local, realizou uma ação que pode se caracterizar como uma ecologia da paisagem. Em Silveira (2009), é possível observar a construção do que seria o conceito ecologia da paisagem através de alguns autores. Assim, Troll, propôs inicialmente um estudo da paisagem por meio das transformações implementadas pelo homem, quando da sua apropriação. Desse modo, ele chegou a uma espécie de Geoecologia, que seria “o estudo das relações físico- biológicas, que governam as diferentes unidades espaciais de uma região”. (Forman e Godron, 1986, p.7). Mais tarde, em meados da década 60/70, Dokuchaev desenvolve o conceito de paisagem natural, o que implicou no conceito de geossistema desenvolvido por Sotchava. Os geossistemas são os sistemas naturais, de nível local, regional ou global, nos quais o substrato mineral, o solo, as comunidades de seres vivos, a água e as massas de ar, particulares às diversas subdivisões da superfície terrestre, são interconectados por 46 fluxos de matéria e de energia, em um só conjunto. (Sotchava 1978, apud Travassos: Filho p.4). Ao descrever as características do geosistema como uma interconexão de fluxos, em um único conjunto, tem-se o modelo de paisagem proposto por Bertrand: Figura 18 – Esquema de Paisagem como Geossistema proposto por Bertrand Fonte: geografia. igeo.uerj.br/ acesso em 30.03.2021 Bertrand entende que cada porção da paisagem reflete as condições atuais do espaço, de tal maneira que ocorre interligação entre a estrutura abiótica, biótica e a ação antrópica. Assim, a análise da ecologia da paisagem sob a ótica de uma escala, representa uma ação de preservação da paisagem. O modelo de paisagem proposto por Bertrand (1972), revela que o potencial ecológico e a exploração biológica conectados formam o geossistema, que é atingido por ações antrópicas. 47 Figura 19 – Placa de alerta para os impactos de ações de preservação Fonte: Acervo do autor (2020) A partir dessa imagem, é possível identificar a preocupação do morador quanto ao potencial ecológico da praia a longo prazo. A relação que ele realiza entre a ação antrópica no tempo presente e os impactos no futuro, corroboram para a análise da influência do ser humano nos processos intempéricos quanto a geomorfologia, ao clima e a hidrologia locais. 48 Figura 20 – Placa de analogia as pegadas na areia e o cuidado com o lixo na praia de Mar Azul Fonte: Acervo do autor (2020) Nessa outra imagem o morador foi capaz de abordar a exploração biológica, ou seja, a apropriação da praia, ao intuir as pegadas no solo, e a coordenar a ação natural sobre o solo da praia, orientando para que se recolha o lixo que venha a ser produzido ali naquele lugar. A ação do morador em questão, na praia de Mar Azul, em distribuir placas educativas pela praia, ou seja, a escolha de uma escala de preservação, possui um reflexo para além da escala do bairro, pois antes de tudo, como bem destaca METZER (2001), busca minimizar os problemas de ordem ambiental: A ecologia da paisagem vem promovendo uma mudança de paradigmas nos estudos sobre a fragmentação e a conservação de espécies e ecossistemas, pois permite a integração da heterogeneidade espacial e do conceito de escala na análise ecológica, tornando esses trabalhos ainda mais aplicados para a resolução de problemas ambientais. (METZER, 2001: p.1). Ações de prevenção ao meio ambiente são necessárias em todos os lugares. Considerando o bairro de Mar Azul, como um dos pontos turísticos do município de Aracruz, possuindo segundas residências de pessoas de municípios e estados variados, desse modo, as placas de orientação a preservação da praia, conseguem ir além da escala de análise ecológica, quando os 49 turistas ao perceberem as placas, conseguem realizar ações preventivas na praia e conseguem levar essas ações também para o seu município de origem. Entretanto, é necessário ressaltar, que considerar o impacto de ações preventivas para além da escala de análise, não exclui a afirmativa de que a proposta primária é e deve ser condizente com a escala pretendida no espaço real. Assim, Lacoste (1993), afirma que um fenômeno, deve ser representado em uma escala, de tal maneira que mostre o seu conteúdo em concordância com o espaço real, pois, caso contrário, o significado do mesmo fenômeno pode mudar de acordo com escalas diferentes. Isso pode acarretar na mudança do nível de conceituação do espaço, ou seja, os fatores de influência desse espaço, não são os mesmos quando se observa em nível maior ou menor de análise. Ou seja, a escala enquanto meio representativo do espaço, deve considerar a realidade do mesmo e não privilegiar escolhas de valorização social, cultural e econômica. Portanto, o potencial da ecológico da paisagem deve ter propósito e escala definidos em conformidade com a realidade que o espaço apresenta. O morador que criou as placas, teve propósito com a praia enquanto patrimônio de preservação ambiental, e não com os turistas ou com aquele que lê e entende as placas como alertas ecológicos. Aqui existe antes de tudo, uma relação de pertencimento e de identificação com o território. Police (2010) aponta que o território enquanto um espaço de pertença torna-se em um produto sentimental, social e simbólico, permitindo o desenvolvimento das identidades locais retrospectivas e prospectivas. A ecologia da paisagem, enquanto uma representação do sentido de pertencimento ao território, possibilita a construção de identidade local prospectiva, visto que o seu objetivo é a preservação ambiental e a prevenção dos impactos do tempo presente no tempo futuro. Entretanto, para que se alcance a ideia de ecologia da paisagem, é necessário analisar as identidades locais retrospectivas, olhar para o passado e perceber, mesmo que de maneira empírica, os velhos costumes, hábitos que desconsideram o cuidado com o meio ambiente, que no caso dessa pesquisa, é o ambiente da praia de Mar Azul. 50 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao observar a ecologia da paisagem como um instrumento de proteção ao meio ambiente, e contenção dos impactos causados pelo descarte inadequado de lixo na praia de Mar Azul, é possível compreender de que maneira alterações na paisagem ao longo do tempo, representam alterações na maneira como se observa a paisagem e o seu valor simbólico, e além disso, a maneira como se relaciona e se vive essa paisagem. O sentimento de pertencimento e de movimento síncrono ao acompanhar as alterações sofridas pela paisagem, através de uma
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