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Iniciação Cientifica - Monografia

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Kleber Mendes Prodígios
Reivindicando o espaço público na metrópole:
experiências coletivas contemporâneas na cidade de Belo Horizonte
Relatório Final de Bolsista
Projeto de Iniciação Científica 
PROBIC/PUC Minas
Prof.ª Orientadora: Rachel de Castro Almeida
Belo Horizonte
Abril de 2018
SUMÁRIO
RESUMO
INTRODUÇÃO
MATERIAIS E MÉTODOS
RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA PRELIMINAR
4.2 DIÁRIO DE CAMPO
4.3 ANÁLISE DOS DADOS
ANEXOS
I - Termo de Livre Consentimento Esclarecido
II - Roteiro Para Entrevista com Lideranças do Coletivo
III - Roteiro Para Entrevista com Frequentadores
IV - Roteiro Para Entrevista com Apoiadores
REFERÊNCIAS
RESUMO
A experiência coletiva da vida nas grandes cidades e nos espaços públicos urbanos tem sido retratada como o declínio do homem público, os rituais de evitação e embaraço, e a presença cada vez maior de estruturas materiais ou simbólicas com duplo efeito de seleção e de controle. 
Algumas das mais recentes e ainda sutis transformações dos usos e das formas de apropriação dos espaços públicos das grandes cidades brasileiras, e que vem crescendo exponencialmente são as várias ações e inovações lideradas pelos coletivos. Um desses coletivos, atuante na cidade de Belo Horizonte, é o coletivo Na Pracinha, que promove encontros familiares em praças e parques de Belo Horizonte, propiciando uma vivência contemporânea dos espaços públicos da cidade e ensejando novas formas de sociabilidade urbana. 
A partir do acompanhamento das atividades desse grupo e da revisão do material produzido pelas lideranças, procurou-se examinar de que forma eles corroboram a construção de uma outra narrativa sobre a praça e a cidade, como suas práticas socio-culturais se materializam nos espaços públicos da cidade bem como se estabelecem relações recíprocas fundamentais com o espaço virtual.
Palavras-chave: espaços públicos; práticas socio-culturais; sociedade em rede.
INTRODUÇÃO
A abordagem do objeto de estudo requer que compreendamos as estruturas morfológicas e os significados atribuídos ao espaço público. Inicio esse relatório com a seguinte posicionamento do pesquisador Luiz Guilherme Rivera de Castro, arquiteto e urbanista pela FAU-USP, professor e pesquisador na FAU-Mackenzie e coordenador do Grupo de Pesquisa Espaços Públicos e Urbanismo Contemporâneo:
“No singular, ‘espaço público’ refere-se à esfera pública, ao domínio dos processos propriamente políticos, das relações de poder e das formas que estas assumem nas sociedades contemporâneas. Nos espaços das cidades, na mídia ou na internet, é a esfera da cidadania e da expressão política das forças sociais, inclusive daquelas que pretendem a despolitização das relações humanas. No plural, o termo ‘espaços públicos’ compreende os lugares urbanos que, em conjunto com infraestruturas e equipamentos coletivos, dão suporte à vida em comum: ruas, avenidas, praças, parques. Nessa acepção, são bens públicos, carregados de significados, palco de disputas e conflitos, mas também de festas e celebrações. Esses dois sentidos se interpenetram e, mais, não podem ser tomados fora de suas articulações ao domínio privado - o qual inclui pessoas, famílias, grupos, empresas, corporações. Limites, estrutura, forma e função desses espaços constituem partes de agenciamentos complexos e dinâmicos, que se diferenciam conforme países e culturas.”
Temos portanto que o espaço público é, por excelência, o lugar na cidade da experiência coletiva, dando visibilidade a conflitos, diferenças, reuniões e comunhão de ideias e práticas nesse território comum. Todavia, esses espaços guardam significados e representações que variam em função dos países, das culturas, dos grupos sociais, das relações com a esfera privada. Em suma, são produtos respectivos do lugar e do tempo. 
Da pólis grega à megalópole atual, os espaços públicos são elementos estruturais não apenas da morfologia urbana, mas também e essencialmente da própria vida urbana. São lugares associados ao lazer e ao ócio, como também são espaços de trocas materiais e simbólicas. Entretanto seu papel não é homogêneo no decurso da história, por obedecer ao binômio espaço-tempo deve ser compreendido como a manifestação simbólica do espírito de um tempo. O que as práticas socioculturais vigentes podem então nos dizer sobre a sociedade de nossos dias? 
MATERIAIS E MÉTODOS
A primeira etapa do trabalho consistiu na revisão bibliográfica geral e na pesquisa de coletivos locais, dentre os quais um foi selecionado para ser acompanhado durante o desenvolvimento desta pesquisa, por conta do tempo e do escopo de uma iniciação científica. A organização estrutural e disponibilidade de fontes próprias para consulta - site na internet, blog, publicações impressas - bem como a regularidade de encontros promovidos, foram fundamentais para a escolha do coletivo Na Pracinha como objeto de estudo. De uma certa forma, este coletivo promove duplamente a experiência do adulto e da criança nos espaços públicos de praças e parques da capital. 
Na sequência, foram iniciadas as pesquisas de campo com o acompanhamento dos encontros periódicos do grupo. Em certo ponto, pensamos em ampliar a pesquisa com rodadas de entrevistas com as lideranças, frequentadores e apoiadores do coletivo. Embora os roteiros para entrevista tenham sido elaborados e o termo de livre consentimento redigido - os mesmos foram anexados em seção deste relatório -, tal escopo foi dificultado por questões de aproximação e contato, e por conta disso, abandonado.
O acompanhamento dos encontros, realizados sempre nos finais de semana e feriados, foi registrado em diários de campo e relatórios fotográficos. Por fim, a sistematização dos dados obtidos foi pensada de modo a não só constar de uma seção do relatório final da pesquisa, mas também com o intuito de converter-se em um artigo científico para publicação posterior, como etapa de fechamento da pesquisa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA PRELIMINAR
Nesta etapa inicial do projeto de pesquisa foi realizada uma revisão da literatura cujas referências teóricas dessem uma base para as análises posteriores do objeto de estudo, com as observações de campo então coletadas.
Primeiramente, buscou-se traçar a evolução histórica do objeto da pesquisa. Entretanto, vale ressaltar que o emprego do termo evolução não implica um juízo de valor que distingue aquilo que é superior ou melhor daquilo que é inferior ou menor, mas traz em si o processo das transformações pelas quais um objeto passou, reiterando aqui como um elemento é a imagem refletida de outro, leia-se, uma sociedade e a materialização de sua cultura e de seus valores nas práticas sociais em seus espaços públicos.
Num segundo momento são apresentadas reflexões de alguns autores concernentes aos espaços públicos e outras considerações que ampliam os entendimentos relacionado à temática. 
4.1.1 INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA DO ESPAÇO PÚBLICO
Esta seção tem por objetivo traçar, sinteticamente, uma interpetação histórica do espaço público enquanto fenômeno materializado das interações sociais e políticas, no seio da história das cidades. Lewis Mumford, estudioso inglês que é referência quando se fala em História Urbana, reconhece que “a cidade é o ponto de máxima concentração do vigor e da cultura de uma comunidade, tem a forma e o símbolo de um conjunto integrado de relações sociais: é a sede do templo, do mercado, da Corte de Justiça, das academias de ensino.” Há, portanto, uma densidade social e cultural ligada a seus grupos sociais e instituições, e, por conseguinte, aos espaços onde de fato eles exercem sua cidadania. 
Examinando a história das cidades, sobressaem duas dimensões fundamentais que cabe relacionar: o espaço urbano como local de intercâmbio regular de mercadorias e, portanto, de um mercado, com atividades de busca de lucratividade que definem o caráter de tais relações - como bem demonstram as cidades do Renascimento. Outro ponto essencial refere-se à cidade enquanto espaço político-administrativo,centro das decisões políticas, local onde se congregam as instituições do poder público, a exemplo das cidades-Estado gregas, que reuniam o poder político e de onde emergiram os cidadãos, excluídos os escravos, e a dimensão pública da cidadania, praticada em inúmeras atividades e simbolizada nos encontros realizados nas ágoras, praças destinadas às assembleias populares. As relações estabelecidas em Atenas, na Grécia Antiga, criaram uma espécie de arquétipo de cidadania.Recriação em modelo da ágora ateniense, de acordo com vestígios arqueológicos, como ela deve ter sido no século II A.D.: arquétipo do conceito de cidadania. FONTE: klepsidra.net
A organização da política grega não ultrapassava a noção da pólis, uma vez que esta era, ao mesmo tempo, a cidade e o Estado – a cidade-Estado - , resultado de uma decisão pessoal de se ter uma vida política, a qual se materializava em um espaço civil: a ágora. Ela era, antes de tudo, um espaço aberto cujas edificações cujas edificações servem como fachada para delimitá-la. O verdadeiro centro civil da pólis, a ágora como espaço urbano é um espaço flexível e irregular, cujos componentes podiam se modificar constantemente. 
As relações de mercado, no sentido das trocas tradicionais, a dimensão política, a vida pública e outras dimensões simbólicas e práticas fundamentais como as instituições religiosas, as apresentações artísticas, as relações de encontro e sociabilidade, o ócio, o lazer, verificam-se, acentuam-se, ganham visibilidade, enfim, em seus centros públicos, descritos frequentemente como corações das cidades. 
O filósofo e sociólogo alemão Oskar Negt (1934-) ressalta o papel dos espaços públicos para a vida urbana da seguinte forma:
“a importância da vida urbana esteve sempre ligada a alguma forma de ambiente público transparente para os seus participantes; nesse sentido, a cidade sempre esteve ligada a formas de ambiente público, como praças e assembleias públicas, o areópago, tribunais públicos - por conseguinte, sua forma pública não é um fenômeno casual. (…) Quando desaparece essa forma de ambiente, desaparece também a vida urbana." (NEGT, ano, p.)
Na cidade romana, os espaços dedicados à vida pública se materializavam na monumentalidade dos foros imperiais, da basílica romana (edifício público com múltiplas funções, dedicado principalmente à justiça e ao comércio) e das termas. Mas possivelmente os edifícios públicos romanos mais representativos eram as termas, banhos públicos que desempenhavam um papel muito importante na vida social, pois complementavam seus serviços de higiene com os desportivos e sociais. Ruínas da terma pública romana em Bath, Inglaterra. Há diversas ruínas de termas em territórios antigamente ocupados pelo Império Romano.
Fundadas por particulares e contando com fundos próprios, as termas tinham caráter gratuito e, em consequência, era numeroso o público que as frequentava. Seu tamanho, suas proporções, seu complicado jogo espacial se tornam cada vez maiores, chegando a ser um dos edifícios mais complexos da Antiguidade, quase um tipo de cidade ideal especializada para o ócio como função. 
As termas de Caracalla, a exemplo, são as ruínas mais monumentais de Roma e de toda a arquitetura romana. O complexo de banhos públicos, na verdade, reunia uma gama de funções que a convertia no epicentro da vida pública romana, com suas atividades recreativas e sociais. Os banhos públicos eram lugares onde os romanos podiam fazer a higiene pessoal, praticar esportes, realizar negócios, conversar. (ALONSO PEREIRA, 2010)
Curioso notar como uma função imediatamente associada à vida privada em nossa sociedade atual, era, na sociedade romana, um elemento importante e norteador da vida pública, agregando no espaço outras atividades relacionadas à vida social cotidiana daquela época. Por outro lado, podemos ver situações que subvertem essa lógica na cidade contemporânea, como a registrada abaixo na praça Raul Soares, região central de Belo Horizonte, na qual um morador de rua toma banho no chafariz que há no meio dessa praça. Fonte: Revista Encontro, 2015.
Na cidade medieval é possível identificar as formas representativas do espaço público, a saber, as praças da signoria, que era o equivalente a uma praça secular, o mercato, e as praças das catedrais, além das próprias ruas. Lembrando ainda que o espaço das igrejas era comumente utilizado para reuniões laicas, haja vista que não era um ambiente exclusivamente sacro. Além disso, muitas cidades constituíram em si centros políticos-religiosos, além da Igreja ter constituído, com suas cerimônias religiosas, o “palco” da vida medieval.
O urbanista austríaco Camillo Sitte referia-se às praças no século XIX com especial enfoque, notadamente por representarem, na cidade pré-industrial, espaços vivenciais, com uma concepção urbanística regida por princípios artísticos: 
“Na vida pública da Idade Média e da Renascença houve uma valorização intensa e prática das praças da cidade e uma harmonização entre elas e os edifícios públicos, enquanto hoje as praças se destinam, quando muito, a servir como estacionamento para os automóveis, quase não mais se discutindo a relação artística entre praças e edifícios.” (SITTE, Ano, p.)
Para ele, a lógica do desenho das praças e largos fora ditada pela experiência in loco, e não por uma imposição técnico-teórica, o que proporcionou às cidades uma pluralidade na disposição de praças, edifícios monumentais e ruas, de maneira que a única certeza é a de que cada espaço é impar em sua origem e caráter. Esta variedade nas disposições dá possibilidade ao aparecimento de um princípio enriquecedor do traçado dos espaços públicos nas cidades pré-industriais, que Sitte chamou de conjunto de praças.
Preocupado com a primazia da técnica no planejamento das cidades européias modernas, Sitte apontava nelas elementos de desumanização, uma vez que seus espaços públicos se tornariam apenas espaços desfigurados, vazios, destinados sobretudo ao tráfego. Expunha e antevia, assim, rupturas básicas no tecido urbano, trazidas pela industrialização.
4.1.1.1 AS CIDADES COLONIAIS DA AMÉRICA LATINA
Roberto Segre examina quais elementos urbanísticos e arquitetônicos configuram o sistema ambiental herdado do período colonial nas cidades latino-americanas, a partir do momento em que espanhois e portugueses desembarcam na América com seu sistema de valores, implodindo o processo evolutivo do entorno físico das culturas originais. 
Assim, a cidade latino-americana representa o símbolo da dominação, cujas características funcionais e formais são diferentes das preexistentes. As ilhas antilhanas e o continente são ocupados através da “sementeira das cidades”, as quais constituem a estrutura básica da conformação do ambiente latino-americano ao longo de cinco séculos: quase todas as capitais nacionais, com exceção de Brasília, situam-se no sítio dos primitivos assentamentos dos colonizadores. 
Duas alternativas compositivas predominam na região: a irregular medieval, em particular na área de colonização portuguesa, e a regular renascentista. A partir do século XVI, as normas das Leis das Índias definem uma abstrata regularidade geométrica: o xadrez, que se manteve vigente até hoje em cidades como Buenos Aires, Montevidéu ou Cidade do México. O esquema cartesiano regulou a organização das funções e a articulação entre o espaço público e privado.
De um lado, o hábitat de ricos e pobres concebido como uma estrutura contínua e compacta, cujas funções essenciais estão orientadas para o espaço interno; de outro, os símbolos do poder econômico, político, religioso e militar, formadores do sistema monumental que se concentra ao redor dos espaços abertos e porticados das praças. 
Durante quatrocentos anos essa organização regeu o espaço urbano, caracterizado por três elementos básicos: a articulação equilibrada entre forma arquitetônica e forma de cidade; a simbiose entre a construção "culta" e "popular"; a configuração global a partir do princípio da "diversidade dentro da unidade". Existe umarelação estreita entre utopia e realidade, entre teoria e prática.
A imagem abstrata e universal de "cidade" sonhada pelo imperador Carlos V se materializa através da experiência concreta e cotidiana dos colonizadores, que coincidia hipoteticamente com os valores culturais dessa imagem, mas que, na realidade, era transformada a partir de sua assimilação espontânea e inconsciente da imagem de sua cidade original peninsular. Isso explica por que uma norma, em vez de ser assumida em termos repressivos e coativos, se converte num esquema ordenador que facilita todas as variações possíveis de formas e espaços, ao ser interpretada livremente por cada um dos fundadores das cidades e pelos construtores posteriores. 
Quanto ao traçado viário, a rua apresenta duas funções: canal de circulação ou espaço de relações sociais. Sua caracterização varia de acordo com o clima: a largura das ruas de Popayán contrapõe-se à estreiteza do espaço em San Juan de Porto Rico. Sua fisionomia fica estabelecida pelo ritmo cadenciado dos componentes das fachadas lisas de paredes cegas com pequenas aberturas ou pela delimitação espacial de volumétricos balcões. Os termos em que se define o discurso formal não dependem de uma regulamentação preestabelecida, mas dos modelos originais assumidos das diferentes regiões da Espanha e de Portugal. 
Com o passar do tempo, a adequação das fachadas ao clima ou à especificidade da vida social dilata as aberturas, e surge o vínculo entre a rua e o espaço interno das moradias. O sistema cromático e a persistência dos elementos decorativos clássicos permitem uma constante variação perceptiva da forma delimitante do sistema de circulação.
No que diz respeito aos espaços públicos, a praça dilata periodicamente o espaço tubular das ruas. Enquanto na América hispânica ela possui a forma reconhecível e identificável de um espaço geométrico, no Brasil é frequentemente apenas um alargamento da rua, denominado largo. Em ambas as alternativas, constitui o cenário, o lugar de encontro da comunidade. Ali se realizam as múltiplas funções, cuja coexistência ou alternância definem o ritmo da vida urbana: militares, litúrgicas, recreativas, punitivas, comerciais. É, ao mesmo tempo, o vazio que valoriza a visualização dos "monumentos". (SEGRE, 1991) 
Vista aérea do Largo do Amparo, em Olinda (PE).
Fonte: Prefeitura de Olinda. 
Plaza San Francisco, em Quito, Equador. 
Fonte: Skyscrapercity. 
Todavia, em algumas delas percebe-se hoje o controle dimensional do espaço em relação com o conjunto urbano, o qual permite falar da praça como “salão" interno da cidade - por exemplo, na praça de San Francisco, em Quito, ou da Catedral de Havana. Em outros casos, a circulação moderna de veículos destruiu essa imagem - é o caso da praça do Zócalo, na Cidade do México. 
Os pórticos ou galerias constituem um dos elementos mais importantes da cidade colonial. Surgidos como limites das praças, posteriormente continuam ao longo das ruas principais. Pertencentes à tipologia urbana europeia, tanto clássica como medieval, na América se difundem em quase todas as latitudes, em particular no âmbito tropical. Possuem o valor de articulação entre o edifício e a cidade, entre a vida privada interna e a vida pública externa. Sua imagem especular reaparece no pátio interno de moradias e edifícios públicos. Embora nasçam vinculados a edifícios "privilegiados", logo são assimilados a nível popular, como ocorre na Havana do século XIX, a tal ponto que o escritor Alejo Carpentier a define como a "cidade das colunas", ao expandirem-se os portais até os subúrbios residenciais.
Segre conclui com uma análise do espaço urbano latino-americano contemporâneo: 
“Hoje, mais de cem anos depois, a sociedade já não é aquela, e em muitas cidades não restam os vestígios do ancestral colonial. Cabe indagar se a explosão da modernidade em nosso Continente, que rejeitou qualquer recuperação do passado, conseguiu criar um entorno qualitativamente melhor para a maioria da população. É evidente a desqualificação do contexto urbano associado às camadas de menores recursos de cada país. Hoje, a cultura está presente em espaços sumamente restritos da cidade. Se quisermos lutar por uma sociedade mais justa, também devemos levar a cabo uma reinterpretação de nosso passado, que nos permitiria elaborar soluções válidas para o futuro, conformes aos valores mais positivos e progressistas de nossa identidade cultural ambiental.”
Em síntese, durante séculos, a forma urbana representou um sistema articulado da gradação de funções realizadas pela comunidade. Os espaços foram adequados à diversidade de atividades e aos grupos sociais que os concretizavam. A praça constituía o centro "polivalente" ou "polifuncional" - ali se dava a interação de atividades e dos diferentes estratos da sociedade. Não se trata de realizar uma apologia romântica da arquitetura e da cidade coloniais, mas sim de estabelecer os componentes ambientais que durante quatrocentos anos criaram os parâmetros de uma tradição elaborada pela comunidade em seu conjunto e que transmite a existência de uma cultura como síntese de experiências e iniciativas indissociáveis. 
4.1.2 AS "TIRANIAS DA INTIMIDADE”
Em “O Declínio do Homem Público (1974)”, o sociólogo e historiador norte-americano Richard Sennett, traz considerações valiosas em torno das mudanças de paradigma no uso e no valor do espaço público. Levado à sociologia por Hannah Arendt, Sennett tembém reconhece a influência de Michel Foucault em sua obra. A princípio interessado na vida dos trabalhadores em meio urbano, aborda também em seus escritos questões prementes à Arquitetura e ao Urbanismo. 
A hipótese de trabalho do autor no referido livro é a de que os sinais evidentes de uma vida pessoal desmedida e de uma vida pública esvaziada são resultantes de uma mudança iniciada com o fim do Antigo Regime (Absolutismo) e com a formação de uma nova cultura urbana, secular e capitalista. Fica claro o clima de caos e desencanto da época da Guerra Fria no qual o livro está mergulhado, em um tom de decepção com a humanidade e certa esperança utópica da superação dessas relações. 
Sennett põe o dedo na ferida da sociedade contemporânea ao acusar o esvaziamento da esfera pública baseada na hipervalorização da intimidade, da privacidade, do individualismo e do silêncio. E essa ferida não foi aberta no século XX, mas foi condicionada por uma série de mudanças ocorridas nas sociedades dos séculos XVIII e XIX. 
Para tanto, o autor parte do século XVIII para investigar os primórdios dessa transformação. Ele chama atenção para o prejuízo de uma confusão entre vida pública e privada em que os assuntos pessoais são levados a público, tornando íntimo também o domínio público. Em sua formulação teórica, as bases para tal confusão são as mudanças do capitalismo e das crenças religiosas, principalmente no tocante ao secularismo. Sennett comenta sobre a morte do espaço público na medida em que a cultura do narcisismo avança no seio da cultura social.
Ao debruçar-se sobre as sociedades do Antigo Regime a fim de levantar as inovações e permanências dos tipos de relações sociais que elas legaram à contemporaneidade, relaciona a plateia dos teatros da época com a forma das pessoas agirem nos ambientes públicos. Teatro e plateia se refletiam ao criarem um mundo em que as pessoas poderiam ser estranhas umas às outras e poderiam conviver com essa diversidade, pautadas em códigos simbólicos, como o modo de vestir ou de falar, que intermediavam as interações sociais. Segundo ele, isso favorecia o enriquecimento das relações públicas facilitando o desenvolvimento de uma politica propriamente pública, reforçando os laços sociais em um fenômeno benigno à sociedade e às relações interpessoais.
Tais fatos teriam se desdobrado para a sociedade intimista do século XX, desencadeando uma ideologia da intimidade, em que as pessoas creem que as relações interpessoais íntimas são as formas de resolver os problemas sociais, políticos e psicológicos edificados por uma sociedade modernae modernista. Nisso provém o credo do poder do amor entre as pessoas, criando expectativas inalcançáveis, de que relações impessoais poderiam gerar significações pessoais.
Indo além, num panorama mais atual, outra questão que merece espaço na argumentação desta pesquisa e que recrudesce o fenômeno investigado por Sennett é a que diz respeito ao advento da Internet no final do século passado, e que, por sua vez, invocou uma revolução em todas as dimensões da vida cotidiana. 
O curioso é a forma paradoxal como ela atua na desconstrução e reconstrução das relações sociais, à maneira de uma faca de dois gumes. Se por um lado, há as implicações da globalização e da cultura digital que fortalece a construção de uma identidade social personalista ao mesmo tempo em que conduz ao esvaziamento da esfera pública, em sua materialidade, por outro, é uma ferramente singular de aproximação entre comuns e de perspectivas de excepcionais vivências dos espaços públicos - agenciadas, pontuais, compartilhadas.
4.1.3 ESCALA DE TEMPO
A questão do tempo é essencial na discussão sobre os papéis desempenhados pelo espaço público na sociedade contemporânea.
Em seu ensaio Espaço Público e Experiência, Negt nos lembra de duas máximas de seu conterrâneo Karl Marx que resumem bem a problemática:
As pessoas precisam de tempo suficiente para desenvolver o seu interesse pela comunidade;
O tempo é o espaço do desenvolvimento humano.
Negt vai adiante e afirma que, em tempos de capitalismo financeiro e global, a mentalidade predominante acarreta uma redução do tempo que, em última análise, acelera o processo de abandono e erosão dos espaços públicos. 
Zolini (ano) faz um contraponto da cidade contemporânea com a cidade na Idade Média, afirmando que essa se formou através de um longo período, do constante diálogo, conflitante ou não, entre as forças constituídas da sociedade. Deste embate resultados foram fisicamente impressos na malha urbana, criando um substrato arquitetônico coerente com a ideologia e modo de vida dos núcleos urbanos. Essa escala de tempo permitia um rico diálogo entre cidade e cidadão, porém sabemos que ela não pode ser retomada.
4.1.4 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO NO BRASIL
As políticas urbanas podem ser dividas em duas vertentes, as que priorizam a cidade como centro de negócios - públicos e privados -, a fim de gerar renda, emprego, riqueza, e as que entendem a cidade enquanto polis, um espaço político, cívico, como um espaço de encontro e de criação. No Brasil, a primeira prevaleceu em detrimento da segunda, o que explica como a distribuição concentrada da riqueza produziu uma paisagem que é marcante no espaço urbano brasileiro, a dos espaços socialmente desiguais.
Outra questão diz respeito à sobreposição da dimensão privada em relação à dimensão pública no planejamento e na gestão das nossas cidades, fato que fica evidente na própria legislação urbana, no zoneamento. É patente a hegemonia do locus privado, e o espaço público aparece como elemento conector de lotes privados, tornando-se, por excelência, um espaço residual, destinado à circulação de mercadorias e pessoas.
Raquel Rolnik reforça como a política urbana no país falha em produzir espaços públicos de qualidade, frequentemente negligenciando as dimensões mencionadas de permanência e fruição, para caracterizar-se, enfim, como uma espécie de trama básica a partir da qual se estrutura o restante da cidade, a "porção efetiva" da cidade. 
Todavia, temos assistido à emergência de movimentos que buscam uma valorização do espaço público, propondo não somente a ressignificação desses lugares a partir de formas alternativas de apropriação, mas também defendendo políticas de produção e uso desses espaços na perspectiva de seu público, da própria comunidade, e não como uma cascata vertical de decisões, descolada da realidade.
Em 2013, a X Bienal de Arquitetura de São Paulo, com o tema “Cidade: modos de fazer, modos de usar", incorporou a dimensão urbana na sua própria estrutura espacial, ao se instalar em locais abertos espalhados em rede pela cidade. Propunha, assim, uma reflexão sobre a realidade da cidade contemporânea, evocando um estado de espírito cívico em seus frequentadores.
Cartaz da décima edição da Bienal de Arquitetura de São Paulo, realizada em 2013.
4.2 DIÁRIO DE CAMPO
Piquenique Literário, 15 de julho de 2017 – Parque Professor Amílcar Vianna Martins
Vista Aérea do Parque Prof. Amílcar Vianna Martins. 
FONTE: Google Earth.
O Parque Amílcar Vianna é uma área pública localizada no bairro Cruzeiro, apresenta um mirante com vista para a cidade, brinquedos e área de convivência. Implantado em 2000, possui topografia acidentada distribuída em uma área de aproximadamente 18 mil metros quadrados, abrigando o primeiro reservatório de água construído na cidade de Belo Horizonte. 
O espaço do parque se divide em microcosmos sociais, fato condicionado pela estrutura física e ambiental do local. O reservatório, elemento edificado central, serve como pivô definidor desse zoneamento. Há a área do mirante, a área do estacionamento de carros, a trilha entre as árvores, o platô gramado, a área dos equipamentos de ginástica (academia ao ar livre). O parque tem topografia acidentada e os espaços de apropriação estão concentrados nos platôs da porção central mais elevada, com visadas abertas para o entorno. 
Trata-se de um espaço público de visibilidade restrita, acesso pontual, pouca relação com a rua e apropriação limitada, muito por conta de sua topografia e de seu desenho. Sua escolha como local par lançamento da publicação do coletivo, Guia Beagá para Brincar, aponta para certo contingenciamento do “evento”, adesão específica e maior controle.
As atividades de lançamento do livro e do piquenique literário claramente apontam para a definição de uma territorialidade do grupo no espaço do Parque, materializada pela toalha de retalhos estendida em um refúgio sombreado, os caixotes de madeira dispostos no cantinho das autoras do livro – as mesmas que idealizaram o Coletivo -, o cercadinho da área de retirada dos livros.
A alegoria do piquenique literário tem apelo entre os pequenos, que ficam mesmerizados com a contação de histórias que se desenrolada em meio à “colcha de retalhos coletiva”. A predominância é de mães, mas é possível ver algumas deles acompanhadas dos pais e avós. Poucos são os pais que acompanham exclusivamente a prole. 
A fala de uma senhora destacada do núcleo do piquenique literário chama a atenção “em todos os anos em que morei aqui no bairro Cruzeiro, nunca ouvi falar desse Parque”. De fato é um espaço público que não revela as suas cores para o transeunte regular. É preciso buscá-lo e, finalmente, ao encontrá-lo, estar disposto a cruzar seus portões para subir a ladeira que leva até o topo. Lá o visitante encontrará a sua recompensa, ocultada pela caixa d’água que se traveste de edificação eclética. É um deck-mirante, com sua vista panorâmica da selva de pedra. 
Um grupo de jovens está sentado no deck do mirante do Parque, concentrados na palavra do líder espiritual. Do outro lado do reservatório de água no topo do morro do Cruzeiro, está outro grupo também atento às palavras de seu arauto. Mas não se nutrem das palavras do messias, estão na verdade absortos pelas aventuras do jacaré e da cabra que viajam pelo Brasil. A serenidade de um contrasta com a energia do outro. As cores do piquenique musical sob as árvores se somam à brisa branca que sopra sobre o deck. 
30º Encontro Na Pracinha, 20 de agosto de 2017 – Parque Rosinha Cadar
Em agosto de 2017 as reuniões do coletivo Na pracinha chegaram à sua trigésima edição, em um evento também dedicado ao Dia da Infância, celebrado em 24 de agosto. O 30º encontro Na Pracinha aconteceu no Parque Rosinha Cadar, no bairro Santo Agostinho, região central de Belo Horizonte. Implantado em 1994, ocupa metade do quarteirão entre as ruas Matias Cardoso, Rodrigues Caldas e Araguari, trata-se de um parque local com mata, cascata artificial, bancos, mesas de jogos e um espaço aberto destinadoa eventos de pequeno porte, leitura e brincadeiras infantis. 
Vista Aérea do Parque Rosinha Cadar. 
FONTE: Google Earth.
Tipicamente frequentado por cães e seus donos nos finais de semana, no domingo do dia 20 de agosto o Parque foi ocupado por diversas atividades dirigidas ao público infantil. Curiosamente, segundo o site da Prefeitura de Belo Horizonte, em dias úteis essa área de convivência é um local comum de “apropriação infantil” por grupos escolares da região, especialmente por alunos da rede pública:
“Durante as manhãs e as tardes é também possível ver muitas crianças que aproveitam a área do parque para brincar e fazer atividades recreativas. A maioria é formada por alunos da Escola Municipal Marconi, localizada no próprio bairro Santo Agostinho, que fazem parte do Escola Integrada, projeto que promove novas formas de aprendizado (...) é comum levar os alunos no Parque Rosinha Cadar nos dois turnos, para eles aproveitarem o espaço e o contato com a natureza. Como a escola fica bem próxima do parque, os jovens e professores podem ir a pé. Os estudantes da tarde aproveitam os equipamentos de ginástica para praticar exercícios físicos, já os do turno da manhã e crianças menores aproveitam o espaço para correr e brincar.” (PORTAL PBH, 2017)
Diferentemente do Parque Amilcar Vianna, o Rosinha Cadar possui uma relação mais aberta com a rua, o que favorece e a adesão de transeuntes às atividades que se desenrolam no interior do quarteirão. Com isso o perfil dos frequentadores deste evento aparenta ser mais variado. 
Neste dia ficou evidente a atuação de parceiros junto ao Coletivo para promover um ambiente rico e lúdico e materializar a apropriação em seu sentido mais concreto – faixas, bandeirinhas, amarelinhas marcadas com giz no piso, livros pendentes das árvores. A presença de “marcas” no evento inevitavelmente revela um consumo implícito nessa forma de apropriação, pois esses eventos tornam-se vitrines para profissionais e mercados voltados à infância, de modo que o apoio e investimento dos mesmos nos eventos promovidos pelo Na Pracinha ficam condicionados à visibilidade de seus “produtos”.
Feira de Trocas do Dia das Crianças, 12 de outubro de 2017 – Parque Estrelinha 
No feriado do dia 12 de outubro, dedicado à santa padroeira do Brasil e às crianças, foi realizada uma feira de troca e doação de brinquedos no Parque Estrelinha, na região Oeste de Belo Horizonte. Na área de 12.000 metros quadrados, o principal atrativo é a pista de caminhada de 1,7 Km de extensão. Trata-se de um parque modesto com pouco mobiliário, mas projeto paisagístico robusto, compreendendo espaço para piqueniques, áreas de leituras, alguns brinquedos infantis e vegetação típica de áreas pantanosas. 
O parque foi criado como uma compensação ambiental pela construção de um condomínio residencial constituído de três torres e um complexo de lazer entre elas, implantado no terreno ao lado do conjunto habitacional, na mesma rua, e que, curiosamente, apresenta uma grande permeabilidade visual na divisa entre eles. Além disso, o entorno do parque é caracterizado por uma heterogeneidade social e econômica evidenciada pelo padrão dos conjuntos habitacionais, segundo pode ser visto na fotografia aérea a seguir. 
Vista Aérea do Parque Estrelinha e seu entorno, localizado à Rua Manila, 300, bairro Havaí. 
FONTE: Google Maps.
No dia do evento, uma quarta-feira de feriado, a grande parte dos usuários do Parque era de frequentadores do evento promovido pelo Na Pracinha, famílias com suas crianças e este pesquisador. Os organizadores instalazam cartazes orientativos logo à entrada do parque e designaram um posto de doação de brinquedos também instalado na entrada. Também havia decoração colorida apropriativa dos espaços do parque, a partir do qual se liam os locais em torno dos quais as atividades do Na Pracinha estariam concentradas.
Cartaz-guia do evento da feira de trocas, à entrada do Parque Estrelinha. 
FOTO: Kleber Prodígios.
 
Registro de decoração apropriativa do espaço do parque, de varais com pendentes de cores marcantes. 
FOTO: Kleber Prodígios.
Apoiadores e parceiros do evento da Feira de Troca de Brinquedos, promovido pelo Coletivo Na pracinha no Parque Estrelinha.
FONTE: napracinha.com.br
4.3 ANÁLISE DOS DADOS
4.3.1 CATEGORIAS DE ANÁLISE
O estudo do fenômeno objeto desta pesquisa foi definido com uma aproximação analítica por categorias. Esse processo de decomposição em partes é uma estratégia cognitiva e deve ser entendida como um processo reversível: o conhecimento científico social pressupõe o estudo de categorias de análise que ao final, só podem ser entendidas a partir da relação que mantêm umas com as outras, em uma teia de sentidos.
É uma estratégia premente do pensamento humano no sentido de encarar a complexidade da realidade e assim esboçar tentativas de compreendê-la; decompor para em seguida recompor, de modo que, ao fim do processo, espera-se capturar seu íntimo.
Dessa forma, não se trata de analisar categorias absolutas ou mutuamente exclusivas, mas sim, a partir do elencamento dessas categorias e de suas particularidades, perceber como elas se interceptam ou se sobrepõem para conformar a complexidade do objeto de estudo.
Como estruturas centrais do objeto pesquisado, de relevância para as discussões desta pesquisa, cumpre listar: 
a materialidade dos espaços públicos;
as formas de sociabilidade contemporânea que os têm como suporte;
 a constituição de lugares, territórios e fronteiras;
 idiossincrasias da sociedade de consumo, em rede e espetacular.
Com isso, a partir do acompanhamento das atividades desse grupo e da revisão do material produzido pelas lideranças, procurou-se examinar de que forma eles corroboram a construção de uma outra narrativa sobre a praça e a cidade, como suas práticas socio-culturais se materializam nos espaços públicos da cidade bem como se estabelecem relações recíprocas fundamentais com o espaço virtual.
4.3.2 DISCUSSÃO
A experiência coletiva da vida nas grandes cidades e nos espaços públicos urbanos tem sido retratada como o declínio do homem público, os rituais de evitação e embaraço, e a presença cada vez maior de estruturas materiais ou simbólicas com duplo efeito de seleção e de controle. 
Algumas das mais recentes e ainda sutis transformações dos usos e das formas de apropriação dos espaços públicos das grandes cidades brasileiras, e que vem crescendo exponencialmente são as várias ações e inovações lideradas pelos coletivos. 
A princípio, ao descrevermos a experiência em comunidade, convém fazermos a distinção entre comunidade de bairro, que carrega a carga semântica tradicional da identidade territorial, histórica, e comunidade de sentido, que indica uma convivência entre pares, orientados pelo interesse e/ou perfil social mútuos.
Os coletivos, no esteio das transformações engendradas pela globalização e pelo advento das novas tecnologias de informação e comunicação, empreendem um novo valor ao senso de comunidade, que não mais se restringe ao sentido tradicional do agrupamento que compartilha uma identidade físico-territorial, histórica e cotidiana, mas, sobretudo, passa a designar as idiossincrasias do sujeito metropolitano contemporâneo, quais sejam sua vida atomizada, fugaz e o alinhamento de interesses comuns.
No processo de dissecação do coletivo Na pracinha e de suas atividades na cidade de Belo Horizonte, alguns tecidos saltam à vista e pedem para ser examinados em sua unidade, para que depois eles passem a evidenciar as relações que mantêm entre si e elucidem a organicidade do todo.
Os primeiros achados dizem respeito às especificidades do grupo. O padrão sócio-econômico, aliado ao perfil social dos frequentadores – pais e/ou mães com filhos em tenra idade - , conferem certo grau de homogeneidade ao conjunto. 
Estruturalmente, trata-se de uma apropriação muito particular por um grupo também muito específico, cuja prerrogativa ao encontro não é, predominantemente, um foco de interesse em comum, mas eminentemente a estrutura social dessegrupo – a paternidade ou maternidade é a prerrogativa. Assim, o que se percebe é um recorte social-familiar, ao qual se soma um novo recorte, de viés econômico. 
A atuação do Na Pracinha revela um formato de vivência do espaço público na contemporaneidade cujo protocolo específico perpassa o elemento estrutural comum, com mecanismos materiais e simbólicos de seleção de seus participantes. O viés sócio-econômico fica evidente.
Outro ponto particular deste grupo diz respeito à sociabilidade mediada pela criança. Quando pensamos em primeira infância, a presença de crianças nos espaços públicos implica uma apropriação exploratória e eminentemente intuitiva. Nesse ponto, há que se diferenciar as interações da criança das interações do adulto. 
Embora esteja centrado na perspectiva da criança, tal coletivo abarca todos os atores presentes em seu universo tais como pais, avós, babás, padrinhos. Ao mesmo tempo em que serve para um estreitamento dos vínculos da criança em relação ao seu lugar no mundo, sua realidade urbana, também propicia a (re)descoberta dos espaços da cidade pelo respectivo público adulto. 
Em tal contexto, como a criança é a força centrípeta das ações no espaço público, o que frequentemente se observa são intereções por conta e por fim da criança. Se por um lado, a espontaneidade dos pequenos pode dar lugar a situações inusitadas e rupturas da ordem normativa, por outro, os tipos de interações entre adultos podem ficar restritos ao dominío da parentalidade. 
Podemos entender território como um conceito tomado de empréstimo à etologia e que designa o espaço fixo, situacional ou pessoal, sobre o qual alguém de direito exerce controle e cujos limites defende.
Isaac Joseph, no capítulo dedicado a lugares e ocasiões, lembra que “Nossas atividades, precisamente por serem públicas, inscrevem-se assim num meio constantemente parasitado por iniciativas não-autorizadas e desenvolvem-se na ambiguidade ou na superposição dos territórios.” (p.56)
Tal trecho remete à vulnerabilidade da vida pública e à natureza normativa dos ambientes sociais comuns, muito por conta da definição de territorialidades e os desafios impostos à transposição de limites concretos e simbólicos, da aproximação de grupos diferentes, do confrontamento de posições e práticas sociais.
No que tange à experiência contemporânea deste coletivo, vem imediatamente à tona a dicotomia do espaço físico e do espaço virtual, tema também caro à Arquitetura e ao Urbanismo contemporâneos. 
É difícil imaginar as sociabilidades no século XXI desvinculadas das tecnologias e das redes virtuais. O advento da Internet, a bem da verdade, invocou uma revolução em todas as dimensões da vida cotidiana de modo que o conceito de Sociedade da Informação nos auxilia a compreender a reorganização da vida social no século XXI. 
Esse conceito descreve uma sociedade em que a criação, a distribuição, a difusão, o uso, a integração, e a manipulação da informação é uma significativa atividade política, econômica e cultural. O advento da informação, por si só, não é uma novidade, entretanto, o caráter de instantaneidade e de velocidade colocam a informação no século XXI sob um novo prisma.
O uso de redes sociais é garantia de visibilidade não apenas social, mas também para empreendimentos comerciais e de serviços. Pode-se promover de tudo, desde sua marca pessoal quanto empresas de grande porte. Tudo é visível, compartilhável, negociável.Produtos com a marca Na Pracinha.
FONTE: napracinha.com.br
A constituição de uma rede de parceiros e apoiadores, com suas respectivas marcas e produtos, faz com que os encontros tornem-se, para esses profissionais, um “nicho particular de mercado” e confere à ocupação dos espaços públicos não apenas um sentido de vivência e trocas, mas também um caráter implícito de consumo. Toda essa rede de suporte é reiterada tanto nos eventos do coletivo quanto nas publicações em redes sociais e no próprio site do Na Pracinha.
Essa questão pode ser ampliada com a seguinte reflexão:
"A respeito do tempo, parece que a lógica industrial do produto impregnou toda a sociedade, onde a obsolescência alcançou o consumidor, não só pela mercadoria, mas também na percepção e produção do espaço. Assim como trocamos os produtos manufaturados, que se transformam em objetos de uso quase descartáveis, sentimos os espaços urbanos como apenas usuais, de trânsito, e não como formadores de uma memória coletiva, de blocos constituintes de valores cognitivos da sociedade. A cidade contemporânea obedece a uma velocidade que rompe a relação do homem com o ambiente que o circunda. O cidadão é apenas o ponto final da linha de produção industrial, onde somos consumidores e respondemos, salvo pelos movimentos sociais organizados, como tal.” (ZOLINI, 2014)
Aliás, o sentido de evento é marcado pela “cobertura oficial” dos encontros, bem como pela visibilidade e formato de divulgação nas redes sociais. A cultura digital é decisiva nesse sentido ao mediar a produção social do espaço antes, durante e depois, relativizando o alcance da experiência pública e das relações de troca. Toma-se como exemplo uma família cuja participação é caracterizada pela demarcação de seu território na ocupação-evento, durante o qual está mais centrada nos registros de sua experiência individual, enqunto núcleo familiar, do que na experiência coletiva propriamente.
Além disso, há que se considerar a exposição da vida pessoal, e por extensão, das práticas sociais, seja em sua dimensão real, seja em sua dimensão projetada. Com isso, nessa nova forma de sociabilidade, os valores podem estar expressos pelas ações em si mas também configurar representações veiculadas na rede. A sociabilidade perde a regulação moral.
O curioso é a forma paradoxal como a Internet atua na desconstrução e reconstrução das relações sociais, à maneira de uma faca de dois gumes. Se por um lado, há as implicações da globalização e da cultura digital que fortalece a construção de uma identidade social personalista ao mesmo tempo em que conduz ao esvaziamento da esfera pública, em sua materialidade, por outro, é uma ferramente singular de aproximação entre comuns e de perspectivas de excepcionais vivências dos espaços públicos - agenciadas, pontuais, compartilhadas.
A cultura digital é decisiva ao mediar a produção social do espaço antes, durante e depois, relativizando o alcance da experiência pública e das relações de troca. Toma-se como exemplo uma família cuja participação é caracterizada pela demarcação de seu território na ocupação-evento, durante o qual está mais centrada nos registros de sua experiência individual, enqunto núcleo familiar, do que na experiência coletiva propriamente.
Em síntese, a atuação do coletivo Na Pracinha revela um formato de vivência do espaço público na contemporaneidade cujo protocolo específico perpassa inexoravelmente a conectividade via redes sociais, o agenciamento do espaço e do tempo (por se tratar de um evento itinerante), as moedas de troca entre organizadores e parceiros, a visibilidade de práticas sociais, a reunião entre pares no que diz respeito à sua especificidade estrutural. 
 
ANEXOS
I - Termo de Livre Consentimento Esclarecido
	Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
 Instituto de Ciências Sociais
 Departamento de Arquitetura e Urbanismo
TERMO DE LIVRE CONSENTIMENTO
A Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, por meio do Projeto de Pesquisa do aluno de graduação Kleber Mendes Prodígios, sob orientação da Profª Rachel de Castro Almeida, o convida a participar do seguinte estudo:
- Projeto FAPEMIG: PROBIC/821-2017
Reivindicando o espaço público na metrópole: Experiências coletivas contemporâneas na cidade de Belo Horizonte;
Para tanto é preciso entender a natureza da sua participação e dar o seu consentimento livre e esclarecido por escrito.
O principal objetivo dessa iniciativa é estudar as formas recentes de uso e apropriação dos espaços públicos em Belo Horizonte, no sentido de compreender e interpretar de que modo a atuaçãode coletivos na cidade constrói novas narrativas sobre a cidade, seus espaços, seus habitantes. A pesquisa está centrada nas atividades do coletivo Na Pracinha, com presença nas redes sociais e em encontros periódicos. Os dados coletados para esse projeto de pesquisa são de uso exclusivamente acadêmico-científico. 
Se concordar em participar deste estudo sua identidade será resguardada e de forma alguma seu nome ou seus dados pessoais serão divulgados. As suas respostas serão tratadas de forma confidencial, sua identidade não será identificada em nenhum tipo de publicação. 
Este convite se refere à participação em uma entrevista, conduzida pelo aluno pesquisador, em que as questões colocadas estão relacionadas ao seu engajamento nas atividades do coletivo Na Pracinha. A participação neste estudo é voluntária. Você não receberá pagamento pela participação. 
Você receberá uma cópia deste termo em que consta o telefone e o endereço eletrônico do pesquisador, podendo esclarecer suas dúvidas sobre o projeto e a sua participação, agora ou a qualquer momento:
Graduando Kleber Mendes Prodígios 
kleberprodigio@hotmail.com Telefone: 032 99112-1702
Declaração de consentimento
Declaro que tive tempo suficiente para ler e entender as informações acima. Declaro também que toda a linguagem técnica utilizada na descrição desta pesquisa foi satisfatoriamente explicada e que recebi respostas para todas as minhas dúvidas. Confirmo também que recebi uma cópia deste formulário de consentimento. Compreendo que sou livre para me retirar do estudo em qualquer momento, sem qualquer penalidade. Dou meu consentimento de livre e espontânea vontade e sem reservas para participar como entrevistado deste estudo.
Nome do(a) participante (em letra de forma)
Assinatura do(a) participante 
Data
Atesto que expliquei cuidadosamente a natureza e o objetivo deste estudo, os possíveis riscos e benefícios da participação no mesmo, junto ao participante. Acredito que o participante recebeu todas as informações necessárias, que foram fornecidas em uma linguagem adequada e compreensível e que ele(a) compreendeu essa explicação.
Nome do Pesquisador: Kleber Mendes Prodígios 						Data:
II - Roteiro para Entrevista com Fundadoras do Coletivo
Quais foram as motivações para a criação do Na Pracinha?
Como era sua relação com os espaços públicos (praças, parques) de Belo Horizonte antes do Na Pracinha? 
Como você percebe a sua relação com os espaços públicos (praças, parques) de Belo Horizonte após a criação do coletivo? 
Como se dá a escolha dos espaços públicos onde acontecem as atividades do Na Pracinha?
Como é a articulação/relação do coletivo com o poder público no que diz respeito à sua atuação nas praças e parques de Belo Horizonte? 
Que tipo de relação você espera que os filhos dos seus filhos tenham com os espaços públicos da cidade?
Qual o perfil dos frequentadores das atividades realizadas pelo Na Pracinha? 
Qual a relação dos parceiros com as atividades desenvolvidas pelo Na Pracinha?
Qual o papel das tecnologias de informação e comunicação nas atividades realizadas pelo coletivo?
Como vocês avaliam o histórico do coletivo desde sua criação em termos de público, transformações, repercussões, feedback?
III - Roteiro para Entrevista com Frequentadores
Como você ficou sabendo do Na Pracinha?
Commo você ficou sabendo do Na Pracinha?
Com que frequência você participa das atividades conduzidas pelo Na Pracinha? E há quanto tempo?
Em geral com quem voce costuma vir?
Como era sua relação com os espaços públicos (praças, parques) de Belo Horizonte antesde frequentar as atividades do Na Pracinha? 
Você costumava marcar encontros ou reunir amigos ou praticar esportes em espaços públicos? Onde? Quando? Se não, por que?
Depois de começar a participar das atividades do na pracinha, o que mudou na sua relação com os espaços públicos da cidade?
O lugar onde acontece as atividades do Na Pracinha é determinante para a sua participação, ou voce acompanha as atividades independente do lugar?
Quais lugares que voce conheceu em função de atividades do Na Pracinha? 
Voce tem o hábito de registrar a participação nas atividades do Na Pracinha em redes sociais, blogs, etc? Se sim, por que? Se não, tem o hábito de usar as redes sociais? Se sim, por que não? 
 Já utilizou os serviços dos parceiros do Na Pracinha? Quais?
 Vc já fez novos amigos em atividades do Na Pracinha? Com que frequência vocês mantêm contato? 
O que você avalia que tem de bom no Na Pracinha? E o que você avalia que tem de ruim no Na Pracinha? 
Se você participasse da organização do Na Pracinha, o que faria de diferente?
Como você espera que os filhos dos seus filhos utilizem os espaços públicos de Belo Horizonte?
IV - Roteiro para Entrevista com Apoiadores
Como surgiu o contato com o coletivo Na Pracinha?
É comum a participação de sua empresa em atividades ao ar livre (espaços públicos da cidade)?
Como se dá a parceria com as lideranças do coletivo?
O que muda na relação com as pessoas e com as atividades que acontecem nos espaços públicos em comparação com as atividades em locais fechados ou privados? 
Qual o perfil dos frequentadores das atividades conduzidas pelo Na Pracinha que sua empresa apoiou? 
Desde que começou a participar do Na Pracinha, o que mudou na sua relação com os espaços públicos da cidade?
Para você, quais as vantagens e desvantagens de realizar atividades nesses locais?
Qual o papel das tecnologias de informação e comunicação nos serviços realizados em parceria com o Na Pracinha?
Tem alguma coisa que eu não lhe perguntei e que você acha importante falar quando pensamos no modo como as crianças e suas familias se relacionam com os espaços públicos?
REFERÊNCIAS
ARANTES, A. A. A guerra dos lugares: sobre fronteiras simbólicas e liminaridades no espaço urbano. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro, v. 1/23, n.23, p. 190-203, 1994. 
ALONSO PEREIRA, José Ramon. Introdução à História da Arquitetura. Barcelona: Gustavo Gili, 2010.
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Florense Universitária, 1989. 
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. 
FRUGOLI JR., Heitor. São Paulo: espaços públicos e interação social. São Paulo: Marco Zero, 1995. 
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora UNESP, 1991. 
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1993. 
JOSEPH, Isaac. Erving Goffman e a Microssociologia. São Paulo: FGV, 
LEFÈBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte: UFMG, 1999. 
NEGT, Oskar. Espaço público e experiência. In: PALLAMIN, Vera (org.). Cidade e Cultura: Esfera pública e transformação urbana. São Paulo: Estação Liberdade, 2002. 
REVISTA TRAÇOS
ROLNIK, Raquel. O que é cidade. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004. v. 1. 
ZOLINI, Gustavo. A CIDADE MEDIEVAL E A CIDADE CONTEMPORÂNEA: ESPONTANEIDADE VERSUS PROJETO CONSCIENTE?

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