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Título original: A queda da princesa Copyright © 2019 por Wesley Paranhos. Reservam-se os direitos desta edição à Katzen Editora - Rio de Janeiro, Brasil. Duque de Caxias – RJ – República Federativa do Brasil Impresso no Brasil ISBN: xxxxx CDD: B869 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer formas ou meios, eletrônicos ou mecânicos, incluindo fotocópias, gravações ou qualquer outro tipo de arquivamento de informações, sem autorização por escrito dos editores. Diagramação Katzen Editora Texto Wesley Paranhos Primeiro título A queda da princesa 1ª Ed. Rio de Janeiro: Katzen Editora, 2019. Duque de Caxias, Rio de Janeiro – Brasil E-mail: katzen@katzeneditora.com.br www.katzeneditora.com.br Para meus pais, que apoiaram e tornaram este livro possível. Para Karina e Karoline, que incentivaram e leram os rascunhos. Para Nathália, que inspirou e ofereceu conselhos. Por fim, agradeço a todos os meus amigos que fazem parte da minha vida, sem vocês nada seria possível. “Se você fosse feliz todos os dias da sua vida, você não seria humano. Você seria um apresentador de game show.” (V. Sawyer; Heathers, 1989.) – – “Querida Beatriz, Eu queria muito que você estivesse aqui para pedir desculpas pelo que fiz a você. Não vou mentir, eu sabia o que estava fazendo e ignorei o que poderia acontecer. Meu arrependimento não é de hoje, machucava todas as vezes que eu mentia para você ou alguém a fazia sofrer. Foi um tormento olhar em seus olhos todos os dias e sorrir como se estivesse tudo bem. Eu tentei fazer você feliz, tentei te proteger e falhei. A cada dia você ficava mais triste, isolada no seu canto e perdida em seus próprios pensamentos até ser interrompida por algum idiota. Você chegou a gostar de alguns deles e, desesperada para encontrar um amor, você caiu no fundo do poço muitas vezes. Eu sempre estive lá para puxar você de volta. Mas chegou o dia que em você se apaixonou pelo garoto certo. Ele era atencioso, carinhoso e inteligente. Eu queria muito que tivéssemos conversado sobre ele. Tudo pode- ria ser diferente. Mas você ficou com medo do que eu iria achar. Você era uma irmã para mim e o meu maior exemplo. Seu bem-estar era uma das minhas prioridades. Por esse motivo, eu deixo claro, não foi minha intenção magoá-la e o último mal que eu fiz, não foi minha culpa. Por favor, acredite. Desculpe, por não ter coração.” – Acordei bem tarde para o meu primeiro dia, chegaria com duas semanas de atraso para o colégio, e hoje tinha perdido as duas primeiras aulas e eu nem sabia quais eram. Era difícil acordar na cama da minha irmã, além de enorme, era macia. Seu quarto era tão superior ao meu com as paredes pintadas e com um closet do tamanho do meu quarto. Vários pôsteres e cds de bandas de rock como “In This Moment”, “The Pretty Reckless”, “Halestorm” e bastante pop. Eu agradeço por ela ter me deixado de presente seu ótimo gosto musical. Depois de levantar, eu fui escolher minha roupa, o que não era fácil, tinha comprado muitas no cartão de crédito da minha mãe nas férias. Era necessário chamar a atenção na minha volta às aulas, mesmo que significasse tomar uma advertência por não usar aquele uniforme cinza horroroso. Eu escolhi um vestido vermelho, uma rasteirinha violeta e brincos de diamantes para fazer companhia aos meus braceletes dourados. Olhei-me no espelho do closet. Eu nunca deixava de ficar admirada com minha beleza. Olhos azuis, magrinha, um rosto no formato de coração e longos cabelos encaracolados brancos. Desci para cozinha preparar meu café da manhã. Ainda lembro de quando minha irmã o preparava, o pão com manteiga em cima da mesa ao lado de um suco de morango. Agora é um pouco solitário, mas é melhor do que comer com meus pais ou com a antiga governanta. Terminei meu café e finalmente estava pronta para ir, só faltava escolher qual carro, a picape prata do meu pai ou a Mer- cedes vermelha da minha mãe. Decidi combinar com o vestido. Do meu condomínio, no Joá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, não demo- rou nem meia hora para chegar ao colégio no Jardim Botânico, perto do Parque Lage. Sentia saudades de ser adorada e fazia tempo que não falava com Beatriz, há uma semana ela parou de responder, espero que esteja tudo bem com ela, sem minha presença devem tê-la comido viva. Um dos motivos para voltar, não aguen- to ficar muito tempo sem minha princesinha. Estacionei na rua em frente ao colégio e caminhei para aquele prédio bran- co com um letreiro escrito “Colégio Novo Reino”. Cheguei faltando vinte minu- tos para o fim do intervalo. Os corredores cinzentos estavam vazios a essa hora. Todos deveriam estar no pátio atrás do colégio. Eu deveria estar ouvindo a gritaria do futebol, os berros de uno, o som da correria e as conversas aleatórias, mas ouvia uma voz abafada. Ao abrir as portas do pátio, eu avistei a multidão de alu- nos em torno de uma mesa perto da quadra. O que poderia atrair a atenção de tanta gente? Foi quando notei em cima da mesa um garoto alto de rosto quadrado, corpulento, de cabelos raspados, usando um tênis preto, calça jeans e um blazer cinza. Ele virou, olhou para mim e sorriu. Eu nunca vou esquecer. Eu fiquei paralisada. Não era possível, simplesmente não era. Fui cegada por um flash. Após alguns segundos, consegui enxergar aquele sorriso de lábios vermelhos ao lado de um garoto segurando uma câmera. Verônica havia emagre- cido e cortado seu cabelo preto, agora estava channel, realçando seu nariz peque- no e rosto no formato de diamante com seus olhos cor de mel. – Esperei dias para ver sua reação e agora vou aproveitar esse momento o resto da minha vida – disse Verônica ao expulsar o garoto, quando ele tentou abrir a boca. – E por que todos estão em volta dele? – eu perguntei. – Porque dizem que ele vai mudar tudo aqui no colégio. – E você não fez nada? Olhe quantas pessoas estão ouvindo! O que ele está falando? – Eu? Por que eu me daria o trabalho de ajudar você, não sou sua amiga. Se está tão curiosa, vá ouvir – deixei Verônica para trás e fui ouvi-lo com mais aten- ção. Havia umas vinte pessoas ao redor da mesa. – Não estão cansados de sofrer nas mãos das cobras que perpetuam esse vil sistema, que abusam da nossa pequena sociedade educacional e usam vocês! Co- mo ela! – o bastardo apontou para mim. – É tudo culpa dela! – disse alguém na multidão. – Quantas vezes, meus irmãos, suas ideias foram descartadas, horas gastas nos desejos deles! – eu não aguentava mais aquele garoto falando loucuras. – Eles nunca nos ouvem! – contou uma menina do primeiro ano. – Por que vocês suportam tais desaforos? – ele levou seus braços para alto, elevando seu tom de voz. – Porque não existem intrigas nesse colégio, vivemos em paz aqui, traba- lhando junto – eu respondi, ficando próxima à garota que zoavam de cachoeira de baba. – Conte a eles, seu vestido não foi usado na feira do ano passado? – Foi – disse ela após escorrer litros de baba da sua boca. – E quem apoiou seu vestido, elogiou e ajudou finalizá-lo? – Você. – É verdade que nesse mesmo dia, você postou uma foto do desfile comigo escrito “Melhor dia da minha vida, obrigado Laura por ter me ajudado e sem você eu não conseguiria”. – É verdade – disse ela deixando sua saliva cair no chão. – Não foi seu maior número de likes até agora? Quantos foram? – Foram duzentos likes – disse ela transbordando saliva. – A única pessoa que está enganando eles é você – apontei para Rodrigo. – Você acha que uma falsa boa ação exonera você? Pergunto a todos, quem apelidou essa pobre menina de cachoeira de baba? – silêncio. – Foram eles – sorri. O sinal tocou,virei e sai. Eu estava a caminho da aula quando lembrei que não sabia a sala que iria estudar. Mas tinha alguém que poderia ajudar. Beatriz deveria estar em algum lugar solitário e escuro do colégio, já que estava proibida de entrar no meu esconderijo na minha ausência. Seria bem difícil achá-la sozinha. Entrei no perfil do Twitter sobre ela e, tirando as loucuras, os xingamentos e as teorias, alguns a viram cor- rendo atrás de dois garotos perto do teatro. Ao abrir as portas do teatro, vaguei pelas dezenas de cadeiras para chegar ao palco de madeira, e atrás das suas cortinas vermelhas vi três sombras. Beatriz surgiu dentre elas e tropeçou no próprio pé, enrolando-se na cortina na queda, revelando dois cães do time taekwondo com borrachas nas mãos, prontos para acertarem ela. – Se vocês ousarem jogar, eu irei direto para Verônica – o cão de cabelo ruivo pulou do palco e veio em minha direção. – Não temos medo dela. – Mas, e Carlos? Eles são melhores amigos, o próximo treinamento de vo- cês poderá ser bem doloroso – seu rosto ficou vermelho de raiva. – Vamos, Jhon! Estamos atrasados! – o outro cão pulou do palco e seguiu para a saída com o amigo. Subi as escadas e desenrolei Beatriz. Ela estava exata- mente a mesma. Encorpada com seu longo cabelo liso e preto, rostinho redondo cheio de espinhas e uma franja cobrindo a testa. Usando um moletom cinza e um all star azul da cor dos seus olhos. – Sentiu minha falta? – ela pulou das cortinas e me abraçou. – Acho que is- so é um sim. – Por que você me abandonou? Foi horrível! Elas falavam mal de mim na sala e zombavam nos corredores. – Eu nunca abandonaria você. Já acabou, eu voltei, ninguém mais irá fazer algum mal a você. – Você promete? – disse Beatriz chorando. – Prometo, agora pare de chorar para não molhar meu vestido – eu a afastei – Nossa! Você está um caco! Vamos sair daqui para eu maquiá-la e ajeitar seu cabelo. Que está horroroso! Usamos o banheiro do primeiro andar dos alunos do Fundamental. Nele, ninguém iria nos incomodar e no meio do caminho, encontrei um calouro do nono ano e ordenei que trouxesse uma cadeira para eu pentear Beatriz. Sentei-a em frente ao espelho, peguei a escova na minha mochila e comecei a desembara- çar seu cabelo. Não sei como ela conseguia fazer uma merda tão grande nele, pa- recia palha e ficava todo enroscado. – O que houve? Por que eles estavam atrás de você? – Não foi nada. – Ninguém sai correndo arremessando borrachas nos outros, sem ter um motivo. A não ser sua irmã. – Eu juro, não foi nada demais. – Se você contar, eu irei fazer tranças em você e prometo não ficar chatea- da. – Não vai fazer nada com eles? – Prometo – ela respirou bem fundo. – Deixaram um papel na minha mochila, dizendo que um deles estava a fim de mim e eu comecei a observá-los – comecei a fazer as tranças no seu cabelo. – Hoje, eles estavam na sala conversando sozinhos, enquanto eu espiava pelo canto da porta. – O que deu errado? – Elas falaram meu nome e eu dei um suspiro; – Ah, Beatriz... – Eu entrei e disse “oi”, ele chegou perto e me chamou de estranha, man- dando eu sair. – Você saiu e eles perseguiram você? – Não, fiquei paralisada, acho que eles pensaram que eu estava zombando deles e começaram a me xingar; – Não precisa continuar, já entendi. Terminei sua trança, está linda! Agora vire para eu retocar sua maquiagem – ela deu sinais que iria chorar novamente. – Se você começar a chorar, não tem como eu fazer sua maquiagem, posso acertar sua cicatriz – ela começou a soluçar. Sua cicatriz iniciava no lado direito da testa e descia verticalmente até a sobrancelha esquerda, sendo difícil maquiá-la sem acertá-la antes. – Não está brava comigo? – eu limpava seu rosto; – Não, só decepcionada por você acreditar em um papel e não em mim. – O papel tinha vários poemas, eu fiquei encantada. – Você acha que um cão é capaz de escrever poemas, eles não sabem escre- ver o próprio nome – eu comecei a retocar a maquiagem. – Ele parecia legal e quando o vi, pensei que fosse verdade. – Mas ele não é legal. – Eu deveria ter ouvido você. – Deveria, ninguém aqui é bom o suficiente para você. – Desculpa. – Parece que você já aprendeu sua lição, vamos para aula, qual é a nossa sa- la? – fomos para o corredor. – A sala no final do corredor, no terceiro andar. – Uma dúvida, aquele garoto novo está na nossa turma? – Sim! Ele é charmoso, não é? Com certeza, inspirador, eu ouvi seu primei- ro discurso, quando eu ainda podia frequentar o refeitório. – Inspirador? – Ele falou que precisávamos nos unir para sermos fortes! Para nos defen- der das pessoas más – ela terminou com um suspiro. – Não se engane, ele está querendo o poder só para sí e quer enganar todo mundo. – Mas ele parecia tão sincero! – Não confia em mim? – Confio. Finalmente, eu voltaria aquelas salas azuis do colégio com suas decorações cafonas, feitas pelos antigos alunos. Estava ansiosa para sentar ao lado da janela e apreciar do terceiro andar a bela vista da floresta do Parque Lage, cercada pelos meus colegas que tanto me invejam. Muito diferente das salas do internato. Foi quando Beatriz abriu a porta e observei Rodrigo sentado no meu lugar para a minha raiva, felicidade da Verônica e o espanto da sala. – Por que você está sentado na minha cadeira? – questionei Rodrigo cami- nhando para minha cadeira. – A cadeira não é sua, qualquer um pode sentar – respondeu Rodrigo. – Eu sempre sento na frente do lado da janela, todos sabem disso – colo- quei as mãos na cadeira. – Ninguém me contou. – Agora você sabe, saia! – Peça, por favor. – Nunca. – Não vou sair. – ele cruzou os braços. – A Patricinha vai sentar no fundão? – comentou Verônica para a turma. – Não! Ele vai sair – eu afirmei. – Ou o quê? – disse Rodrigo ao levantar e ficar cara a cara comigo. – Eu vou acabar com você. – Não tenho medo de você. – A majestade foi desafiada! – falou Verônica para atiçar a turma que co- meçou a berrar. – Você não tem ideia de onde está se metendo – eu avisei. – Nem você – contestou Rodrigo com olhos fixos em mim. Eu observei a sala, a turma do fundão estava em pé batendo com seus ca- dernos, as garotas pareciam que iriam me devorar com os olhos, Verônica estava inclinada na cadeira mordendo os lábios, Beatriz estava paralisada na porta e Ro- drigo estava tão perto que eu sentia sua respiração. Todos estavam à espera de uma resposta à altura e eu também. Por um milagre, o professor abriu a porta fazendo Beatriz cair ao chão. O professor brigou com ela e a sala voltou ao nor- mal e eu quase fui obrigada a sentar no fundão, se não fosse a bondade da Juliana ao ceder seu lugar. Sem olhar para ninguém, eu sabia que todos estavam me observando e co- mentando nos celulares. Passei o resto do tempo com a cara nos livros, tentando ficar calma, mas não conseguia tirar da cabeça aquele maldito, ele zombou de mim na frente de todos e, pior ainda, na frente dos meus amigos. Algumas das pessoas mais importantes do colégio. Não podia deixá-lo arruinar a minha vida. Esse era o meu último ano no colégio. Minha última chance de conseguir o papel principal no teatro e ter a maior nota de projeto na feira cultural. Eu estava cansada de em- patar com os garotos. Como a feira valia a nota do último bimestre e todos iriam prestar o Enem na mesma época, eu tinha a oportunidade de conseguir superá-los. A professora, como nos outros anos, deixou as ideias à minha escolha e com a ajuda da Juliana as roupas de todos da feira seriam magníficas. – Presumo que você não irá me ajudar? – perguntei a Verônica ao ficarmos sozinhas com Beatriz na sala. – Se você cair, eu assumo, não vejo motivo nenhum para ajudá-la. – Se eu cair, todos caem, ele não quer poder, ele quer destruir o poder, per- deremos tudo – eu conseguialer no seu celular, ela escrevendo nos grupos sobre meu desastre. – Não seja tão egocêntrica, isto é só um discurso comunista para atrair ove- lhas, para destruir você e chegar ao topo – eu levantei e fiquei ao lado dela. – Você acha que está segura e vai rir sobre meu túmulo? – Eu não vou rir, eu vou profanar seu túmulo. –Veremos. Por enquanto, ainda somos amigas e não podemos perder tem- po com essas briguinhas. Temos trabalho a fazer, o que temos para hoje? – levan- tei da cadeira e fui em direção à porta com Beatriz. Após algum tempo, ela finalmente parou de digitar e disse que precisáva- mos verificar quais eram os piores jogadores do ano, zombar dos garotos estra- nhos, atualizar a tabela das garotas mais bonitas e mais feias do colégio e realizar a troca de projetos. Conseguimos agilizar todas as tarefas para termos bastante tempo para tro- ca de projetos no almoço. Como todos desejavam estar nos meus projetos ou da Verônica, pela minha beleza, popularidade, notas altas ou tudo. Sempre foi fácil fazermos uma peneira. Contudo, os alunos que precisavam de nota, costumavam ir para os projetos da Luísa. A nota máxima era garantida, assim como sua passa- gem para o inferno. Mais da metade permanecia no grupo dos garotos do terceiro ano B. Sobrando pouca leva para nós duas nesse ano de Enem. Eu precisava de alunos que chegavam perto do meu nível, um tanto difícil de achar. Dessa vez, Verônica havia trazido um megafone escondido e na hora do in- tervalo ela andou calmamente para a quadra do colégio e ficou em frente ao gol, olhou para todos os estudantes que conversavam e se divertiam. Ao anunciar a troca de projetos, todos os alunos correram para fazer filas, batendo um no outro, caindo, jogando o lanche no chão ou no colega ao lado. Os garotos lutaram para serem os últimos e as garotas puxaram os cabelos uma das outras para serem a primeiras. Foi lindo! Anunciei as regras para todos ao megafone. Os testes não seriam matemáti- cos, perguntas bobas ou desafios. Eles seriam avaliados pelo que eram e pelo que poderiam ser no futuro, faria vista grossa esse ano, não deixaria nenhum perdedor entrar, porque eles seriam o meu legado. A primeira garota era uma das poucas bolsistas do colégio. Ela foi um de- sastre. A cor da sua maquiagem não era o certo para seu tom de pele, o que era uma pena, porque sua pele era linda. Se não fossem as sobrancelhas malfeitas, ela estaria dentro. Fui para a segunda garota. Branca, cabelo liso, olhos claros, sapato caro. O padrão do colégio. – Qual é o seu nome e projeto desejado? – eu perguntei. – Meu nome é Kellen e quero entrar no seu projeto de design. – Kellen é nome puta. Você tem sobrenome Kellen? – Tenho, meu nome, quer dizer, meu sobrenome é Silva – ela gaguejou ca- da sílaba dessa frase. – Silva, não ajuda você também... – olhei-a de cima a baixo e continuei com minhas críticas. – Seu cabelo está embaraçado, sua gola está torta, você gaguejou e sua postura está horrível – eu vi uma lágrima descer dos seus olhos. – Eu posso mudar, posso consertar, me dê uma chance, por favor! – ela não gaguejou. – Eu sou bondosa, Kellen, irei lhe fazer uma pergunta, se acertar você entra – peguei a pergunta mais fácil. – Kellen, no mesmo dia no colégio, o Júlio começa a namorar e Juliana veio sem maquiagem. Onde está o erro? Você tem três segundos. – Júlio! – gritou a puta. – Lamento, as duas estão incorretas. Júlio já tem namorada e Juliana sempre está maquiada. – Não, eu imploro! – Está fora, boa sorte com Maria – Kellen saiu da fila. – Nome e projeto? – perguntou Verônica na fila ao lado para o garoto páli- do, magro e feio. – Meu nome é Gabriel e quero ir para o Jornalismo. – respondeu o menino feio. A garota atrás espirrou e Verônica apontou para ela. – Você, sai! – a garota saiu correndo chorando. – Então, Gabriel! Você quer entrar no jornal do colégio? – ele levou o braço direito ao nariz e o limpou. – Sim, senhora. – Quais são os motivos do confronto na Síria? – Desculpe, não entendi. – Eu perguntei, quais são os motivos do confronto na Síria? – Eu não sei. – E quer fazer parte do meu projeto? Sem ter esse conhecimento? – Me pergunte qualquer coisa do colégio, eu vou saber, juro! – Eu decido quais são as perguntas. – Não é justo. – Foda-se! Estávamos na reta final dos questionários e mais da metade estava elimina- da. Todos lamentavam de formas diferentes, uns choravam e outros ficavam bra- vos, alguns ficavam bravos e choravam, por um breve tempo, eu tinha esquecido do Rodrigo. Porém, para minha alegria, Rodrigo surgiu na frente das fileiras e tentou dizer algo. Só tentou, porque ele foi abafado por Verônica e seu megafone. – Com licença, estamos ocupadas, seu show pode esperar – ela continuou a caminhar e a interrogar os alunos. Rodrigo permaneceu parado. – Perdão, não posso ficar esperando, enquanto você os rotula e julga – Ve- rônica parou e foi em direção a Rodrigo. – Quem você pensa que é, ou melhor, com quem você pensa que está fa- lando? – Com uma aluna, como qualquer outra, você não é melhor que ninguém aqui. – Claro, todos eles são uns merdas. – Vocês querem trabalhar com alguém que pensa isso sobre vocês? – Querem e você não vai me impedir. Rodrigo abriu um leve sorriso e tentou falar novamente. Até ser interrom- pido por Verônica e seu megafone. Rodrigo foi ao chão com as mãos nos ouvidos e todos começaram a gargalhar. No meio do riso eu notei algo bem inusitado: o diretor do colégio bem atrás da Verônica. Todos ficaram em silêncio e paralisados, menos Rodrigo que gemia de dor. Eu e Beatriz estávamos esperando Verônica na diretoria depois da minha suspensão. Sempre era um prazer imenso vê-la sair vergonhosamente da sala do diretor. Durante a espera, espiei o Twitter, ninguém comentava minha pequena rixa com Rodrigo, o assunto do momento era o diretor e as teorias sobre o Rodri- go que foi para o hospital, uns diziam que ele havia perdido a audição e outros, como sempre, enfiavam Beatriz no meio. Ouvi a porta abrindo e ordenei que Beatriz ficasse afastada, caso Verônica explodisse. Mas ela saiu calma. Uma pena. – Foi expulsa? Diz que sim! – eu perguntei. – Vamos para casa, Beatriz – chamou Verônica. Beatriz a seguiu e eu tam- bém. – Mas já? Não vai aproveitar nosso tempo vago? – Tenho assuntos a resolver. – Vai jogar para os seus fãs punheteiros ou vai fazer merda na rua? – Não é da sua conta. – Está brava? Algum problema? Talvez culpa de um certo alguém? – Se você der mais um passo, eu arrebento sua cara – parei. – Tudo bem, eu resolvo o problema, não precisa ficar preocupada. – Durante a manhã, Rodrigo estava quieto, não tinha feito nenhum dos seus discursos chatos. Eu sabia que ele estava tramando algo e podia apostar que ele trouxe o diretor para o colégio durante a troca de projeto. Foi muita coinci- dência. No refeitório, eu esperei que ele fizesse algo, porque estava de muita con- versa com seu amigo. Eu teria que descobrir o que ele planejava sozinha. Verônica não me ajudaria e Beatriz não iria ser de muita utilidade. Com tudo que aconteceu, fui a obrigada a aceitar o resto dos alunos que desejavam entrar, por sorte eles eram poucos. Esperava que não estragassem tudo. Tenho grandes planos para as camisas e a decoração desse ano e Luísa tinha tudo preparado para o projeto da organização dos eventos. Sei que teríamos um grande público esse ano, Verônica iria se esforçar ao máximo para atrair o maior número de pessoas possíveis, usando até suas próprias redes sociais, além do site do colé- gio. Enquanto eu pensava no futuro, Juliana sentou ao meu lado. Ela era bem alta e magra, possuía um rosto oval, bochechas secas, enormes olhos pretos, lábios carnudos e possuía um cabelo vermelho trançado. – Soube que você teve alguns problemas no seu primeiro dia? – perguntouJuliana pegando um batom na bolsa. – Não precisa ficar preocupada, só foi um contratempo e foi resolvido – Juliana olhou para a mesa do Rodrigo. – Eu estava na sala, não precisa mentir. – Recebeu os nomes dos candidatos ao nosso clube? – Juliana começou a passar o batom. – Recebi. Fiquei surpresa com os nomes. – Não foi só você – larguei a comida e olhei para a mesa dos garotos – Eles não vão falar nada, estão apenas rosnando. – Uma hora eles vão morder. – Você tem bastante tempo para lidar com Rodrigo até isso acontecer. – Eu disse que está resolvido. – E eu disse que você não precisa mentir. Eu e Beatriz fomos para o nosso projeto de design, finalmente tinha che- gado minha hora de brilhar. O objetivo do mês era pensar na bancada e o estande do projeto de Literatura. Eu tinha até as quatro para pensar nisso. O trabalho era fácil, Vinícius já tinha mandado os autores e o tema. Ordenei que cada um esco- lhesse um autor e fizesse uma ilustração. Enquanto isso, eu e Beatriz fomos rela- xar no desocupado teatro, passando com cuidado nos corredores para não sermos flagradas pelos inspetores. Não queria gastar meu salvo-conduto no início do ano. Chegando ao teatro, descemos e ficamos sentadas debaixo do palco. Nos- so esconderijo secreto. Onde eu escondia meus cigarros e Beatriz ficava isolada ouvindo música. Peguei um maço e comecei a fumar. Eu não fumava desde que havia brigado com meu namorado e esse estresse todo aumentou, e muito, a mi- nha vontade de fumar. Beatriz ouvia “Enjoy The Silence” na voz da Carla Bruni. – O que fizeram com você? – ela não respondeu. – Sei que você está me escutando, venha aqui. – Beatriz veio agachada em minha direção e sentou. – Aconteceu de novo – respondeu Beatriz, acanhada. – Os boatos? Que mentiras eles inventaram agora? – ela pegou o celular e mostrou. – Inventaram que eu matei meu pai. – Eu falei para você não entrar no Twitter. – Eu queria rir dos memes, desculpa. – Quantas pessoas compartilharam? – Muitas. – Quem foi? – Eu não sei, foi um fake. – Preciso contar para sua irmã. – Não, vai sumir como os outros, não perturba ela, por favor. – Talvez suma, talvez não, não vou arriscar. – Eu não quero problemas. – Não é você que terá problemas. Pela hora, Verônica estava escrevendo para o jornal da escola. Imaginei que estivesse escrevendo um falso pedido de desculpas sobre o acidente, porque eu a vi pegando depoimentos de quem estava no local, apostaria que ela está colo- cando a história ao seu favor. Chegando à sala, ouvi a gritaria dela. Não sei como alguém pode suportá-la por tanto tempo. É uma provação divina. – O que vocês estão fazendo aqui? Volte para sala, Beatriz! – resmungou Verônica quando eu abri a porta. – Senti saudades. – Fale o que você quer e saia! Estou ocupada. – Com fofocas e intrigas? Ou fingindo que é uma jornalista? – ela avançou. Beatriz entrou na frente e Verônica parou. – É importante? – perguntou Verônica. – Sobre ela – mirei Beatriz. – Vamos! – disse Verônica, saindo da sala. Fomos ao banheiro. – Não vai falar nada? Não ouviu o que eu disse? – eu perguntei, apoiada na pia. Ela pegou o celular e digitou. – Espera – cinco minutos depois, entrou no banheiro um garoto pequeno de cabeça achatada, cabelos rebeldes castanhos e olhos castanhos escuros com uma grande câmera no pescoço. – Às suas ordens, milady – disse o garoto. Ao me ver, ele fez uma reverên- cia – Que cavalheiro, você empresta? – eu provoquei. Verônica puxou o garoto pelo pescoço. – Eu não estou de brincadeira, José – falou Verônica, puxando José. – Desculpa, milady. – Eu quero saber quem foi que criou os boatos da minha irmã, eu sei que foi alguém do projeto de informática. – Como você sabe? – eu indaguei. – Um, a foto era de anime. Dois, o nome do perfil remetia a Star Wars. Três, os tweets antigos falaram do projeto da informática do ano passado. – Uma verdadeira jornalista! – Desembucha – ele encarou José. – Eu soube que as ideias de Rodrigo incentivaram alguns a atacar a senhora, utilizando sua irmã – disse José. Verônica socou o espelho e o fez rachar. – Quem foi? – Felipe e seus amigos. – No dia em que meu uniforme chegou, minha audição havia voltado ao normal e eu conseguia ouvir o barulho do refeitório. É bom ser capaz escutar novamente, posso estudar sem a ajuda do Marcos, não que ele estivesse incomo- dado, tudo o que ele desejava era não chamar a atenção nos primeiros dias no colégio. O que é complicado para alguém com dois metros de altura, musculoso e com uma tatuagem da cabeça esquelética de um unicórnio flamejante no braço direito. Eu tentava estudar Laura e sua amiga, quando Marcos sentou ao meu lado. – Você não vai desistir? – perguntou Marcos – Não! Está é a minha última chance de fazer algo. – Existem outras maneiras de fazer isso e você sabe – ele apontou com o garfo para Laura. – Eu tentei de tudo, só piorou. – Pare de tentar. É simples. – Não posso, eu não conseguiria viver sabendo que eu poderia fazer mais. – E se der errado? – Já deu errado, eu fiquei parcialmente surdo. – Mas se recuperou. – Porque você ajudou, poderia continuar me ajudando. – Não vou entrar nessa estúpida briga de vocês – Marcos pegou a mochila e saiu. Laura saiu do refeitório e cinco alunos sentaram à minha mesa. Duas garo- tas desprovidas de feições atraentes, a primeira possuía cabelo castanho cacheado volumoso, um rosto disforme, olhos também castanhos, muitas espinhas, além de ser corcunda e a segunda tinha cabels preto e liso, rosto grosseiro, bochechas gordas, sem peitos e olhos verdes. Três garotos meio estranhos, um de cabelo curto com um rosto esdrúxulo, olhos castanhos e obeso, outro de cabelo crespo, rosto exótico, queixo demasiado grande, grossas monocelhas, olhos castanhos claros e o de cabelo raspado, rosto desajeitado, grandes olhos castanhos escuros, magérrimo e dentes tortos. Eles me encaravam bem sorridentes. – Em que posso ajudá-los, senhores e senhoritas – perguntei. – Eu sou Felipe – disse o menino de cabelo crespo. – A garota do cabelão é Agatha e a outra é Valentina. Este dois são Jorge e Giuliano. O gordinho é o Jor- ge. – Nós fizemos o que você disse – disse Agatha abrindo um sorriso para a Valentina. – Nós lutamos! – Eu não poderia estar mais feliz! Vocês serão o exemplo – eu comuniquei. – Depois que você confrontou Verônica, não tínhamos como ficar parados – comentou Giuliano. – Aquela garota e seu bando de trogloditas atormentam nossas vidas, seja nos espancando ou nos usando – disse Felipe, com a cabeça baixa e os punhos cerrados na mesa. – Nós sempre sobramos, sempre ficamos com a parte mais difícil e sempre somos os excluídos – confessou Agatha em lágrimas, sendo abraçada por Valenti- na. – Imagino que vocês levaram esses assuntos aos professores? – eu pergun- tei, mesmo sabendo a resposta. – É claro! Mas como sempre, foi inútil! Eles nunca são expulsos – reclamou Felipe levantando da cadeira. – Tudo porque eles têm dinheiro! – Existem professores que nem se dão ao trabalho de repreendê-los – co- mentou Giuliano. – E pior do que esses são os professores que nos culpam – falou Valentina. – Faz parecer que o problema é a gente – acrescentou Jorge. – Eu consigo entender as suas dores. Infelizmente, eu não posso senti-las por vocês. Por isso, eu prometo que elas não farão mais mal nenhum a vocês – eu avisei a todos. – É impossível conter a ira da Verônica. Quase ninguém da nossa sala veio hoje com medo da vingança dela – contestou Valentina. – Por quê? O que vocês fizeram? – eu perguntei. – Eu tive a ideia de zoar de leve, anonimamente, alguém que fazia parte da panelinha do colégio. Mas eu juro que o resto não foi culpa minha – contou Va- lentina, segurando as mãos da Agatha. A situação era extremamentecomplicada. Verônica iria descobrir e causaria uma algazarra. Fora ou dentro do colégio. Fomos para o teatro e sentamos em roda para vigiarmos as saídas. Segundo eles, havia muitas opções de fugas e es- conderijos no teatro. Eles explicaram sua vingança inicial. Invadir a transmissão da Verônica na twitch, usando bots para arruiná-la, mas ela ficou a semana inteira parada, depois tentaram o Twitter dela, em vão porque os seguidores estavam restritos. Restando atacar Beatriz. Eles contaram sobre os boatos da Beatriz e que muita gente acredi- tava neles. Nenhum deles soube dizer de onde surgiram, apenas contaram que foi antes do Ensino Médio. Eles justificaram que aproveitaram uma situação que já existia. Eu expliquei como eles foram hipócritas ao atacar alguém inocente e mais fraco. Mas eu os entendia. É difícil ser decente e correto, depois de tantas batalhas perdidas. Quando as pessoas chegam ao fundo do poço e observam todos os demônios acima rindo é revoltante e isso pode levar a um só caminho. Mesmo havendo outros. – O que vamos fazer? – perguntou Valentina, abraçando Agatha. – Nos esconder! – respondeu Giuliano. – Vocês não podem ficar escondidos para sempre – eu rebati. – Eles devem estar nos esperando – falou Felipe. – Eles quem? O problema não é só Verônica? – perguntei. – Os cães! – respondeu Felipe. – Quem? – Os playboyzinhos que moram na academia. A maioria deles são uns ba- bacas e só sabem arrumar confusão – contou Agatha. – É para eles que vocês fazem o trabalho? – eu indaguei. – Não só para eles, mas a maioria sim – respondeu Agatha. – Ela é amiga deles? – Pior! Ela é a melhor amiga do mais forte deles – tornou Giuliano. – Dizem quem ele é um monstro e que ele nunca perdeu um torneio – in- formou Jorge. – Precisamos arranjar uma solução que não haja confronto – eu disse. – É impossível! – falou Agatha. – Sabem que nada irá acontecer. – E se acontecesse... – Disse Jorge. – Como assim? – perguntou Giuliano. – Eles não podem ser expulsos, mas podem ser presos – respondeu Jorge. – Gente branca e rica nunca é presa – falou Agatha. – Eles não precisam ser presos, só pensar que serão presos! – eu vociferei. – Não entendi – perguntou Valentina. – O que eles estão fazendo é coerção, isso é crime! – Nós já tentamos pressionar alguns deles e eles não ligaram – falou Felipe. – Duvido, todos eles têm medo da cadeia e o castigo dos pais. – Eles não vão acreditar, ninguém vai – expressou Valentina. – Não será o suficiente. – Nós temos provas! Faremos acreditar – gritou Agatha. – Que provas? – perguntou Giuliano. – Milhares de mensagens no Whatsapp! Ameaçando a gente, fora as fotos de rola que eles mandam, nojentos – explicou Agatha. – Perfeito! Vocês conseguem reunir toda informação nos celulares? – As mensagens, sim. Os trabalhos, eu tenho alguns no computador e ou- tros na nuvem – disse Felipe. – Vamos à diretoria, se eles não fizeram nada, vamos à delegacia! No exato momento que terminei de falar, as portas do teatro abriram reve- lando Verônica, Laura e Carlos com seus cães. Carlos era tão grande e musculoso quanto Marcos, usava um coque samurai no seu cabelo loiro escuro, tinha rosto chupado com diversas cicatrizes e olhos azuis claros. Nos levantamos rapidamente. Meus amigos ficaram escondidos atrás de mim. Verônica tomava a dianteira com Laura e Carlos lado a lado com o exército atrás, por volta de vinte garotos e algumas garotas. Verônica parecia não estar preocupada ou com raiva, seu rosto transmitia paz. Enquanto Carlos e seus cole- gas, não mascaravam sua ansiedade e alegria com seus sorrisos maliciosos. Laura estava destoando, estava inquieta, tocando seus braceletes. – Eu quero terminar rápido, se você vazar, eu esqueço o incidente do me- gafone – anunciou Verônica. – Isso não irá acontecer, não posso deixá-los sozinhos nesse momento tão crucial. Eu sei que eles erraram. Sua irmã foi apenas uma vítima, mas… – Verôni- ca cortou: – Não tem “mas”! – Tenho treino mais tarde, podemos quebrar logo esses filhos da puta? – falou Carlos. Os cães começaram a ficar mais e mais agitados. – Por que você não vai? Isso não tem nada a ver com você – falou Laura desviando o olhar. – Tem tudo a ver comigo! Se não fosse por mim, eles não estariam nessa si- tuação. – Você não precisa ser o herói! – Você não precisa ser a vilã! – Chega! – berrou Verônica. – Cansei de você, foda-se! Podem quebrá-los à vontade e sejam rápidos, o inspetor pode aparecer a qualquer momento – Carlos e seus colegas avançaram. – Eu não faria isso, se fosse vocês – eu falei apontando o dedo para os co- legas de Carlos que começaram a rir. – Caso, os senhores, encostarem um dedo em mim ou nos meus amigos, nós vamos direto para a direção e depois para a delegacia – Carlos e seus colegas pararam. – Por que parou? Ele não vai poder falar sem os dentes! – advertiu Verôni- ca. – Não vai ser como as outras vezes – gritou Jorge, tomando a frente – Não vamos mais ficar calados! – Meu pai é delegado, ele não vai deixar a gente ser preso – gritou um dos colegas de Carlos que avançaram sem ele. – Todos vocês? Tem certeza? – questionou Agatha. Eles pararam, deixando o filho do delegado sozinho na dianteira. – Agressão a menores de idade é um crime bem grave… – Não escutem ele! A maioria de vocês ainda não possui dezoito, parem de ser idiotas. Quebrem a cara dele! – vociferou Verônica, ficando à frente de Carlos. – Eu tenho torneio semana que vem, não posso entrar nessa briga. Você disse que não haveria problema e seriam os moleques de sempre. – Ah, e se acham que irão ficar livres da agressão. Tenho milhares de men- sagens nojentas de vocês – comentou Valentina. – Isso mesmo, seus babacas! Já chega disso! – gritou Agatha, tomando a di- anteira, acompanhada de Felipe e Valentina. – Cansamos de ser capachos de vocês – clamou Giuliano, ao lado do Jorge. – Desculpa, Verônica – disse Carlos, seguindo para fora do teatro, acompa- nhado dos seus cães. – Voltem aqui! Seus covardes! – gritou Verônica. Laura recompôs a postura e foi até Verônica – Acabou Verônica, ele ganhou essa. – Não me encosta! Isso não acabou – protestou Verônica, saindo do teatro, enquanto meus amigos comemoraram. Laura sentou em uma das cadeiras do tea- tro, eu desci e sentei ao seu lado. – Desculpa, pelo que aconteceu com Beatriz, eu vou pedir que eles apa- guem tudo e que ajudem desmentindo os boatos dela na internet – eu contei. – Não vai adiantar muito, mas é muita gentileza sua. Eu imaginei que faria isso. – Foi por isso que se absteve de tudo? – Não – Laura começou a procurar algo em sua bolsa. – Você sabe que isso é só o início? – Infelizmente. – Eu não queria fazer isso, mas você não me deixou escolha. – Você quer sim, isso é o que me irrita – Laura retirou um pacote de cigar- ros. – Acha mesmo que depois de tudo, tenho prazer nisso? – Não sei mais o que achar. – Eu sinto muito. – Não sinta. – Seus braços estão vermelhos. – São os braceletes. – Entendi – Laura acendeu um cigarro e começou a tragar. – Quer saber um fato curioso sobre cigarro? – Fique à vontade. – Ele mata – Laura riu e deu uma longa tragada. – Não sabia, interessante. – Olhe para eles no palco, veja como estão felizes, todos poderíamos ser assim. – Não, não poderíamos. – E por que não? – Alguém precisa chorar para outro rir. – Desde que fui derrotada por Rodrigo, andei bastante estressada e ocupada tornando a vida dele e dos seus amigos um inferno. Precisava relaxar e nada me- lhor que gastar dinheiro com minha melhor amiga. Imaginei que poderia aprovei- tar o sábado comprando roupas e sapatos. Beatriz precisa urgentemente de roupas novas. Hoje, ela veio com uma regata do seu novo anime favorito, “Tsurezure Children”, calça jeans preta nesse calor e o all star azul que parece ser seu único tênis. Nem para colocaruma rasteirinha. Diferente dela, eu estava fabulosa como sempre, usando crop top vermelho e uma saia preta com um tamanco gelo e, é claro, meus braceletes dourados. Porém, Beatriz chegou atrasada e pegamos o shopping cheio, sendo impossível de andar. Pulamos as compras e fomos para o cinema. Beatriz queria ir ao cinema ver o filme do Ryan Gosling, provavelmente um filme romântico, eu queria ver o filme do desenho que eu assistia com minha irmã. Chegando lá, vimos uma fila enorme no cinema e um cartaz bem grande anunciando o filme novo de algum super-herói idiota. Desistimos e sentamos no banquinho. – E agora? – perguntou Beatriz passando os dedos entre seus cabelos. – Não sei, tudo está contra nós, parece que o melhor que temos a fazer é partir. – Eu não quero ir para casa… – Eu não disse que iríamos para casa. – E para onde vamos? – Podemos ir à praia, ficar até anoitecer e apreciar a Lua. – Eu não posso ir à praia, meus pais não deixam. – Você veio ao shopping, não à praia, eles não saberão. Vem, vamos tomar um sorvete antes de irmos – Beatriz cutucou meu ombro diversas vezes. – Eu odeio ser cutucada! O que foi? Ela apontou para a fila do cinema. Observei um casal beijando-se louca- mente. Descobri rápido a euforia dela. A garota beijada era Isabela e o menino que a beijava não era Júlio. Rapidamente, peguei meu celular para fotografar os dois. Essa foto era um tesouro. – Estava na hora de contra-atacar Rodrigo. Durante o último tempo de au- la, mandei uma mensagem para Isabela me encontrar na sala da caridade, do seu projeto social, antes do almoço. Eu cheguei quinze minutos depois do combinado e a vi pelo canto da porta esperando em pé na frente da sua mesa com os braços cruzados. Isabela com seu rosto retangular, um maxilar definido, bochechas rosa- das, magra como um esqueleto, cabelo castanho longo e liso e olhos verdes era a quarta garota mais bonita do colégio. Abri a porta. Ela já tinha esperado o sufici- ente. Eu odiava entrar na sala da Isabela. A sala possuía dezenas de fotos dos alunos de cada ano, acompanhados de todos projetos que já participaram, arreca- dação de casacos e cobertores para os sem teto e os diversos recordes da festa julina. O pior eram as dezenas de cruzes penduradas na sala e estátua de Jesus que vigiava cada passo meu. Não importava para onde eu ia, ele me seguia e eu sentia sua decepção em relação a tudo que eu fazia. – O que é tão urgente para você falar comigo? – perguntou Isabela, ao sen- tar na sua cadeira. – Acho que nos falamos poucas vezes no colégio. – Nós nunca nos falamos, vocês do seu clubinho especial sempre zomba- ram de nós e da nossa fé. – O que faz você pensar nesse absurdo? É claro que temos nossas diferen- ças, mas sempre nos respeitamos. – Não é o que falam por aí. – Também falam muito sobre Beatriz, você acredita que uma garota tão certinha como ela, faz tudo o que dizem? – meus pulsos começaram a pinicar um pouco. – Óbvio que não, isso é obra de gente ruim! Que não conhece a verdade. – É o mesmo que dizem sobre nós, eu sempre os respeitei, principalmente você. – Eu? Por quê? Só o que eu faço é ajudar as pessoas necessitadas, algo que nunca vi nenhum de vocês fazendo. – Nenhum de nós tem esse seu altruísmo, na verdade, eu sinto inveja de você – levei minhas mãos ao coração. – Eu já imaginava que eu poderia transmitir essa sensação para alguns alu- nos, não que eu goste, mas você nunca passou pela minha cabeça – disse ela, com seus risinhos. – Como não ter? Diferente de mim, as pessoas a amam pelo o que você é, não pelo que você representa. – Calma, não é assim, eu acredito que têm alguém que ame você. – Quem? Só tenho uma amiga! – deixei derramar uma lágrima. – E eu ter- minei com meu namorado nas férias. – Desculpa! Eu não sabia. Com certeza, ele é um babaca e não merece a pessoa incrível que você é – eu consegui ver seu sorriso. – Eu sei, mas eu queria um cara que me amasse, como Júlio ama você, vo- cês dois são o casal mais antigo e o fofo do colégio. – Isso é o que acontece quando você trilha o caminho certo. Talvez um dia, você possa segui-lo também. – Por isso, eu vim avisá-la – levantei e segurei suas mãos, como em uma oração. – Avisar? Pensei que buscasse redenção. – É um meio de redenção para mim. Sábado, eu fui ao shopping com Bea- triz – seus olhos abriram. – e vi Rodrigo conversando com aquele bando de estra- nhos. – O que ele tem a ver comigo? – nesse momento, suas mãos começaram a suar, ela as puxou de volta e cruzou os braços. – Eu e Beatriz passamos por trás deles e ouvimos um trecho da sua conver- sa, eles falaram sobre você ter traído Júlio! Um absurdo! – ela ficou da cor de uma caveira. Eu quase não segurei o riso. – Sei que você está sem palavras, eu também estava, mas eles disseram que tinham uma foto sua beijando um tal rapaz na frente do cinema! – Isso é mentira! Eu nunca faria isso! Deus é testemunha! Isso não é verda- de! – ela levantou da cadeira e esbravejou. – Eu acredito em você, não sei se todos vão acreditar, ainda mais se virem alguma foto. – Você viu a foto? Tem certeza? – Foi muito rápido, eu não consegui. Não quero que você acredite em mim, só espero que tome cuidado. – saí indecisa se ela havia acreditado ou não. Foi quando no corredor, ela correu até mim e me abraçou. Fui procurar Beatriz para irmos juntas ao teatro fumar e ouvir música. Para minha infelicidade, eu não encontrei Beatriz, o que era muito estranho. Eu preci- sava muito da sua ajuda nos trabalhos de casa. Desde que alguns estudantes deci- diram seguir os passos dos nerds, eles pararam de fazer nosso trabalho. Isso irri- tou uma parte dos meus amigos. Principalmente os garotos. Eles ainda não tinham feito nenhuma manifestação. Mas eu sabia que não demoraria para virem até mim já que Verônica estava meio incomunicável com as pessoas. Ela parecia um ca- chorro raivoso, rosnava para qualquer um que a olhasse torto. Decidi ir sozinha fumar durante o projeto. Mais da metade das estampas do mês estavam prontas, não precisava ficar preocupada em matar o projeto. Tam- bém não era uma boa ideia ficar perto da Juliana, ainda não estava certa das suas intenções. Eu queria ficar sentada em algumas das cadeiras confortáveis do teatro para fumar alguns maços. Infelizmente, meus pais não gostavam tanto de mim para pagar o diretor para fazer vista grossa. Fumar era motivo de expulsão imedia- ta. Como sempre, fiquei debaixo do palco, fumando cigarros e ouvindo música. Coloquei “Dirty Pretty” da banda In this Moment. Para minha sorte, eu ouvi vozes no término da música. Apaguei cigarro e abanei a fumaça. Pelas vozes, eram dois alunos, eles subiram e sentaram à beira do palco. Eu conseguia ver suas pernas balançando. O aluno da esquerda calçava um tênis preto com alguns detalhes em vermelho e o da direita calçava um sapato cinza bem desgastado. Era nítido que faziam parte do sistema de bolsas. Porém, eu não sabia quem eram. – O que é tão importante para virmos comer aqui? – disse o garoto do tênis balançando as pernas. – Porque você e os outros são medrosos! Tem medo deles! – Eu não tenho medo de ninguém, valeu! – Se não tem medo, porque você continua a fazer os trabalhos dela? – o ga- roto de sapato levantou a perna esquerda. – Quase todo mundo parou de fazer! – Não é por medo que faço os trabalhos da Laura. – Se não é por medo, por que faz? Gosta de ser o escravo pessoal dela? – Claro que não, eu a odeio! – tirei meus braceletes, minha pele começou a pinicar. – Mas eu não quero voltar a ser um nada, estar perto dela tem suas vanta- gens. – Vale a pena ser capacho de alguém tão fútil e vazio? – comecei a coçar muito meu braço. – Não sou capacho de ninguém, muito menos escravo! – Está se iludindo – o garoto de sapato abaixou a perna. – Por que você está perguntando tudo isso? – Porquenão precisamos deles! Estou cansado desses favores que eles nos pedem, nos sempre fazemos porque são eles, está é única razão! – O que você tem em mente? – Vamos parar de fazer tudo o que eles querem, só isso. – Não é tão simples assim! – É sim, o que eles podem fazer? Eles só batem nos nerds e nem isso eles fazem mais. – Não sei cara, acho que algo vai dar errado. – Vai se você não me ajudar, posso contar com você? O garoto de tênis levou um bom tempo para responder. Ficou balançado as pernas mais e mais rápido, quase atingindo a madeira que eu estava apoiando o rosto. Até que, finalmente, ele concordou com o amigo. Os dois pularam e saíram do teatro. Imediatamente, eu puxei um cigarro e comecei a tragar. Como era pos- sível alguém me odiar? Eu imaginava isso da Verônica e dos outros. É tudo culpa dele, aquele maldito garoto, colocando-os contra mim. Chegava a ser ridículo eles pensarem que sem mim o mundo deles melhora- ria ou que eles seriam melhores. Nós merecemos estar aqui por sermos melhores que eles. É simples, toda colônia de formigas precisa de uma rainha. É preciso colocá-los no seu devido lugar. Vou caçá-los depois do ensaio. Eu estava apoiada no canto da sala com a minha guitarra e Vinícius, com o cabelo raspado, estava ajustando o microfone, exprimindo impaciência no seu rosto retangular, coçando sua barba rala no seu maxilar puxado, seus olhos avelãs estavam fixos na porta, esperando o resto da banda. A primeira a chegar foi a loira oxigenada da Luísa com seu rosto triangular, cabeça enorme e maquiagem exage- rada, bochechas ossudas, nariz curvado para baixo e olhos verdes. Em segundo, chegou Júlio, suado com o tanquinho marcado na camisa, seu cabelo loiro escuro espetado brilhava de tanto suor, o rosto redondo de pequenos olhos azuis claros, estava sujo do futebol. Isabela entrou pouco tempo depois e ficou acanhada com Júlio no canto da sala. Faltando apenas Renato para que começássemos o ensaio. Seria a primeira vez que não apresentaríamos uma coreografia chata na feira cultural. Tudo devido a insistência da Luísa e Vinícius que conseguiram convencer os professores a deixarem que tocássemos nossas músicas. Quem não fosse cantar ou tocar algum instrumento, faria um trabalho difícil e muito chato. Foi a primeira vez que eu agradeci por ter estudado no colégio interno. Eu aprendi a tocar inú- meros instrumentos com ajuda dos meus maravilhosos professores que xingavam a cada erro, obrigavam a treinar por horas e sempre nos deixavam de castigo. De- pois de tanto praticar no violão, violino e até harpa. Foi fácil aprender a tocar a guitarra que a minha irmã deixou em casa. Após dez minutos, Renato apareceu sorrindo, nas suas bochechas definidas haviam marcas de batom roxo, seu cabelo preto undercut estava impecável e ao fechar a porta ele mirou em mim com seus olhos marrons da sua face quadrada. Vinícius começou o ensaio reclamando muito com Renato. Como as músicas eram do gosto de todos, não houve reclamação e começamos com “O mundo é um moinho.” Eu no violão e Isabela no vocal e ela desde o início da canção errava a letra e desafinava. – Chega! Isabela, já é quarta vez! Meus ouvidos estão sangrando – brigou Vinícius. – Calma, Vinícius, não brigue com ela. Vamos conversar, docinho! – acal- mou Júlio, levando Isabela para fora da sala. – Resolveu? – perguntou Luísa com o microfone na mão quando Júlio vol- tou sozinho depois de alguns minutos. – Não, ela começou a falar coisas sem sentindo, pediu desculpas e correu. – Não era para você ir atrás dela? Sempre que eu e Verônica brigamos, eu tenho que ir atrás dela. – disse renato. – Conheço minha namorada, o melhor é deixá-la em paz. – Não vamos parar, temos que ensaiar, Luísa você fica no vocal – pronun- ciou Vinícius. – Onde você estava? – perguntei ao esbarrar em Beatriz saindo do ensaio. – Procurando você – ela levantou colocando as mãos na testa. Eu olhei mais perto e vi o sangramento. – Tira a mão, deixa eu ver – depois de resistir bastante, ela me deixou exa- minar – Hum...Sua cicatriz abriu um pouco – peguei um pano e a pomada na mi- nha bolsa e comecei a limpar o sangue. – Parou? – Beatriz forçava os olhos. – Quase… – passei a pomada. – Desculpa. – Não precisa pedir desculpas. Pronto, vamos! Preciso falar com Juliana – ela escondeu novamente a cicatriz com a franja. – Está na hora do meu projeto de Literatura. – Vai ser rápido, eu prometo! – ela ficou um pouco cabisbaixa e quase a deixei seguir para sua sala. Mas eu não queria chamar Juliana, poderiam pensar que algo estava errado. – Beatriz, entra na sala e pede para Juliana vir aqui fora – mandei ao che- garmos na porta. – Todos vão ficar olhando – ela ficou encolhida. – Você nem vai perceber, só olhar para frente. – Não quero, por favor, não me faça fazer isso! – Eu não queria ficar sozinha, mas você não apareceu e nem leu minhas mensagens – Não foi culpa minha, Verônica pegou meu carregador – Se você entrar lá, eu dou um carregador novo e assino uma conta pre- mium para você no spotify. – Eu não sei – Você vai poder ouvir milhões de músicas da Tiê, Carla Bruni, Mireille, Maria Rita e todas essas músicas chatas. – Tudo bem... – Beatriz entrou, e, segundos depois, gritou que eu estava aqui fora esperando e fugiu pelos corredores. Todos ficaram olhando. Era impossível não ouvir os cochichos sobre mim e Juliana. Fiquei espe- rando por bastante tempo fora da sala. Ou ela estava fazendo algo importante da feira ou queria brincar comigo. Será que ela ficou irritada por não tê-la respondido outro dia? Não, já passou muito tempo e nos falamos bastante depois disso. Não entendo porque ser tão misteriosa. – Eu preciso de um favor – eu disse encostada na parede, quando ela saiu. – Diga. – Estou procurando dois garotos. Um deles, usa um sapato preto sem mar- ca e o outro usa um tênis azul desgastado – ela olhou para mim e deu um leve sorriso. – Posso saber o motivo? – É pessoal. – Pensei que fossemos amigas. – Nós somos amigas. – Amigas não guardam segredos uma da outra – ela começou a andar pelo corredor e eu a segui ficando ao seu lado. – É apenas curiosidade, eu nunca esconderia algo de você. – É claro, mas como sua amiga, eu fico preocupada com você – Juliana vi- rou para esquerda, quase esbarrando em mim. – Não precisa ficar preocupada… – Juliana cortou: – Será que não? Acon- teceram algumas situações embaraçosas – descemos as escadas. – Você quer dizer algo? – Eu? Não. Algumas pessoas querem e elas não são do tipo que você pode ignorar – viramos à direita no corredor. – Não precisa dizer, vou lidar com isso. Como eu disse, sua preocupação é desnecessária – Claro que pode lidar com isso, eu só espero que você foque no lugar cer- to. Chegamos – estávamos na porta da sala do projeto de Cinema. – Por que nos trouxe até aqui? – Você perguntou sobre os dois garotos. Olhe! Aqueles dois lá no fundo, o de cabelo crespo se chama Tadeu e o raspado Marcelo. – Obrigada. – Não precisa agradecer! Amigas ajudam umas às outras. Agora que eu sabia os nomes deles, eu poderia puni-los. Decidi deixar Bea- triz de fora, ela já havia sofrido o suficiente por hoje. Mandei uma mensagem para Tadeu para esperar sozinho no portão na hora da saída, avisando que eu precisava da sua ajuda. Na minha lista de contatos, estava escrito Trabalho de Física, eu nunca iria descobrir. Depois que todos tinham saído, cheguei por trás dele e o cumprimentei. Em seguida, eu o levei até o carro. Ele estava rígido e totalmente desconfortável sentado no carro. Normal pa- ra quem não está acostumado a sair com uma garota tão linda. Eu fiquei um longo tempo amadurecendo minha presa. Ajeitei os espelhos, o banco, o porta-luvas e fiquei um tempo retocando a maquiagem. – Estou bonita? – perguntei. – Linda! Magnifica! Maravilhosa!– dei um leve sorriso e pegamos a estrada. – Então, Tadeu! Eu soube de algo muito interessante essa amanhã – au- mentei a velocidade, estava a 90 km\h. – O que? Diga! – Calma, não fique nervoso. – Desculpa, é estranho você precisar da minha ajuda. – É porque você é especial! – agora estávamos a 97 km\h. – Eu sou especial?! – Claro que é, você sabe o porquê – arranquei para 110 km\h. – Eu não sei, por quê? – Porque você irá me deixar muito feliz – fui 118 km\h. – Como assim? Não estou entendendo – observei um volume na sua calça. – Vou deixar você adivinhar primeiro. – Nós vamos fazer algo? – Você irá fazer algo para mim! – corri para 126 km\h. – Eu vou gostar? – É claro que vai. – Eu faço. – Você ainda não sabe o que é. – Faria qualquer coisa, por você – ele sorriu. – Tem certeza? Faria de tudo por alguém que odeia? – cheguei a 134 km\h. – Eu não odeio você! – Não foi o que Marcelo disse e ele é seu amigo – pisei fundo e agora esta- va voando a 148 km\h. – Ele devia estar brincando. Estamos rápidos, não é? – ele agarrou no ban- co e tentou colocar o cinto de segurança. – O cinto está quebrado! Não sei, ele não parecia estar brincando – aumen- tei para 151 km\h. Estava difícil de ver a paisagem ao lado. Tudo era um borrão. – Acha que eu me enganei? – Não, jamais! – Ah! Nesse caso, você me odeia. Por que você me odeia? – Eu não te odeio, eu nunca disse isso! Acredite! – Eu não gosto que mintam para mim... – acelerei para 159 km\h e sentia pressão me forçando para o banco. – Não estou mentindo! Eu tenho inveja de você, eu queria ser você. Você é tão incrível! – Todos têm inveja de mim, isso não é motivo para me odiar. – Aumentei para 166 km\h. – Eu juro! É verdade, eu sou um ninguém! – Ninguém? E se você morrer agora? Acha que não faz diferença na vida de alguém? Sem mentiras… – Eu não sei! – arranquei para 173 km\h. – Não, ninguém liga para mim! – Outra mentira! Você faz diferença na minha vida e eu não entendo por- que você me odeia, não sou gostosa o suficiente? Não sou esperta o suficiente? Não sou legal? Não faço o seu tipo? Me acha fútil? Vazia? Que eu não mereço ser amada? Bom, você não é o único! – Voei para 187 km\h. – Eu te odeio porque o único modo de gostarem de mim é ser um dos seus capachos! Mas eu não odeio mais! Eu faço qualquer coisa! Por favor, para! – ele e o banco eram um só. Ele segurava na alça do teto com muita força. Aumentei para 200 km\h. Foi a segunda vez que alcancei essa velocidade, sentia que estava em uma nave espacial que levaria meu corpo para as nuvens. – Qualquer coisa, Tadeu? Você tem certeza? Se eu quiser que você morra comigo agora? Você morreria? Responda Tadeu! – ele começou a chorar. – Eu não quero morrer! Por favor! Para o carro! – já era o suficiente. Fui diminuindo a velocidade. Parei no acostamento. Nossa, isso foi emocionante! Fazia tempo que eu não sentia essa sensação. Eu estava em êxtase. Eu finalmente tirei os olhos da estrada e as mãos do volante. Esperei ele voltar à sua cor natural para continuar e dizer a ele que isso nunca havia acontecido, sugeri que ele não deveria confiar no seu amigo, deveria falar muito bem de mim e faria tudo o que eu mandasse com um grande sorriso. Quando o expulsei do carro, ele surtou tentando abrir a porta e não conseguindo, saiu pela janela. – – Soube que Tadeu teve uma grande discussão com Marcelo que acabou em briga. É muito triste quando isso acontece. Pedi a ele para ficar de olhos abertos em Isabela e informasse o que fosse relevante. Ela era peça principal do show e estava seguindo o roteiro. Não falou com ninguém nem mesmo com suas amigas. Sua insegurança estava perfeita, ela não correspondia nenhum dos afetos do na- morado no pátio ou no refeitório. Estava isolada, como eu queria e não demorou muito para pedir a minha ajuda. Eu era a única em quem poderia confiar e que sabia o que ela estava passando. Ela mandou uma mensagem durante o início da segunda aula para conversar sobre o caos que era sua vida agora. Como uma gran- de amiga, tratei o assunto com urgência e respondi que a encontraria no banheiro o mais rápido possível. Demorei meia hora. No momento que entrei, eu a vi tre- mendo e agarrada à sua Bíblia. Eu fiquei ao lado da porta, apreciando essa bela visão esperando ser notada. – Laura, graças a Deus! Você chegou – ela correu para os meus braços e eu correspondi. – Eu tentei vir no momento que vi sua mensagem, mas o professor não deixou. – Eu preciso da sua ajuda, eu não sei o que fazer! – ela ainda estava agarra- da em mim. Afastei-a devagar e a sentei na privada. – Calma, relaxa! Antes de tudo, você contou para alguém? – Não, não tive coragem! O que iriam pensar de mim? – Como assim? Você realmente o traiu? – Sim, eu não queria, mas ele era tão bonito, sentava ao meu lado na igreja, era carinhoso… – eu a cortei: – Júlio não era carinhoso, porque bonito eu sei que ele é. – Júlio é maravilhoso! – E porque você o traiu? – Eu não sei! – nunca vi tantas lágrimas na minha vida. – O que eu fiz? O que Júlio vai pensar. – Que você é uma vadia! – ela arregalou os olhos. – É isso que ele e os ou- tros vão pensar! Só sabem julgar, ainda mais pessoas tão bondosas quanto você. – Eu não sou boa! Eu traí meu namorado, eu sou uma pessoa horrível – era mesmo, ele a amava. – Me escute, você não é uma pessoa horrível, só cometeu um erro e deve esquecê-lo. – Como eu posso esquecer, se aquele menino vai contar para o colégio to- da. – Eu tenho uma ideia, porém ela é arriscada. – Eu faço qualquer coisa! Tudo para ninguém saber! – Eu não sei, seria muito de você, ainda mais nesse seu estado atual – Por favor! Me ajude! – Faço isso, porque acredito no amor de vocês dois — sorri. – Eu sabia que podia contar com você! – ela me abraçou novamente. – Não fique tão feliz, eu acho que o motivo dele fazer isso com você é por- que ele a deseja. – Eu? Por quê? Não faz sentido! – Porque você namora um dos caras mais populares do colégio, ele vai chantagear você para trocar seu namorado por ele. Imagine? Colocaria ele no to- po. – Eu nunca faria isso! Trocar ele por alguém que me chantageou. Nunca! – Ele falaria que fui eu! Iria mostrar as fotos e dizer que eu iria espalhá-las. Isso é fácil com a internet, quem iria duvidar? – Ele iria usar você para ficar comigo, meu Deus! – ela largou a Bíblia e es- condeu o rosto com as mãos. – Calma, eu disse que iria ajudar, não disse? Tudo que você tem que fazer é dar o que ele quer! – O quê? – Você! Você precisa ser mais rápida e rastejar até os pés dele por vontade própria! – Por que eu faria isso? – Para ele te deixar em paz e não espalhar suas fotos. – Eu não quero trair o Júlio! – Você já o traiu, só que agora irá trair para salvar sua dignidade e o seu amor! Não temos mais tempo, a qualquer momento alguém vai entrar aqui ou ele irá espalhar as fotos. – Eu não sei se consigo... – ela agarrou a Bíblia – Você confia em mim? – Confio! – Ótimo, depois do almoço, vá para sua sala, vou fazer o Rodrigo estar lá de algum jeito. Precisava encontrar um motivo para levar Rodrigo até lá. Um jeito que ali- mentaria minha vingança. É claro! Vou tornar a história que inventei real e inver- tê-la um pouco. Mandei uma mensagem para Tadeu quando bateu o sinal do al- moço. Ordenei que ele fosse imediatamente para o teatro. Uma justiça poética. Ele estava esperando, estático, em uma das cadeiras. Sentei ao seu lado. Expliquei que ele deveria contar a Rodrigo que Isabela o está acusando de assédio e ele precisava ser convincente. Ele não respondeu, parecia estar muito distante da realidade, foi quando eu o lembrei do nosso pequeno passeio e ele acordou. Eu apenas precisava ir atrás do meu grand finale, e por ironia do destino, encontrei Júlio no corredor. – Laura! Eu estava procurandovocê – disse Júlio. – Eu? – Sim, eu queria perguntar a você sobre um assunto. – Sua doce namorada? – Acho que você sabe o que vou perguntar. – Eu soube que a situação entre vocês dois não está das melhores. – Isabela está agindo estranho, estou preocupado – o que fazer quando sua namorada de longa data dá sinais que irá terminar com você? – Ela está me ignorando – Letra “a”: perguntar a ela. – Isso é ruim. – Suas amigas não querem dizer nada para mim – Letra “b”: perguntar às amigas. – Aconteceu algo sério para elas não falarem. – A família dela é muito rígida, esperam muito dela, porque ela é a líder jo- vem da igreja. Estou com receio de perguntar a eles – Letra “c” perguntar à famí- lia. – E você quer saber se eu sei de algo, talvez devesse perguntar à Verônica, ela quem sabe de tudo por aí. – Elas duas não se dão bem e se Verônica soubesse, ela não diria nada. Di- ferente de você, sei que vocês não se falam muito, mas você é uma grande amiga minha e achei que você poderia ajudar. – Falando desse jeito... – Tem algo rolando com ela? Por favor, eu preciso saber – vi se não tinha ninguém vindo. – Eu não aguento ver você assim. – Eu sabia que poderia contar com você! É grave? Algum problema famili- ar? – Não, não, não, nada disso, é mais simples – O quê? – Eu não consigo falar, parte meu coração só de pensar… – Nossa Laura, eu nunca a vi desse jeito, deve ser horrível. Não importa o problema, pode contar, sei que vou ajudá-la. – Eu sei que vai, você é um ótimo cara, por isso é difícil falar. Acho melhor mostrar para você. – Mostrar? Não estou entendendo, você está me deixando nervoso. – Sim, eu mesma acabei de ver. – Ver o quê? – Chegue mais cedo na sala dela e você também verá. – Estarei lá – Mas prometa que não vai contar a ninguém que eu contei, todos pensam que eu não tenho coração, é fácil imaginar o que falarão de mim. – Meu deus, Laura! Para de me aterrorizar. – Prometa! – Prometo. – Era inusitado como tudo mudou tão rápido, depois de alguns dias de tranquilidade, tudo ficou ruim. Meus amigos não apanhavam ou faziam o dever de outras pessoas. Todavia, eles estavam sofrendo todo o tipo de bullying possível e eu não era afetado. O resto do pessoal continuava a falar normal comigo. Aposto que é um modo da Laura se vingar do que eu fiz. Eu comecei a observar mais o colégio, notei algo que geralmente acontece em qualquer sociedade. A divisão. No intervalo, durante as aulas matinais, todos sentavam juntos com seus grupinhos da sala. No almoço, todos sentavam à mesa dos projetos que mais tinham afeição e sentando na ponta da mesa sempre senta- vam os líderes de cada projeto. No centro do refeitório, Laura sentava acompa- nhada de Beatriz e Verônica. Às vezes, os alunos chegavam para conversar com ela em sua mesa, mas nunca sentavam, exceto os membros da sua panelinha. – Ei! Rodrigo! – chamou Agatha, estalando os dedos na minha frente, ti- rando-me dos meus pensamentos. – Prestou atenção? – Não, desculpa. O que foi? – Você vai jogar Dungeons & Dragons na minha casa domingo? – pergun- tou Jorge, no momento que dois garotos esbarraram em Agatha. – Vou! Marcos, vai me dar carona? – Vocês moram perto? – perguntou Valentina. – Na mesma comunidade – eu respondi. – Sim, mas eu não poderei ficar – comentou Marcos. – Por quê? – perguntou Valentina – Vou ajudar meu pai, ele está atolado de trabalho – respondeu Marcos. – Como você pretende escapar da sua tia? – O que tem sua tia? – indagou Giuliano. – Ela é um pouco superprotetora – eu expliquei. Um grupo de garotas de outra mesa apontou para Jorge e começou a rir. Por sorte, ele não viu. – Eu não colocaria desse jeito – comentou Marcos, largando o celular. – Não importa, ela vai para um evento beneficente. A casa é minha por du- as semanas. – Queria eu passar tanto tempo sozinha sem meus pais, seria um sonho – disse Agatha. – É, um sonho…– eu lamentei. Durante a conversa, recebi uma mensagem no celular de um número des- conhecido. A mensagem dizia que eu precisava saber de algo muito importante e que eu deveria esperar no banheiro do segundo andar. Fiquei com receio de ir ao encontro, poderia ser Carlos ou um dos seus amigos me esperando no banheiro. Porém, também poderia ser alguém pedindo ajuda, a pessoa poderia ser tímida e estar sendo ameaçado. Valeria o risco. Fiquei um tempo esperando alguém aparecer e quando estava prestes a de- sistir, um jovem pulou para dentro do banheiro. Ele tinha o cabelo crespo casta- nho claro da mesma cor dos olhos, rosto maltratado e era baixinho. O jovem não conseguia falar direito, atropelado pelas próprias palavras. – Respira! Calma, relaxa um pouco – eu disse, respirando lentamente com ele. – Tenta falar agora. – Eu descobri algo que não deveria e agora não sei o que fazer! – ele andava de um lado para o outro. – Calma, preciso que você fique mais tranquilo – fui chegando perto dele, abri a porta do sanitário e pedi que sentasse. – Agora, me diga o que você desco- briu. – Alguém está sendo acusado de assédio. – Quem? – Você! – meu coração bateu forte. – Contaram que você assediou uma ga- rota e está a aterrorizando com chantagens. – É mentira! – Eu sei que é mentira! Sei que não faria isso, mas disseram que ela tem provas e irá mostrar a todos. Ela está muito abalada, eu mesmo a vi – Quem é ela? – É Isabela. Ela falou para algumas amigas sobre o assédio e uma delas me contou. – Quando você soube? – Eu soube hoje, durante o almoço. – Há quanto tempo ela diz que eu estou a assediando? – Uma semana. – Meu Deus! – Segundo ela, você a persegue constantemente, fazendo gestos obscenos, se esfregando, mandando mensagem … – cortei José: – Chega, por favor! Eu não aguento mais. – Eu estava no seu discurso quando você confrontou Laura, cara a cara. Me sentiria mal se não contasse, você me deu forças para isso Isso era um absurdo! Nunca na minha vida, eu fiz um ato tão repugnante. Isso poderia acabar com tudo, com o colégio, com meus amigos e com meu amor! Será que ela seria capaz de fazer isso comigo? Desceria tão baixo? Ela tem tanto medo de perder que faria isso? Não, não poderia ser ela. Provas? Como ela teria provas de algo que nunca aconteceu! O que será que eu fiz? Será que eu fiz sem perceber? Não! Eu nem falo com ela. Eu vou ter que fazer tudo que é preciso para que ninguém saiba disso. Eu precisava ir até Isabela e convencê-la a desistir dessa loucura. Mas o que vou falar? Como eu pos- so provar que isso é mentira? Ela vai acreditar em mim? Quem poderia ser tão cruel ao ponto de inventar isso? Mandei uma mensagem para Marcos. Antes mesmo de poder explicar a si- tuação, ele disse que não ajudaria e bloqueou meu contato. Imaginei que meus novos amigos poderiam ajudar. Não, não vou envolvê-los em mais confusões. Eu não a conhecia muito bem, mesmo estudando na mesma sala, tudo o que eu sabia é que ela era uma garota certinha e organiza os eventos beneficentes e sentava em frente da mesa do professor com algumas de suas amigas. Eu nunca a vi conversando com Laura ou pessoas que andavam com ela. Acho que Isabela não queria fazer parte do grupinho especial ou não deixaram. Estava pensando demais. Precisava agir antes que tudo explodisse na minha cara. O único lugar que eu poderia encontrar Isabela sozinha, seria na sala do seu clube e para a situação atual era uma má ideia. Contudo, era a única que eu tinha. Não sei se foi para minha sorte ou para meu azar, ela não estar lá. A sala es- tava vazia. Observando a sala, notei um grande mural com fotos de eventos bene- ficentes e de caridade. A maioria era de igrejas em comunidades e uma delas era onde meu pai morava. Todos pareciam tão felizes, este é um grupo que deveria ser popular, que todos deveriam gostar e querer ser parte. Sentei na cadeira do profes-sor e notei que a mesa estava um pouco molhada. Depois de alguns minutos espe- rando, a porta finalmente abriu, revelando Isabela. Ambos nos assustamos com a presença do outro. No momento que eu tentei levantar, ela grudou na parede. Decidi permanecer sentado. – Calma, eu só vim conversar – eu avisei sem fazer nenhum movimento brusco. – Eu sei o que você quer! – respondeu Isabela. – Não é o que você está pensando, eu nunca faria isso. – Mas fez, se não tivesse feito, não estaria aqui. – Estou aqui, porque não achei outra alternativa, desculpa. – Depois do que fez, pede desculpa? Você vai acabar com minha vida, com meu namoro, com meus amigos, minha família, você sabe o que vão pensar de mim? – Eu não desejo isso a você. – A garotinha certinha, a menina da igreja, a namorada perfeita. Todos irão apontar os dedos e rir! – Alguém a enganou, acredite em mim. – Tudo faz sentido, ela estava certa, você não diz quem é de verdade! – Quem é ela? – tentei chegar perto. – Se afaste de mim! – Tudo isso é um grande mal-entendido. – Eu sei o que você quer! Seu pervertido! – parei de andar. – Não, não é isso que você está pensando, por favor, seja sensata. – Eu estou sendo sensata! – Não, não está! Eu só quero conversar, mas não está sendo possível. – Claro que não é possível! – Eu não fiz nada, me escuta, por favor. – Pode fazer o que quiser…eu não ligo mais – as lágrimas começaram a cair do seu rosto. – Não irei fazer nada com você! – Se você não for fazer nada, eu faço! – ela pulou em cima de mim e me beijou. – Por que você fez isso? Está louca? – afastei Isabela e no mesmo tempo a multidão surgiu. – Isabela? Como você pode? – disse uma voz na multidão – Júlio?! Não é o que você está pensando, eu posso explicar! – Explicar? Eu vi você o beijando, todo mundo viu! – Esse garoto me chantageou e me forçou a beijá-lo. – Como assim! Chantageou? – eu perguntei. – Você se jogou nos braços dele! Como ele pode te chantagear a fazer isso, me diga? – Não posso dizer, acredite em mim! Por favor, você sabe que eu te amo! – Acreditar em você? Depois do que eu vi, nunca mais. Sua vadia! – ele saiu atropelando a multidão e Isabela correu atrás dele. Eu estava sentado no refeitório tentando processar tudo que tinha aconte- cido, até ouvir a porta abrir. Meu primeiro instinto foi me esconder debaixo da mesa. Imaginei que seria um dos inspetores com ordens de me levar para a direção e explicar a confusão ou Isabela com os olhos vermelhos jogando a culpa em mim. Os passos se aproximaram. Um dedo macio tocou meu rosto. – Como vai meu assediador favorito? – perguntou Laura com um sorriso. – Era realmente necessário? – Não, não era – ela se afastou e sentou à minha frente. – Foi uma ameaça? – Eu diria que foi um aviso. – Uma ameaça. – Como você quiser... – Foi prazeroso atormentar minha vida? – Eu não diria que foi apenas por prazer. – E qual outro desejo obscuro você quis saciar? – Laura simplesmente permaneceu em silêncio. – Enquanto a garota? Ela não merecia isso. – Como você sabe? Você mal a conhece, nem sabe o que ela já fez, por que a julga como a certinha? – eu permaneci em silêncio. – Pensa que todos eles são bons e que nós somos os maus. – Não, todos cometemos erros, isso não é razão para condenar ninguém. – Como não? Você condenou! – ela começou a girar os braceletes, compul- sivamente. – Quem eu condenei? – Eu! – É diferente. – Não, não é! Acha que os coitadinhos são santos, se não fosse por mim, ela iria continuar a trair ele, fingindo ser pura e decente, julgando e condenando quem faz o mesmo. – Acha que com isso pode justificar o que fez? Como acha que vai ser para ela agora? – Tudo que irá acontecer de mal na vida dela, não será culpa minha, será das suas amigas, dos seus colegas, da sua igreja e principalmente dos seus pais. – Você começou tudo isso! – Eu não fiz ela trair! – Você planejou tudo isso. – Se você não fosse tão arrogante, meu plano não funcionaria – ficamos um tempo nos encarando. – E agora? Vai ser assim? – ela acendeu um cigarro. – Infelizmente. – Nunca imaginei que seria desse jeito – Não tem como ser de outro, esta é a minha vida e vou lutar por ela – ela tragou o cigarro e começou a tossir indiscriminadamente. – Parece que será uma vida curta, vale a pena? – Vamos descobrir – ela levantou, apagou o cigarro e saiu. – – Rodrigo abriu a porta do quarto e me observou sem expressão. Entrou e sentou recostando-se na parede à minha frente. Fingiu que não estava olhando e eu fingi que não notava. Por quinze minutos ficamos desviando olhares. Por fim, ele veio em minha direção e sentou ao meu lado, pegou minha folha no chão e começou a ler. Ele pediu uma folha em branco e eu apanhei com cuidado na mochila da Verônica para não acordá-la. Arranquei uma página e entreguei para Rodrigo. – Eu finalmente senti na pele o que é ser rejeitado. Depois que souberam que eu fui a causa da separação do casal favorito do colégio, todos começaram a me olhar torto e falar mal pelas minhas costas. Poucos continuavam a falar comi- go, basicamente, meus novos amigos e Marcos. Quando contei a Marcos o que aconteceu, ele falou que eu merecia e tinha avisado. Agora eu sentava no fundo da sala. Os lugares da frente, sempre estavam ocupados por mochilas, pés ou livros e Marcos não guardar uma cadeira, deixava a situação mais complicada. Eu ficava na cadeira em frente à do João, diziam que ele e seu grupinho eram os mais bagunceiros e encrenqueiros da sala. Todavia, por alguma razão, eles não perturbavam minha vida. Observei pela janela um tumulto incomum nos portões do colégio. Eu ouvia vários grupos comentando sobre Isa- bela. Aproveitando que o professor não havia chegado, nos saímos da sala e des- cemos para ver a confusão e encontrei Valentina perto do portão. – Você soube? – perguntou Valentina. – O que? – Isabela e seus pais estão aqui, dizem que vieram tirá-la do colégio. – Depois de ser tão xingada, eu também sairia – disse Felipe aparecendo com o resto do pessoal. – Verônica não deu um segundo de paz para ela no Facebook e no Twitter, ela criou páginas e páginas para falar mal da Isabela. Ela não deixava ninguém esquecer – falou Jorge. – Só foi uma traição! Porque tanto alarde? – eu perguntei. – Foi “a” traição! E ela não era qualquer uma, ela era a garota que apontava o dedo para todo mundo. Para mim é bem feito – comentou Agatha. – Mesmo assim, ninguém merece isso – expressou Jorge. – Vocês acham mesmo que ela vai sair? – eu indaguei. – Ela não tem mais nenhuma amiga no colégio, eu acho que vai – respon- deu Valentina nos braços da Agatha. – Eu também acho, disseram que ela também saiu da igreja, não fico sur- preso – falou Felipe. – O lado bom é que vão largar do nosso pé. – Não tem lado bom – comentei. – Para você, todo mundo o odeia por separá-los – falou Valentina, apon- tando para mim. – E porque não sou eu quem está sendo atacado? – Porque você é homem – rosnou Agatha. Isabela saiu com seus pais pelo portão e passou bem ao meu lado na saí- da. Foi a primeira vez que nos cruzamos desde o incidente. Eu tentei pedir des- culpas, mas o som não saia da minha garganta e antes de entrar no carro, nos en- caramos por alguns segundos. Ela não parecia estar com raiva, pelo contrário, estava triste. Tudo o que eu podia fazer era vê-la partir Eu estava prestando a atenção em Laura na sala da aula. Ela anotava algo em seu caderno, de cabeça baixa. Eu não poderia ser facilmente manipulado por ela novamente. Toda situação que eu presenciava, eu pensava que poderia ser um plano dela. De repente, um garoto abriu a porta com força e sem jeito. Uma das garotas gritou que ele estava chapado e todos começaram a rir da cara dele. Po- rém, quando o garoto citou que a erva que plantou estava muito
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