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2 SUMÁRIO Capa Rosto Siglas Apresentação da coleção Marco Conciliar Introdução Capítulo I - O movimento catequético pré-conciliar 1. A Igreja e a catequese na Antiguidade A Igreja nos primeiros séculos Querigma e catequese nos primórdios da Igreja A terminologia e significado de catequese no Novo Testamento O catecumenato O declínio do catecumenato 2. A catequese na Idade Média: catecumenato social 3. A catequese na Idade Moderna Idade Moderna Europeia A catequese no continente americano durante a colonização 4. Catequese na Idade Contemporânea Transformações na Europa nos séculos XVIII e XIX Catequese no Brasil no século XIX: reforma católica 5. Nascimento e desenvolvimento do movimento catequético O conceito de movimento catequético O movimento catequético europeu e a renovação catequética brasileira O movimento catequético brasileiro do padre Álvaro Negromonte ao Vaticano II A fundação da CNBB, organização e novo impulso da catequese pré- conciliar Capítulo II - A catequese sob o impacto do Vaticano II 1. Visão geral da catequese no Vaticano II 2. Principais descrições conciliares sobre a catequese O múnus episcopal de ensinar: Christus Dominus 14 3 kindle:embed:000C?mime=image/jpg Catequese. Conhecimento da fé, liturgia e vida: Gravissimum Educationis 4 3. Os dois mandatos do Concílio sobre a catequese: Diretório Catequético e restauração do catecumenato Elaboração de um diretório especial para a catequese Restauração do Catecumenato 4. Renovação conciliar, em seu conjunto, e seu reflexo na catequese Princípios das Constituições Conciliares que renovaram a catequese Princípios dos decretos e declarações conciliares que possibilitaram a renovação da catequese Algumas perspectivas conciliares que influenciaram particularmente a catequese Capítulo III - Influência do vaticano II na catequese do Brasil e da América Latina 1. O Plano de Pastoral de Conjunto da CNBB Uma nova concepção de pastoral planificada A catequese no Plano de Pastoral de Conjunto Fundação do ISPAC e renovação da catequese no imediato pós- Concílio no Brasil 2. Os revolucionários acontecimentos de 1968 Encontro Nacional do Rio de Janeiro (julho de 1968) Semana Internacional de Medellín e II Conferência do CELAM (também em Medellín) em 1968 Catequese Renovada — Orientações e Conteúdo (1983) Capítulo IV - Cumprimento do mandato do Concílio: iniciativas da Sé Apostólica nos anos 1970-1990 1. Ritual da Iniciação Cristã de Adultos – 1972 2. Sínodo de 1977 sobre a catequese 3. A exortação apostólica Catechesi Tradendae – 1979 4. O Catecismo da Igreja Católica (1992; 1997) Um grande dom da Igreja: o catecismo Gênese e publicação do Catecismo da Igreja Católica Dificuldades e crescimento na receptio (recepção) do Catecismo no 4 Brasil A presença do Catecismo na vida da Igreja no Brasil A Revista de Catequese e o Catecismo da Igreja Católica O estudo do Catecismo na formação presbiteral e nas paróquias A presença do Catecismo nas Iniciativas Pastorais de Evangelização 5. O Diretório Geral para a Catequese de 1997 6. O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica (2005) 7. A catequese ocupa um novo lugar nas estruturas vaticanas Capítulo V - Persistência do influxo do Vaticano II sobre A catequese no século XXI 1. O tema da nova evangelização e do “encontro com Jesus Cristo” no alvorecer do novo milênio No final do século XX: catequese transformadora sob impulso da Gaudium et Spes Mudança de perspectivas: nova evangelização, encontro com Jesus 2. A caminho de um Diretório Nacional de Catequese Primeiros passos Trabalhos de redação do primeiro esquema Segundo esquema: um resumo de CR e deslocamento do “iluminar” antes do “ver” Dois instrumentos de trabalho Aprovação do Diretório Nacional na Assembleia da CNBB em 2005 As “observações” da Sé Apostólica. Reconhecimento e publicação 3. Características marcantes do novo Diretório Paralelo entre o DGC da Sé Apostólica e o DNC da CNBB O DNC inspira-se na renovação conciliar Catequese evangelizadora e cristocêntrica Sagrada Escritura como “livro” de catequese por excelência Catequese a serviço da Iniciação Cristã ou catequese de inspiração catecumenal Com adultos, catequese adulta numa Igreja adulta Importância da pessoa do catequista e sua formação: o ministério da catequese 5 Uma catequese encarnada na história e libertadora Conclusão: por uma catequese evangelizadora de feição catecumenal 4. Aparecida e a Catequese Evangelizadora 5. Medellín, DNC e Aparecida: duas teologias diferentes sobre a catequese? 6. “A alegria de iniciar discípulos missionários numa mudança de época” Contemplar Discernir Propor Capítulo VI - Problemas e perspectivas 1. Organização da catequese no Brasil 2. Alguns desafios e perspectivas da atual prática catequética Natureza da catequese, destinatários ou interlocutores O maior desafio: mudança de paradigma de catequese, rumo a uma perspectiva mais catecumenal A formação de catequistas A formação do clero e religiosos Uso da Sagrada Escritura O papel e a importância do ensino doutrinal A catequese e a linguagem midiática hoje Conclusão - Catequese a serviço da iniciação à vida cristã Evocação histórica Os processos do catecumenato A novidade (tão antiga!) da Mistagogia O Itinerário catequético, de inspiração catecumenal O catecumenato responde às exigências da mudança de época Bibliografia Coleção Ficha Catalográfica Notas 6 SIGLAS Documentos do Concílio Vaticano II AA — Apostolicam Actuositatem. Decreto sobre o Apostolado dos Leigos. AG — Ad Gentes. Decreto sobre a atividade missionária da Igreja. CD — Christus Dominus. Decreto sobre o múnus pastoral dos bispos. DH — Dignitatis Humanae. Declaração sobre a liberdade humana. DV — Dei Verbum. Constituição dogmática sobre a Divina Revelação. GE — Gravissimum Educationis. Declaração sobre a educação cristã. GS — Gaudium et Spes. Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo atual. IM — Inter Mirifica. Decreto sobre os meios de comunicação social. LG — Lumen Gentium. Constituição dogmática sobre a Igreja. NA — Nostra Aetate. Declaração sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs. OE — Orientalium Ecclesiarum. Decreto sobre as Igrejas orientais católicas. OT — Optatam Totius. Decreto sobre a formação sacerdotal. PC — Perfectae Caritatis. Decreto sobre a conveniente renovação da vida religiosa. PO — Presbyterorum Ordinis. Decreto sobre o ministério e vida dos presbíteros. SC — Sacrosanctum Concilium. Constituição sobre a sagrada liturgia. UR — Unitatis Redintegratio. Decreto sobre o ecumenismo. OUTRAS Catecismo — Catecismo da Igreja Católica (João Paulo II, 1992; 1997). CR — Catequese Renovada (Documento da CNBB 28, 1978). DAp — Documento de Aparecida (CELAM, 2007). DCG — Diretório Catequético Geral (Congregação para o Clero, 1971). DGC — Diretório Geral para a Catequese (Congregação para o Clero, 1997). DNC — Diretório Nacional de Catequese (Documento da CNBB 84, 2006). EG — Evangelii Gaudium (papa Francisco, 2013) ISPAC — Instituto Superior de Pastoral Catequética (Rio de Janeiro, 1963-1969) IVC — Iniciação à Vida Cristã (Estudos da CNBB 97, 2009). MPD — Mensagem ao Povo de Deus (Sínodo dos Bispos de 1977). PPC — Plano de Pastoral de Conjunto (CNBB, 1966-1970) SNER — Secretariado Nacional do Ensino de Religião (CNBB, 1953). 7 O APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO MARCO CONCILIAR Concílio Vaticano II, concluído há cinquenta anos, refez a Igreja católica em muitos aspectos e, em certa medida, o próprio cristianismo. A intenção de João XXIII de promover um novo pentecostes na Igreja foi não somente anunciada em várias ocasiões, desde sua primeira inspiração, mas também uma tarefa de construção assumida por ele; tarefa conduzida pela força de sua autoridade e pelo vigor de seu carisma renovador. Sem a ousada inspiração e a liderança convicta e perseverante desse papa, certamente não teria havido o Vaticano II, ou não com a dimensão e a profundidade que o caracterizaram.Somente pela força carismática de líderes como João XXIII se pôde pensar em mudanças como as proporcionadas pelo Concílio numa instituição milenar com doutrinas e regras cristalizadas. Esse grande Concílio, o mais ecumênico de todos, refez a rota fundamental da Igreja ao colocá-la de frente com o mundo moderno. A Igreja, que estava distante da chamada modernidade e segura de sua posição e verdade, foi capaz de reposicionar-se e elaborar uma nova doutrina sobre o mundo e sobre si mesma. De isolada do mundo, assume-se como sinal de salvação dentro do mundo; de detentora da verdade, reconhece a verdade presente nas ciências e passa a dialogar com elas; então definida como poder sagrado, passa a compreender-se como servidora da humanidade. E o mundo torna-se o cenário do drama humano: lugar de pecado e de graça, porém inscrito no plano maior do amor de Deus, que nos cria e nos chama para a comunhão consigo. A Igreja e o mundo estão situados nesse plano misterioso de Deus, a ele se referem permanentemente e são compreendidos como realidades distintas e autônomas, porém em diálogo respeitoso e construtivo. O Vaticano II abriu uma temporada nova na Igreja como fruto de inesperada primavera, na intuição do papa João XXIII. A essa primavera sucederam-se novos ciclos com climas diferenciados, sem nos poupar de invernos rigorosos. As decisões conciliares foram 8 interpretadas e praticadas de diferentes modos nos anos que se seguiram à grande assembleia, em função de lugares e sujeitos envolvidos no processo de aggiornamento. Por um lado, é fato que muitas renovações aconteceram em diversas frentes da vida da Igreja. Tanto no âmbito das práticas pastorais quanto no da reflexão teológica, o pós-Concílio foi um canteiro que fez a primavera produzir muitos frutos: renovação litúrgica em diálogo com as diferentes culturas, Igreja comprometida com os pobres, diálogo ecumênico e inter- religioso, doutrina social da Igreja, experiência de ministérios leigos etc. O novo se mostrou vigoroso, sobretudo nas primeiras décadas do pós-Concílio e, particularmente, no hemisfério sul, nas igrejas inseridas em contextos de pobreza e de culturas radicalmente distintas da cultura latino-cristã tradicional. Por outro lado, houve um esfriamento do carisma conciliar, à medida que a história avançava impondo suas rotinas, mas, sobretudo, uma leitura que buscava evitar a ideia de renovação-ruptura com a tradição anterior. Segundo essa leitura, o Vaticano II teria inovado sem romper com a doutrina tradicional, incluindo a doutrina sobre a Igreja. Essas perspectivas revelam, na dinâmica pós-conciliar, as lutas para construir o verdadeiro significado do Vaticano II, do ponto de vista teórico e prático. Trata-se de leituras localizadas do ponto de vista geopolítico e teológico-eclesial, com sujeitos e ideias distintos, assim como marcadas por esforços de demonstração da intenção original das decisões dos padres conciliares. Se esse dado revela, de um lado, as dificuldades crescentes de um consenso, expõe, por outro, a atualidade do Concílio como marco eclesial e teológico importante para a Igreja. Pode-se dizer que o Vaticano II começou efetivamente no dia seguinte à sua conclusão, em 8 de dezembro de 1965. Na Audiência de 12 de janeiro de 1966, o papa Paulo VI reconhecia esse desafio de colocar o Concílio em prática, comparando-o a um rio que iniciava seu fluxo e se dispunha para a Igreja como tarefa para o futuro. E esse rio avançou certamente por terrenos nunca previstos, fecundou novas terras e produziu frutos com sua água sempre viva. Por outro lado, foi um rio represado por muitas frentes eclesiais que temiam sua força; foi desviado de seu curso e 9 canalizado para diferentes direções. Contudo, o rio jamais secou seu fluxo. Continua correndo na direção do Reino, levando sobre suas torrentes a frágil barca de Pedro com seus viajantes, ora cansados e temerosos, ora destemidos e esperançosos. O Vaticano II não foi somente um evento do passado, mas constitui, de fato, o hoje da Igreja católica, a fonte de onde a Igreja retira o sentido fundamental para sua caminhada histórica e para o diálogo com a realidade atual. Esse “Concílio em curso” completou cinquenta anos com uma história e um saldo que merecem ser visitados por todos os que estão atentos a sua importância para a Igreja em permanente sintonia com um mundo que avança rapidamente em suas conquistas científicas e tecnológicas. Se a modernidade perscrutada pelos padres conciliares já não existe mais, ela deixou, entretanto, suas consequências positivas e negativas para nossos dias; consequências que exigem de novo o olhar atento da fé cristã, que busca distinguir os sinais dos tempos e lançar os cristãos como sujeitos ativos no mundo: parceiros de busca da verdade e na construção da fraternidade universal. A presente coleção, planejada e oferecida pela Editora Paulus, pretende revisitar o Vaticano II por várias entradas e oferecer rápidos balanços sobre questões diversas, nesses cinquenta anos de prática e de reflexão. Cada uma das temáticas é abordada em três aspectos: a orientação conciliar presente nos textos promulgados pelo grande Sínodo, o desenvolvimento da questão no período pós-conciliar e sua análise crítica — balanço e prospectiva. Esse tríplice olhar busca conjugar o desenvolvimento da temática do ponto de vista teórico e prático, ou seja, seus desdobramentos no âmbito do magistério e da reflexão teológica, assim como suas consequências pastorais e sociais. A Igreja se encontra, nos dias atuais, num momento fecundo de renovação de si mesma, após o conclave que elegeu o papa Francisco. O Vaticano II se encontra, nesse contexto, numa nova fase e deverá produzir seus frutos, em certa medida tardios, em muitas frentes que ainda não haviam sido abordadas pelos Pontífices anteriores. A própria figura do atual papa remete à eclesiologia do Vaticano II, tanto em suas atitudes como em suas palavras. Está viva a Igreja povo de Deus, a 10 Igreja dos pobres, a Igreja servidora, misericordiosa e dialogal. O Concílio tem fornecido, de fato, a direção das reformas enfrentadas com coragem pelo papa a partir da Cúria Romana. Esse contexto de revisão é animador e permite falar de novo do último Concílio como um marco histórico fundamental para o presente e o futuro da Igreja. É tempo de balanço e reflexão sobre o significado desse marco. Os títulos ora publicados pretendem participar dessa empreitada com simplicidade, coragem e convicção. Cada autor perfila a procissão dos convictos da importância das decisões conciliares para os nossos dias, mesmo sendo o mundo de hoje em muitos aspectos radicalmente diferente daquele visto, pensado e enfrentado pelos padres conciliares na década de 1960. O espírito e a postura fundamental do Vaticano II permanecem não somente válidos, mas também normativos no marco da grande tradição católica. Mas continua, sobretudo, um espírito vivo, na medida em que convida e impulsiona a Igreja para o diálogo com as diferenças cada vez mais visíveis e cidadãs em nossos dias e para o serviço desinteressado a toda a humanidade, particularmente aos mais necessitados. Embora não tenha produzido um documento exclusivo sobre a catequese, o Concílio apresentou intuições importantes para a renovação da catequese. Uma dessas intuições foi a insistência na necessidade da Igreja católica adaptar a sua linguagem para mais efetivamente ser fiel à sua missão de anunciar o reino de Deus na realidade presente. O Concílio optou por uma postura metodológica que pode ser vista também como postura pedagógica: um modo de colocar a verdade da fé em sintonia e diálogo com as verdades do mundo moderno. Também a sua teologia de fundo, esse diálogo, tem sua origem na autocomunicação de Deus, que fala aos homens de modo humano e quer conduzi-los à salvação. Os conteúdos e a linguagem conciliares permitem falar num Concílio eminentemente catequético, resultado de uma Igreja que quer ser misericordiosa e compreensiva com a humanidade em sua condição real, e não mestra daverdade que condena erros. Como bem demonstra padre Luiz Alves de Lima, todos os documentos conciliares têm elementos que contribuem para iluminar a 11 realidade da catequese: o olhar atento à realidade, o discernimento dos sinais dos tempos e uma nova prática eclesial inspirada nos valores do reino. Por isso, é preciso recordar-se de que cada ensinamento da doutrina deve situar-se na atitude evangelizadora que desperte a adesão do coração com a proximidade, o amor e o testemunho (Francisco, Evangelii Gaudium 42). João Décio Passos Wagner Lopes Sanchez Coordenadores 12 J INTRODUÇÃO á celebramos os cinquenta anos do encerramento do Concílio Vaticano II (11 de outubro de 1962 — 07 de dezembro de 1965). Nesse contexto, várias iniciativas foram tomadas para celebrar a grande efeméride. Entre elas, destaca-se a publicação, de grande êxito, do Dicionário do Concílio Vaticano II, uma iniciativa de professores da PUC-SP e da Editora Paulus. Além disso, a Paulus solicitou a vários autores para que ampliassem o próprio tema no formato de livro, para uma nova coleção denominada Marco Conciliar. Já cinquentenário, o Vaticano II não é um acontecimento passado e relegado aos anais da história. Pelo contrário, sua força e dinamismo continuam atuando na Igreja, que, com ele, quis fazer um profundo exame de consciência sobre si mesma (Lumen Gentium), de sua presença no mundo, entrando em maior diálogo com a cultura moderna (Gaudium et Spes); quis ainda aprofundar o significado da Palavra de Deus revelada na Tradição e Sagradas Escrituras a fim de recolocá-las no centro da vida cristã (Dei Verbum) e também renovar a própria liturgia, tão antiga e sagrada, mas, em muitos casos, obscurecida pela poeira dos séculos (Sacrosanctum Concilium). A riqueza renovadora conciliar não se circunscreve apenas a essas suas grandes constituições. Seus decretos e declarações também avançaram por problemas eclesiais candentes, primeiramente referentes às pessoas, como a missão e formação dos leigos, dos pastores (bispos e sacerdotes) e consagrados, os católicos orientais, e depois sobre problemas atinentes a importantes atividades eclesiais, como o trabalho missionário, o ecumenismo, a educação cristã, a liberdade religiosa, as relações com as religiões não cristãs, e a educação para a mídia moderna, juntamente com seu uso. Se pudermos sintetizar numa única palavra todas as grandes preocupações das assembleias conciliares, tal palavra seria o zelo e impulso pela Evangelização do mundo atual. Como renovar, através de todas as suas estruturas, pessoas e instituições, o Anúncio do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo no mundo de hoje? O Concílio 13 dedicou um de seus decretos para tratar da ação missionária da Igreja (Ad Gentes); entretanto, esse é um tema transversal ao longo de todos os seus textos, naturalmente junto com outros temas, como o aggiornamento da Igreja. Ad Gentes foi concebido dentro da concepção de missão naquele momento, ou seja, como diz o título, ação evangelizadora para povos não cristãos, que ainda não “receberam a luz do Evangelho”. Entretanto, passados cinquenta anos, e sobretudo sob a influência da Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI, do projeto de uma nova evangelização de São João Paulo II e Bento XVI, do Documento de Aparecida (CELAM) e da Evangelii Gaudium, do papa Francisco, sem deixar esse conceito de missio ad gentes, o termo evangelização amplia-se muito, compreendendo também, e sobretudo, a evangelização de populações outrora cristãs, e mesmo batizadas, mas hoje afastadas da Igreja. A catequese, concebida como educação da fé de adultos, jovens e crianças, atividade sempre presente na história da Igreja, não mereceu destaque especial do Concílio com um documento próprio. Entretanto, está presente explicitamente em alguns documentos. Mas a renovação catequética pós-conciliar beneficiou-se, sobretudo, de toda a renovação conciliar em seu conjunto. Muitos temas eclesiais renovados ou revistos pelo Concílio tiveram grande impacto sobre a catequese, tais como a própria visão de Igreja e sua missão no mundo, a renovada concepção de Revelação e Palavra de Deus, a reforma litúrgica, a restauração do catecumenato,[1] hoje adaptado também às populações de antiga cristandade, e muitos outros que são tratados ao longo dos textos conciliares. Essa foi uma das razões pelas quais os editores escolheram esse tema da catequese para compor a coleção Marco Conciliar. O motivo central, porém, está na importância que tem a renovação da catequese para a vida da Igreja, para a evangelização e para formar discípulos missionários, conforme o grande ideal de Aparecida. O presente texto, querendo tratar em primeiro lugar da renovação catequética a partir do Vaticano II, ampliou bastante sua temática. Para compreender a concepção conciliar sobre a catequese, julgamos por bem alargar a visão para antes e depois do Concílio. Assim, o 14 primeiro capítulo é dedicado à história da catequese não somente para analisar sua origem, significado e evolução de sua concepção ao longo dos tempos, mas também para mostrar sua presença sempre valorizada e diversificada na vida da Igreja. Ao final desse capítulo se mostra como o movimento catequético, de origem europeia com repercussões no Brasil, foi um dos movimentos, nem sempre lembrados pelos críticos e historiadores, que antecederam e criaram o clima de realização do próprio Concílio Vaticano II. Com relação ao tema dessa coleção Marco Conciliar, o segundo capítulo é o mais importante por considerar a catequese nas discussões e decisões do Concílio; retomamos e ampliamos o que foi dito no verbete catequese do Dicionário do Vaticano II. No entanto, importantíssimos também são os capítulos seguintes em que o impacto do Concílio sobre a educação da fé aparece com toda a sua força, extensão e, sobretudo, evolução. Tal renovação conciliar começou a se realizar mesmo antes dos desdobramentos por parte da Sé Apostólica, ou seja, execução do que o Concílio havia ordenado. De fato, foi no âmbito da reflexão e renovação da catequese que, no Brasil e América Latina, começaram a ressoar os resultados conciliares em toda sua amplitude. Na Igreja brasileira, o Concílio começou a ser conhecido justamente através da efervescência da renovação catequética: no imediato pós-Concílio, além do entusiasmo e frenesi naturais provocados pelo grande acontecimento, foi momento de grandes avanços, progressos, sonhos e realizações; basta citar os grandes acontecimentos do mítico ano de 1968 no Brasil e na América Latina. O quarto capítulo retorna às ações da Sé Apostólica e mostra como os organismos romanos realizaram aquilo que o Concílio havia pedido, em âmbito catequético: surgem os grandes pronunciamentos catequéticos, elevando o movimento catequético, sempre impulsionado pelo Concílio, à sua máxima temperatura: RICA, Sínodo sobre a Catequese (1977), Catechesi Tradendae, Catecismo da Igreja Católica e Diretórios Catequéticos (1971 e 1997) são grandes frutos do Concílio que não só cumprem os mandatos conciliares, mas sobretudo avançam, e muito, na concepção e na prática da catequese na Igreja. E, de um modo geral, em toda a Igreja floresceu uma grande literatura 15 catequética, podendo-se afirmar que nunca na Igreja se refletiu e se escreveu tanto sobre catequese como nos anos do pré e pós-Concílio! Adentrando o novo milênio, persistem as consequências do Concílio Vaticano II sobre a catequese, sempre respondendo aos novos desafios e, naturalmente, indo muito mais além daquilo que a grande assembleia conciliar havia impulsionado. As comemorações do V Centenário da Evangelização das Américas levaram São João Paulo II a desencadear o tema da nova evangelização, posteriormente estendido para toda a Igreja; nesse contexto, realizaram-se o Sínodo das Américas e de outros continentes. As Américas foram marcadas pelas cartas de São João Paulo II Ecclesia in America e Tertio millenio adveniente. No Brasil, o projeto evangelizador Queremos ver Jesus repercute os novos tempos, influenciandotambém a caminhada da catequese que desemboca na elaboração do Diretório Nacional de Catequese. Esse texto, juntamente com Aparecida que logo se lhe segue, despertam novo entusiasmo em vista de uma mais eficaz Iniciação à Vida Cristã a serviço da qual se coloca a catequese de inspiração catecumenal. Essa última evolução da catequese na direção de uma inspiração catecumenal, em termos de América Latina, tem seu ponto de chegada num breve, mas estimulante e provocativo documento do CELAM intitulado A alegria de iniciar discípulos missionários numa mudança de época (junho de 2015), que tratamos no final do capítulo V. Dedicamos um último capítulo para recolher de forma menos histórica, como os capítulos anteriores, e mais sistemática, os grandes problemas e perspectivas que de um lado provêm da renovação catequética conciliar e que, por outro, anima e impulsiona a catequese nos dias atuais, sobretudo, sob o prisma da iniciação à vida cristã e a dimensão catecumenal da catequese. Na conclusão geral, temas do discipulado, da iniciação à vida cristã, com seu novo paradigma catecumenal, e a mudança de época são tratados à luz de dois significativos acontecimentos na América Latina em 2014: um Congresso Internacional (Santiago do Chile) e um Seminário Nacional (Santo André, SP), ambos sobre essa dimensão catecumenal da catequese proposta para os dias de hoje. Em base a 16 esses dois acontecimentos, recolhemos as considerações finais desse percurso que fizemos, desde os inícios da Igreja até o Vaticano II e suas repercussões cinquenta anos depois. São Paulo, 24 de maio de 2016 Solenidade de Nossa Senhora Auxialiadora Pe. Luiz Alves Lima, sdb 17 Capítulo I 18 E O MOVIMENTO CATEQUÉTICO PRÉ- CONCILIAR ntre os movimentos que antecederam o Concílio Vaticano II situa- se, além dos movimentos litúrgico, bíblico, ecumênico e teológico, também o chamado movimento catequético. Teve grande vigência na Europa, mas também em outras partes do mundo, inclusive no Brasil, como veremos. Antes, porém, será útil analisar a caminhada da catequese na longa história da Igreja, muito embora de maneira sucinta. Podemos falar em movimento catequético na Europa somente a partir do início do século XX, e na América Latina, sobretudo no Brasil, a partir da metade dele. Vamos, pois, em breves linhas, olhar para a presença da catequese, sua importância, seus momentos gloriosos e obscuros, ou mesmo desaparecimento, nos dezenove séculos e meio que antecederam o Vaticano II. 19 1. A Igreja e a catequese na Antiguidade O cristianismo nascente em menos de três séculos transformou-se de religião fora da lei, periférica e perseguida, em religião oficial. Já no século IV, os cristãos adquiriram o direito ao culto público e à cidadania. Com o fenômeno posterior das grandes migrações do norte para o sul, em busca de melhores terras e condições de vida, o cristianismo também se tornou elemento unificador no continente europeu e no Oriente Próximo. As atividades da Igreja, sobretudo a evangelização e a catequese, para além de sua finalidade principal de formar discípulos e seguidores de Jesus Cristo, adquiriram também o caráter de instrumento de socialização e inculturação. 20 A Igreja nos primeiros séculos Foi um tempo decisivo para a organização e fortalecimento da Igreja. A cultura grega ou helenística dominava o Oriente Médio (Israel, Egito e Síria de hoje) e grande parte da Europa. As duas primeiras gerações de cristãos realizaram um hercúleo trabalho de evangelização, conforme o Novo Testamento. Além de Pedro e demais apóstolos, dominam o cenário o apóstolo Paulo e seus companheiros, que, sob o ponto de vista humano e da historiografia, são considerados os fundadores ou pelo menos os consolidadores do cristianismo. É uma época densa de heroísmo e também de perseguições constantes. Os escritos apostólicos falam de doutrina, culto, constituição e disciplina. A Igreja-Mãe, Jerusalém, exercia grande influência e ainda não havia muita distinção entre Sinagoga e Igreja cristã. Os essênios, por exemplo, uma espécie de ordem religiosa, mantinham a força do judaísmo tradicional. Por seu rigor, podem ter atraído João Batista e influenciado aquilo que se chama de judeu- cristianismo. É nítido, nos escritos paulinos, o embate entre a nova proposta cristã e a força dos cristãos judaizantes para manter a tradição mosaica. Muito lentamente surgirá a separação definitiva entre Sinagoga e Igreja cristã. Também os escritos apócrifos deram grande realce a esses primeiros heróis da fé. Da literatura primitiva cristã destacam-se alguns livros mais relacionados à pregação missionária, catequese e organização eclesial: Didaqué ou Doutrina dos apóstolos (pequeno tratado pastoral- catequético), as sete cartas de Santo Inácio de Antioquia (que transmite a visão de uma Igreja em vias de organização e sustentada pela hierarquia) e a epístola de São Clemente de Roma (procura refletir sobre os valores judaicos e helênicos para os novos tempos). Tanto Inácio como Clemente fazem referências ao primado do bispo de Roma, sucessor de Pedro, no governo eclesial. Começou a haver divisões no corpo eclesial por questões doutrinais ou por não aceitarem a grande Igreja; são os heréticos e cismáticos. Um desses desvios da fé ortodoxa foi o gnosticismo, objeto de contestação por parte do Evangelho de João e que, de tempos em tempos, ressurge, 21 como nos dias de hoje na civilização ocidental... Tais movimentos misturavam doutrinas antigas e novas com revelações e exaltações pessoais. Surgiram também os livros apócrifos, não reconhecidos pela Tradição, mas hoje muito estudados e com informações preciosas sobre o primitivo cristianismo. Fato importante é a fixação da lista oficial dos livros bíblicos pelo Cânon (catálogo, norma), cujo critério fundamental é a tradição apostólica e a sucessão dos apóstolos. Os primeiros grandes escritores e teólogos (Santos Padres) são chamados apologistas, pois defendem a fé do ataque de pensadores e filósofos que combatiam o cristianismo como uma nova seita exotérica e iniciática como tantas que surgiam naquele tempo. Eles exercem o grande trabalho de inculturação da fé, mostrando que a Igreja não é estranha à história e à evolução da cultura (como Irineu e Justino). Os grandes escritores do Oriente (Clemente de Alexandria, Basílio, Gregório etc.) tentam a síntese entre cultura grega e cristianismo, elaborando uma pedagogia humana e cristã. Um dos maiores deles é Orígenes (185-253), apesar de alguns erros devidos, sobretudo, a seus intérpretes; dono de vasta cultura, estabeleceu as regras de conservação e interpretação da Bíblia e lança os fundamentos da reflexão cristã ao longo dos séculos (teologia). Tertuliano e Cipriano destacam-se no Ocidente; eles se ocuparam mais das virtudes, educação cristã e estruturas eclesiásticas. Mais do que o centralismo romano, que sobreviveu mais tarde, predominou nesse momento uma Igreja mais sinodal: as assembleias regionais de bispos (sínodos) e mais amplas (concílio ecumênico) enfrentaram os erros doutrinais e as tentativas de separação. O primeiro Concílio Ecumênico foi o de Niceia, em 325, sobre cristologia e a formulação da fé (credo); seguiram-se depois: Constantinopla (381), sobre a divindade do Espírito Santo; Éfeso (431), sobre Maria Mãe de Deus (Teotókos); Calcedônia (452), sobre as duas naturezas, divina e humana, de Cristo. O cristianismo teve tão grande expansão no meio de muitas dificuldades e perseguições, à semelhança de Jesus Cristo, o Mártir por excelência. Conforme Tertuliano, os mártires, que deram testemunho de fé com seu sangue em quase todos os lugares por onde passavam, foram sementes de novos cristãos. Mártir é aquele que morre pela fé, 22 mas também os que sofrem punições e castigos por professarem a fé. Como Jesus, os cristãos eram considerados por muitos como obstáculos para a sociedade cujos parâmetros muitas vezes entravam em choque com a doutrina evangélica. Eles viviam a fé não somente internamente, espiritualmente, mas também na vida, contestandoatitudes e princípios pagãos, e por isso eram chamados de subversivos e, consequentemente, perseguidos. Com a migração dos povos do norte para o sul, a Igreja foi-lhes ao encontro com a luz do Evangelho, e o fermento cristão acabou por penetrar toda a imensa população do império romano; com esses povos germanos agora nele integrados, estabeleceram-se os germes da civilização cristã ocidental. Na verdade, nossa cultura cristã ocidental é resultado da confluência e mistura (amálgama) destas quatro culturas: semita (povos bíblicos), grega, romana e germânica! Característica dessa época também foi o surgimento da chamada vida religiosa: os monges, para preservar a autenticidade de seu testemunho, separavam-se da sociedade numa vida austera, em meio à oração e aos trabalhos manuais para o próprio sustento, procurando viver a radicalidade evangélica. Floresceram várias formas desse monaquismo: os que viviam isolados (anacoretas, eremitas, estilitas) como os santos Antão e Paulo, ou em comunidades de oração e penitência (cenobitas). Dessas comunidades saíram os melhores pastores e bispos dessa época, dada a sólida formação espiritual e teológica que proporcionavam os mosteiros. Do Oriente citamos Pacômio, João Crisóstomo, Gregório Nazianzeno, Basílio. Do Ocidente brilha o chamado pai do monaquismo ocidental, São Bento de Núrsia; baseando-se na Regula Magistri, de origem anterior e inspirada em fontes mais antigas dos Santos Padres, São Bento compôs a sua preciosa regra. Tal Regra Beneditina foi um guia para as comunidades cristãs medievais e posteriores, inclusive de origem protestante e anglicana, subsistindo até hoje como inspiradora de organização e espiritualidade da vida religiosa. Mas essa plêiade de cristãos fervorosos e seguidores radicais do Evangelho continuou a progredir numa outra série de grandes personagens, chamados Santos Padres, já citados acima, e que nos 23 deixaram uma literatura até hoje considerada uma das mais autênticas intérpretes da fé cristã: a patrística. Assim, nos séculos IV e V, brilham, entre os latinos (ou ocidentais): Agostinho, Ambrósio, Jerônimo e Cesário de Arles; tratam de quase todos os assuntos que desafiaram a inteligência cristã nos séculos seguintes. Os escritores de língua grega (ou orientais) foram numerosos e profundos, dada a preciosa ferramenta que possuíam, ou seja, a filosofia grega, que, propriamente, até hoje domina nossa cultura ocidental. Esses Santos Padres eram místicos e, ao mesmo tempo, filósofos que refletiam não só sobre os problemas em nível pessoal, ou problemas dentro do cristianismo, mas também tinham a ousadia de apontar para os erros das estruturas injustas de seu tempo, como o enriquecimento ilícito dos poderosos. Entre eles, podemos nomear: Atanásio, Basílio Magno, Gregório Nazianzeno, Cirilo de Alexandria e Gregório de Nissa. Tiveram enorme influência nos primeiros Concílios ecumênicos e foram influenciados também pela vida civil e política de seu tempo: incendiavam as multidões, não só porque os hierarcas (bispos) eram muito populares, mas também porque os temas sobre os quais refletiam estavam centrados no cerne mesmo e no coração da Igreja: a Trindade santa, a divindade de Cristo, Maria Mãe de Deus, a autoridade da Igreja etc. 24 Querigma e catequese nos primórdios da Igreja A pregação apostólica e das primeiras gerações cristãs tinha muito presente o mandato missionário de Jesus Cristo (Mc 16,20; Mt 28,20). Seu núcleo central é o Reino de Deus pregado por Jesus, que se confunde com sua própria pessoa; a proximidade desse Reino, a conversão a ele para dar início aos últimos tempos: em Cristo Jesus Deus se manifestou plenamente, sobretudo em sua paixão, morte e ressurreição, e nada mais devemos esperar: chegaram os últimos tempos (era escatológica). Entretanto, a demora da segunda vinda de Jesus levou os cristãos a compreender que sua missão seria renovar a história e a humanidade através do discipulado de Jesus. O conceito de querigma, tanto no Novo Testamento como na tradição cristã que se segue, significa justamente esse núcleo central da pregação apostólica, aquilo que se torna a raiz geradora de toda a fé cristã. Logo no início, são diversas as formas de pregação sobre a pessoa de Jesus, seu mistério, o encontro com ele, sua aceitação. Mas logo também se faz necessário o confronto com as diversas culturas que recebem o anúncio evangélico. E foi nesse aspecto que surgiu a figura de Paulo, que reinterpreta tanto o ministério da pregação como seu conteúdo, concentrado na pessoa de Jesus. Paulo acentuou mais o homem novo nascido do Espírito e, consequentemente, a vida pascal do cristão do que o caráter profético e histórico da mensagem de Jesus, como outras correntes cristãs. O querigma anunciava a intervenção salvífica de Deus em seu Filho (cf. discursos querigmáticos de Pedro, em Atos). Embora houvesse uma pluralidade de abordagens no anúncio do querigma, de qualquer modo, a ele se seguia sempre a conversão (shûb, metanoia). O início dessa conversão já pode estar presente quando se recebe o querigma. De qualquer maneira, ela será aprofundada e lançará raízes no coração da pessoa ao longo do processo seguinte, isto é, a catequese, e será sintetizada na imagem pascal do batismo, como grande sinal de mudança de vida para uma nova criatura. O ensinamento, parte também da pregação apostólica, por sua vez, pode ser sintetizado no texto de Hb 6,1-2, em que o autor faz distinção 25 entre proclamação elementar ou alicerce da fé e o ensinamento: “deixemos agora as instruções elementares sobre Cristo e elevemo-nos ao ensinamento perfeito, sem novamente pôr os alicerces — o arrependimento das obras mortas, a fé em Deus, a doutrina acerca dos Batismos, a imposição das mãos, a ressurreição dos mortos, o julgamento eterno”. A Didaqué fala também de instruções litúrgicas, sobretudo o Batismo; com relação à moral, indica a doutrina dos dois caminhos ou uma catequese sobre a vida nova em Cristo. Vejamos mais detalhadamente esse momento da catequese. 26 A terminologia e significado de catequese no Novo Testamento Catequizar (catá-ekhéin) em seu sentido grego original significa “fazer ressoar aos ouvidos”, e no Novo Testamento indica: informar, instruir, ensinar de viva voz. Ou ainda: ressoar a Palavra de Deus. O querigma, ou seja, o núcleo central da mensagem cristã, é o que, em primeiro lugar, foi anunciado, ouvido, acolhido. Agora, após o anúncio querigmático, segue-se um segundo momento, a catequese. Ela, através do ensino e instrução, irá ressoar, aprofundar esse primeiro anúncio de Jesus Cristo. Consequentemente, podemos dizer que, no anúncio da Boa-Nova do Reino, em primeiro lugar vem o querigma e, em segundo lugar, muito unida a ele, segue-se a catequese. E qual é a mensagem ecoada? É aquela sintetizada em Rm 4,25: “Cristo morreu pelos nossos pecados e ressuscitou para nossa justificação” (cf. At 25,19; Gl 1,2-4; 2,16.19-21; 4,5 etc.). O centro da primeira pregação, do anúncio evangélico foi, pois, o mistério pascal, a filiação divina, a fé impulsionada pelo amor, o Batismo. Além da pregação inicial, a comunidade primitiva se preocupou logo cedo com a “educação da fé”: os quatro Evangelhos são textos catequéticos de aprofundamento do Reino, do discipulado e seguimento de Jesus. No Novo Testamento encontramos 20 verbos para indicar a comunicação da mensagem cristã. Os mais usados são: didaskéin (ensinar, doutrinar: 95 vezes); keryssein (proclamar um grande acontecimento: 61; daí vem a palavra querigma); euanguelízesthai (anunciar uma boa notícia: 54); katekein (instruir: 17); martýresthai (testemunhar, manifestar, confirmar: 5). E também os substantivos: didaskalía (doutrina, ensino, instrução: 21 vezes), martyría (testemunho, prova, confirmação: 37); euangélion (boa notícia, alegre mensagem; é o vocábulo mais usado: 76). Em 1Cor 14, 19 e Gl 6,6 encontramos o verbo katekein com o sentido de “instruir alguém sobre o conteúdo da fé”; Gl 6,6 também fala do katekúmenos para indicar o “discípulo da fé” ou “aspirante aoBatismo”, como também do katekúnti (aquele que ensina) para indicar o ministério do catequista (curioso: o contexto fala da ajuda que o catequizando deve dar a seu catequista pelo seu trabalho...!). Como se vê, há uma variedade de vocabulário, e 27 o que se consolidou no uso comum (catequese e catequista) são na verdade os menos usados no Novo Testamento, mas consagrados pela tradição. É preciso acentuar que sempre há uma insistência no caráter vivo e oral dessa transmissão da fé, de pessoa para pessoa, e não algo impessoal e frio. Tanto o querigma como a instrução em vista do Batismo levam em consideração as condições da pessoa que recebe a mensagem: para os judeus, era uma preparação rápida, mas longa para os provenientes de outras religiões. Ou seja: há uma preocupação com o destinatário: para o judeu, bastava mostrar em Jesus o cumprimento das Escrituras, ao passo que para os outros era necessário o anúncio do verdadeiro Deus. 28 O catecumenato O conteúdo dessa catequese primitiva é a mesma mensagem do Novo Testamento e dos escritos cristãos mais antigos. No século II, o número de conversões aumentava sempre e muitos batizados se deixavam levar pela heresia, ou se amedrontavam pela perseguição. Foi então que teve início o catecumenato institucionalizado, uma das instituições mais eficazes e frutuosas da história da Igreja: tempo extremamente sério de formação, para afirmar bem a fé, para testar a vida no meio do mundo pagão, e no seio de uma comunidade que comunicava sua fé e transmitia seu credo. Algumas características do catecumenato: o primeiro anúncio, a comunicação da fé, o primeiro testemunho e convite a aceitar a Palavra e a conversão eram tarefas da comunidade, ao passo que a catequese propriamente dita, como ensinamento e instrução, era competência do catequista: ele era o doctor, ou seja, aquele que sabe e tem capacidade de instruir, ensinar, educar. A partir de determinado momento, o bispo, que presidia a comunidade como sucessor dos apóstolos, instruía oficialmente: era “o catequista”. A comunidade também apoiava com o testemunho. Aquele que se apresentava para ser cristão era levado por um ou vários irmãos (instrutores, introdutores, acompanhantes) que garantiam perante a comunidade as boas intenções do candidato e que este tinha possibilidade de conversão. Estes que introduziam na comunidade, chamados mais tarde de padrinhos, eram responsáveis pelo primeiro anúncio. Guiavam e controlavam a mudança de vida dos candidatos e os acompanhavam até que o bispo os chamasse para tomar parte do número daqueles que se preparavam para o Batismo: então, tornavam- se catecúmenos. O catecumenato vem de encontro ao grande problema do início do cristianismo: como iniciar na comunidade de fé as pessoas que aceitam o querigma, que desejam se aprofundar no mistério de Cristo? A resposta veio com a estruturação do catecumenato: um caminho antigo e eficiente, desenvolvido pelas comunidades cristãs primitivas, aprofundado pelos Santos Padres, acolhido e institucionalizado pela 29 autoridade eclesiástica e núcleo do próprio desenvolvimento do ano litúrgico, gerado nesse processo. Tertuliano, em sua famosa Apologia, diz no final do II século: “não se nasce cristão... torna-se cristão” (fiunt non nascuntur Christiani). Será no catecumenato que o seio materno da Igreja irá gerar cristãos “alegres na esperança, fortes na tribulação e perseverantes na oração” (Rm 12,12). No III século, o catecumenato alcançou seu máximo vigor e rigor: estava estruturado em quatro tempos: pré-catecumenato (primeiro anúncio), catecumenato propriamente dito (instrução, catequese, conversão), iluminação-purificação (tempo quaresmal-pascal) e mistagogia (pós-sacramento). Durava de dois a três anos, no final dos quais havia outro escrutínio para escolher os candidatos ao Batismo, após o qual se seguia a catequese mistagógica (aprofundamento dos mistérios-sacramentos). Esse processo catecumenal-catequético compreendia o ensino, liturgia e exercício de transformação de vida (conversão, penitência). Era pela penetração progressiva da Palavra de Deus em sua vida que o catecúmeno caminhava para os sacramentos da noite pascal: Batismo, Confirmação e Eucaristia. O mergulho nas águas batismais era o sinal- sacramento de seu mergulho na Morte e Ressurreição de Cristo; do Batismo, o catecúmeno saía uma nova criatura; participava do Banquete Eucarístico e era ungido com o óleo do santo Crisma. Foram os ritos mistéricos da iniciação, inspirados também em antigas tradições religiosas, que depois foram purificados, adaptados e inovados pela Igreja (cf. DNC, n. 45-50). Os Santos Padres defenderam muito, principalmente diante dos ataques dos pagãos, a absoluta novidade e originalidade dos mistérios cristãos, totalmente diferente dos mistérios pagãos, pois introduziam no mistério do próprio Cristo morto e ressuscitado, tornando a pessoa um membro vivo da nova comunidade redimida e santificada! Como se vê, o catecumenato era a grande estrutura ou instrumento da Igreja primitiva, bastante completo e organizado. De fato, ele tinha presente o anúncio (querigma) e a instrução (catequese) era impregnada pela dimensão litúrgica, através das grandes e pequenas celebrações, a leitura bíblica, os diversos ritos, entre os quais os 30 escrutínios, os exorcismos, as entregas, as orações. Favorecia, sobretudo, a integração gradual e progressiva na comunidade de fé e a transformação dos costumes pagãos em fervorosa vida cristã. É típico também dessa instituição a organização conforme tempos e etapas, numa pedagógica gradualidade: apresentação do candidato e primeiros escrutínios de admissão ao catecumenato para verificar as motivações e disposições do aspirante ao Batismo; o longo período de formação, ensinamento e instrução, ou seja, a catequese propriamente dita, que dura de dois a três anos; outros escrutínios para avaliar a transformação pessoal e conduta moral; a inscrição e preparação imediata ao Batismo (período quaresmal, instituído justamente para esse tempo de iluminação e purificação); a celebração no sábado santo dos sacramentos de iniciação (Batismo, Crisma e Eucaristia: os três formavam uma unidade, eram “o sacramento” de iniciação) e, finalmente, as sete semanas que se seguiam à Páscoa para aprofundamento e vivência dos ritos sagrados sacramentais já recebidos, ou seja, o tempo da mistagogia. O grande valor dessa organização catecumenal era conter e conservar unidos os três componentes essenciais do tornar-se cristão: a conversão (penitência), a instrução (catequese) e os sacramentos (dimensão ritual-simbólica). É a força contida nesse processo complexo catecumenal que a Igreja hoje, passados tantos séculos, quer restaurar e repropor como caminho de discipulado de Jesus Cristo, sem deixá-lo sepultado nas brumas da história. O que se propõe hoje não é outra coisa senão recolocar a catequese (tal como a conhecemos e enriquecida de tanta renovação) dentro de seu clima original e seu ambiente vital, que é o catecumenato com todo o seu aparato litúrgico- orante-comunitário. A catequese, em que pese a evolução havida posteriormente, nasceu dentro do catecumenato, a serviço da iniciação à vida cristã, e é para aí que ela deve retornar, se realmente queremos cumprir as finalidades para as quais ela foi criada! 31 O declínio do catecumenato Em fevereiro de 313, com o Édito de Milão, o imperador Constantino Magno reconheceu, na prática, a força dos cristãos: enriquecidos de mártires, teólogos, ascetas e grandes pastores, constituíam apenas 10% da população mais ativa do mundo então conhecido. Há, então, uma reviravolta no cristianismo: de religião perseguida e fora da lei, torna- se religião autorizada pelo Estado, depois favorecida por ele, e finalmente, em 380, torna-se religião do Estado, com o Édito de Tessalônica, por parte de Teodósio Magno. Em 392, o mesmo Teodósio proíbe os cultos pagãos, dando mais força ainda ao cristianismo. Isso fez com que aumentasse o número de conversões, com o inconveniente de se tornaremmenos sinceras. Os catecúmenos afluíam numerosos, mas sem pressa de ser batizados: o catecumenato se prolonga indefinidamente. Sob pressão, o catecumenato vai se reduzindo, até limitar-se ao tempo da quaresma: isso porque a Igreja quer guardar um mínimo de preparação séria ao Batismo. Já na época dos grandes Santos Padres (séc. IV-VI), havia um esforço considerável para que se mantivesse essa mínima estrutura catecumenal. Santo Agostinho escreve De catechizandis rudibus, o mais precioso tratado de catequese que recebemos do passado.[1] Logo a sociedade tornou-se cristã, e numa sociedade em que as pessoas já nascem cristãs o catecumenato não se faz mais necessário. Generaliza-se o Batismo de crianças, o que não existe no Novo Testamento. Mas a Igreja, com a reviravolta havida, generalizou essa prática (séc. V), substituindo o catecumenato. Essa instituição foi desaparecendo pouco a pouco até o séc. VIII. O rito do Batismo de adultos é adaptado às crianças, sendo que pais e padrinhos respondem às perguntas que o catecúmeno devia responder... Desaparecendo o catecumenato desaparece a instituição catequética, sobretudo em sua dimensão litúrgico-orante; o que sobrevive da catequese como grande momento do catecumenato, e que na verdade chegou até as portas do Vaticano II, é sua dimensão doutrinal, intelectual, noética. O anúncio querigmático (quase inexistente) e a instrução cristã subsistiram principalmente na pregação. Na sociedade 32 medieval e também posteriormente, tudo, de certa maneira, já educa para a fé: é o catecumenato social que, em alguns lugares, sobretudo na América Latina, subsiste até hoje. Nestes primeiros séculos, a catequese, nascida dentro da grande estrutura catecumenal como o momento do ensino, da doutrina, da instrução, foi antes de tudo uma função vivida na comunidade, antes mesmo de ser codificada. Era um apelo, um chamado, uma vocação da comunidade eclesial. Depois, passou a significar a apresentação da fé da comunidade, num desenvolvimento oral e metódico, porém separado ou divorciado de todo aspecto litúrgico-ritual. Na época patrística, designava precisamente o ensino dado aos adultos que se preparavam para receber o Batismo, envolta, porém, na grande instituição do catecumenato batismal. É justamente o retorno a essa íntima união entre catequese, compreendida como ensino e doutrina, e a liturgia, com a riqueza de seus ritos e dimensão celebrativa, que hoje a Igreja propõe resgatar e revalorizar, naturalmente adaptando-se ao nosso mundo de hoje, sobretudo à mudança de época que vivemos! 33 2. A catequese na Idade Média: catecumenato social Com a queda do Império Romano no Ocidente, inicia-se a Idade Média (476). A Igreja vai de encontro aos povos migrantes do norte (impropriamente chamados de bárbaros) com o Evangelho e a obra evangelizadora. É um dos grandes momentos de inculturação da fé cristã no Ocidente: o cristianismo, nascido e desenvolvido em ambiente semita, logo se incultura no mundo greco-romano; agora vive e expressa o Evangelho também com a cultura germânica. Consolida-se a cristandade, agora enriquecida com mais essa contribuição. Uma vez evangelizados, numa das grandes ondas evangelizadoras da história, esses povos também não necessitam mais de querigma ou catequese. Já se nasce numa sociedade cristã: reinos, príncipes, populações e famílias são todos cristãos. É o esplendor da cristandade, entendida como predominância do pensamento cristão em todas as áreas da civilização. Infelizmente, num sentido negativo, esse termo está ligado também à insidiosa união entre poder civil e religioso que tanto deteriorou as relações Igreja-Estado. A Igreja passou a ocupar o centro de toda a realidade, quase não havendo mais separação entre o religioso e o profano, pois cidade e paróquia se confundem. O tempo torna-se litúrgico: isso transparece nos ritmos do tempo que marcavam o domingo e as festas cristãs. Todo momento importante da comunidade era celebrado social e liturgicamente, sem haver também muita separação entre a festa profana e as celebrações religiosas: vida cotidiana e vida litúrgica se misturavam. Há uma total interação entre fé e vida! Nesse longo período medieval não havia estruturas nem instituições de catequese, quer de crianças, quer de adultos. A fé era transmitida no seio da família e nas atividades do dia a dia. Pais e padrinhos assumiam no momento do Batismo o compromisso de educação da fé. Era uma catequese viva, feita de imitação e testemunho: sem esforço, aprendia-se com os adultos a pensar, a julgar, a rezar, a crer e obedecer às mesmas leis e autoridades. Transcorria-se a infância familiarizando-se com os mesmos ritos e cerimônias, com as mesmas preces e os mesmos lugares sagrados, com a mesma liturgia imutável 34 por séculos. A paróquia era como que uma família amplificada. Nesse contexto, a educação da fé era feita pelos gestos, pela liturgia, pela devoção e pela arte, e não através de atividades pedagógicas próprias. As poucas pessoas que tinham acesso às nascentes escolas, junto aos mosteiros e paróquias, iam para aprender a ler a cartilha dos salmos e ajudar a missa. Tornavam-se bons e piedosos cristãos não através de uma doutrina aprendida, mas na prática vivida. Também as universidades, nascidas no seio da Igreja (Sorbonne era o nome do padre teólogo fundador dessa célebre universidade francesa!), dedicavam-se ao conhecimento abstrato como uma espécie de “serviço divino”, ordenado à glória de Deus, o que era reservado a pessoas escolhidas com vocação para escrever, conforme o ordenamento divino, a totalidade dos conhecimentos (daí a palavra universidade). O saber não autorizado e, portanto, politicamente incorreto (heresias, conhecimentos de alquimia, bruxaria) era ameaçador e perigoso, justificando-se a expulsão da sociedade e até mesmo a morte, pois colocava em perigo a estrutura social... era uma espécie de atentado ao Estado: “lei da segurança pública”! Os dados da fé eram transmitidos tanto pelas cerimônias da Igreja como pela arte. Os ritos litúrgicos, as grandes catedrais com seus preciosos e artísticos vitrais eram impressões sensoriais que facilitavam o sentido do sagrado e ao mesmo tempo davam certa forma de educação moral. A devoção desempenhava um papel importante no processo catequético de educação da fé: oração, ascese, contemplação introduziam a experiência pessoal na vida religiosa. A arte era como que uma catequese permanente: paixões, mistérios, teatro popular, catedrais são de uma riqueza imensa. As cenas bíblicas se misturavam com as cenas da vida cotidiana, tanto nos capitéis como nas fachadas dos grandes santuários e catedrais. O presépio, de origem franciscana e popular, traduz bem até hoje essa ideia... sobretudo os de tradição napolitana. Os textos com alguma característica de catequese são poucos; podemos citar, ainda da época carolíngia (séc. IX), a Disputatio puerorum per interrogationes et responsiones [Discussão dos jovens através de perguntas e respostas], destinado à formação do clero 35 (puerorum aqui se refere a seminaristas), que abrangia temas como Bíblia, eclesiologia, Eucaristia, credo, oração. Outras obras são os lucidários ou declaratórios, verdadeiras sínteses teológicas para sacerdotes dentro do esquema do credo. A comunidade eclesial, portadora da fé, era territorial e restrita; a hierarquia, quase hereditária; o modo de vida mudava pouco ou muito lentamente: era uma sociedade estática! Tal estrutura estável gerava segurança e facilitava as relações humanas; cada um sabia seu lugar e era respeitado; situações e relacionamentos eram previstos e regulamentados. As ameaças eventuais eram provenientes do desconhecido ou incontrolável: fenômenos da natureza eram integrados ritualmente nos esquemas da vida social (procissões, intercessões, rituais etc.). Nesse contexto de sociedade estática e homogênea, a ausência de estruturas e instituições catequéticas é coerente com o todo. A iniciação humano-cristã, feita no ambiente e na vida concreta da comunidade (catecumenato social),fornece os esquemas de ação e de pensamento, como também permite a cada um cumprir sua tarefa na estrutura social. Porém, não podemos ignorar elementos formais na educação cristã. Assim, no Oriente a formação cristã teve a contribuição significativa do monaquismo, ao passo que no Ocidente contou sobremaneira com a pregação de grandes bispos; eles não só orientavam seus padres, mas até preparavam integralmente homilias a serem repetidas por eles, como São Cesário de Arles, Santo Isidoro de Sevilha e São Martinho de Braga ou de Dume, apóstolo dos suevos. Entretanto, quem mais influenciou essa prática pastoral da pregação foi a Regra Pastoral do papa Gregório Magno (final do séc. VI). O ambiente sumamente religioso medieval levou os historiadores a chamar esse período de “catecumenato social”. A pessoa, imergida nessa sociedade sacral, naturalmente era educada na fé cristã: mais do que uma iniciação (como no catecumenato), podemos falar de uma socialização cristã. Fundamental era o testemunho vivo da família, pois os pais tinham a clara e arraigada responsabilidade de ser os catequistas de seus filhos; como dever irrenunciável, tinham que 36 ensinar as orações do Pai-Nosso e Ave-Maria, a profissão de fé formulada no Credo e introduzi-los nas práticas de piedade (devoção) e à vida honesta: o santo temor de Deus, a veneração dos santos, o respeito aos sacerdotes e autoridades. Tais deveres eram lembrados pela Igreja através das pregações e também por ocasião das confissões (obrigatórias ao menos uma vez ao ano, após 1215). Se pudermos falar em método nesse catecumenato social, predominava a exposição dos dados da fé, sempre baseada na autoridade, quer das Sagradas Escrituras, como dos grandes mestres, sobretudo os Santos Padres, e as contínuas referências à vida prática e exemplos do dia a dia. Pensadores a respeito da prática pastoral e transmissão da fé, além do acima citado Gregório Magno, podemos citar também São Bonifácio, o teólogo beneditino Alcuíno, que teve atuação fortíssima na reforma carolíngia, seu discípulo Rabano Mauro, e outros. A nascente escolástica¸ que tanto influenciou toda a cristandade a partir de então, também traz grande contribuição para a pregação e a catequese, sobretudo, na reflexão sobre os conteúdos da transmissão da fé, embora estejamos mais em âmbito teológico do que propriamente catequético. Mas não podemos esquecer as grandes figuras dos bispos Pedro Lombardo e Anselmo de Canterbury, o leigo Pedro Abelardo, os religiosos Hugo de São Vitor, Tomás de Aquino, Duns Scoto, Bernardo de Claraval, e uma plêiade de grandes autores medievais que fizeram o esplendor do século XIII. 37 3. A catequese na Idade Moderna Idade Moderna Europeia Com a Idade Moderna, sobretudo com o movimento da Reforma, nasceu a era dos catecismos, um gênero literário que irá se firmar como o grande instrumento da catequese pelos séculos seguintes. Já em 1402 o bispo Jean Gerson publicou sua Tríplice obra sobre o decálogo, a confissão e a arte de bem morrer e depois sua obra mais importante: De pueris ad Christum trahendis [Como conduzir os jovens a Cristo], como manuais de instrução religiosa, para uso dos leigos que sabiam ler e para o uso dos pastores na instrução dos iletrados. O Sínodo Provincial de Tortosa (Espanha), em 1429, prescreveu que se elaborasse “um breve compêndio, no qual estejam contidas, de modo claro e sucinto, todas as coisas que o povo deve saber: o que crer (artigos da fé), o que pedir (Pai-Nosso), observar (decálogo), evitar (pecados capitais), esperar (paraíso) e temer (inferno)”, e que “durante o ano o pároco o explique repetidas vezes”. É o primeiro aceno na história daquilo que será chamado de catecismo. No fim do séc. XIV, Pedro de Veragüe havia escrito um Tratado da doutrina com 154 estrofes (só 18 se referem ao credo e sacramentos), mas foi publicado só no séc. XVI. Johannes Gutenberg (1400-1468) inventou a imprensa com tipos móveis, concluindo em 1455 a primorosa Bíblia latina. Foi uma verdadeira revolução, proporcionando a divulgação mais rápida e fácil dos conhecimentos. Do ponto de vista religioso, além da Bíblia, multiplicaram-se as “artes de bem viver e de bem morrer”; publicaram- se espelhos (reflexões de orientação moral): espelho dos pecadores, da salvação, da perfeição; almanaques, revelações, chaves do paraíso etc., tudo muito eivado de superstições antigas com roupagens novas. Mas é, sobretudo, o gênero catecismo que se beneficia grandemente com a invenção da imprensa. O próprio Erasmo de Roterdam (1466-1536), humanista cristão, que como tantos outros suspirava por uma profunda reforma na Igreja, escreveu catecismos, infelizmente não muito valorizados na história da catequese. Os catecismos de Erasmo possuíam inspiração bíblica (sobretudo a partir do pensamento de 38 Paulo e João); os temas eram organizados ao redor do pensamento paulino da “fé agindo pelo amor” (Gl 5,6): fé e caridade, mensagem e moralidade, anúncio e imitação. Outros autores que, no século XVI, propunham uma catequese a partir do humanismo cristão foram G. Witzel, J. Pflug, Pedro Canísio e Card. Estanislau Horius, mas não foram aceitos pela hierarquia católica, que levantou suspeitas sobre esse humanismo e chegou a colocar os próprios livros de Erasmo no elenco de livros proibidos (Index). Por outro lado, a Reforma Protestante fazia seu caminho. Lutero traduziu a Bíblia em vernáculo (para seu dialeto alemão), em 1517. Logo a seguir, em 1529 publicou seu “grande catecismo”, em latim, para uso dos pastores, e depois o “pequeno catecismo” para o povo. Esse último é fruto de suas pregações populares e, conforme alguns, “é, de certo modo, a mais linear confissão de fé evangélica, cristocêntrica e universal de Lutero” (BRAIDO, 1996, p. 46). Até 1560 já atingira cem mil cópias, um verdadeiro best-seller devido também à recente invenção da imprensa! O Concílio de Trento (1545-1563), convocado para realizar a verdadeira Reforma da Igreja e fazer frente aos reformadores, entre outras coisas ordenou a publicação de um catecismo “em latim e em vulgar, baseado na Bíblia e nos padres ortodoxos para que os fiéis, instruídos por seus mestres, recordassem a profissão de fé no Batismo e se preparassem para o estudo da Bíblia” (Introd.). Note-se, conforme a mentalidade da época, a precedência do catecismo sobre a Bíblia! O zeloso bispo de Milão, São Carlos Borromeu, foi seu coordenador de redação. Tendo sido publicado em 1566 com o título de Catechismus ad parochos [Catecismo para os párocos], é conhecido também como Catecismo de Trento ou Romano. Produzido dentro do modelo de Igreja surgido com a reforma provocada pelo Concílio Tridentino, é um breve tratado de teologia dirigido ao clero. Lê-se na introdução: “Sendo muitas e várias as coisas que Deus nos revelou [...], com muita sabedoria nossos antepassados distribuíram em quatro partes a vasta matéria da salvação: o símbolo dos apóstolos, os sacramentos, o decálogo e a oração dominical”. Bento 39 XIV, em 1742, assim resumiu o mandato do Concílio de Trento sobre o ensino do catecismo: “São duas as obrigações que o Concílio Tridentino impôs aos que têm o dever pastoral: o primeiro é que nos dias festivos ensinem nos sermões as coisas divinas; e o segundo, que instruam, com os rudimentos da fé, as crianças e todo aquele que ignore a Lei Divina” (Etsi minime 5). Sem superar o preconceito da insuperabilidade do latim como língua litúrgica, que perdurou até as vésperas do Vaticano II, perpetuou-se durante séculos a falta de integração da catequese com a liturgia, parte essencial do processo global de evangelização, permanecendo fechada em seus limites doutrinais. A partir da Reforma e Contrarreforma, nasceu a “era dos catecismos”, perdurando até as portas do Vaticano II, em geral com tom quase exclusivamente antiprotestante e polêmico. Trento é considerado, com razão, um Concílio doutrinal; mas foi também pastoral, na medida em que estabeleceu normas e procedimentos que muito favoreceram a organização da Igreja, principalmente na curaanimarum (zelo pastoral). Em termos catequéticos, podemos concluir que, com isso, a Igreja voltava a ter uma estrutura educativa estável e definitiva: uma atividade (doutrina cristã a ser desenvolvida no âmbito da paróquia) e um instrumento-texto (o catecismo). É uma solução organizacional comparável, apenas, mantidas as proporções, ao grande momento do catecumenato do passado (cf. MEDDI, 2004, 36). Muitas ordens religiosas, nascidas nesse clima de reforma, tiveram influência na catequese neste período: capuchinhos, barnabitas, esculápios, mas, sobretudo, os jesuítas. Muitos desses últimos publicaram catecismos de grande influência na Igreja: Pedro Canísio (1521-1597) e Roberto Belarmino (1542-1621) estão entre os maiores e brilham pela doutrina. Já os espanhóis Jerônimo Ripalda (1532-1618) e Gaspar Astete (1537-1601) se destacam pelas fórmulas precisas, breves, sintéticas e sem nenhuma explicação. Apesar da aridez e exagerada importância à moral, esses dois últimos tiveram grande divulgação nos países de língua castelhana. 40 A catequese no continente americano durante a colonização O Diretório Nacional de Catequese brasileiro (2006) afirma: “Antes mesmo de ter recebido dos missionários cristãos, a partir de 1492, a luz do Evangelho, o Espírito do Senhor já estava presente nas populações que habitavam o continente posteriormente denominado América Latina. Elas reconheciam, a seu modo, a presença de Deus criador na natureza e na vida e o cultuavam (cf. Puebla 201, 401, 403). Essas ‘sementes da Palavra’ (semina Verbi) facilitaram a missão evangelizadora dos cristãos que aqui chegaram (cf. Santo Domingo 17)” (DNC, n. 65). Como em toda missão, os primeiros missionários do novo continente encontraram terríveis dificuldades. Bem cedo surgem fortes tensões graças à defesa dos índios diante das pressões escravagistas da instituição colonizadora da encomienda (uma concessão de recolhimento de tributos). Essas tensões vão crescendo à medida que se forma uma sociedade sempre mais rigidamente estratificada e discriminante com espanhóis e portugueses, índios, crioulos, mestiços, negros escravos, mulatos. Seríssimos problemas de ordem antropológica, social e teológica se criaram, sobretudo na evangelização espanhola, com a implantação de um tipo de conquista e de evangelização fundadas essencialmente na destruição da cultura autóctone e seus “ídolos” e a substituição de uma crescente espanholização. Mas o influxo no desenvolvimento histórico posterior com repercussões sobre a formação da cultura, a religiosidade, a pastoral e a catequese, são muito evidentes (BRAIDO, 1991, p. 104). Outro tipo de dificuldades enfrentadas pela obra evangelizadora foi a extensão imensa dos territórios, a inexistência de comunicações, a multiplicidade de línguas, as resistências dos povos que ali habitavam, o contratestemunho dos brancos que, não poucas vezes, praticavam um cristianismo bem diverso do pregado pelos missionários (cf. BRAIDO, 1991, p. 105). 41 a) A catequese no Brasil colonial Com relação ao Brasil,[2] uma vez introduzido na história ocidental e aberto para o mundo desenvolvido daquela época pela presença e ação dos portugueses, a história do Brasil se entrelaça com a história da evangelização e da catequese. Em 1532 fundaram-se as primeiras paróquias, e de 1538 a 1541 a primeira missão formal instalou-se em Santa Catarina por obra dos franciscanos. A grande epopeia dos missionários, principalmente dos jesuítas, cuja existência também se confunde com a história do Brasil, acompanhou de perto o crescimento e desenvolvimento brasileiro como um dos protagonistas principais. Com Tomé de Souza, o primeiro governador geral enviado de Portugal, vinha também um grupo de missionários jesuítas em 1549, nascidos pouco antes dentro do espírito da Contrarreforma, e com um enorme impulso missionário. Foram eles encarregados da transmissão da fé aos indígenas isolados dos centros urbanos. Até então, os missionários davam pouca importância à tarefa sistemática de uma catequese propriamente dita entre os indígenas. Com os jesuítas, começou a implantação de uma catequese institucionalizada para os colonizadores portugueses, seguindo o modelo tridentino, e para os indígenas realizou-se a catequese missionária, bastante criativa e com esforços para atingir aquilo que hoje chamamos de inculturação (cf. LUSTOSA, 1992, p. 19-20). De fato, após as primeiras tentativas de catequizar os indígenas através de intérpretes (também para atender confissões dos indígenas!), os missionários aprenderam a língua local,[3] escreveram catecismos nessas línguas e usaram música, teatro, poesia, os autos e a dança ritual para a obra evangelizadora. Tanto nos colégios como na catequese indígena predominava a metodologia da tradição oral: uma memorização da doutrina mais mecânica e menos assimilada. Aliás, para os missionários “a questão da conversão dos índios não era doutrinária, mas uma questão de costumes”, no dizer de padre Anchieta (LEITE, 1955, p. 12). Dentre os missionários distinguiram-se o padre Manoel da Nóbrega, provincial, e São José de Anchieta, que veio como noviço e aqui se 42 formou, desenvolvendo uma atividade que o coloca entre os gigantes da primeira evangelização latino-americana. Fundou colégios (como o de São Paulo, que originou a atual metrópole), escreveu textos catequéticos, teatros, gramáticas e poemas em quatro línguas: latim, português, castelhano e tupi-guarani, sendo ao mesmo tempo evangelizador, catequista, médico, artífice, pacificador, taumaturgo, mestre-escola, arquiteto: um missionário completo. Novas levas de missionários jesuítas chegaram ao Brasil nos anos seguintes, tendo no padre Antônio Vieira uma figura ímpar. Realizaram “uma obra sem exemplo na história”, na expressão de um historiador (cf. ABREU, 1945, p. 105). Também outras ordens religiosas (franciscanos, capuchinhos, beneditinos, carmelitas, mercedários) se associaram à obra empreendida pelos jesuítas na extraordinária tarefa espiritual da formação cristã do Brasil. Todos os missionários enfrentavam inúmeras dificuldades por causa da ambição colonizadora da política mercantilista, a ponto de o papa Urbano VIII escrever a bula Comissum nobis, em 1638, em defesa dos índios. Apesar dessas dificuldades, vemos que os missionários se preocupavam não somente com novos métodos e técnicas, mas também com a superação da simples catequese doutrinal ou instrução (embora os textos vão muito nessa linha). Estavam muito atentos àquilo que hoje chamamos de promoção humana e social do indígena dentro de um contexto hostil e avesso a um tipo de atividade desse gênero. Com menos intensidade, mas igual zelo apostólico, os jesuítas fizeram esforços para a evangelização dos negros, que, numa atitude anti-humana, sofriam a escravidão. Entretanto, não tiveram voz suficiente para se opor a tão execrável instituição escravagista. Esse gigantesco trabalho evangelizador não pode ser atribuído só aos missionários, despojados, abertos à cultura indígena e com uma alta consciência evangélica. Também os leigos, especialmente as mulheres, tiveram papel importante, infelizmente esquecido pela história: estiveram sempre ao lado dos missionários, ora assumindo mesmo o comando dos aldeamentos, ora fazendo parte integrante do processo catequizador. (Cf. LUSTOSA, ibidem). As ideias que transformavam a Europa no século XVIII tinham sua 43 repercussão no Brasil: o Iluminismo, os ideais da Revolução Francesa, o mercantilismo, o despotismo esclarecido. Esse último movimento teve enorme influência no Brasil, através de Sebastião José de Carvalho e Melo, marquês de Pombal. Nomeado primeiro ministro de D. José I, de Portugal, suas medidas políticas afetaram profundamente a ação da Igreja, particularmente por causa da expulsão dos jesuítas (1759), com o consequente enfraquecimento da rede de escolas que eles mantinham ao longo do território nacional, e pela imposição do catecismo jansenista. Pombal não estava interessado nas questões teo- lógicas desse catecismo, mas no aspectopolítico com relação ao poder central da Igreja de que ele era revestido. Muitos bispos brasileiros protestaram, mas inutilmente; outros, ao invés, oficializaram o texto em suas dioceses. Ele foi divulgado por toda parte, influenciando tremendamente a catequese no Brasil até o início do período imperial. Mais do que o jansenismo dogmático, teve grande influência na formação religiosa brasileira o jansenismo moral, com seu rigorismo ascético fanaticamente exacerbado, a busca da pureza legal sem limites, a luta indiscriminada contra o espírito de tolerância e o laxismo, visão negativa da sexualidade e a divulgação de um cristianismo triste (cf. LUSTOSA, 1991, p. 67). A catequese oficial, que entrou em crise, encontrou formas supletivas na catequese popular. Esta se caracterizava pela simplicidade, pelo conhecimento do essencial da fé, pela prática de um catolicismo despojado de fórmulas e de gosto popular, pela austeridade nas normas fundamentais, e pelo grande número de devoções com forte confiança na mediação dos santos. Era uma catequese que se caracterizava pela transmissão de pai para filho dentro dos valores da herança familiar. O sincretismo religioso, mistura de elementos da religião indígena, africana e do catolicismo romano, foi se firmando e caracterizando muitas regiões brasileiras. A religiosidade popular encontrou um campo propício no qual se firmar e expandir; cresceu a catequese de cunho popular: a fé é mantida e sustentada por gente simples do povo, rezadores, puxadores de novena, pregadores populares. Sobressaem, entre eles, os ermitões e as rezadeiras. Ao seu redor, reuniam-se massas de fiéis para práticas 44 de catolicismo popular, que até o dia de hoje se refletem em nosso folclore religioso e em nosso modo concreto de sentir e viver a Igreja nas bases e no chão do povo. 45 b) Catequese na América Espanhola Nos primórdios da epopeia evangelizadora do novo mundo encontra-se o Frei Ramón Pané, leigo jerônimo, catalão; aprendeu várias línguas indígenas e realizou, desde 1494, um catecumenato de dois anos com uma família na ilha Quiskeya (hoje Haiti), chamada La Espanõla por Colombo. Quatro desses neófitos foram trucidados pela perseguição e são considerados os protomártires latino-americanos. O frei Ramón Pané é reconhecido como o primeiro catequista do continente (cf. BRAIDO, 1991, p. 106). Embora os reis católicos Fernando e Isabel tenham dado instruções a Colombo em 1493 e 1497, somente a partir de 1502 o poder central espanhol tomou sérias providências sobre a evangelização. A partir daí, grupos sempre mais numerosos de missionários acompanhavam os colonizadores militares e civis. Em 1500 chega a Santo Domingo a primeira missão franciscana, seguida por outra em 1502 com 17 missionários. Os dominicanos aportam entre 1509 e 1511 (4 sacerdotes e 4 leigos), seguidos de outros 13, chefiados pelo Frei Pedro de Córdoba. Em 1524, ao México chegam os célebres “12 apóstolos da Nova Espanha”, franciscanos. Seguidamente é a vez dos jerônimos, dominicanos, agostinianos, mercedários, carmelitas. Na segunda metade do século XVI entram em cena, como no Brasil, os jesuítas. No território ao norte do México, chamado Nova Espanha, a evangelização foi mais rápida e grandiosa, ao passo que no sul encontrou mais dificuldades também pelos vastos territórios e pela epopeia militar de “pacificação” levada a cabo por Hernán Cortés na conquista do império asteca. O mercedário padre Olmedo realizou uma primeira evangelização através da pregação, catecismos, destruição dos ídolos, adoração da cruz, Batismos, missas. O franciscano leigo Pedro de Gante em 1523, com os “12 apóstolos” depois, dotados de amplíssimas faculdades pelo papa Alexandre VI (Exponi nobis), realizaram uma catequese mais sistemática (cf. BRAIDO, 1991, p. 106). Além dos célebres catecismos pictóricos mediante símbolos, desenhos e pinturas extraídos da mesma cultura indígena, e de tentar um catecumenato urbano, chegaram a ter durante cinco anos diálogos evangelizadores com os sábios astecas, resumidos e dramatizados nos 46 Coloquios y doctrina Cristiana de Frei Bernardino de Saahgún (CELAM, 2003, p. 92-93). Juan de Zumárraga (1469-1548), também franciscano, bispo desde 1427, foi nomeado arcebispo do México em 1546; com ele, muito cresceu a obra de conversão e defesa dos índios. Deu importância à pregação e à catequese pictórica, muito incrementada depois que ele introduziu a imprensa pela primeira vez no continente americano. Escreve uma Doctrina breve, na qual se constata claramente a in- fluência de Erasmo de Roterdam. Outra obra de importância foi a Doctrina cristiana para instrucción e información de los indios por manera de hystoria de Pedro de Córdoba (1544), dominicano que havia trabalhado nas Antilhas (BRAIDO, 1991, p. 107). O primeiro Concílio Provincial do México (1555) estabeleceu as primeiras normas oficiais sobre a catequese e o catecismo, espelhando- se muito no mundo europeu: uso de uma doutrina uniforme, catecismo menor e maior, sermões catequéticos para adultos, orações em latim e castelhano, tradução nas línguas mais conhecidas entre os nativos. Prescreve que catequese e pregação sejam feitas nas línguas locais, e que todos mandem seus filhos, servos e escravos, sobretudo negros abaixo dos doze anos, para receberem a instrução religiosa (BRAIDO, 1991, p. 110). Com relação à América do Sul, basta citar o trabalho evangelizador de São Turíbio de Mongrovejo (1538-1606), arcebispo de Lima, conterrâneo de Santa Rosa de Lima e São Martinho de Porres (da família dominicana), frutos de santidade da primeira evangelização latino-americana. São Turíbio escreveu um catecismo bastante inculturado, em quíchua e aimará, os dois idiomas mais conhecidos entre a população indígena andina. Infelizmente, esse hercúleo esforço de inculturação foi fadado ao fracasso diante do rolo compressor dos catecismos de Ripalda e Astete, jesuítas espanhóis, que pela simplicidade e síntese da fé, embora apenas sob o aspecto doutrinal, se impuseram nos séculos seguintes. 47 4. Catequese na Idade Contemporânea Transformações na Europa nos séculos XVIII e XIX Enquanto na França os ventos da Revolução Francesa sacudiam o pensamento, as instituições e a cultura, com grande perseguição cruenta à Igreja, sempre na defensiva diante dos ataques revolucionários, na Áustria a reforma pedagógica de Maria Tereza trazia renovação ao ensino, e o Estado assumia seus deveres com relação à instrução dos cidadãos. Surgiram os primeiros ensaios da “ciência catequética”. J. Felbiger e J. Hecker, sob influência do Iluminismo nascente, propuseram “uma nova figura de catequese [estatal] chamada a coexistir ao lado da catequese eclesial, atendendo também às finalidades sociais do Estado” (MED DI, 2004, p. 45). Por obra do beneditino Rautenstrauch, foi introduzido em 1774 o ensino da catequética nos cursos de teologia do Império Austro- Húngaro. Trata-se de uma reflexão científica sobre a catequese, inserida não sem certa perplexidade dentro da teologia pastoral, e insistindo sobre o aspecto da instrução e formação moral, com objetivos cívicos (BRAIDO, 1991, p. 323-329). Tal reforma impôs o ensino primário obrigatório, e nele estava garantida também a formação religiosa; isso fez com que a Igreja, então, se preocupasse apenas com a catequese para crianças que não frequentavam as escolas. Assim, o catecismo se escolarizou, trazendo aspectos positivos e negativos: sob o regime escolar, com toda sua riqueza pedagógica e didática, a catequese perdeu seu húmus próprio, que é a comunidade de fé. Portanto, a paróquia, embora tenha ganhado do ponto de vista metodológico, perdeu do ponto de vista teológico, comunitário. Esse revés chegou até os dias de hoje... Os protestantes fundaram as escolas dominicais, de origem inglesa e estendida a todo mundo protestante; elas não só cuidavam da instrução de crianças, mas também de adultos. Passado o furacão da Revolução Francesa, a catequese católica se beneficiou da grande renovação espiritual e pastoral na França
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