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A catequese do Vaticano II aos nossos dias - Luiz Alves de Lima

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2
SUMÁRIO
Capa
Rosto
Siglas
Apresentação da coleção Marco Conciliar
Introdução
Capítulo I - O movimento catequético pré-conciliar
1. A Igreja e a catequese na Antiguidade
A Igreja nos primeiros séculos
Querigma e catequese nos primórdios da Igreja
A terminologia e significado de catequese no Novo Testamento
O catecumenato
O declínio do catecumenato
2. A catequese na Idade Média: catecumenato social
3. A catequese na Idade Moderna
Idade Moderna Europeia
A catequese no continente americano durante a colonização
4. Catequese na Idade Contemporânea
Transformações na Europa nos séculos XVIII e XIX
Catequese no Brasil no século XIX: reforma católica
5. Nascimento e desenvolvimento do movimento catequético
O conceito de movimento catequético
O movimento catequético europeu e a renovação catequética
brasileira
O movimento catequético brasileiro do padre Álvaro Negromonte ao
Vaticano II
A fundação da CNBB, organização e novo impulso da catequese pré-
conciliar
Capítulo II - A catequese sob o impacto do Vaticano II
1. Visão geral da catequese no Vaticano II
2. Principais descrições conciliares sobre a catequese
O múnus episcopal de ensinar: Christus Dominus 14
3
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Catequese. Conhecimento da fé, liturgia e vida: Gravissimum
Educationis 4
3. Os dois mandatos do Concílio sobre a catequese: Diretório
Catequético e restauração do catecumenato
Elaboração de um diretório especial para a catequese
Restauração do Catecumenato
4. Renovação conciliar, em seu conjunto, e seu reflexo na catequese
Princípios das Constituições Conciliares que renovaram a catequese
Princípios dos decretos e declarações conciliares que possibilitaram a
renovação da catequese
Algumas perspectivas conciliares que influenciaram particularmente
a catequese
Capítulo III - Influência do vaticano II na catequese do Brasil e da
América Latina
1. O Plano de Pastoral de Conjunto da CNBB
Uma nova concepção de pastoral planificada
A catequese no Plano de Pastoral de Conjunto
Fundação do ISPAC e renovação da catequese no imediato pós-
Concílio no Brasil
2. Os revolucionários acontecimentos de 1968
Encontro Nacional do Rio de Janeiro (julho de 1968)
Semana Internacional de Medellín e II Conferência do CELAM
(também em Medellín) em 1968
Catequese Renovada — Orientações e Conteúdo (1983)
Capítulo IV - Cumprimento do mandato do Concílio: iniciativas da Sé
Apostólica nos anos 1970-1990
1. Ritual da Iniciação Cristã de Adultos – 1972
2. Sínodo de 1977 sobre a catequese
3. A exortação apostólica Catechesi Tradendae – 1979
4. O Catecismo da Igreja Católica (1992; 1997)
Um grande dom da Igreja: o catecismo
Gênese e publicação do Catecismo da Igreja Católica
Dificuldades e crescimento na receptio (recepção) do Catecismo no
4
Brasil
A presença do Catecismo na vida da Igreja no Brasil
A Revista de Catequese e o Catecismo da Igreja Católica
O estudo do Catecismo na formação presbiteral e nas paróquias
A presença do Catecismo nas Iniciativas Pastorais de Evangelização
5. O Diretório Geral para a Catequese de 1997
6. O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica (2005)
7. A catequese ocupa um novo lugar nas estruturas vaticanas
Capítulo V - Persistência do influxo do Vaticano II sobre A catequese
no século XXI
1. O tema da nova evangelização e do “encontro com Jesus Cristo” no
alvorecer do novo milênio
No final do século XX: catequese transformadora sob impulso da
Gaudium et Spes
Mudança de perspectivas: nova evangelização, encontro com Jesus
2. A caminho de um Diretório Nacional de Catequese
Primeiros passos
Trabalhos de redação do primeiro esquema
Segundo esquema: um resumo de CR e deslocamento do “iluminar”
antes do “ver”
Dois instrumentos de trabalho
Aprovação do Diretório Nacional na Assembleia da CNBB em 2005
As “observações” da Sé Apostólica. Reconhecimento e publicação
3. Características marcantes do novo Diretório
Paralelo entre o DGC da Sé Apostólica e o DNC da CNBB
O DNC inspira-se na renovação conciliar
Catequese evangelizadora e cristocêntrica
Sagrada Escritura como “livro” de catequese por excelência
Catequese a serviço da Iniciação Cristã ou catequese de inspiração
catecumenal
Com adultos, catequese adulta numa Igreja adulta
Importância da pessoa do catequista e sua formação: o ministério da
catequese
5
Uma catequese encarnada na história e libertadora
Conclusão: por uma catequese evangelizadora de feição catecumenal
4. Aparecida e a Catequese Evangelizadora
5. Medellín, DNC e Aparecida: duas teologias diferentes sobre a
catequese?
6. “A alegria de iniciar discípulos missionários numa mudança de
época”
Contemplar
Discernir
Propor
Capítulo VI - Problemas e perspectivas
1. Organização da catequese no Brasil
2. Alguns desafios e perspectivas da atual prática catequética
Natureza da catequese, destinatários ou interlocutores
O maior desafio: mudança de paradigma de catequese, rumo a uma
perspectiva mais catecumenal
A formação de catequistas
A formação do clero e religiosos
Uso da Sagrada Escritura
O papel e a importância do ensino doutrinal
A catequese e a linguagem midiática hoje
Conclusão - Catequese a serviço da iniciação à vida cristã
Evocação histórica
Os processos do catecumenato
A novidade (tão antiga!) da Mistagogia
O Itinerário catequético, de inspiração catecumenal
O catecumenato responde às exigências da mudança de época
Bibliografia
Coleção
Ficha Catalográfica
Notas
6
SIGLAS
Documentos do Concílio Vaticano II
AA — Apostolicam Actuositatem. Decreto sobre o Apostolado dos Leigos.
AG — Ad Gentes. Decreto sobre a atividade missionária da Igreja.
CD — Christus Dominus. Decreto sobre o múnus pastoral dos bispos.
DH — Dignitatis Humanae. Declaração sobre a liberdade humana.
DV — Dei Verbum. Constituição dogmática sobre a Divina Revelação.
GE — Gravissimum Educationis. Declaração sobre a educação cristã.
GS — Gaudium et Spes. Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo atual.
IM — Inter Mirifica. Decreto sobre os meios de comunicação social.
LG — Lumen Gentium. Constituição dogmática sobre a Igreja.
NA — Nostra Aetate. Declaração sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs.
OE — Orientalium Ecclesiarum. Decreto sobre as Igrejas orientais católicas.
OT — Optatam Totius. Decreto sobre a formação sacerdotal.
PC — Perfectae Caritatis. Decreto sobre a conveniente renovação da vida religiosa.
PO — Presbyterorum Ordinis. Decreto sobre o ministério e vida dos presbíteros.
SC — Sacrosanctum Concilium. Constituição sobre a sagrada liturgia.
UR — Unitatis Redintegratio. Decreto sobre o ecumenismo.
OUTRAS
Catecismo — Catecismo da Igreja Católica (João Paulo II, 1992; 1997).
CR — Catequese Renovada (Documento da CNBB 28, 1978).
DAp — Documento de Aparecida (CELAM, 2007).
DCG — Diretório Catequético Geral (Congregação para o Clero, 1971).
DGC — Diretório Geral para a Catequese (Congregação para o Clero, 1997).
DNC — Diretório Nacional de Catequese (Documento da CNBB 84, 2006).
EG — Evangelii Gaudium (papa Francisco, 2013)
ISPAC — Instituto Superior de Pastoral Catequética (Rio de Janeiro, 1963-1969)
IVC — Iniciação à Vida Cristã (Estudos da CNBB 97, 2009).
MPD — Mensagem ao Povo de Deus (Sínodo dos Bispos de 1977).
PPC — Plano de Pastoral de Conjunto (CNBB, 1966-1970)
SNER — Secretariado Nacional do Ensino de Religião (CNBB, 1953).
7
O
APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO MARCO
CONCILIAR
Concílio Vaticano II, concluído há cinquenta anos, refez a Igreja
católica em muitos aspectos e, em certa medida, o próprio
cristianismo. A intenção de João XXIII de promover um novo
pentecostes na Igreja foi não somente anunciada em várias ocasiões,
desde sua primeira inspiração, mas também uma tarefa de construção
assumida por ele; tarefa conduzida pela força de sua autoridade e pelo
vigor de seu carisma renovador. Sem a ousada inspiração e a liderança
convicta e perseverante desse papa, certamente não teria havido o
Vaticano II, ou não com a dimensão e a profundidade que o
caracterizaram.Somente pela força carismática de líderes como João
XXIII se pôde pensar em mudanças como as proporcionadas pelo
Concílio numa instituição milenar com doutrinas e regras cristalizadas.
Esse grande Concílio, o mais ecumênico de todos, refez a rota
fundamental da Igreja ao colocá-la de frente com o mundo moderno. A
Igreja, que estava distante da chamada modernidade e segura de sua
posição e verdade, foi capaz de reposicionar-se e elaborar uma nova
doutrina sobre o mundo e sobre si mesma. De isolada do mundo,
assume-se como sinal de salvação dentro do mundo; de detentora da
verdade, reconhece a verdade presente nas ciências e passa a dialogar
com elas; então definida como poder sagrado, passa a compreender-se
como servidora da humanidade. E o mundo torna-se o cenário do
drama humano: lugar de pecado e de graça, porém inscrito no plano
maior do amor de Deus, que nos cria e nos chama para a comunhão
consigo. A Igreja e o mundo estão situados nesse plano misterioso de
Deus, a ele se referem permanentemente e são compreendidos como
realidades distintas e autônomas, porém em diálogo respeitoso e
construtivo.
O Vaticano II abriu uma temporada nova na Igreja como fruto de
inesperada primavera, na intuição do papa João XXIII. A essa
primavera sucederam-se novos ciclos com climas diferenciados, sem
nos poupar de invernos rigorosos. As decisões conciliares foram
8
interpretadas e praticadas de diferentes modos nos anos que se
seguiram à grande assembleia, em função de lugares e sujeitos
envolvidos no processo de aggiornamento. Por um lado, é fato que
muitas renovações aconteceram em diversas frentes da vida da Igreja.
Tanto no âmbito das práticas pastorais quanto no da reflexão teológica,
o pós-Concílio foi um canteiro que fez a primavera produzir muitos
frutos: renovação litúrgica em diálogo com as diferentes culturas,
Igreja comprometida com os pobres, diálogo ecumênico e inter-
religioso, doutrina social da Igreja, experiência de ministérios leigos
etc. O novo se mostrou vigoroso, sobretudo nas primeiras décadas do
pós-Concílio e, particularmente, no hemisfério sul, nas igrejas
inseridas em contextos de pobreza e de culturas radicalmente distintas
da cultura latino-cristã tradicional. Por outro lado, houve um
esfriamento do carisma conciliar, à medida que a história avançava
impondo suas rotinas, mas, sobretudo, uma leitura que buscava evitar
a ideia de renovação-ruptura com a tradição anterior. Segundo essa
leitura, o Vaticano II teria inovado sem romper com a doutrina
tradicional, incluindo a doutrina sobre a Igreja. Essas perspectivas
revelam, na dinâmica pós-conciliar, as lutas para construir o
verdadeiro significado do Vaticano II, do ponto de vista teórico e
prático. Trata-se de leituras localizadas do ponto de vista geopolítico e
teológico-eclesial, com sujeitos e ideias distintos, assim como marcadas
por esforços de demonstração da intenção original das decisões dos
padres conciliares.
Se esse dado revela, de um lado, as dificuldades crescentes de um
consenso, expõe, por outro, a atualidade do Concílio como marco
eclesial e teológico importante para a Igreja. Pode-se dizer que o
Vaticano II começou efetivamente no dia seguinte à sua conclusão, em
8 de dezembro de 1965. Na Audiência de 12 de janeiro de 1966, o papa
Paulo VI reconhecia esse desafio de colocar o Concílio em prática,
comparando-o a um rio que iniciava seu fluxo e se dispunha para a
Igreja como tarefa para o futuro. E esse rio avançou certamente por
terrenos nunca previstos, fecundou novas terras e produziu frutos com
sua água sempre viva. Por outro lado, foi um rio represado por muitas
frentes eclesiais que temiam sua força; foi desviado de seu curso e
9
canalizado para diferentes direções. Contudo, o rio jamais secou seu
fluxo. Continua correndo na direção do Reino, levando sobre suas
torrentes a frágil barca de Pedro com seus viajantes, ora cansados e
temerosos, ora destemidos e esperançosos.
O Vaticano II não foi somente um evento do passado, mas constitui,
de fato, o hoje da Igreja católica, a fonte de onde a Igreja retira o
sentido fundamental para sua caminhada histórica e para o diálogo
com a realidade atual. Esse “Concílio em curso” completou cinquenta
anos com uma história e um saldo que merecem ser visitados por todos
os que estão atentos a sua importância para a Igreja em permanente
sintonia com um mundo que avança rapidamente em suas conquistas
científicas e tecnológicas. Se a modernidade perscrutada pelos padres
conciliares já não existe mais, ela deixou, entretanto, suas
consequências positivas e negativas para nossos dias; consequências
que exigem de novo o olhar atento da fé cristã, que busca distinguir os
sinais dos tempos e lançar os cristãos como sujeitos ativos no mundo:
parceiros de busca da verdade e na construção da fraternidade
universal.
A presente coleção, planejada e oferecida pela Editora Paulus,
pretende revisitar o Vaticano II por várias entradas e oferecer rápidos
balanços sobre questões diversas, nesses cinquenta anos de prática e
de reflexão. Cada uma das temáticas é abordada em três aspectos: a
orientação conciliar presente nos textos promulgados pelo grande
Sínodo, o desenvolvimento da questão no período pós-conciliar e sua
análise crítica — balanço e prospectiva. Esse tríplice olhar busca
conjugar o desenvolvimento da temática do ponto de vista teórico e
prático, ou seja, seus desdobramentos no âmbito do magistério e da
reflexão teológica, assim como suas consequências pastorais e sociais.
A Igreja se encontra, nos dias atuais, num momento fecundo de
renovação de si mesma, após o conclave que elegeu o papa Francisco.
O Vaticano II se encontra, nesse contexto, numa nova fase e deverá
produzir seus frutos, em certa medida tardios, em muitas frentes que
ainda não haviam sido abordadas pelos Pontífices anteriores. A própria
figura do atual papa remete à eclesiologia do Vaticano II, tanto em suas
atitudes como em suas palavras. Está viva a Igreja povo de Deus, a
10
Igreja dos pobres, a Igreja servidora, misericordiosa e dialogal. O
Concílio tem fornecido, de fato, a direção das reformas enfrentadas
com coragem pelo papa a partir da Cúria Romana.
Esse contexto de revisão é animador e permite falar de novo do
último Concílio como um marco histórico fundamental para o presente
e o futuro da Igreja. É tempo de balanço e reflexão sobre o significado
desse marco. Os títulos ora publicados pretendem participar dessa
empreitada com simplicidade, coragem e convicção. Cada autor perfila
a procissão dos convictos da importância das decisões conciliares para
os nossos dias, mesmo sendo o mundo de hoje em muitos aspectos
radicalmente diferente daquele visto, pensado e enfrentado pelos
padres conciliares na década de 1960. O espírito e a postura
fundamental do Vaticano II permanecem não somente válidos, mas
também normativos no marco da grande tradição católica. Mas
continua, sobretudo, um espírito vivo, na medida em que convida e
impulsiona a Igreja para o diálogo com as diferenças cada vez mais
visíveis e cidadãs em nossos dias e para o serviço desinteressado a toda
a humanidade, particularmente aos mais necessitados.
Embora não tenha produzido um documento exclusivo sobre a
catequese, o Concílio apresentou intuições importantes para a
renovação da catequese. Uma dessas intuições foi a insistência na
necessidade da Igreja católica adaptar a sua linguagem para mais
efetivamente ser fiel à sua missão de anunciar o reino de Deus na
realidade presente. O Concílio optou por uma postura metodológica
que pode ser vista também como postura pedagógica: um modo de
colocar a verdade da fé em sintonia e diálogo com as verdades do
mundo moderno. Também a sua teologia de fundo, esse diálogo, tem
sua origem na autocomunicação de Deus, que fala aos homens de
modo humano e quer conduzi-los à salvação. Os conteúdos e a
linguagem conciliares permitem falar num Concílio eminentemente
catequético, resultado de uma Igreja que quer ser misericordiosa e
compreensiva com a humanidade em sua condição real, e não mestra
daverdade que condena erros.
Como bem demonstra padre Luiz Alves de Lima, todos os
documentos conciliares têm elementos que contribuem para iluminar a
11
realidade da catequese: o olhar atento à realidade, o discernimento dos
sinais dos tempos e uma nova prática eclesial inspirada nos valores do
reino.
Por isso, é preciso recordar-se de que cada ensinamento da doutrina deve situar-se na
atitude evangelizadora que desperte a adesão do coração com a proximidade, o amor e o
testemunho (Francisco, Evangelii Gaudium 42).
João Décio Passos
Wagner Lopes Sanchez
Coordenadores
12
J
INTRODUÇÃO
á celebramos os cinquenta anos do encerramento do Concílio
Vaticano II (11 de outubro de 1962 — 07 de dezembro de 1965).
Nesse contexto, várias iniciativas foram tomadas para celebrar a
grande efeméride. Entre elas, destaca-se a publicação, de grande êxito,
do Dicionário do Concílio Vaticano II, uma iniciativa de professores da
PUC-SP e da Editora Paulus. Além disso, a Paulus solicitou a vários
autores para que ampliassem o próprio tema no formato de livro, para
uma nova coleção denominada Marco Conciliar.
Já cinquentenário, o Vaticano II não é um acontecimento passado e
relegado aos anais da história. Pelo contrário, sua força e dinamismo
continuam atuando na Igreja, que, com ele, quis fazer um profundo
exame de consciência sobre si mesma (Lumen Gentium), de sua
presença no mundo, entrando em maior diálogo com a cultura
moderna (Gaudium et Spes); quis ainda aprofundar o significado da
Palavra de Deus revelada na Tradição e Sagradas Escrituras a fim de
recolocá-las no centro da vida cristã (Dei Verbum) e também renovar a
própria liturgia, tão antiga e sagrada, mas, em muitos casos,
obscurecida pela poeira dos séculos (Sacrosanctum Concilium).
A riqueza renovadora conciliar não se circunscreve apenas a essas
suas grandes constituições. Seus decretos e declarações também
avançaram por problemas eclesiais candentes, primeiramente
referentes às pessoas, como a missão e formação dos leigos, dos
pastores (bispos e sacerdotes) e consagrados, os católicos orientais, e
depois sobre problemas atinentes a importantes atividades eclesiais,
como o trabalho missionário, o ecumenismo, a educação cristã, a
liberdade religiosa, as relações com as religiões não cristãs, e a
educação para a mídia moderna, juntamente com seu uso.
Se pudermos sintetizar numa única palavra todas as grandes
preocupações das assembleias conciliares, tal palavra seria o zelo e
impulso pela Evangelização do mundo atual. Como renovar, através de
todas as suas estruturas, pessoas e instituições, o Anúncio do
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo no mundo de hoje? O Concílio
13
dedicou um de seus decretos para tratar da ação missionária da Igreja
(Ad Gentes); entretanto, esse é um tema transversal ao longo de todos
os seus textos, naturalmente junto com outros temas, como o
aggiornamento da Igreja.
Ad Gentes foi concebido dentro da concepção de missão naquele
momento, ou seja, como diz o título, ação evangelizadora para povos
não cristãos, que ainda não “receberam a luz do Evangelho”.
Entretanto, passados cinquenta anos, e sobretudo sob a influência da
Evangelii Nuntiandi, de Paulo VI, do projeto de uma nova evangelização
de São João Paulo II e Bento XVI, do Documento de Aparecida
(CELAM) e da Evangelii Gaudium, do papa Francisco, sem deixar esse
conceito de missio ad gentes, o termo evangelização amplia-se muito,
compreendendo também, e sobretudo, a evangelização de populações
outrora cristãs, e mesmo batizadas, mas hoje afastadas da Igreja.
A catequese, concebida como educação da fé de adultos, jovens e
crianças, atividade sempre presente na história da Igreja, não mereceu
destaque especial do Concílio com um documento próprio. Entretanto,
está presente explicitamente em alguns documentos. Mas a renovação
catequética pós-conciliar beneficiou-se, sobretudo, de toda a
renovação conciliar em seu conjunto. Muitos temas eclesiais renovados
ou revistos pelo Concílio tiveram grande impacto sobre a catequese,
tais como a própria visão de Igreja e sua missão no mundo, a renovada
concepção de Revelação e Palavra de Deus, a reforma litúrgica, a
restauração do catecumenato,[1] hoje adaptado também às populações
de antiga cristandade, e muitos outros que são tratados ao longo dos
textos conciliares.
Essa foi uma das razões pelas quais os editores escolheram esse
tema da catequese para compor a coleção Marco Conciliar. O motivo
central, porém, está na importância que tem a renovação da catequese
para a vida da Igreja, para a evangelização e para formar discípulos
missionários, conforme o grande ideal de Aparecida.
O presente texto, querendo tratar em primeiro lugar da renovação
catequética a partir do Vaticano II, ampliou bastante sua temática.
Para compreender a concepção conciliar sobre a catequese, julgamos
por bem alargar a visão para antes e depois do Concílio. Assim, o
14
primeiro capítulo é dedicado à história da catequese não somente para
analisar sua origem, significado e evolução de sua concepção ao longo
dos tempos, mas também para mostrar sua presença sempre valorizada
e diversificada na vida da Igreja. Ao final desse capítulo se mostra
como o movimento catequético, de origem europeia com repercussões
no Brasil, foi um dos movimentos, nem sempre lembrados pelos
críticos e historiadores, que antecederam e criaram o clima de
realização do próprio Concílio Vaticano II.
Com relação ao tema dessa coleção Marco Conciliar, o segundo
capítulo é o mais importante por considerar a catequese nas discussões
e decisões do Concílio; retomamos e ampliamos o que foi dito no
verbete catequese do Dicionário do Vaticano II. No entanto,
importantíssimos também são os capítulos seguintes em que o impacto
do Concílio sobre a educação da fé aparece com toda a sua força,
extensão e, sobretudo, evolução. Tal renovação conciliar começou a se
realizar mesmo antes dos desdobramentos por parte da Sé Apostólica,
ou seja, execução do que o Concílio havia ordenado. De fato, foi no
âmbito da reflexão e renovação da catequese que, no Brasil e América
Latina, começaram a ressoar os resultados conciliares em toda sua
amplitude. Na Igreja brasileira, o Concílio começou a ser conhecido
justamente através da efervescência da renovação catequética: no
imediato pós-Concílio, além do entusiasmo e frenesi naturais
provocados pelo grande acontecimento, foi momento de grandes
avanços, progressos, sonhos e realizações; basta citar os grandes
acontecimentos do mítico ano de 1968 no Brasil e na América Latina.
O quarto capítulo retorna às ações da Sé Apostólica e mostra como
os organismos romanos realizaram aquilo que o Concílio havia pedido,
em âmbito catequético: surgem os grandes pronunciamentos
catequéticos, elevando o movimento catequético, sempre impulsionado
pelo Concílio, à sua máxima temperatura: RICA, Sínodo sobre a
Catequese (1977), Catechesi Tradendae, Catecismo da Igreja Católica e
Diretórios Catequéticos (1971 e 1997) são grandes frutos do Concílio
que não só cumprem os mandatos conciliares, mas sobretudo avançam,
e muito, na concepção e na prática da catequese na Igreja. E, de um
modo geral, em toda a Igreja floresceu uma grande literatura
15
catequética, podendo-se afirmar que nunca na Igreja se refletiu e se
escreveu tanto sobre catequese como nos anos do pré e pós-Concílio!
Adentrando o novo milênio, persistem as consequências do Concílio
Vaticano II sobre a catequese, sempre respondendo aos novos desafios
e, naturalmente, indo muito mais além daquilo que a grande
assembleia conciliar havia impulsionado. As comemorações do V
Centenário da Evangelização das Américas levaram São João Paulo II a
desencadear o tema da nova evangelização, posteriormente estendido
para toda a Igreja; nesse contexto, realizaram-se o Sínodo das
Américas e de outros continentes. As Américas foram marcadas pelas
cartas de São João Paulo II Ecclesia in America e Tertio millenio
adveniente. No Brasil, o projeto evangelizador Queremos ver Jesus
repercute os novos tempos, influenciandotambém a caminhada da
catequese que desemboca na elaboração do Diretório Nacional de
Catequese. Esse texto, juntamente com Aparecida que logo se lhe
segue, despertam novo entusiasmo em vista de uma mais eficaz
Iniciação à Vida Cristã a serviço da qual se coloca a catequese de
inspiração catecumenal.
Essa última evolução da catequese na direção de uma inspiração
catecumenal, em termos de América Latina, tem seu ponto de chegada
num breve, mas estimulante e provocativo documento do CELAM
intitulado A alegria de iniciar discípulos missionários numa mudança de
época (junho de 2015), que tratamos no final do capítulo V. Dedicamos
um último capítulo para recolher de forma menos histórica, como os
capítulos anteriores, e mais sistemática, os grandes problemas e
perspectivas que de um lado provêm da renovação catequética
conciliar e que, por outro, anima e impulsiona a catequese nos dias
atuais, sobretudo, sob o prisma da iniciação à vida cristã e a dimensão
catecumenal da catequese.
Na conclusão geral, temas do discipulado, da iniciação à vida cristã,
com seu novo paradigma catecumenal, e a mudança de época são
tratados à luz de dois significativos acontecimentos na América Latina
em 2014: um Congresso Internacional (Santiago do Chile) e um
Seminário Nacional (Santo André, SP), ambos sobre essa dimensão
catecumenal da catequese proposta para os dias de hoje. Em base a
16
esses dois acontecimentos, recolhemos as considerações finais desse
percurso que fizemos, desde os inícios da Igreja até o Vaticano II e
suas repercussões cinquenta anos depois.
São Paulo, 24 de maio de 2016
Solenidade de Nossa Senhora Auxialiadora
Pe. Luiz Alves Lima, sdb
17
Capítulo I
18
E
O MOVIMENTO CATEQUÉTICO PRÉ-
CONCILIAR
ntre os movimentos que antecederam o Concílio Vaticano II situa-
se, além dos movimentos litúrgico, bíblico, ecumênico e teológico,
também o chamado movimento catequético. Teve grande vigência na
Europa, mas também em outras partes do mundo, inclusive no Brasil,
como veremos.
Antes, porém, será útil analisar a caminhada da catequese na longa
história da Igreja, muito embora de maneira sucinta. Podemos falar em
movimento catequético na Europa somente a partir do início do século
XX, e na América Latina, sobretudo no Brasil, a partir da metade dele.
Vamos, pois, em breves linhas, olhar para a presença da catequese, sua
importância, seus momentos gloriosos e obscuros, ou mesmo
desaparecimento, nos dezenove séculos e meio que antecederam o
Vaticano II.
19
1. A Igreja e a catequese na Antiguidade
O cristianismo nascente em menos de três séculos transformou-se
de religião fora da lei, periférica e perseguida, em religião oficial. Já no
século IV, os cristãos adquiriram o direito ao culto público e à
cidadania. Com o fenômeno posterior das grandes migrações do norte
para o sul, em busca de melhores terras e condições de vida, o
cristianismo também se tornou elemento unificador no continente
europeu e no Oriente Próximo. As atividades da Igreja, sobretudo a
evangelização e a catequese, para além de sua finalidade principal de
formar discípulos e seguidores de Jesus Cristo, adquiriram também o
caráter de instrumento de socialização e inculturação.
20
A Igreja nos primeiros séculos
Foi um tempo decisivo para a organização e fortalecimento da
Igreja. A cultura grega ou helenística dominava o Oriente Médio
(Israel, Egito e Síria de hoje) e grande parte da Europa. As duas
primeiras gerações de cristãos realizaram um hercúleo trabalho de
evangelização, conforme o Novo Testamento. Além de Pedro e demais
apóstolos, dominam o cenário o apóstolo Paulo e seus companheiros,
que, sob o ponto de vista humano e da historiografia, são considerados
os fundadores ou pelo menos os consolidadores do cristianismo.
É uma época densa de heroísmo e também de perseguições
constantes. Os escritos apostólicos falam de doutrina, culto,
constituição e disciplina. A Igreja-Mãe, Jerusalém, exercia grande
influência e ainda não havia muita distinção entre Sinagoga e Igreja
cristã. Os essênios, por exemplo, uma espécie de ordem religiosa,
mantinham a força do judaísmo tradicional. Por seu rigor, podem ter
atraído João Batista e influenciado aquilo que se chama de judeu-
cristianismo. É nítido, nos escritos paulinos, o embate entre a nova
proposta cristã e a força dos cristãos judaizantes para manter a
tradição mosaica. Muito lentamente surgirá a separação definitiva
entre Sinagoga e Igreja cristã. Também os escritos apócrifos deram
grande realce a esses primeiros heróis da fé.
Da literatura primitiva cristã destacam-se alguns livros mais
relacionados à pregação missionária, catequese e organização eclesial:
Didaqué ou Doutrina dos apóstolos (pequeno tratado pastoral-
catequético), as sete cartas de Santo Inácio de Antioquia (que transmite
a visão de uma Igreja em vias de organização e sustentada pela
hierarquia) e a epístola de São Clemente de Roma (procura refletir sobre
os valores judaicos e helênicos para os novos tempos). Tanto Inácio
como Clemente fazem referências ao primado do bispo de Roma,
sucessor de Pedro, no governo eclesial.
Começou a haver divisões no corpo eclesial por questões doutrinais
ou por não aceitarem a grande Igreja; são os heréticos e cismáticos. Um
desses desvios da fé ortodoxa foi o gnosticismo, objeto de contestação
por parte do Evangelho de João e que, de tempos em tempos, ressurge,
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como nos dias de hoje na civilização ocidental... Tais movimentos
misturavam doutrinas antigas e novas com revelações e exaltações
pessoais. Surgiram também os livros apócrifos, não reconhecidos pela
Tradição, mas hoje muito estudados e com informações preciosas sobre
o primitivo cristianismo. Fato importante é a fixação da lista oficial dos
livros bíblicos pelo Cânon (catálogo, norma), cujo critério fundamental
é a tradição apostólica e a sucessão dos apóstolos.
Os primeiros grandes escritores e teólogos (Santos Padres) são
chamados apologistas, pois defendem a fé do ataque de pensadores e
filósofos que combatiam o cristianismo como uma nova seita exotérica
e iniciática como tantas que surgiam naquele tempo. Eles exercem o
grande trabalho de inculturação da fé, mostrando que a Igreja não é
estranha à história e à evolução da cultura (como Irineu e Justino). Os
grandes escritores do Oriente (Clemente de Alexandria, Basílio,
Gregório etc.) tentam a síntese entre cultura grega e cristianismo,
elaborando uma pedagogia humana e cristã. Um dos maiores deles é
Orígenes (185-253), apesar de alguns erros devidos, sobretudo, a seus
intérpretes; dono de vasta cultura, estabeleceu as regras de
conservação e interpretação da Bíblia e lança os fundamentos da
reflexão cristã ao longo dos séculos (teologia).
Tertuliano e Cipriano destacam-se no Ocidente; eles se ocuparam
mais das virtudes, educação cristã e estruturas eclesiásticas. Mais do
que o centralismo romano, que sobreviveu mais tarde, predominou
nesse momento uma Igreja mais sinodal: as assembleias regionais de
bispos (sínodos) e mais amplas (concílio ecumênico) enfrentaram os
erros doutrinais e as tentativas de separação. O primeiro Concílio
Ecumênico foi o de Niceia, em 325, sobre cristologia e a formulação da
fé (credo); seguiram-se depois: Constantinopla (381), sobre a divindade
do Espírito Santo; Éfeso (431), sobre Maria Mãe de Deus (Teotókos);
Calcedônia (452), sobre as duas naturezas, divina e humana, de Cristo.
O cristianismo teve tão grande expansão no meio de muitas
dificuldades e perseguições, à semelhança de Jesus Cristo, o Mártir por
excelência. Conforme Tertuliano, os mártires, que deram testemunho
de fé com seu sangue em quase todos os lugares por onde passavam,
foram sementes de novos cristãos. Mártir é aquele que morre pela fé,
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mas também os que sofrem punições e castigos por professarem a fé.
Como Jesus, os cristãos eram considerados por muitos como obstáculos
para a sociedade cujos parâmetros muitas vezes entravam em choque
com a doutrina evangélica. Eles viviam a fé não somente internamente,
espiritualmente, mas também na vida, contestandoatitudes e
princípios pagãos, e por isso eram chamados de subversivos e,
consequentemente, perseguidos.
Com a migração dos povos do norte para o sul, a Igreja foi-lhes ao
encontro com a luz do Evangelho, e o fermento cristão acabou por
penetrar toda a imensa população do império romano; com esses povos
germanos agora nele integrados, estabeleceram-se os germes da
civilização cristã ocidental. Na verdade, nossa cultura cristã ocidental é
resultado da confluência e mistura (amálgama) destas quatro culturas:
semita (povos bíblicos), grega, romana e germânica!
Característica dessa época também foi o surgimento da chamada
vida religiosa: os monges, para preservar a autenticidade de seu
testemunho, separavam-se da sociedade numa vida austera, em meio à
oração e aos trabalhos manuais para o próprio sustento, procurando
viver a radicalidade evangélica. Floresceram várias formas desse
monaquismo: os que viviam isolados (anacoretas, eremitas, estilitas)
como os santos Antão e Paulo, ou em comunidades de oração e
penitência (cenobitas). Dessas comunidades saíram os melhores
pastores e bispos dessa época, dada a sólida formação espiritual e
teológica que proporcionavam os mosteiros. Do Oriente citamos
Pacômio, João Crisóstomo, Gregório Nazianzeno, Basílio. Do Ocidente
brilha o chamado pai do monaquismo ocidental, São Bento de Núrsia;
baseando-se na Regula Magistri, de origem anterior e inspirada em
fontes mais antigas dos Santos Padres, São Bento compôs a sua
preciosa regra. Tal Regra Beneditina foi um guia para as comunidades
cristãs medievais e posteriores, inclusive de origem protestante e
anglicana, subsistindo até hoje como inspiradora de organização e
espiritualidade da vida religiosa.
Mas essa plêiade de cristãos fervorosos e seguidores radicais do
Evangelho continuou a progredir numa outra série de grandes
personagens, chamados Santos Padres, já citados acima, e que nos
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deixaram uma literatura até hoje considerada uma das mais autênticas
intérpretes da fé cristã: a patrística. Assim, nos séculos IV e V, brilham,
entre os latinos (ou ocidentais): Agostinho, Ambrósio, Jerônimo e
Cesário de Arles; tratam de quase todos os assuntos que desafiaram a
inteligência cristã nos séculos seguintes. Os escritores de língua grega
(ou orientais) foram numerosos e profundos, dada a preciosa
ferramenta que possuíam, ou seja, a filosofia grega, que, propriamente,
até hoje domina nossa cultura ocidental.
Esses Santos Padres eram místicos e, ao mesmo tempo, filósofos que
refletiam não só sobre os problemas em nível pessoal, ou problemas
dentro do cristianismo, mas também tinham a ousadia de apontar para
os erros das estruturas injustas de seu tempo, como o enriquecimento
ilícito dos poderosos. Entre eles, podemos nomear: Atanásio, Basílio
Magno, Gregório Nazianzeno, Cirilo de Alexandria e Gregório de Nissa.
Tiveram enorme influência nos primeiros Concílios ecumênicos e
foram influenciados também pela vida civil e política de seu tempo:
incendiavam as multidões, não só porque os hierarcas (bispos) eram
muito populares, mas também porque os temas sobre os quais
refletiam estavam centrados no cerne mesmo e no coração da Igreja: a
Trindade santa, a divindade de Cristo, Maria Mãe de Deus, a
autoridade da Igreja etc.
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Querigma e catequese nos primórdios da Igreja
A pregação apostólica e das primeiras gerações cristãs tinha muito
presente o mandato missionário de Jesus Cristo (Mc 16,20; Mt 28,20).
Seu núcleo central é o Reino de Deus pregado por Jesus, que se
confunde com sua própria pessoa; a proximidade desse Reino, a
conversão a ele para dar início aos últimos tempos: em Cristo Jesus
Deus se manifestou plenamente, sobretudo em sua paixão, morte e
ressurreição, e nada mais devemos esperar: chegaram os últimos
tempos (era escatológica). Entretanto, a demora da segunda vinda de
Jesus levou os cristãos a compreender que sua missão seria renovar a
história e a humanidade através do discipulado de Jesus.
O conceito de querigma, tanto no Novo Testamento como na tradição
cristã que se segue, significa justamente esse núcleo central da
pregação apostólica, aquilo que se torna a raiz geradora de toda a fé
cristã. Logo no início, são diversas as formas de pregação sobre a
pessoa de Jesus, seu mistério, o encontro com ele, sua aceitação. Mas
logo também se faz necessário o confronto com as diversas culturas
que recebem o anúncio evangélico. E foi nesse aspecto que surgiu a
figura de Paulo, que reinterpreta tanto o ministério da pregação como
seu conteúdo, concentrado na pessoa de Jesus. Paulo acentuou mais o
homem novo nascido do Espírito e, consequentemente, a vida pascal
do cristão do que o caráter profético e histórico da mensagem de Jesus,
como outras correntes cristãs.
O querigma anunciava a intervenção salvífica de Deus em seu Filho
(cf. discursos querigmáticos de Pedro, em Atos). Embora houvesse uma
pluralidade de abordagens no anúncio do querigma, de qualquer modo,
a ele se seguia sempre a conversão (shûb, metanoia). O início dessa
conversão já pode estar presente quando se recebe o querigma. De
qualquer maneira, ela será aprofundada e lançará raízes no coração da
pessoa ao longo do processo seguinte, isto é, a catequese, e será
sintetizada na imagem pascal do batismo, como grande sinal de
mudança de vida para uma nova criatura.
O ensinamento, parte também da pregação apostólica, por sua vez,
pode ser sintetizado no texto de Hb 6,1-2, em que o autor faz distinção
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entre proclamação elementar ou alicerce da fé e o ensinamento:
“deixemos agora as instruções elementares sobre Cristo e elevemo-nos
ao ensinamento perfeito, sem novamente pôr os alicerces — o
arrependimento das obras mortas, a fé em Deus, a doutrina acerca dos
Batismos, a imposição das mãos, a ressurreição dos mortos, o
julgamento eterno”. A Didaqué fala também de instruções litúrgicas,
sobretudo o Batismo; com relação à moral, indica a doutrina dos dois
caminhos ou uma catequese sobre a vida nova em Cristo. Vejamos
mais detalhadamente esse momento da catequese.
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A terminologia e significado de catequese no Novo Testamento
Catequizar (catá-ekhéin) em seu sentido grego original significa
“fazer ressoar aos ouvidos”, e no Novo Testamento indica: informar,
instruir, ensinar de viva voz. Ou ainda: ressoar a Palavra de Deus. O
querigma, ou seja, o núcleo central da mensagem cristã, é o que, em
primeiro lugar, foi anunciado, ouvido, acolhido. Agora, após o anúncio
querigmático, segue-se um segundo momento, a catequese. Ela, através
do ensino e instrução, irá ressoar, aprofundar esse primeiro anúncio de
Jesus Cristo. Consequentemente, podemos dizer que, no anúncio da
Boa-Nova do Reino, em primeiro lugar vem o querigma e, em segundo
lugar, muito unida a ele, segue-se a catequese.
E qual é a mensagem ecoada? É aquela sintetizada em Rm 4,25:
“Cristo morreu pelos nossos pecados e ressuscitou para nossa
justificação” (cf. At 25,19; Gl 1,2-4; 2,16.19-21; 4,5 etc.). O centro da
primeira pregação, do anúncio evangélico foi, pois, o mistério pascal, a
filiação divina, a fé impulsionada pelo amor, o Batismo. Além da
pregação inicial, a comunidade primitiva se preocupou logo cedo com a
“educação da fé”: os quatro Evangelhos são textos catequéticos de
aprofundamento do Reino, do discipulado e seguimento de Jesus.
No Novo Testamento encontramos 20 verbos para indicar a
comunicação da mensagem cristã. Os mais usados são: didaskéin
(ensinar, doutrinar: 95 vezes); keryssein (proclamar um grande
acontecimento: 61; daí vem a palavra querigma); euanguelízesthai
(anunciar uma boa notícia: 54); katekein (instruir: 17); martýresthai
(testemunhar, manifestar, confirmar: 5). E também os substantivos:
didaskalía (doutrina, ensino, instrução: 21 vezes), martyría
(testemunho, prova, confirmação: 37); euangélion (boa notícia, alegre
mensagem; é o vocábulo mais usado: 76). Em 1Cor 14, 19 e Gl 6,6
encontramos o verbo katekein com o sentido de “instruir alguém sobre
o conteúdo da fé”; Gl 6,6 também fala do katekúmenos para indicar o
“discípulo da fé” ou “aspirante aoBatismo”, como também do katekúnti
(aquele que ensina) para indicar o ministério do catequista (curioso: o
contexto fala da ajuda que o catequizando deve dar a seu catequista
pelo seu trabalho...!). Como se vê, há uma variedade de vocabulário, e
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o que se consolidou no uso comum (catequese e catequista) são na
verdade os menos usados no Novo Testamento, mas consagrados pela
tradição. É preciso acentuar que sempre há uma insistência no caráter
vivo e oral dessa transmissão da fé, de pessoa para pessoa, e não algo
impessoal e frio.
Tanto o querigma como a instrução em vista do Batismo levam em
consideração as condições da pessoa que recebe a mensagem: para os
judeus, era uma preparação rápida, mas longa para os provenientes de
outras religiões. Ou seja: há uma preocupação com o destinatário: para
o judeu, bastava mostrar em Jesus o cumprimento das Escrituras, ao
passo que para os outros era necessário o anúncio do verdadeiro Deus.
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O catecumenato
O conteúdo dessa catequese primitiva é a mesma mensagem do
Novo Testamento e dos escritos cristãos mais antigos. No século II, o
número de conversões aumentava sempre e muitos batizados se
deixavam levar pela heresia, ou se amedrontavam pela perseguição.
Foi então que teve início o catecumenato institucionalizado, uma das
instituições mais eficazes e frutuosas da história da Igreja: tempo
extremamente sério de formação, para afirmar bem a fé, para testar a
vida no meio do mundo pagão, e no seio de uma comunidade que
comunicava sua fé e transmitia seu credo.
Algumas características do catecumenato: o primeiro anúncio, a
comunicação da fé, o primeiro testemunho e convite a aceitar a Palavra
e a conversão eram tarefas da comunidade, ao passo que a catequese
propriamente dita, como ensinamento e instrução, era competência do
catequista: ele era o doctor, ou seja, aquele que sabe e tem capacidade
de instruir, ensinar, educar. A partir de determinado momento, o
bispo, que presidia a comunidade como sucessor dos apóstolos,
instruía oficialmente: era “o catequista”.
A comunidade também apoiava com o testemunho. Aquele que se
apresentava para ser cristão era levado por um ou vários irmãos
(instrutores, introdutores, acompanhantes) que garantiam perante a
comunidade as boas intenções do candidato e que este tinha
possibilidade de conversão. Estes que introduziam na comunidade,
chamados mais tarde de padrinhos, eram responsáveis pelo primeiro
anúncio. Guiavam e controlavam a mudança de vida dos candidatos e
os acompanhavam até que o bispo os chamasse para tomar parte do
número daqueles que se preparavam para o Batismo: então, tornavam-
se catecúmenos.
O catecumenato vem de encontro ao grande problema do início do
cristianismo: como iniciar na comunidade de fé as pessoas que aceitam
o querigma, que desejam se aprofundar no mistério de Cristo? A
resposta veio com a estruturação do catecumenato: um caminho antigo
e eficiente, desenvolvido pelas comunidades cristãs primitivas,
aprofundado pelos Santos Padres, acolhido e institucionalizado pela
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autoridade eclesiástica e núcleo do próprio desenvolvimento do ano
litúrgico, gerado nesse processo. Tertuliano, em sua famosa Apologia,
diz no final do II século: “não se nasce cristão... torna-se cristão” (fiunt
non nascuntur Christiani). Será no catecumenato que o seio materno da
Igreja irá gerar cristãos “alegres na esperança, fortes na tribulação e
perseverantes na oração” (Rm 12,12).
No III século, o catecumenato alcançou seu máximo vigor e rigor:
estava estruturado em quatro tempos: pré-catecumenato (primeiro
anúncio), catecumenato propriamente dito (instrução, catequese,
conversão), iluminação-purificação (tempo quaresmal-pascal) e
mistagogia (pós-sacramento). Durava de dois a três anos, no final dos
quais havia outro escrutínio para escolher os candidatos ao Batismo,
após o qual se seguia a catequese mistagógica (aprofundamento dos
mistérios-sacramentos).
Esse processo catecumenal-catequético compreendia o ensino,
liturgia e exercício de transformação de vida (conversão, penitência).
Era pela penetração progressiva da Palavra de Deus em sua vida que o
catecúmeno caminhava para os sacramentos da noite pascal: Batismo,
Confirmação e Eucaristia. O mergulho nas águas batismais era o sinal-
sacramento de seu mergulho na Morte e Ressurreição de Cristo; do
Batismo, o catecúmeno saía uma nova criatura; participava do Banquete
Eucarístico e era ungido com o óleo do santo Crisma. Foram os ritos
mistéricos da iniciação, inspirados também em antigas tradições
religiosas, que depois foram purificados, adaptados e inovados pela
Igreja (cf. DNC, n. 45-50). Os Santos Padres defenderam muito,
principalmente diante dos ataques dos pagãos, a absoluta novidade e
originalidade dos mistérios cristãos, totalmente diferente dos mistérios
pagãos, pois introduziam no mistério do próprio Cristo morto e
ressuscitado, tornando a pessoa um membro vivo da nova comunidade
redimida e santificada!
Como se vê, o catecumenato era a grande estrutura ou instrumento
da Igreja primitiva, bastante completo e organizado. De fato, ele tinha
presente o anúncio (querigma) e a instrução (catequese) era
impregnada pela dimensão litúrgica, através das grandes e pequenas
celebrações, a leitura bíblica, os diversos ritos, entre os quais os
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escrutínios, os exorcismos, as entregas, as orações. Favorecia,
sobretudo, a integração gradual e progressiva na comunidade de fé e a
transformação dos costumes pagãos em fervorosa vida cristã.
É típico também dessa instituição a organização conforme tempos e
etapas, numa pedagógica gradualidade: apresentação do candidato e
primeiros escrutínios de admissão ao catecumenato para verificar as
motivações e disposições do aspirante ao Batismo; o longo período de
formação, ensinamento e instrução, ou seja, a catequese propriamente
dita, que dura de dois a três anos; outros escrutínios para avaliar a
transformação pessoal e conduta moral; a inscrição e preparação
imediata ao Batismo (período quaresmal, instituído justamente para
esse tempo de iluminação e purificação); a celebração no sábado santo
dos sacramentos de iniciação (Batismo, Crisma e Eucaristia: os três
formavam uma unidade, eram “o sacramento” de iniciação) e,
finalmente, as sete semanas que se seguiam à Páscoa para
aprofundamento e vivência dos ritos sagrados sacramentais já
recebidos, ou seja, o tempo da mistagogia.
O grande valor dessa organização catecumenal era conter e
conservar unidos os três componentes essenciais do tornar-se cristão:
a conversão (penitência), a instrução (catequese) e os sacramentos
(dimensão ritual-simbólica). É a força contida nesse processo
complexo catecumenal que a Igreja hoje, passados tantos séculos, quer
restaurar e repropor como caminho de discipulado de Jesus Cristo, sem
deixá-lo sepultado nas brumas da história. O que se propõe hoje não é
outra coisa senão recolocar a catequese (tal como a conhecemos e
enriquecida de tanta renovação) dentro de seu clima original e seu
ambiente vital, que é o catecumenato com todo o seu aparato litúrgico-
orante-comunitário. A catequese, em que pese a evolução havida
posteriormente, nasceu dentro do catecumenato, a serviço da iniciação
à vida cristã, e é para aí que ela deve retornar, se realmente queremos
cumprir as finalidades para as quais ela foi criada!
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O declínio do catecumenato
Em fevereiro de 313, com o Édito de Milão, o imperador Constantino
Magno reconheceu, na prática, a força dos cristãos: enriquecidos de
mártires, teólogos, ascetas e grandes pastores, constituíam apenas 10%
da população mais ativa do mundo então conhecido. Há, então, uma
reviravolta no cristianismo: de religião perseguida e fora da lei, torna-
se religião autorizada pelo Estado, depois favorecida por ele, e
finalmente, em 380, torna-se religião do Estado, com o Édito de
Tessalônica, por parte de Teodósio Magno. Em 392, o mesmo Teodósio
proíbe os cultos pagãos, dando mais força ainda ao cristianismo.
Isso fez com que aumentasse o número de conversões, com o
inconveniente de se tornaremmenos sinceras. Os catecúmenos afluíam
numerosos, mas sem pressa de ser batizados: o catecumenato se
prolonga indefinidamente. Sob pressão, o catecumenato vai se
reduzindo, até limitar-se ao tempo da quaresma: isso porque a Igreja
quer guardar um mínimo de preparação séria ao Batismo. Já na época
dos grandes Santos Padres (séc. IV-VI), havia um esforço considerável
para que se mantivesse essa mínima estrutura catecumenal. Santo
Agostinho escreve De catechizandis rudibus, o mais precioso tratado de
catequese que recebemos do passado.[1]
Logo a sociedade tornou-se cristã, e numa sociedade em que as
pessoas já nascem cristãs o catecumenato não se faz mais necessário.
Generaliza-se o Batismo de crianças, o que não existe no Novo
Testamento. Mas a Igreja, com a reviravolta havida, generalizou essa
prática (séc. V), substituindo o catecumenato. Essa instituição foi
desaparecendo pouco a pouco até o séc. VIII. O rito do Batismo de
adultos é adaptado às crianças, sendo que pais e padrinhos respondem
às perguntas que o catecúmeno devia responder...
Desaparecendo o catecumenato desaparece a instituição catequética,
sobretudo em sua dimensão litúrgico-orante; o que sobrevive da
catequese como grande momento do catecumenato, e que na verdade
chegou até as portas do Vaticano II, é sua dimensão doutrinal,
intelectual, noética. O anúncio querigmático (quase inexistente) e a
instrução cristã subsistiram principalmente na pregação. Na sociedade
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medieval e também posteriormente, tudo, de certa maneira, já educa
para a fé: é o catecumenato social que, em alguns lugares, sobretudo na
América Latina, subsiste até hoje.
Nestes primeiros séculos, a catequese, nascida dentro da grande
estrutura catecumenal como o momento do ensino, da doutrina, da
instrução, foi antes de tudo uma função vivida na comunidade, antes
mesmo de ser codificada. Era um apelo, um chamado, uma vocação da
comunidade eclesial. Depois, passou a significar a apresentação da fé
da comunidade, num desenvolvimento oral e metódico, porém
separado ou divorciado de todo aspecto litúrgico-ritual. Na época
patrística, designava precisamente o ensino dado aos adultos que se
preparavam para receber o Batismo, envolta, porém, na grande
instituição do catecumenato batismal. É justamente o retorno a essa
íntima união entre catequese, compreendida como ensino e doutrina, e
a liturgia, com a riqueza de seus ritos e dimensão celebrativa, que hoje
a Igreja propõe resgatar e revalorizar, naturalmente adaptando-se ao
nosso mundo de hoje, sobretudo à mudança de época que vivemos!
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2. A catequese na Idade Média: catecumenato social
Com a queda do Império Romano no Ocidente, inicia-se a Idade
Média (476). A Igreja vai de encontro aos povos migrantes do norte
(impropriamente chamados de bárbaros) com o Evangelho e a obra
evangelizadora. É um dos grandes momentos de inculturação da fé
cristã no Ocidente: o cristianismo, nascido e desenvolvido em ambiente
semita, logo se incultura no mundo greco-romano; agora vive e
expressa o Evangelho também com a cultura germânica. Consolida-se
a cristandade, agora enriquecida com mais essa contribuição. Uma vez
evangelizados, numa das grandes ondas evangelizadoras da história,
esses povos também não necessitam mais de querigma ou catequese.
Já se nasce numa sociedade cristã: reinos, príncipes, populações e
famílias são todos cristãos. É o esplendor da cristandade, entendida
como predominância do pensamento cristão em todas as áreas da
civilização. Infelizmente, num sentido negativo, esse termo está ligado
também à insidiosa união entre poder civil e religioso que tanto
deteriorou as relações Igreja-Estado.
A Igreja passou a ocupar o centro de toda a realidade, quase não
havendo mais separação entre o religioso e o profano, pois cidade e
paróquia se confundem. O tempo torna-se litúrgico: isso transparece
nos ritmos do tempo que marcavam o domingo e as festas cristãs. Todo
momento importante da comunidade era celebrado social e
liturgicamente, sem haver também muita separação entre a festa
profana e as celebrações religiosas: vida cotidiana e vida litúrgica se
misturavam. Há uma total interação entre fé e vida!
Nesse longo período medieval não havia estruturas nem instituições
de catequese, quer de crianças, quer de adultos. A fé era transmitida
no seio da família e nas atividades do dia a dia. Pais e padrinhos
assumiam no momento do Batismo o compromisso de educação da fé.
Era uma catequese viva, feita de imitação e testemunho: sem esforço,
aprendia-se com os adultos a pensar, a julgar, a rezar, a crer e
obedecer às mesmas leis e autoridades. Transcorria-se a infância
familiarizando-se com os mesmos ritos e cerimônias, com as mesmas
preces e os mesmos lugares sagrados, com a mesma liturgia imutável
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por séculos. A paróquia era como que uma família amplificada.
Nesse contexto, a educação da fé era feita pelos gestos, pela liturgia,
pela devoção e pela arte, e não através de atividades pedagógicas
próprias. As poucas pessoas que tinham acesso às nascentes escolas,
junto aos mosteiros e paróquias, iam para aprender a ler a cartilha dos
salmos e ajudar a missa. Tornavam-se bons e piedosos cristãos não
através de uma doutrina aprendida, mas na prática vivida. Também as
universidades, nascidas no seio da Igreja (Sorbonne era o nome do
padre teólogo fundador dessa célebre universidade francesa!),
dedicavam-se ao conhecimento abstrato como uma espécie de “serviço
divino”, ordenado à glória de Deus, o que era reservado a pessoas
escolhidas com vocação para escrever, conforme o ordenamento
divino, a totalidade dos conhecimentos (daí a palavra universidade). O
saber não autorizado e, portanto, politicamente incorreto (heresias,
conhecimentos de alquimia, bruxaria) era ameaçador e perigoso,
justificando-se a expulsão da sociedade e até mesmo a morte, pois
colocava em perigo a estrutura social... era uma espécie de atentado ao
Estado: “lei da segurança pública”!
Os dados da fé eram transmitidos tanto pelas cerimônias da Igreja
como pela arte. Os ritos litúrgicos, as grandes catedrais com seus
preciosos e artísticos vitrais eram impressões sensoriais que
facilitavam o sentido do sagrado e ao mesmo tempo davam certa forma
de educação moral. A devoção desempenhava um papel importante no
processo catequético de educação da fé: oração, ascese, contemplação
introduziam a experiência pessoal na vida religiosa. A arte era como
que uma catequese permanente: paixões, mistérios, teatro popular,
catedrais são de uma riqueza imensa. As cenas bíblicas se misturavam
com as cenas da vida cotidiana, tanto nos capitéis como nas fachadas
dos grandes santuários e catedrais. O presépio, de origem franciscana e
popular, traduz bem até hoje essa ideia... sobretudo os de tradição
napolitana.
Os textos com alguma característica de catequese são poucos;
podemos citar, ainda da época carolíngia (séc. IX), a Disputatio
puerorum per interrogationes et responsiones [Discussão dos jovens
através de perguntas e respostas], destinado à formação do clero
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(puerorum aqui se refere a seminaristas), que abrangia temas como
Bíblia, eclesiologia, Eucaristia, credo, oração. Outras obras são os
lucidários ou declaratórios, verdadeiras sínteses teológicas para
sacerdotes dentro do esquema do credo.
A comunidade eclesial, portadora da fé, era territorial e restrita; a
hierarquia, quase hereditária; o modo de vida mudava pouco ou muito
lentamente: era uma sociedade estática! Tal estrutura estável gerava
segurança e facilitava as relações humanas; cada um sabia seu lugar e
era respeitado; situações e relacionamentos eram previstos e
regulamentados. As ameaças eventuais eram provenientes do
desconhecido ou incontrolável: fenômenos da natureza eram
integrados ritualmente nos esquemas da vida social (procissões,
intercessões, rituais etc.).
Nesse contexto de sociedade estática e homogênea, a ausência de
estruturas e instituições catequéticas é coerente com o todo. A
iniciação humano-cristã, feita no ambiente e na vida concreta da
comunidade (catecumenato social),fornece os esquemas de ação e de
pensamento, como também permite a cada um cumprir sua tarefa na
estrutura social.
Porém, não podemos ignorar elementos formais na educação cristã.
Assim, no Oriente a formação cristã teve a contribuição significativa do
monaquismo, ao passo que no Ocidente contou sobremaneira com a
pregação de grandes bispos; eles não só orientavam seus padres, mas
até preparavam integralmente homilias a serem repetidas por eles,
como São Cesário de Arles, Santo Isidoro de Sevilha e São Martinho de
Braga ou de Dume, apóstolo dos suevos. Entretanto, quem mais
influenciou essa prática pastoral da pregação foi a Regra Pastoral do
papa Gregório Magno (final do séc. VI).
O ambiente sumamente religioso medieval levou os historiadores a
chamar esse período de “catecumenato social”. A pessoa, imergida
nessa sociedade sacral, naturalmente era educada na fé cristã: mais do
que uma iniciação (como no catecumenato), podemos falar de uma
socialização cristã. Fundamental era o testemunho vivo da família, pois
os pais tinham a clara e arraigada responsabilidade de ser os
catequistas de seus filhos; como dever irrenunciável, tinham que
36
ensinar as orações do Pai-Nosso e Ave-Maria, a profissão de fé
formulada no Credo e introduzi-los nas práticas de piedade (devoção) e
à vida honesta: o santo temor de Deus, a veneração dos santos, o
respeito aos sacerdotes e autoridades. Tais deveres eram lembrados
pela Igreja através das pregações e também por ocasião das confissões
(obrigatórias ao menos uma vez ao ano, após 1215).
Se pudermos falar em método nesse catecumenato social,
predominava a exposição dos dados da fé, sempre baseada na
autoridade, quer das Sagradas Escrituras, como dos grandes mestres,
sobretudo os Santos Padres, e as contínuas referências à vida prática e
exemplos do dia a dia. Pensadores a respeito da prática pastoral e
transmissão da fé, além do acima citado Gregório Magno, podemos
citar também São Bonifácio, o teólogo beneditino Alcuíno, que teve
atuação fortíssima na reforma carolíngia, seu discípulo Rabano Mauro,
e outros. A nascente escolástica¸ que tanto influenciou toda a
cristandade a partir de então, também traz grande contribuição para a
pregação e a catequese, sobretudo, na reflexão sobre os conteúdos da
transmissão da fé, embora estejamos mais em âmbito teológico do que
propriamente catequético. Mas não podemos esquecer as grandes
figuras dos bispos Pedro Lombardo e Anselmo de Canterbury, o leigo
Pedro Abelardo, os religiosos Hugo de São Vitor, Tomás de Aquino,
Duns Scoto, Bernardo de Claraval, e uma plêiade de grandes autores
medievais que fizeram o esplendor do século XIII.
37
3. A catequese na Idade Moderna
Idade Moderna Europeia
Com a Idade Moderna, sobretudo com o movimento da Reforma,
nasceu a era dos catecismos, um gênero literário que irá se firmar
como o grande instrumento da catequese pelos séculos seguintes. Já
em 1402 o bispo Jean Gerson publicou sua Tríplice obra sobre o
decálogo, a confissão e a arte de bem morrer e depois sua obra mais
importante: De pueris ad Christum trahendis [Como conduzir os jovens
a Cristo], como manuais de instrução religiosa, para uso dos leigos que
sabiam ler e para o uso dos pastores na instrução dos iletrados.
O Sínodo Provincial de Tortosa (Espanha), em 1429, prescreveu que
se elaborasse “um breve compêndio, no qual estejam contidas, de
modo claro e sucinto, todas as coisas que o povo deve saber: o que crer
(artigos da fé), o que pedir (Pai-Nosso), observar (decálogo), evitar
(pecados capitais), esperar (paraíso) e temer (inferno)”, e que “durante
o ano o pároco o explique repetidas vezes”. É o primeiro aceno na
história daquilo que será chamado de catecismo. No fim do séc. XIV,
Pedro de Veragüe havia escrito um Tratado da doutrina com 154
estrofes (só 18 se referem ao credo e sacramentos), mas foi publicado
só no séc. XVI.
Johannes Gutenberg (1400-1468) inventou a imprensa com tipos
móveis, concluindo em 1455 a primorosa Bíblia latina. Foi uma
verdadeira revolução, proporcionando a divulgação mais rápida e fácil
dos conhecimentos. Do ponto de vista religioso, além da Bíblia,
multiplicaram-se as “artes de bem viver e de bem morrer”; publicaram-
se espelhos (reflexões de orientação moral): espelho dos pecadores, da
salvação, da perfeição; almanaques, revelações, chaves do paraíso etc.,
tudo muito eivado de superstições antigas com roupagens novas. Mas
é, sobretudo, o gênero catecismo que se beneficia grandemente com a
invenção da imprensa. O próprio Erasmo de Roterdam (1466-1536),
humanista cristão, que como tantos outros suspirava por uma profunda
reforma na Igreja, escreveu catecismos, infelizmente não muito
valorizados na história da catequese. Os catecismos de Erasmo
possuíam inspiração bíblica (sobretudo a partir do pensamento de
38
Paulo e João); os temas eram organizados ao redor do pensamento
paulino da “fé agindo pelo amor” (Gl 5,6): fé e caridade, mensagem e
moralidade, anúncio e imitação.
Outros autores que, no século XVI, propunham uma catequese a
partir do humanismo cristão foram G. Witzel, J. Pflug, Pedro Canísio e
Card. Estanislau Horius, mas não foram aceitos pela hierarquia
católica, que levantou suspeitas sobre esse humanismo e chegou a
colocar os próprios livros de Erasmo no elenco de livros proibidos
(Index).
Por outro lado, a Reforma Protestante fazia seu caminho. Lutero
traduziu a Bíblia em vernáculo (para seu dialeto alemão), em 1517.
Logo a seguir, em 1529 publicou seu “grande catecismo”, em latim, para
uso dos pastores, e depois o “pequeno catecismo” para o povo. Esse
último é fruto de suas pregações populares e, conforme alguns, “é, de
certo modo, a mais linear confissão de fé evangélica, cristocêntrica e
universal de Lutero” (BRAIDO, 1996, p. 46). Até 1560 já atingira cem mil
cópias, um verdadeiro best-seller devido também à recente invenção da
imprensa!
O Concílio de Trento (1545-1563), convocado para realizar a
verdadeira Reforma da Igreja e fazer frente aos reformadores, entre
outras coisas ordenou a publicação de um catecismo “em latim e em
vulgar, baseado na Bíblia e nos padres ortodoxos para que os fiéis,
instruídos por seus mestres, recordassem a profissão de fé no Batismo
e se preparassem para o estudo da Bíblia” (Introd.). Note-se, conforme
a mentalidade da época, a precedência do catecismo sobre a Bíblia! O
zeloso bispo de Milão, São Carlos Borromeu, foi seu coordenador de
redação. Tendo sido publicado em 1566 com o título de Catechismus ad
parochos [Catecismo para os párocos], é conhecido também como
Catecismo de Trento ou Romano.
Produzido dentro do modelo de Igreja surgido com a reforma
provocada pelo Concílio Tridentino, é um breve tratado de teologia
dirigido ao clero. Lê-se na introdução: “Sendo muitas e várias as coisas
que Deus nos revelou [...], com muita sabedoria nossos antepassados
distribuíram em quatro partes a vasta matéria da salvação: o símbolo
dos apóstolos, os sacramentos, o decálogo e a oração dominical”. Bento
39
XIV, em 1742, assim resumiu o mandato do Concílio de Trento sobre o
ensino do catecismo: “São duas as obrigações que o Concílio Tridentino
impôs aos que têm o dever pastoral: o primeiro é que nos dias festivos
ensinem nos sermões as coisas divinas; e o segundo, que instruam,
com os rudimentos da fé, as crianças e todo aquele que ignore a Lei
Divina” (Etsi minime 5).
Sem superar o preconceito da insuperabilidade do latim como língua
litúrgica, que perdurou até as vésperas do Vaticano II, perpetuou-se
durante séculos a falta de integração da catequese com a liturgia, parte
essencial do processo global de evangelização, permanecendo fechada
em seus limites doutrinais.
A partir da Reforma e Contrarreforma, nasceu a “era dos
catecismos”, perdurando até as portas do Vaticano II, em geral com
tom quase exclusivamente antiprotestante e polêmico. Trento é
considerado, com razão, um Concílio doutrinal; mas foi também
pastoral, na medida em que estabeleceu normas e procedimentos que
muito favoreceram a organização da Igreja, principalmente na curaanimarum (zelo pastoral). Em termos catequéticos, podemos concluir
que, com isso, a Igreja voltava a ter uma estrutura educativa estável e
definitiva: uma atividade (doutrina cristã a ser desenvolvida no âmbito
da paróquia) e um instrumento-texto (o catecismo). É uma solução
organizacional comparável, apenas, mantidas as proporções, ao grande
momento do catecumenato do passado (cf. MEDDI, 2004, 36).
Muitas ordens religiosas, nascidas nesse clima de reforma, tiveram
influência na catequese neste período: capuchinhos, barnabitas,
esculápios, mas, sobretudo, os jesuítas. Muitos desses últimos
publicaram catecismos de grande influência na Igreja: Pedro Canísio
(1521-1597) e Roberto Belarmino (1542-1621) estão entre os maiores e
brilham pela doutrina. Já os espanhóis Jerônimo Ripalda (1532-1618) e
Gaspar Astete (1537-1601) se destacam pelas fórmulas precisas,
breves, sintéticas e sem nenhuma explicação. Apesar da aridez e
exagerada importância à moral, esses dois últimos tiveram grande
divulgação nos países de língua castelhana.
40
A catequese no continente americano durante a colonização
O Diretório Nacional de Catequese brasileiro (2006) afirma: “Antes
mesmo de ter recebido dos missionários cristãos, a partir de 1492, a luz
do Evangelho, o Espírito do Senhor já estava presente nas populações
que habitavam o continente posteriormente denominado América
Latina. Elas reconheciam, a seu modo, a presença de Deus criador na
natureza e na vida e o cultuavam (cf. Puebla 201, 401, 403). Essas
‘sementes da Palavra’ (semina Verbi) facilitaram a missão
evangelizadora dos cristãos que aqui chegaram (cf. Santo Domingo 17)”
(DNC, n. 65).
Como em toda missão, os primeiros missionários do novo continente
encontraram terríveis dificuldades. Bem cedo surgem fortes tensões
graças à defesa dos índios diante das pressões escravagistas da
instituição colonizadora da encomienda (uma concessão de
recolhimento de tributos). Essas tensões vão crescendo à medida que
se forma uma sociedade sempre mais rigidamente estratificada e
discriminante com espanhóis e portugueses, índios, crioulos, mestiços,
negros escravos, mulatos. Seríssimos problemas de ordem
antropológica, social e teológica se criaram, sobretudo na
evangelização espanhola, com a implantação de um tipo de conquista e
de evangelização fundadas essencialmente na destruição da cultura
autóctone e seus “ídolos” e a substituição de uma crescente
espanholização.
Mas o influxo no desenvolvimento histórico posterior com
repercussões sobre a formação da cultura, a religiosidade, a pastoral e
a catequese, são muito evidentes (BRAIDO, 1991, p. 104). Outro tipo de
dificuldades enfrentadas pela obra evangelizadora foi a extensão
imensa dos territórios, a inexistência de comunicações, a
multiplicidade de línguas, as resistências dos povos que ali habitavam,
o contratestemunho dos brancos que, não poucas vezes, praticavam um
cristianismo bem diverso do pregado pelos missionários (cf. BRAIDO,
1991, p. 105).
41
a) A catequese no Brasil colonial
Com relação ao Brasil,[2] uma vez introduzido na história ocidental
e aberto para o mundo desenvolvido daquela época pela presença e
ação dos portugueses, a história do Brasil se entrelaça com a história
da evangelização e da catequese. Em 1532 fundaram-se as primeiras
paróquias, e de 1538 a 1541 a primeira missão formal instalou-se em
Santa Catarina por obra dos franciscanos. A grande epopeia dos
missionários, principalmente dos jesuítas, cuja existência também se
confunde com a história do Brasil, acompanhou de perto o crescimento
e desenvolvimento brasileiro como um dos protagonistas principais.
Com Tomé de Souza, o primeiro governador geral enviado de
Portugal, vinha também um grupo de missionários jesuítas em 1549,
nascidos pouco antes dentro do espírito da Contrarreforma, e com um
enorme impulso missionário. Foram eles encarregados da transmissão
da fé aos indígenas isolados dos centros urbanos. Até então, os
missionários davam pouca importância à tarefa sistemática de uma
catequese propriamente dita entre os indígenas. Com os jesuítas,
começou a implantação de uma catequese institucionalizada para os
colonizadores portugueses, seguindo o modelo tridentino, e para os
indígenas realizou-se a catequese missionária, bastante criativa e com
esforços para atingir aquilo que hoje chamamos de inculturação (cf.
LUSTOSA, 1992, p. 19-20).
De fato, após as primeiras tentativas de catequizar os indígenas
através de intérpretes (também para atender confissões dos
indígenas!), os missionários aprenderam a língua local,[3] escreveram
catecismos nessas línguas e usaram música, teatro, poesia, os autos e a
dança ritual para a obra evangelizadora. Tanto nos colégios como na
catequese indígena predominava a metodologia da tradição oral: uma
memorização da doutrina mais mecânica e menos assimilada. Aliás,
para os missionários “a questão da conversão dos índios não era
doutrinária, mas uma questão de costumes”, no dizer de padre Anchieta
(LEITE, 1955, p. 12).
Dentre os missionários distinguiram-se o padre Manoel da Nóbrega,
provincial, e São José de Anchieta, que veio como noviço e aqui se
42
formou, desenvolvendo uma atividade que o coloca entre os gigantes
da primeira evangelização latino-americana. Fundou colégios (como o
de São Paulo, que originou a atual metrópole), escreveu textos
catequéticos, teatros, gramáticas e poemas em quatro línguas: latim,
português, castelhano e tupi-guarani, sendo ao mesmo tempo
evangelizador, catequista, médico, artífice, pacificador, taumaturgo,
mestre-escola, arquiteto: um missionário completo.
Novas levas de missionários jesuítas chegaram ao Brasil nos anos
seguintes, tendo no padre Antônio Vieira uma figura ímpar.
Realizaram “uma obra sem exemplo na história”, na expressão de um
historiador (cf. ABREU, 1945, p. 105). Também outras ordens religiosas
(franciscanos, capuchinhos, beneditinos, carmelitas, mercedários) se
associaram à obra empreendida pelos jesuítas na extraordinária tarefa
espiritual da formação cristã do Brasil. Todos os missionários
enfrentavam inúmeras dificuldades por causa da ambição colonizadora
da política mercantilista, a ponto de o papa Urbano VIII escrever a
bula Comissum nobis, em 1638, em defesa dos índios.
Apesar dessas dificuldades, vemos que os missionários se
preocupavam não somente com novos métodos e técnicas, mas
também com a superação da simples catequese doutrinal ou instrução
(embora os textos vão muito nessa linha). Estavam muito atentos
àquilo que hoje chamamos de promoção humana e social do indígena
dentro de um contexto hostil e avesso a um tipo de atividade desse
gênero. Com menos intensidade, mas igual zelo apostólico, os jesuítas
fizeram esforços para a evangelização dos negros, que, numa atitude
anti-humana, sofriam a escravidão. Entretanto, não tiveram voz
suficiente para se opor a tão execrável instituição escravagista.
Esse gigantesco trabalho evangelizador não pode ser atribuído só
aos missionários, despojados, abertos à cultura indígena e com uma
alta consciência evangélica. Também os leigos, especialmente as
mulheres, tiveram papel importante, infelizmente esquecido pela
história: estiveram sempre ao lado dos missionários, ora assumindo
mesmo o comando dos aldeamentos, ora fazendo parte integrante do
processo catequizador. (Cf. LUSTOSA, ibidem).
As ideias que transformavam a Europa no século XVIII tinham sua
43
repercussão no Brasil: o Iluminismo, os ideais da Revolução Francesa,
o mercantilismo, o despotismo esclarecido. Esse último movimento
teve enorme influência no Brasil, através de Sebastião José de
Carvalho e Melo, marquês de Pombal. Nomeado primeiro ministro de
D. José I, de Portugal, suas medidas políticas afetaram profundamente
a ação da Igreja, particularmente por causa da expulsão dos jesuítas
(1759), com o consequente enfraquecimento da rede de escolas que
eles mantinham ao longo do território nacional, e pela imposição do
catecismo jansenista. Pombal não estava interessado nas questões teo-
lógicas desse catecismo, mas no aspectopolítico com relação ao poder
central da Igreja de que ele era revestido. Muitos bispos brasileiros
protestaram, mas inutilmente; outros, ao invés, oficializaram o texto
em suas dioceses. Ele foi divulgado por toda parte, influenciando
tremendamente a catequese no Brasil até o início do período imperial.
Mais do que o jansenismo dogmático, teve grande influência na
formação religiosa brasileira o jansenismo moral, com seu rigorismo
ascético fanaticamente exacerbado, a busca da pureza legal sem
limites, a luta indiscriminada contra o espírito de tolerância e o
laxismo, visão negativa da sexualidade e a divulgação de um
cristianismo triste (cf. LUSTOSA, 1991, p. 67).
A catequese oficial, que entrou em crise, encontrou formas supletivas
na catequese popular. Esta se caracterizava pela simplicidade, pelo
conhecimento do essencial da fé, pela prática de um catolicismo
despojado de fórmulas e de gosto popular, pela austeridade nas
normas fundamentais, e pelo grande número de devoções com forte
confiança na mediação dos santos. Era uma catequese que se
caracterizava pela transmissão de pai para filho dentro dos valores da
herança familiar. O sincretismo religioso, mistura de elementos da
religião indígena, africana e do catolicismo romano, foi se firmando e
caracterizando muitas regiões brasileiras.
A religiosidade popular encontrou um campo propício no qual se
firmar e expandir; cresceu a catequese de cunho popular: a fé é
mantida e sustentada por gente simples do povo, rezadores, puxadores
de novena, pregadores populares. Sobressaem, entre eles, os ermitões
e as rezadeiras. Ao seu redor, reuniam-se massas de fiéis para práticas
44
de catolicismo popular, que até o dia de hoje se refletem em nosso
folclore religioso e em nosso modo concreto de sentir e viver a Igreja
nas bases e no chão do povo.
45
b) Catequese na América Espanhola
Nos primórdios da epopeia evangelizadora do novo mundo
encontra-se o Frei Ramón Pané, leigo jerônimo, catalão; aprendeu
várias línguas indígenas e realizou, desde 1494, um catecumenato de
dois anos com uma família na ilha Quiskeya (hoje Haiti), chamada La
Espanõla por Colombo. Quatro desses neófitos foram trucidados pela
perseguição e são considerados os protomártires latino-americanos. O
frei Ramón Pané é reconhecido como o primeiro catequista do
continente (cf. BRAIDO, 1991, p. 106).
Embora os reis católicos Fernando e Isabel tenham dado instruções
a Colombo em 1493 e 1497, somente a partir de 1502 o poder central
espanhol tomou sérias providências sobre a evangelização. A partir
daí, grupos sempre mais numerosos de missionários acompanhavam os
colonizadores militares e civis. Em 1500 chega a Santo Domingo a
primeira missão franciscana, seguida por outra em 1502 com 17
missionários. Os dominicanos aportam entre 1509 e 1511 (4 sacerdotes
e 4 leigos), seguidos de outros 13, chefiados pelo Frei Pedro de
Córdoba. Em 1524, ao México chegam os célebres “12 apóstolos da
Nova Espanha”, franciscanos. Seguidamente é a vez dos jerônimos,
dominicanos, agostinianos, mercedários, carmelitas. Na segunda
metade do século XVI entram em cena, como no Brasil, os jesuítas.
No território ao norte do México, chamado Nova Espanha, a
evangelização foi mais rápida e grandiosa, ao passo que no sul
encontrou mais dificuldades também pelos vastos territórios e pela
epopeia militar de “pacificação” levada a cabo por Hernán Cortés na
conquista do império asteca. O mercedário padre Olmedo realizou uma
primeira evangelização através da pregação, catecismos, destruição dos
ídolos, adoração da cruz, Batismos, missas. O franciscano leigo Pedro
de Gante em 1523, com os “12 apóstolos” depois, dotados de
amplíssimas faculdades pelo papa Alexandre VI (Exponi nobis),
realizaram uma catequese mais sistemática (cf. BRAIDO, 1991, p. 106).
Além dos célebres catecismos pictóricos mediante símbolos, desenhos e
pinturas extraídos da mesma cultura indígena, e de tentar um
catecumenato urbano, chegaram a ter durante cinco anos diálogos
evangelizadores com os sábios astecas, resumidos e dramatizados nos
46
Coloquios y doctrina Cristiana de Frei Bernardino de Saahgún (CELAM,
2003, p. 92-93).
Juan de Zumárraga (1469-1548), também franciscano, bispo desde
1427, foi nomeado arcebispo do México em 1546; com ele, muito
cresceu a obra de conversão e defesa dos índios. Deu importância à
pregação e à catequese pictórica, muito incrementada depois que ele
introduziu a imprensa pela primeira vez no continente americano.
Escreve uma Doctrina breve, na qual se constata claramente a in-
fluência de Erasmo de Roterdam. Outra obra de importância foi a
Doctrina cristiana para instrucción e información de los indios por
manera de hystoria de Pedro de Córdoba (1544), dominicano que havia
trabalhado nas Antilhas (BRAIDO, 1991, p. 107).
O primeiro Concílio Provincial do México (1555) estabeleceu as
primeiras normas oficiais sobre a catequese e o catecismo, espelhando-
se muito no mundo europeu: uso de uma doutrina uniforme, catecismo
menor e maior, sermões catequéticos para adultos, orações em latim e
castelhano, tradução nas línguas mais conhecidas entre os nativos.
Prescreve que catequese e pregação sejam feitas nas línguas locais, e
que todos mandem seus filhos, servos e escravos, sobretudo negros
abaixo dos doze anos, para receberem a instrução religiosa (BRAIDO,
1991, p. 110).
Com relação à América do Sul, basta citar o trabalho evangelizador
de São Turíbio de Mongrovejo (1538-1606), arcebispo de Lima,
conterrâneo de Santa Rosa de Lima e São Martinho de Porres (da
família dominicana), frutos de santidade da primeira evangelização
latino-americana. São Turíbio escreveu um catecismo bastante
inculturado, em quíchua e aimará, os dois idiomas mais conhecidos
entre a população indígena andina. Infelizmente, esse hercúleo esforço
de inculturação foi fadado ao fracasso diante do rolo compressor dos
catecismos de Ripalda e Astete, jesuítas espanhóis, que pela
simplicidade e síntese da fé, embora apenas sob o aspecto doutrinal, se
impuseram nos séculos seguintes.
47
4. Catequese na Idade Contemporânea
Transformações na Europa nos séculos XVIII e XIX
Enquanto na França os ventos da Revolução Francesa sacudiam o
pensamento, as instituições e a cultura, com grande perseguição
cruenta à Igreja, sempre na defensiva diante dos ataques
revolucionários, na Áustria a reforma pedagógica de Maria Tereza
trazia renovação ao ensino, e o Estado assumia seus deveres com
relação à instrução dos cidadãos. Surgiram os primeiros ensaios da
“ciência catequética”. J. Felbiger e J. Hecker, sob influência do
Iluminismo nascente, propuseram “uma nova figura de catequese
[estatal] chamada a coexistir ao lado da catequese eclesial, atendendo
também às finalidades sociais do Estado” (MED DI, 2004, p. 45).
Por obra do beneditino Rautenstrauch, foi introduzido em 1774 o
ensino da catequética nos cursos de teologia do Império Austro-
Húngaro. Trata-se de uma reflexão científica sobre a catequese,
inserida não sem certa perplexidade dentro da teologia pastoral, e
insistindo sobre o aspecto da instrução e formação moral, com
objetivos cívicos (BRAIDO, 1991, p. 323-329).
Tal reforma impôs o ensino primário obrigatório, e nele estava
garantida também a formação religiosa; isso fez com que a Igreja,
então, se preocupasse apenas com a catequese para crianças que não
frequentavam as escolas. Assim, o catecismo se escolarizou, trazendo
aspectos positivos e negativos: sob o regime escolar, com toda sua
riqueza pedagógica e didática, a catequese perdeu seu húmus próprio,
que é a comunidade de fé. Portanto, a paróquia, embora tenha ganhado
do ponto de vista metodológico, perdeu do ponto de vista teológico,
comunitário. Esse revés chegou até os dias de hoje...
Os protestantes fundaram as escolas dominicais, de origem inglesa e
estendida a todo mundo protestante; elas não só cuidavam da instrução
de crianças, mas também de adultos. Passado o furacão da Revolução
Francesa, a catequese católica se beneficiou da grande renovação
espiritual e pastoral na França

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