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FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 19 Capítulo 2 - SISMOLOGIA Uma das mais devastadoras catástrofes naturais, pelo número de vítimas e pelos danos materiais que origina, é a causada pelos sismos que periodicamente atingem a Terra. Alguns sismos têm chegado a causar um número de mortos que ultrapassa as centenas de milhar e os seus efeitos destruidores têm-se sentido em áreas muito amplas, abrangendo centenas de milhar de quilómetros quadrados. Segundo Bolt [1999] “O tremor de terra que durante longo tempo ocupou o lugar entre os maiores dos tempos modernos foi o sismo de Lisboa de 1755”. O sismo ocorreu cerca das 9h 30 min, em Lisboa, causando fortes danos ao longo das costas da Península Ibérica e de Marrocos, destruindo Lisboa e afectando uma área de três milhões de quilómetros quadrados. A dimensão catastrófica deste fenómeno causou um tremendo impacto na cidade de Lisboa e em algumas povoações da costa do Algarve. A Intensidade Macrosísmica (ver capítulo posterior) estimada para a cidade de Lisboa é de X-XI e de cerca de X (escala de Mercalli) no sudoeste Algarvio (Pereira de Sousa, 1919). Este sismo gerou ainda um tsunami cujas ondas destrutivas foram observadas em Lisboa, na zona do Cabo de S. Vicente, no Golfo de Cadiz e no noroeste de Marrocos. Outros exemplos conhecidos são os do sismo de Assam, na Índia, a 12 de Junho de 1897 que afectou uma área de 350 000 km2, ou o de Kwanto, no Japão, a 1 de Setembro de 1923, em que as cidades de Tokio e Yokohama foram atingidas pelo fogo, causando um número de mortos superior a 100 000. A China é, também, uma região sujeita a grandes sismos catastróficos, como o de 1920 que afectou uma área de cerca de 1 milhão de km2, nas províncias de Kansu e Schansi, e causou 80 000 mortos e, o mais recente sismo de Sichuan, em 2008, que causou quase 90 000 mortos. O sismo de São Francisco, que destruiu esta cidade da Califórnia a 18 de Abril de 1906, abriu uma grande fractura com mais de 300 km de comprimento. Um dos sismos que causou mais vítimas, aconteceu também na China, na província de Tangshan, a 27 de Julho de 1976, causando aproximadamente 650 000 mortos e 780 000 feridos. Nos últimos anos, o sismo que causou mais mortos foi o do Haiti, em 2010, com cerca de 316 000 vítimas. Quando ocorre um sismo, a energia libertada é propagada em todas as direcções sob a forma de ondas elásticas que, neste caso, se denominam ondas sísmicas. Estas ondas são em parte semelhantes às provocadas na água quando deixamos cair uma pedra, ou às ondas sonoras que se propagam no ar quando falamos. 2.1 TEORIA DA ELASTICIDADE 2.1.1 Comportamento elástico, anelástico e plástico dos materiais Quando uma força é aplicada a um material o resultado é que se ele se deforma: as suas partículas são deslocadas das suas posições originais. Em muitas situações, os deslocamentos são reversíveis: quando a força é FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 20 removida as partículas voltam às suas posições inicias e, por isso, não resulta nenhuma deformação permanente do material. Chama-se a isto um comportamento elástico. O exemplo seguinte ilustra bem a lei do comportamento elástico. Considere-se um cilindro de altura h e área A sujeito a uma força F que actua de modo a esticar o cilindro de uma quantidade h (fig 2.1). A experiência mostra que, para uma deformação elástica, h é directamente proporcional à força aplicada e à dimensão “não deformada” do corpo, mas que é inversamente proporcional à secção do cilindro. Esta relação pode ser traduzida pela seguinte equação: h h E A F (2.1) (2.1) h h h 0 lim A F A A 0 lim Figura 2.1 – Relação tensão-deformação 1D para um corpo elástico Quando a área A se torna infinitesimalmente pequena o valor limite da força por unidade área (F/A) é designado por tensão . A unidade da tensão é a mesma da pressão, ou seja o Pascal (S.I.). Quando h se torna infinitesimal a variação fraccional da dimensão ( hh / ), que é uma grandeza adimensional, é designada por deformação . A equação (2.1) diz que, para um comportamento elástico, a deformação de um corpo é proporcional à tensão a ele aplicada: E (2.2) Esta relação linear é conhecida por lei de Hooke, e é a base da teoria da elasticidade. A constante de proporcionalidade E designa-se por Módulo de Young Para além de um certo limite da tensão, a lei de Hooke deixa de se verificar (fig 2.2). Ainda que o material se comporte de modo elástico, a relação tensão- deformação já não é linear. Se o sólido for deformado para além de um certo limite, conhecido por limite elástico, ele já não recuperará a forma original quando a tensão for removida. Neste intervalo um pequeno aumento da tensão aplicada provoca um elevado aumento da deformação. Esta diz-se então que é plástica e quando a tensão for removida a deformação não regressa a zero; o material foi deformado de modo permanente. Se eventualmente a tensão ultrapassar o limite de resistência do material este “cede”. Em algumas rochas a cedência pode acontecer abruptamente, ainda dentro do limite elástico; a isto chama-se comportamento frágil. O comportamento não-frágil, ou dúctíl, dos materiais sob tensão depende da escala de tempo da deformação. Um material elástico deforma-se imediatamente quando a ele se aplica uma tensão e mantém a deformação constante até que a tensão seja removida, após o que a deformação regressa ao estado inicial. Limite elásticoLimite elástico F Fig. 2.1 FF Fig. 2.1 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 21 2.1.2 A matriz das tensões Considere-se a força F que actua numa das faces de um cubo cujas arestas estão orientadas de acordo com os eixos x, y e z num sistema de referência Cartesiano ortogonal (figura 3.3). A componente de F que actua na direcção x designa-se xF e as restantes duas componentes, Fy e Fz, definem-se de forma análoga. A dimensão de um pequeno elemento de superfície é caracterizado pela área A e a sua orientação é descrita pela direcção normal a essa superfície. Por exemplo xA representa a área A cuja normal está orientada ao longo do eixo dos xx (ou seja, que a área assenta no plano yz, como seja a face A do cubo da figura 2.3). A componente da força xF que actua (perpendicularmente) sobre a área xA produz uma tensão normal xx . Das componentes dessa força ao longo dos eixos y e z resultam as tensões de corte (ou cisalhantes) xy e xz. Figura 2.3 - À esquerda, representação da matriz das tensões que actuam na face x de um elemento de volume. Na figura da direita representam-se todas as componentes do tensor das tensões (onde está deve-se ter , e em vez de x1,x2,x3 deve-se ter xyz para manter a simbologia adoptada nesta unidade). O conjunto das tensões que actuam na face x de um elemento de volume são dadas por: 0 0 0 , ,lim lim lim x x x yx z xx yx zx A A A x x x FF F A A A (2.3) De um modo semelhante, mas usando desta vez as áreas yA e zA , se definem as outras tensões normais, yy e zz , bem como as restantes tensõesde corte xy , zy , xz e yz . As nove componentes da tensão definem completamente o estado de tensão a que o corpo está sujeito e podem ser convenientemente descritas pela matriz das tensões (ver figura 2.3): xx xy xz yx yy yz zx zy zz (2.4) Se as forças que actuam no corpo estiverem compensadas de modo a não provocarem rotações, esta matriz de 3 3 é simétrica (i.e. ; ;xy yx yz zy zx xz ) e só contém seis elementos independentes. FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 22 2.1.3 A matriz de deformação Tal como o estado de tensão é descrito por uma matriz, também a deformação infinitesimal sofrida por um corpo pode representadas por uma matriz 3x3. 2.1.3.1 Deformação Longitudinal Consideremos primeiro o caso unidimensional representado na figura 2.4 centrando a nossa atenção nos pontos x e ( x x ). Se o ponto x fôr deslocado uma quantidade infinitesimal u na direcção do eixo dos xx, o ponto ( x x ) será deslocado de ( u u ), onde u , em aproximação de primeira ordem, é igual a u x x . A deformação longitudinal, ou apenas extensão, na direcção x é a variação fraccional do comprimento do elemento ao longo do eixo dos xx. A separação original dos dois pontos era x , mas um ponto foi deslocado de u e o outro de ( u u ), por isso a nova separação será dada por ( x u ). Figura 2.4 - Deslocamentos infinitesimais de dois pontos de um corpo inicialmente localizados em x e x+x. A componente da deformação paralela ao eixo dos xx, xx , é então dada por variação da separação separação original xx xx u x x x x x u x (2.5a) Podemos estender esta descrição da extensão ao caso mais real das três dimensões. Se um ponto (x, y, z) for deslocado de uma quantidade infinitésimal para a posição ( , ,x u y v z w ), as outras duas deformações longitudinais yy e zz são definidas por y v yy e z w zz (2.5b) Num corpo com comportamento elástico as deformações yy e zz não são independentes de xx . Considere-se a variação de forma da barra representada na figura 2.5. O alongamento na direcção paralela a x é acompanhado por uma contração nas direcções paralelas aos eixos dos yy e zz FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 23 (esta última não está obviamente representada na figura, pois ela apenas representa o que se passa no plano x-y). As deformações yy e zz têm um sinal oposto, mas são proporcionais à extensão xx , sendo dadas por e yy xx zz xx (2.6) A constante de proporcionalidade é chamada Razão de Poisson. Os valores das constantes elásticas dos materiais restringem a gama de variação de entre 0 (não existe contracção lateral) e um máximo de 0.5 (não existe variação de volume) para fluidos imcompressíveis. Em rochas muito rijas como é, por exemplo, o caso dos granitos vale cerca de 0.24 - 0.27, enquanto para sedimentos pouco consolidados o seu valor já se encontra no intervalo 0.34 - 0.40. Um corpo para o qual o valor de seja de 0.25 é designado por corpo de Poisson ideal. 2.1.3.2 Dilatação A dilatação é definida como sendo a variação fraccional de volume de um elemento no limite em que a sua área tende para zero. Considere-se um elemento de volume não deformado que tem de lados ,x y e z , e volume V x y z . Em resultado de deslocamentos infinitésimais ,u v e w as arestas aumentam, respectivamente, para x u , y v e z w . A variação fraccional de volume é então dada por x u y v z w x y zV V x y z x y z u y z v z x w x y x y z x y z u v w x y z (2.7) onde as quantidades muito pequenas (de segunda ordem) como u v , v w , w u e u v w foram desprezadas. No limite, quando ,x y e z tendem para zero, obtemos a dilatação (ou dilatação cúbica): xx yy zz u y w x y z (2.8) 2.1.3.3 Deformação de corte Geralmente durante a deformação um corpo experimenta não só a deformação longitudinal descrita anteriormente, mas também uma deformação de corte (ou cisalhante) produzida pelas componentes da tensão de corte ( xy , yz , zx ), que se manifesta por uma variação das relações angulares entre as diferentes partes do corpo. É mais fácil ilustrar este fenómeno no caso bi-dimensional. Considere-se o rectângulo de lados x e y deformado devido à aplicação de uma tensão de corte actuando no plano x y (fig 2.6a). Tal como no exemplo prévio da deformação longitudinal, o ponto A é deslocado paralelamente ao eixo dos xx de uma quantidade u. Contudo, devido à deformação de corte, os pontos entre A e D experimentam deslocamentos tanto maiores quanto mais afastados estiverem de A. O ponto D, que dista de y na vertical de A é deslocado de uma quantidade de u y y na direcção do eixo dos xx. Isto provoca uma pequena rotação 1 no sentido horário do lado AD dada por 1tan u y y u y y (2.9a) FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 24 A’ D’ A D A’ A B’ BB’ C’ D’ A’ B’ C’ A D B C Figura 2.6 – Deformação de corte De um modo semelhante, o ponto A é deslocado paralelamente ao eixo dos yy de uma quantidade v, enquanto o ponto B que está a uma distância horizontal x de A é deslocado de v x x na direcção do eixo dos yy (fig 2.6b). Em consequência disto, o lado AB é sofre uma pequena rotação 2 no sentido anti-horário dada por 2tan v x x v x x (2.9b) As deformações elásticas processam-se através de deslocações e deformações infinitésimais, por isso os ângulos são normalmente pequenos, o que nos permite fazer a aproximação de que 1 1tan e 2 2tan . A deformação de corte no plano x-y ( xy ) dfine-se como sendo metade da deformação angular total (ou a média das duas deformações) 1 2 xy v u x y (2.10a) Transpondo x e y e os deslocamentos correspondentes u e v obtemos a componente yx 1 2 yx u v y x (2.10b) que é idêntica a xy . A distorção angular total no plano x-y é ( xy yx ). Mais uma vez, de modo análogo as componentes da deformação yz zy e xz zx são definidas, respectivamente, nos planos y-z e z-x por 1 2 1 2 yz zy zx xz w v y z u w z x (210c) Finalmente, as deformações longitudinais e de corte definem uma matriz 3 3 simétrica, chamadaa matriz das deformações xx xy xz yx yy yz zx zy zz (2.10d) FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 25 2.1.4 As constantes elásticas No intervalo de deformação elástica a lei de Hooke diz-nos que existe uma relação linear entre a tensão e a deformação, sendo que o quociente entre estas duas grandezas define uma constante elástica. Como por sua vez as deformações já são dadas por quocientes entre comprimentos (por isso são adimensionais) as constantes elásticas têm as mesmas dimensões que a tensão (Nm-2). Os módulos elásticos (outro nome dado às constantes elásticas), definidos para diferentes tipos de deformações, são o módulo de Young, o módulo de rigidez, o módulo de volume (ou incompressibilidade) (“bulk modulus”) e a Razão de Poisson. O módulo de Young (E) define-se a partir da deformação extensional. Cada deformação longitudinal é proporcional à componente da tensão correspondente, ou seja , ,xx xx yy yy zz zzE E E (2.11) O módulo de rigidez ( ) define-se a partir da deformação de corte. Tal como na deformação longitudinal cada tensão de corte é proporcional à componente da tensão de corte correspondente, ou seja , ,xy xy yz yz zx zx (2.12) O módulo de volume, ou incompressibilidade, (K) define-se a partir da dilatação sofrida por um corpo quando sob o efeito de uma pressão hidrostática. Em condições hidrostáticas as componentes da tensão de corte são nulas ( 0xy yz zx ) e a pressão é igual em todas as direcções ( xx yy zz p ). Isto acontece porque, em condições hisdrostáticas, a pressão p resulta apenas do peso por unidade de área da coluna de fluido que encontra acima de um determinado nível. O módulo de volume é dado pela razão entre a pressão hidrostática e a dilatação, isto é p K (2.13) Ao inverso do módulo de volume chama-se compressibilidade. 2.1.4.1 As constantes de Lamé Para se tratar convenientemente com a teoria da elasticidade é conveniente utilizar a notação tensorial. Nesta notação, as componentes da tensão e da deformação são escritas na forma ij e ij , onde os índices i e j podem tomar os valores de x, y ou z. Podemos então escrever a lei de Hooke para um sólido elástico e isotrópico na forma 2ij ij ij (2.14) Nesta expressão continua a representar a dilatação e ij é chamado de símbolo de Krönecker. Este símbolo vale zero se i for diferente de j e vale 1 caso i seja igual a j, ou seja, 0 se ij i j e 1 se ij i j . As constantes e , são denominadas de constantes de Lamé e estão relacionadas com as constantes elásticas definidas anteriormente. é equivalente ao módulo de rigidez e K e E podem-se exprimir em termos de e . 2.1.4.2 Relação entre os vários parâmetros elásticos Dos 5 parâmetros elásticos estudados, apenas 2 são independentes, podendo-se todos os outros deduzir a partir deles. Apresenta-se aqui a dedução das relações entre o módulo de Young, a razão de Poisson e as constantes de Lamé, deixando-se as outras deduções para realizar como exercício. Na tabela 2.I apresenta-se uma síntese das relações que existem entre os diversos parâmetros elásticos. Como se viu atrás, o módulo de volume (K) descreve-nos a variação volumétrica de um corpo quando sujeito à acção das tensões normais ,xx yy e zz . Expandindo a equação tensorial da lei de Hooke para estas componentes da tensão obtém-se FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 26 2 2 2 xx xx yy yy zz zz (2.15) que adicionadas e assumindo condições hidrostáticas ( xx yy zz p ) dá 3 2 3 3 2 xx yy zz xx yy zz p e usando a definição de K p , vem 2 3 K (2.16) Tabela 2.I - Relações existentes entre os diversos parâmetros elásticos K E 2 )(3 K 3 2 3 2 K K K 3 9 )(2 2 21 )21(3 )1(2 21 2 )1(2 K3 22 21 3 K 3 1 1 3K 23 )3(2 23 K K )1(2 E )21(3 E )21)(1( E )21(3 K K EK 6 3 Como vimos antes, o sólido de Poisson ideal corresponde a se ter 0.25 . Em termos dos parâmetros de Lamé, esta situação é equivalente a considerar-se que se tem . A tabela 2.II mostra os valores dos parâmetros elásticos para alguns materiais comuns e componentes da crosta e manto. Tabela 2.II - Valores de constantes elásticas (e densidades) para alguns materiais comuns Material (GPa) K (GPa) (GPa) ρ (kg/m 3 ) Água 0 2.1 2.1 0.5 1000 Areia 6 17 13 0.34 1900 Olivina 83 129 74 0.24 3200 Perovskite 153 266 164 0.26 4100 2.1.4.3 Anisotropia A discussão precedente apresentou-nos os parâmetros elásticos como sendo constantes, o que corresponde a considerar os materiais homogéneos. Contudo, na natureza isto não é estritamente verdadeiro, pois eles dependem de condições tais como a pressão e a temperatura e só poderão ser considerados constantes em circunstâncias específicas. Dada esta dependência com a pressão e a temperatura os parâmetros elásticos têm que variar com a profundidade. O Globo terrestre deve ser considerado como um meio geralmente heterogéneo. FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 27 Para além disso, na exposição apresentada admitiu-se também que a relação entre a tensão e a deformação era igual para todas as direcções, uma propriedade que se chama de isotropia. O contrário disto, a anisotropia, significa que se bem que a relação entre a tensão e a deformação continue a ser linear, as constantes de proporcionalidade variam consoante a direcção em que estamos a “olhar”. Na verdade, é isto que acontece em muitos minerais, especialmente se eles tiverem simetria uniaxial. Considerando o caso mais real de uma substância anisotrópica, as relações entre as componentes das tensões e deformações são bastante mais complexas e são neste caso necessários 21 parâmetros para descrever o comportamento elástico anisotrópico (contrariamente aos dois, e , que bastam para o caso isotrópico). Como iremos ver nos parágrafos seguintes, a velocidade das ondas sísmicas depende apenas dos parâmetros elásticos (e da densidade) pelo que num meio anisotrópico a velocidade das ondas vai depender da sua direcção de propagação (fig 2.7). Figura 2.7 - Ilustração dos conceitos de heterogeneidade e anisotropia. a) meio homogéneo e isotrópico; b) meio heterogéneo e isotrópico; c) meio anisotrópico homogéneo; d) meio anisotrópico e heterogéneo. 2.2 AS ONDAS SÍSMICAS A descrição da propagação de ondas sísmicas através de meios heterogéneos é extremamente complexa por isso, para se obterem equações que descrevam essa propagação adequadamente, é necessário admitir condições simplificadoras. Uma delas consiste em assumir que o meio heterogéneo pode ser convenientementemodelado por uma sucessão de camadas paralelas, no interior das quais se podem assumir condições de homogeneidade. Uma escolha conveniente da espessura, densidade e propriedades elásticas de cada camada permite fazer uma aproximação realista das condições naturais. Contudo, a mais importante consiste em admitir que a perturbação sísmica se propaga atavés de um deslocamento elástico do meio. Apesar de isto não ser verdadeiro nas imediações da fonte sísmica (onde as partículas são deslocadas permanentemente em relação à posição das sua vizinhas – senão não haveria ruptura), para além de uma certa distância desta é muito razoável admitir que a amplitude da perturbação diminui a um nível para o qual o meio apenas se deforma elasticamente, permitindo a passagem a onda sísmica. Vejamos agora o que sucede quando a energia sísmica é libertada a partir de um ponto P pertencente a um meio homogéneo, mas localizado perto da sua superfície (fig 2.8). Nestas circunstâncias, parte da energia propaga-se através do meio sob a forma de ondas que se designam por ondas volúmicas, e a parte restante da energia desloca-se ao longo da superfície sob a forma de ondas que se designam por ondas superficiais. Uma analogia apropriada para descrever este último tipo de ondas é o das ondículas que se geram e propagam na superfície livre FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 28 da água em repouso quando a ela se atira, por exemplo, uma pedra. Figura 2.8 - Propagação de ondas sísmicas a partir de uma fonte pontual num meio homogéneo. Neste exemplo a energia propaga-se como ondas volúmicas. 2.2.1 Ondas volúmicas Para ondas sísmicas de volume que se propagam num espaço a três dimensões, a energia espalha-se por uma superfície progressivamente maior (ver fig. 3.8), sendo a área proporcional ao quadrado da distância à fonte ( r2). Recordando que a energia da onda é proporcional ao quadrado da sua amplitude, tem-se que nas ondas de volume, divido à dispersão geométrica, se deve ter que a amplitude é inversamente proporcional à distância à fonte, i.e. A1/r. À semelhança do que ocorre na óptica, designa-se por frente de onda a superfície definida por todos os pontos que se encontram no mesmo estado de vibração (i.e. têm a mesma fase). A direcção perpendicular à frente de onda designa-se por raio sísmico. A frente de onda tem uma forma esférica para pequenas distâncias à fonte e é em geral uma superfície curva. No entanto, se consideramos uma região limitada da frente de onda ela pode-se ser aproximada pelo plano tangente. Esta aproximação será tanto mais exacta quanto mais nos afastarmos da fonte. Nestas condições a frente de onda pode ser aproximada por uma onda plana. A aproximação da onda plana permite a utilização de um sistema de coordenadas Cartesiano e ortogonal para descrever o movimento harmónico no plano da frente de onda, o que constitui uma simplificação bastante conveniente. No entanto, mesmo com esta aproximação, a descrição matemática dos movimentos tridimensionais do meio elástico é bastante complexa. Não iremos fazer aqui esse tratamento completo, mas apenas uma descrição mais simples e menos rigorosa, que permite ainda assim compreender os fundamentos da propagação das ondas volúmicas. 2.2.1.1. Ondas longitudinais ou compressivas Tratemos primeiro o caso de uma onda compressiva unidimensional (fig 2.9). Para isso, vamos considerar um sistema de eixos cartesianos em que o eixo x aponta na direcção de propagação da onda e os eixos y e z assentam no plano da frente de onda (fig 2.10). Na direcção x o movimento das partículas é o que se poderá chamar de “para a frente e para trás”, resultando daqui que o meio é sucessivamente comprimido e distendido (figs. 2.9 e 2.10a). É a propagação deste movimento vibratório, ao longo de uma dada direcção (no nosso caso, a do eixo dos xx), que constitui a onda longitudinal. Uma onda a propagar-se ao longo de uma mola constitui uma excelente analogia para este tipo de ondas sísmicas. Também o som se propaga no ar por meio de compressões e rarefacções, isto é, através de ondas longitudinais. FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 29 Figura 2.9 - Movimento das partículas provocado pela passagem de uma onda longitudinal. Na figura 2.10b xA representa a área da frente de onda perpendicular à direcção de propagação. Numa posição qualquer x (fig 2.10c), a passagem da onda produz um deslocamento u e uma força xF na direcção x. Na posição x dx o deslocamento é u du e a força x xF dF . Aqui, dx representa o comprimento infinitesimal de um pequeno elemento de volume cuja massa é xdxA . A força resultante que actua neste elemento de volume é dada por xx x x x F F dF F dF dx x (2.17) Esta força xF é causada pela componente da tensão xx que actua na área xA e que é igual a xx xA . Podemos agora escrever a equação do movimento unidimensional, usando para isso a 2ª lei de Newton 2 2 xx x x u dxA dxA xt (2.18) A definição do módulo de Young, E, e da deformação normal, xx , permitem escrever xx xx u E E x (2.19) Substituindo na equação anterior obtemos a equação da onda unidimensional 2 2 2 2 2 x u V t u (2.20) onde V representa a velocidade da onda, dada por E V (2.21) FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 30 Figura 2.9 – O movimento de uma partícula numa onda P unidimensional é transmitido como uma série de rarefracções (R) e de contracções (C) paralelas ao eixo dos xx. Figura 2.10 - O movimento de uma partícula devido à passagem de uma onda P unidimensional é transmitido como uma série de rarefacções (R) e contracções (C) paralelas ao eixo dos xx. Este caso agora apresentado, da onda unidimensional, é na verdade bastante restritivo, pois não considerou o que se passa nas direcções y e z. Recorde-se que num sólido elástico, as defor-mações numa direcção qualquer estão sempre acopladas às deformações transversais através da razão de Poisson do meio. Quer isto dizer, por exemplo neste caso, que a área xA não poderia ter sido considerada constan-te. Para se ser rigoroso, o que se deve fazer é olhar para o que acontece simultaneamente ao longo de cada uma das três direcções do espaço. Isto pode ser feito se se analizarem as variações de volume de um elemento do meio quando este é “atravessado” pela onda. Fazendo isso, a equação da onda compressiva na direcção x é 2 2 2 2 2t x (2.22) onde representa a velocidade de propagação da onda que, usando a equação (2.22) 2 3K , é dada por 2 4 3K (2.23) As ondas longitudinais são as mais rápidas de todas as ondas sísmicas e, como tal, quando ocorre um sismo estas são as primeiras a chegar a um dado local, sendo por isso chamadas de ondas primárias, ou ondas P. A equação (2.23) mostra também que as ondas P se deslocam tanto através de sólidos, como de líquidos e gases (neste último caso, constituem as nossas conhecidas ondas sonoras), pois todos eles são compressíveis ( 0K ). No entanto, os líquidos e os gases não suportam tensões de cortee por isso 0 (equivalente a dizer que eles não têm rigidez). Logo, a velocidade destas ondas nos fluidos é dada apenas por K (2.24) 2.2.1.2 Ondas transversais, ou de corte Nas ondas transversais o movimento de vibração dá-se no plano definido pela frente de onda e, como tal, perpendicularmente à direcção de propagação (figs 2.11 e 2.12). Vamos começar por estudar apenas o que se FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 31 passa no plano vertical definido pelos eixos x e z. Figura 2.11 - Movimento das partículas provocado pela passagem de uma onda transversal. Figura 2.12 - a) Deformação de corte provocada pela passagem de uma onda transversal; b) deslocamento e forças segundo a direcção z nas posições x e x+dx. Também como boa analogia a este tipo de ondas se pode citar o exemplo da corda da roupa bem esticada, que é posta a vibrar com uma perturbação exercida na vertical. A passagem da onda transversal obriga a que os planos verticais do meio se movam “para cima e para baixo” e que por isso os elementos adjacentes do meio sofram variações de forma, alternando esta entre a de um rectângulo e um losango (figs 2.11 e 2.12a). Centremo-nos apenas sobre o que sucede a um elemento de volume (fig 2.12b) cujos planos verticais estão separados de dx . A passagem da onda ao longo da direcção x produz um deslocamento w e uma força zF na direcção do eixo dos zz. Na posição x dx o deslocamento é de w dw e a força z zF dF . A massa do pequeno elemento de volume ladeado por planos de área xA é xdxA e a força resultante que nele actua, segundo a direcção z zz z z z F F dF F dF dx x (2.25) A força zF resulta da aplicação da tensão de corte xz na área xA e é igual a xz xA . A equação do movimento vem então dada por 2 2 xz x x w dxA dxA xt xt w xz 22 2 (2.26) Dado que neste caso a área dos paralelogramos entre os dois planos verticais adjacentes é igual, não existe FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 32 variação de volume. Assim sendo, a dilatação é zero e a lei de Hooke (eq. 2.14) para a componente xz dá 2xz xz (2.27) Da definição das deformações em função dos deslocamentos (eq. 2.10) temos 1 2 xz w u x z Para uma onda transversal unidimensional não há variação da distância horizontal dx entre os planos verticais; du e u z são zero e xz é igual a ( / ) / 2w x . Substituindo em (2.27) vem xz w x (2.28) E, substituindo em (2.26) e rearranjando, vem 2 2 2 2 2 w w t x (2.37) onde é a velocidade da onda transversal, dada por (2.30) Por esta expressão vê-se que a única propriedade elástica que condiciona a velocidade das ondas transversais é a rigidez, . Como nos líquidos e gases é zero, neste tipo de meios não é possível propagarem-se ondas transversais. Se agora compararmos a velocidade das ondas longitudinais e transversais nos sólidos (eqs. (2.23) e (2.30)) vemos que K 22 3 4 (2.31) o que significa que é sempre maior que , ou seja, as ondas transversais deslocam-se mais lentamente que as ondas P e são por isso registadas nos sismogramas como ondas mais tardias. Por esta razão as ondas transversais são conhecidas por ondas secundárias, ou ondas S. A razão entre a velocidade das ondas P e das ondas S, /, apenas depende da razão de Poisson do meio , 21 )1(2 2 2 (2.32) Para um sólido ideal de Poisson tem-se que =0.25 e então a razão / vale 3 . Este é um valor indicativo para muitas das rochas que constituem a crosta e manto terrestres. A descrição das ondas S que foi feita nos parágrafos anteriores referia-se ao caso unidimensional de uma onda que se desloca ao longo da direcção x, e para a qual o movimento das partículas se processa ao longo da direcção z. Por esta razão se costuma chamar a este tipo de ondas S, ondas polarizadas no plano vertical, de ondas SV. Uma equação em tudo semelhante descreve a onda transversal que se desloque também na direcção x, mas com movimento das partículas segundo a direcção y. Estas são ondas que estão polarizadas no plano horizontal e por isso se designam por ondas SH. Porém, tal como no caso das ondas P, este tratamento da transmissão das ondas S foi simplificado. A passagem de uma onda transversal envolve uma rotação dos elementos de volume no plano da frente de onda, sem contudo alterar o volume desses elementos. Por esta razão, as ondas transversais são algumas vezes designadas por ondas rotacionais. A rotação é dada por um vector cujas componentes são FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 33 ; ;x y z w v u w v u y z z x x y (2.33) O conjunto mais completo de equações para ondas transversais que se deslocam na direcção x é 2 2 2 2 2t x (2.34) onde continua a representar a velocidade das ondas S tal como esta é dada pela eq. (2.30). A tabela 2.III apresenta valores típicos para a velocidade de propagação das ondas P e S em materiais comuns e rochas constituintes da crosta. Tabela 2.III - Velocidades das ondas sísmicas para alguns materiais da crosta. Material Velocidade P (m/s) Velocidade S (m/s) Zona superficial aterada 300 – 700 100 – 300 Água 1450 – 1500 0 Gelo 3400 – 3800 1700 – 1900 Areia seca 400 – 1200 100 – 500 Areia saturada c/ água 1500 – 4000 400 – 1200 Marga 2000 - 3000 750 – 1500 Grés 3000 – 4500 1200 – 2800 Calcário - dolomite 3500 – 6500 2000 – 3300 Sal 4500 – 5500 2500 – 3100 Granito 4500 – 6000 2500 – 3500 Basalto 5000 - 6000 2800 - 3800 2.2.2 Ondas superficiais Uma perturbação exercida na superfície livre de um meio propaga-se, a partir da fonte, sob a forma de ondas sísmicas superficiais. O facto da Terra apresentar uma superfície livre e superfícies de descontinuidade no seu interior, torna possível a geração e propagação deste tipo de ondas, que resultam do acoplamento entre as ondas P e S. As frentes de onda destas ondas superficiais propagam-se perpendicularmente à superfície e, em geral, a sua amplitude diminui com a profundidade. Existem no entanto certos modos de ondas superficiais que causam movimento mesmo no núcleo interno, sendo por isso elementos essenciais para a compreensão do Interior da Terra, da crosta ao núcleo. Existem dois tipos principais de ondas superficiais: as ondas de Rayleigh e as ondas de Love (fig 2.13). FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 34 Figura 2.13 - Movimento das partículas do solo devido à passagem de ondas superficiais de Rayleigh (em cima) e de Love (em baixo). 2.2.2.1 Ondas de Rayleigh na superfície livre de um semi-espaçoAs ondas de Rayleigh ocorrem devido ao efeito da superfície livre na propagação de ondas elásticas. A existência destas ondas foi proposta por Lord Rayleigh, em 1885, ao considerar a propagação de ondas num semi-espaço homogéneo limitado por uma superfície plana. Na superfície livre o deslocamento das partículas do solo pode ser arbitrário mas as tensões têm de se anular (condições fronteira). A primeira observação sistemática deste tipo de ondas foi feita por R. D. Oldham em 1900. O movimento das partículas na frente de onda de uma onda de Rayleigh está polarizado no plano vertical e pode ser visualizado como uma combinação de vibrações do tipo P e SV. Se o sentido de propagação se der para a direita do observador (fig 2.13), o movimento das partículas individuais descreve uma elipse retrógada alinhada no plano vertical. O eixo maior desta elipse está alinhado segundo a vertical e o eixo menor na direcção de propagação da onda. Se a relação de Poisson se aplicar (i.e. 0.25 ), a teoria das ondas de Rayleigh prevê uma velocidade (VLR) para estas ondas igual a 0.92 da velocidadde () das ondas-S. É isto que se verifica aproximadamente na Terra. Tal como nas ondas do mar, o deslocamento das partículas não está confinado apenas à superfície livre do meio. Abaixo deste, as partículas são também afectadas pela passagem da onda. Num semi-espaço homogéneo, a amplitude do movimento das partículas decresce exponencialmente com o aumento da profundidade (fig 2.14). Para a profundidade de penetração deste tipo de ondas é usual tomar o valor para o qual a amplitude é atenuada para um valor de e-1 do seu valor à superfície. Ondas com comprimento de onda têm uma profundidade de penetração característica de 0.4 . FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 35 Figura 2.14 - Geração de ondas de Rayleigh por interacção de ondas P e SV com a superfície livre: movimento das partículas do meio 2.2.2.2 Ondas de Love Desde a obtenção dos primeiros registos sísmicos foi possível observar a presença de ondas com um movimento horizontal transversal que precediam de pouco as ondas superficiais de Rayleigh mas que não podiam ser explicadas pelos mesmos princípios. As condições fronteira que governam as componentes da tensão na superfície livre de um espaço elástico semi-infinito não permitem a propagação de ondas SH ao longo dessa superfície. Contudo, A. Love demonstrou (em 1911) que se existir uma camada horizontal entre a superfície livre e o semi-espaço semi-infinito, então as ondas SH que são reflectidas pelo topo e base dessa camada com um ângulo superior ao ângulo crítico (veremos mais tarde o que isto significa) podem interferir constructivamente para produzir uma onda superficial com movimento de partículas na horizontal (figs 2.13 e 2.15). A velocidade (1) das ondas S na camada junto à superfície tem que ser menor que a do semi-espaço subjacente (2), e a velocidade das ondas de Love (VLQ) está compreendida entre os dois valores extremos: 1 2LQV Figura 2.15 - Geração de ondas de Love por interferência construtiva de ondas SH numa camada guia de ondas de baixa velocidade. Esta camada guia de ondas poderá ser a crosta terrestre sendo, neste caso, o manto subjacente a camada inferior. As ondas de Love, que são mais rápidas que as ondas de Rayleigh, têm uma velocidade de propagação (VLQ) próxima de 0.96 a velocidade das ondas-S (VLQ ≈ 0.96 ). São ondas são evanescentes, isto é, a sua amplitude diminui com a profundidade (propriedade das ondas superficiais). FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 36 2.3 PROPAGAÇÃO DE ONDAS SÍSMICAS Na interface entre duas camadas rochosas existe normalmente uma variação da velocidade de propagação das ondas sísmicas resultante da diferença das propriedades físicas do material que compõem essas duas camadas. Nessa interface a energia da onda sísmica incidente é dividida numa fracção transmitida e noutra reflectida. As amplitudes relativas das partes reflectida e transmitida são descritas pela equação de Zoeppritz (Telford, 1976), em termos das velocidades e densidades das duas camadas. 2.3.1 Lei de Snell-Descartes Quando uma onda plana encontra uma superfície de descontinuidade, isto é, uma superfície que separa dois meios elásticos com propriedades diferentes, ela vai dar origem a ondas reflectidas e transmitidas que podem ser de dois tipos (fig 2.16). Nesta situação aplica-se a lei de Snell-Descartes (ou apenas lei de Snell) que diz o seguinte: i) os raios incidente, reflectidos e transmitidos estão todos no mesmo plano; ii) os ângulos de incidência e de reflexão para o mesmo tipo de ondas são idênticos; iii) para os ângulos de transmissão e ondas convertidas tem-se: p jjii 2 2 1 1 2 2 1 1 sinsinsinsin (2.35) Nesta expressão o símbolo i é usado para os ângulos das ondas P enquanto que o símbolo j é usado para os ângulos das ondas S. O símbolo p representa o parâmetro sísmico (ou parâmetro do raio). Se a onda atravessar apenas camadas horizontais, então a propagação é feita mantendo-se sempre o parâmetro sísmico constante. 2.3.2 Incidência crítica Quando a onda passa de um meio com menor velocidade para um meio de maior velocidade (como no exemplo da figura 2.16) existe um ângulo de incidência para o qual o ângulo de transmissão vale exactamente 90º. Nestas condições diz-se que a incidência é crítica. Para ângulos de incidência maiores deixa de haver raios transmitidos. A este ângulo limite chama-se ângulo crítico. No caso de uma incidência tipo P temos um ângulo crítico para a onda refractada P dado por 2 1sin ci (2.36a) Figura 2.16 - Definição dos ângulos de incidência, reflexão e refracção para aplicação da lei de Snell-Descartes. A velocidade das ondas P e S no meio (2) é superior à velocidade no meio (1). Os raios transmitidos (do mesmo tipo) afastam-se da normal. FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 37 No caso de uma incidência de tipo S teremos dois ângulos críticos, um para a onda refractada P e outro para a onda refractada S 2 1 2 1 sinsin cPc jej (2.36b) Quando se tem a incidência crítica a onda refractada viaja com a velocidade do segundo meio, ao longo da superfície de descontinuidade. No entanto a fronteira entre os dois meios fica sujeita, em cada ponto, a uma tensão oscilatória que envia ondas secundárias de tal modo que a energia emerge na camada superior ao longo de raios com um ângulo idêntico ao da incidência crítica, de acordo com a lei de Snell. São as chamadas ondas cónicas, "head waves" ou simplesmente ondas refractadas criticamente (fig 2.17). Figura 2.17 - Geração e propagação de ondas refractadas criticamente. 2.3.3 Curvas tempo-distância numa camada plana assente num substrato rígido Por simplicidade iremos discutir os princípios da propagação de ondas numa terra plana considerando apenas um único tipo de ondas (sem conversão) que se propaga no interior de uma camada homogénea caracterizada por uma velocidade V1 sobre um semi-espaço de velocidade V2. Neste modelo iremos considerar 3 tipos principais de ondas: a onda directa, a onda reflectida e a onda refractada criticamente. A propagação efectua-se sempre na direcção positiva do eixo dos XX, sendo a distância entre a fonte e o receptor identificada pelo símbolo X. A curva tempo-distância será então descrita por umafunção T(X) que iremos deduzir para cada caso. 2.3.3.1 A onda directa O tempo de percurso para a onda directa deduz-se facilmente a partir da figura 2.18 Figura 2.18 - A onda directa. Para um foco superficial (azul) e para um foco profundo (a vermelho). No caso de se ter um foco superficial (F na fig. 2.18) então o tempo de percurso vem dado por FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 38 1 )( V X XT (2.37) Esta equação representa uma recta que passa pela origem e cujo declive vale o inverso da velocidade da camada (ver figura 2.21). No caso do foco ser profundo (F' na fig. 2.18) então a distância total entre a fonte e o receptor obtém-se pelo teorema de Pitágoras e o tempo de percurso vem dado por 1 22 )( V Xh XT (2.38) Esta equação representa uma hipérbole, com uma intersecção na origem que vale To=h/V1 e cuja assímptota é precisamente a equação (2.37) com declive 1/V1 . 2.3.3.2 A onda reflectida O tempo de percurso para a onda reflectida deduz-se facilmente a partir da figura 2.19 para o caso de um foco superficial. Considerando o trajecto do raio reflectido que une os pontos FDE teremos então que a distância total percorrida pelo raio vale 2222 4 2 2 XHXHEDDF Figura 2.19 - Reflexão sub-crítica, super-crítica, raio refractado criticamente O tempo de percurso da onda reflectida vem então dado pela expressão 22 1 4 1 )( XH V XT (2.39a) Esta equação representa uma hipérbole, com uma intersecção na origem que vale To=2H/V1 e cuja assímptota é a equação (2.37), uma recta que passa na origem com declive 1/V1. A equação da hipérbole fica melhor expressa na forma 2 1 2 2 1 2 2 4)( V X V H XT (2.39b) FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 39 A representação gráfica desta função encontra-se na figura 2.21. 2.3.3.3 A onda refractada criticamente Como vimos anteriormente, quando um raio passa de um meio com velocidade menor para outro com velocidade maior, a lei de Snell mostra que existe uma incidência crítica para a qual o raio refractado viaja ao longo da superfície de descontinuidade com a velocidade do meio inferior. Esta energia regressa à superfície dando origem às ondas refractadas criticamente. O ângulo de incidência crítico foi apresentado nas equações (2.36). Tomando em atenção o raio refractado criticamente mostrado na figura 2.20 com o trajecto FABE, podemos escrever para os sub-trajectos as expressões C C iHXBAe i H AF tan2 cos Observando que EBAF obtem-se, para o tempo de percurso do raio refractado criticamente, a seguinte expressão 21 tan2 cos 2 )( V iHX iV H XT C C Figura 2.20 -Trajecto dos raios refractados criticamente. Esta expressão pode-se escrever de uma forma mais simples como 12 cos2 )( V iH V X XT C (2.40a) Ou ainda, usando a expressão (4.2) para o seno do ângulo crítico 21 2 1 2 2 2 2 )( VV VVH V X XT (2.40b) Esta expressão representa a equação de uma recta com declive igual ao inverso da velocidade da camada inferior, 1/V2 , e com ordenada na origem dada por 21 2 1 2 22 VV VVH tI (2.41) A representação gráfica desta função encontra-se na figura 2.21. FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 40 Devemos salientar ainda as seguintes propriedades da onda refractada criticamente. Esta onda apenas pode ser observada para além da distância crítica, dada por 2 1 2 2 12tan2 VV V HiHX CC (2.42) Neste ponto os tempos de chegada da onda reflectida e da onda refractada coincidem (fig. 2.21). As reflexões que são observadas antes da distância crítica designam-se por reflexões pré-críticas, ou sub-críticas, enquanto que as ondas reflectidas para além da distância crítica se designam por reflexões pós-críticas ou super-críticas (fig. 4.4). Finalmente devemos constatar que para a incidência crítica a curva tempo-distância da onda cónica é precisamente tangente à curva tempo-distância da onda reflectida. 2.3.3.4 Interpretação das odócronas Devemos salientar nesta ocasião que o estudo efectuado para a propagação de ondas numa camada plana não considerou outros tipos de ondas que se podem observar nesta situação. É o caso das ondas convertidas, P em S ou S em P, e dos múltiplos que se podem gerar por reflexões sucessivas (com ou sem conversão) no topo e base da camada. Considerando apenas os 3 tipos de ondas estudadas anteriormente, a figura 2.21 apresenta uma síntese das respectivas curvas tempo-distância que também se costuma designar por odócronas. Figura 2.21 - Odócronas das principais ondas que se podem propagar no interior de uma camada sobre um semi- espaço com velocidade superior. Vamos agora ver como é que a interpretação das odócronas nos pode ajudar a inferir as propriedades das camadas nas quais se propagam estas ondas. Quando se observa um sismograma, as ondas mais fáceis de identificar são em geral as primeiras chegadas. No modelo de uma camada, a primeira chegada será a onda directa até uma certa distância, a distância de "cross- over" ou intersecção, e depois será a onda refractada criticamente. Os declives das respectivas odócronas permitem-nos determinar a velocidade de propagação na camada e no semi-espaço, V1 e V2. Sabendo as velocidades, pela expressão (2.36a) podemos determinar o ângulo de incidência crítica. A distância de "cross-over", ou de intersecção, obtém-se igualando as equações para a onda directa e a onda refractada criticamente, 12 122 VV VV HXCR (2.43) FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 41 Esta expressão pode ser usada directamente para determinar a espessura da camada, conhecidas as duas velocidades de propagação: 12 12 2 VV VVX H CR (2.44) Se prolongarmos a odócrona da onda refractada criticamente até ao eixo dos tempos, obtemos um tempo de atraso cujo valor também pode ser usado para determinar a espessura da camada, conhecidas as duas velocidades de propagação: 2 1 2 2 121 2 VV VVVt H I (2.45) As ondas reflectidas, sendo ondas secundárias, nem sempre são fáceis de identificar. No entanto em prospecção sísmica de reflexão são usadas técnicas sofisticadas de processamento que permitem realçar as ondas reflectidas em detrimento de todas as outras. Quando for possível observar de forma clara uma onda reflectida então é possível usar a sua odócrona para determinar as propriedades da camada onde se propaga. Se recordarmos a equação (2.39b) que exprime a odócrona de uma onda reflectida, salientando a sua forma como uma hipérbole2 1 2 2 1 2 2 4)( V X V H XT (2.46) podemos ver que numa representação gráfica de T2 em função de X2 obtemos a equação de uma recta cujo declive vale 2 1 1 V e cuja ordenada na origem vale 2 1 24 V H . Estas expressões permitem calcular a velocidade de propagação no interior da camada e a sua espessura. As expressões usadas neste parágrafo apenas se aplicam a situações em que o foco sísmico se encontra à superfície. Para um foco à profundidade h as odócronas das ondas reflectida e refractada criticamente são dadas, respectivamente, pelas expressões 1 222 )( V XhH XTR (2.47) 21 2 1 2 2 2 2 )( VV VVhH V X XTRC (2.48) 2.3.4 Meio verticalmente heterogéneo No caso de se ter uma sucessão de camadas planas horizontais é possível obter uma expressão algébrica para a odócrona da onda refractada criticamente no topo da camada n de velocidade Vn 1 1 222 )( n i in ini n n VV VVH V X XT (2.49) Estas equações iriam permitir, em princípio, determinar as propriedades das sucessivas camadas, velocidade e espessura. No entanto devemos estar alerta para as diversas situações em que as primeiras chegadas não permitem "ver" uma camada que tenha uma velocidade inferior à da camada que está acima; é o problema da camada escondida. 2.3.5 Partição de energia numa descontinuidade De acordo com a lei de Snell, sabemos que qualquer onda (P ou S) incidente numa superfície de separação de 2 meios, pode dar origem a ondas reflectidas e transmitidas (ou refractadas) P e S. O modo como é feita a partição de energia, isto FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 42 é, como se distribui a energia da onda incidente pela diferentes ondas reflectidas e transmitidas, vai depender do ângulo de incidência e das propriedades físicas dos dois meios, e é expresso em função de coeficientes de reflexão e de transmissão. Estes coeficientes podem ser simplesmente definidos como a razão entre a amplitude da onda considerada (reflectida ou transmitida) e a amplitude da onda incidente. Contudo, para os deduzir, teremos de considerar a propagação de ondas planas, cuja formulação matemática está fora do âmbito deste curso. Vamos apenas considerar o caso simples de uma incidência vertical (i = 0o). Neste caso, o coeficiente de reflexão, RC, definido como a razão entre a amplitude do raio reflectido e a amplitude do raio incidente, vem dado por: V + V V - V = A A = R 1122 1122 i r C (2.50) onde i é a densidade do meio i. Isto indica que o coeficiente de reflexão depende do contraste de impedância acústica ( produto iVi). Se V > V 2211 , vem RC < 0, o que quer dizer que a onda reflectida apresenta uma variação de fase de 180o, ou seja, uma fase compressiva é reflectida como uma fase dilatacional e vice-versa. De um modo geral, V > V 1122 , pelo que a maior parte das reflexões é positiva e não produz variação de fase. Contudo, quando a incidência não é vertical, a partição de energia varia também com o ângulo de incidência. Na figura 2.22 apresentam-se alguns exemplos de partição de energia e de coeficientes de reflexão, para diferentes casos com propriedades físicas distintas. Figura 2.22 - (a) Partição da energia no caso de uma onda P incidente numa interface de separação de dois meios: RPP reflexão P, TPP transmissão P, RPS reflexão S e TPS transmitida S. As propriedades elásticas estão indicadas no esquema. (b) Coeficientes de reflexão e transmissão para as amplitudes, na mesma situação de (a) É possível simular vários casos nesta página: http://www.crewes.org/ResearchLinks/Ex plorerPrograms/ZE/ZEcrewes2_2.html FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 43 2.4 ONDAS SÍSMICAS E A ESTRUTURA DO INTERIOR DA TERRA 2.4.1 Variação das propriedades elásticas e descontinuidades principais No Globo são registados, por ano, cerca de 18 sismos fortes (de magnitude superior a 7) e várias centenas de sismos médios (de magnitude superior a 5). Acrescentando a estes sismos as milhares de perturbações que ocorrem associadas a ajustamentos menores em todos os níveis obtêm-se, na totalidade, mais de um milhão de sismos suficientemente fortes para serem registados na rede de estações sismográficas espalhadas pela Terra. É o estudo dos diferentes tipos de onda que se propagam no seu interior que conduz ao conhecimento da estrutura da Terra. No princípio do século XX, os primeiros sismologistas debruçaram-se sobre as diferentes fases sísmicas presentes nos diversos sismogramas. O facto do tempo de percurso, entre o foco de um sismo e uma estação, depender apenas da distância hipocentro-estação, e não da posição geográfica dos dois pontos, mostra que a Terra apresenta simetria esférica nas suas propriedades elásticas. A medida do tempo de percurso em função da distância permite deduzir a velocidade em função da profundidade. A análise de diversos sismogramas, resultantes de diferentes pares sismo-estação, permitiu a identificação de várias descontinuidades no interior da Terra, separando zonas com características diferenciadas. Em 1906 Oldham propôs a existência de um núcleo no interior da Terra, devido ao estudo das velocidades de propagação das ondas P e S. Em 1909 Mohorovicic propôs a existência de uma descontinuidade, a cerca de 50 km de profundidade, onde as propriedades físicas da Terra sofriam uma variação brusca que se reflectia num aumento das velocidades de propagação das ondas sísmicas (corresponde à passagem da crosta para o manto). Em 1936, Inge Lehmann, descobriu a existência do núcleo interno da Terra. Pela observação contínua, ao longo de muitos anos, das fases que atravessavam o núcleo, Lehmann classificou-as em três tipos: P'1(3), P'2(2a) e P'3(5). Explicou as duas primeiras fases como raios deflectidos, na fronteira manto - núcleo, e focados para os antípodas. Para a interpretação de P'3 ela rejeitou, depois de muito reflectir, a hipótese de difracção e interpretou esta fase como uma reflexão a partir de uma outra descontinuidade no interior do núcleo. Estas ondas, reflectidas pelo núcleo interno, emergem a distâncias compreendidas entre os 105o e 142o. Após a descoberta do núcleo interno, o modelo simplificado do interior da Terra ficou bem definido e, desde 1970, que se assume uma estrutura composta por três grandes zonas bem diferenciadas (fig. 2.23): A Crosta (ou crusta). É a camada exterior da Terra, heterogénea, constituída por rochas com diferentes propriedades e cuja espessura varia entre 25 a 60 km sob os continentes (a média é de 40 km) e 5 a 10 km sob os oceanos (a média é de 7 km). A velocidade de propagação da onda P no interior da crusta é bastante variável (dependente da constituição geológica das formações atravessadas), mas pode dizer-se que vai desde 4,0 km/s (junto à superfície) até 6,5-7,0 km/s (na sua base). O Manto. Está separado da crosta pela descontinuidade de Mohorovicic (muitas vezes designada apenas por Moho) e vai até uma profundidade de 2900 km. A velocidade das ondas P aumenta desde 8,1 km/s, imediatamente abaixo da Moho, até cerca de 13,6 km/s na proximidade da fronteira com o núcleo. O Núcleo. Está separado do manto pela descontinuidade de Gutenberg e tem um raio correspondentea cerca de 55% do raio da Terra. É constituído por ferro e níquel e divide-se em núcleo externo e núcleo interno. O núcleo externo vai desde 2900 km até 5140 km de profundidade e encontra-se no estado líquido não sendo por isso possível a propagação de ondas transversais. A velocidade da onda P varia desde 8,1 km/s até cerca de 10,0 km/s. O núcleo externo está separado do núcleo interno pela descontinuidade de Lehmann. O núcleo interno é sólido e a velocidade da onda P atinge 11,5 km/s junto do centro da Terra. A variação das velocidades de propagação das ondas sísmicas no interior da Terra, assim como de outras variáveis físicas (densidade, aceleração da gravidade, pressão e propriedades elásticas), em função da profundidade, estão representadas esquematicamente na figura 2.24 para o modelo PREM (Preliminary Reference Earth Model). Para além desta diferenciação do interior da Terra segundo a sua composição química e estado físico, a figura 2.23 mostra ainda uma outra divisão para as camadas mais externas da Terra baseada nas suas propriedades reológicas: litosfera e astenosfera. FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 44 Figura 2.23 - Representação esquemática das principais camadas e fronteiras constituintes do interior da Terra. Figura 2.24 - Variação da velocidade de propagação das ondas sísmicas, da densidade, aceleração da gravidade, pressão e algumas propriedades elásticas no interior da Terra de acordo com o modelo PREM. FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 45 2.4.2 Classificação das ondas de acordo com o seu percurso no interior da Terra 2.4.2.1 Ondas no manto, núcleo externo e núcleo interno Uma onda sísmica ao propagar-se no interior da Terra pode encontrar diversas superfícies de descontinuidade correspondentes às superfícies de separação das diferentes zonas constituintes da Terra apresentadas anteriormente. Ao encontrar uma superfície de descontinuidade as ondas sísmicas vão-se reflectir e refractar segundo a lei de Snell- Descartes, podendo também alterar o seu tipo, convertendo-se de P para S ou de S para P. Consoante o percurso efectuado, as ondas designam-se por diferentes símbolos, de modo a se poderem identificar. Deixando as fases que se propagam no interior da crosta para o parágrafo seguinte, vamos ver como se designam as ondas que atravessam o manto e o núcleo. Na figura 2.25 estão exemplificadas algumas das fases que se propagam no interior do manto e núcleo a partir de um foco superficial. Temos, em primeiro lugar, as ondas directas no manto, P e S. Estas ondas podem sofrer reflexões à superfície da Terra e continuar a viajar dentro do manto, mantendo o mesmo tipo, ou convertendo-se noutro tipo de onda. Assim uma onda P pode dar origem, por reflexão, a uma onda PP ou PS. Do mesmo modo, para uma onda que parta do foco com características S, pode dar origem a uma onda SP ou SS após reflexão na superfície da Terra. Se as ondas sofrerem reflexões múltiplas, acrescentam-se tantos P ou S conforme o número de percursos (e a sua natureza) que compõem o seu trajecto. Assim poderemos obter, por exemplo, as fases seguintes: PPP - onda com características longitudinais, que sofreu 2 reflexões na superfície da Terra; SPS - onda S que sofreu uma primeira reflexão na superfície da Terra, convertendo-se numa onda longitudinal e, ao sofrer uma segunda reflexão na superfície da Terra, voltou a converter-se numa onda transversal. Para o núcleo devemos considerar quer as fases que se propagam no seu interior quer aquelas que são reflectidas nas suas fronteiras, tendo em conta que se tem um núcleo externo e um núcleo interno. A nomenclatura utilizada é a seguinte: c - reflexão na superfície do núcleo externo. K - propagação no interior do núcleo externo (recorde-se que no interior do núcleo externo não há propagação de ondas tipo S, pelo que esta propagação terá de ser sempre tipo P i - reflexão na superfície do núcleo interno. I - propagação de uma onda longitudinal no interior do núcleo interno. J - propagação de uma onda transversal no interior do núcleo interno. Assim, podem observar-se, por exemplo, as fases seguintes: PcP - onda P que se reflectiu na superfície do núcleo externo e continuou a sua propagação com características tipo P. PKS - onda P que penetrou no interior do núcleo externo e, ao sair, converteu as suas características de propagação (passou de P para S) ScS - onda S que se reflectiu na superfície do núcleo externo e continuou a sua propagação com características tipo S. SKKS - onda S que incidiu na superfície que separa o manto do núcleo, propagou-se no núcleo externo (com características tipo P), sofreu uma reflexão na sua superfície e, emergiu com características tipo S. PKIKP - onda P que atravessou o núcleo externo, entrou no núcleo interno com características tipo P e, após sair do núcleo externo, continuou a sua propagação com as mesmas características. SKiKP - onda S que ao incidir na superfície de separação manto-núcleo converteu as suas características, propagou-se no interior do núcleo externo (com características tipo P), sofreu uma reflexão na superfície do núcleo interno e, emerge com características tipo P. Podem ocorrer percursos ainda mais complicados como, por exemplo, a fase PKPScP; contudo, a nomenclatura utilizada é sempre idêntica, acrescentando-se “letras” de acordo com o percurso efectuado pela onda sísmica. FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 46 Figura 2.25 - Exemplos da notação usada para identificar as várias fases que atravessam o manto e núcleo. No caso de se ter um foco profundo, a primeira reflexão das ondas sísmicas na superfície da Terra pode ser feita no ponto imediatamente à superfície, isto é, por cima do foco (junto ao epicentro). Isto corresponde a uma incidência praticamente vertical e vai dar origem a fases impulsivas, que se observam bem num sismograma, e que se designam por pP, pS, sS ou sP, de acordo com as características de propagação (ver figura 2.26). Se estas ondas sofrerem uma segunda reflexão vai obter-se uma nova fase que se designará, por exemplo, por pPS, sPS, etc. Estas fases são as fases características de sismos profundos e, o seu aparecimento num sismograma é um indicador precioso na determinação da profundidade do foco. A partir da diferença entre os tempos de percurso da onda P e da onda pP, por exemplo, é possível estimar a profundidade do foco. Figura 2.26 - Exemplo de fases que ocorrem para sismos de foco profundo. Vê-se assim que pode existir uma grande variedade de fases sísmicas propagando-se no interior do Globo. No Anexo A (ou na figura do problema proposto nº 7) apresentam-se as curvas tempo-distância para as principais fases possíveis de serem registadas a partir de um sismo de foco superficial. Isto não quer dizer, contudo, que todas estas fases possam ser simultaneamente observáveis no mesmo sismograma (além da distância epicentral, são também condicionantes das fases observáveis, as características de propagação do meio entre a fonte e a estação sísmica de registo). 2.4.2.2 Ondas na crosta e manto superior Quando se estudam sismos afastados, as grandes divisões da Terra em crosta, manto, núcleo externo e núcleo interno, são suficientes para se interpretarem as diferentes fases sísmicas observadas numa estação sísmica. Contudo, para os sismos próximos, torna-se necessário conhecer em pormenor a estrutura da crostaterrestre. FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 47 A investigação da propagação das ondas sísmicas mostrou que em domínio continental esta é formada em geral por duas camadas separadas por uma descontinuidade, a descontinuidade de Conrad. Estas duas camadas foram designadas originalmente por "granítica" (a mais superficial) e "basáltica" (a mais profunda) embora se saiba hoje que esta designação não tem correspondência com a verdadeira composição petrológica das camadas. As fases que se podem observar numa estação próxima do epicentro são consequência do percurso efectuado pelas diferentes ondas, sendo atribuída uma nomenclatura própria a cada tipo de onda de acordo com as camadas atravessadas. Na figura 4.18 apresenta-se um esquema de modelo de crosta continental, indicando a nomenclatura associada aos diferentes tipos de onda. Supondo o foco superficial localizado na camada "granítica" (crosta superior), as ondas directas, que se propagam através dessa camada designam-se por Pg e Sg. As ondas que se refractam criticamente na base da crosta superior, viajando com a velocidade da crosta inferior ("basáltica") ao longo da superfície de separação das duas camadas, designam-se por P* e S*. As ondas que se refractam criticamente na base da crosta inferior e viajam por isso no manto superior junto à superfície de descontinuidade de Mohorovicic, designam-se por Pn e Sn. Em termos médios pode referir-se que a onda P apresenta uma velocidade próxima de 4,0 km/s à superfície, variando entre 6,0 km/s e 6,5 km/s na crosta superior e entre 6,5 km/s e 7,0 km/s na crosta inferior. A crosta oceânica é bastante menos espessa que a crosta continental, com cerca de 5 a 10 km de espessura e uma média de 7 km. Os estudos sísmicos têm mostrado que, ao contrário da crosta continental, a crosta oceânica é bastante mais homogénea reconhecendo-se de uma forma geral 3 camadas: a camada 1 coincide com a camada sedimentar, de espessura e velocidade variável consoante a zona em estudo; a camada 2 possui uma espessura típica entre 1,5 e 2,0 km e uma velocidade das ondas P, entre 4,5 e 5,6 km/s; e a camada 3 tem uma espessura entre 4,5 e 5,0 km e VP variando entre 6,5 e 7,0 km/s. A base da camada 3 define a posição da Moho abaixo da qual se situa o manto superior, com velocidades iguais ou superiores a 8,0 km/s. Aceita-se que a camada 2 é composta por rochas com características de vulcanismo extrusivo e/ou intrusivo (basaltos), enquanto a camada 3 é considerada a camada “oceânica” de composição plutónica (gabros). Figura 2.27 - Trajectos e notação das fases que se propagam na crosta continental. 2.5 O SISMÓMETRO Pode-se dizer que a ciência da sismologia nasce com a invenção do aparelho que permite converter os movimentos de vibração do solo, mesmo aqueles que são demasiado fracos para os sentirmos, para um registo visível. Esse instrumento, chamado sismógrafo, consiste num sensor que detecta e amplifica os movimentos do solo que, por sua vez, se chama sismómetro, e num registador que produz um registo visivel do movimento, chamado sismograma. 2.5.1 Princípio de funcionamento do sismómetro Os sismómetros são desenhados para reagir ao movimento do solo numa dada direcção. Dependendo do desenho assim eles podem responder a movimentos verticais ou horizontais. A maioria das concepções assenta em FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 48 variações da aplicação de pêndulos simples. 2.5.1.1 Sismómetro de movimento vertical O esquema típico utilizado nos sismómetros mecânicos de movimento vertical está representado na figura 2.28a. Os sismómetros electromagnéticos (fig 2.28b) respondem ao movimento relativo entre um íman, que está solidário com o solo, e uma bobine de fio conductor enrolada em torno de uma massa inercial suspensa por uma pequena mola. Qualquer movimento da bobine no interior do campo magnético induz uma voltagem na bobine proporcional à taxa de variação do fluxo magnético. Durante a passagem da onda sísmica, a vibração do solo relativamente à bobine é transformada num sinal eléctrico que posteriormente é amplificado e registado. bobine mola massa inercial iman fixo à base solo (b) (a) tambor rotativo mola pivô tambor de movimento vertical massa pesada movimento vertical da base não se move Figura 2.28 - Diagramas esquemáticos que mostram o princípio do funcionamento do sismómetro vertical: (a) modelo mecânico; (b) modelo electromagnético. 2.5.1.2 Sismómetro de movimento horizontal Figura 2.29 Diagrama esquemático do sismómetro mecânico horizontal. O princípio de funcionamento do sismómetro mecânico de movimento horizontal é idêntico ao do movimento vertical. Tal como nesse caso, a massa inercial é montada numa barra horizontal, mas o seu fulcro está quase na vertical, de tal modo que a massa está confinada a mover-se apenas num plano quase horizontal (fig 2.29). O comportamento deste sistema é semelhante ao de uma porta cujas dobradiças estejam ligeiramente desalinhadas da vertical, a “inclinar-se para a frente”. A posição de equilíbrio para uma porta nestas condições encontra-se onde o centro de massa estiver, no ponto mais baixo. Para qualquer movimento da porta, a força gravitacional tenta fazê-la voltar à posição de equilíbrio. O mesmo sucede com a massa inercial destes sismómetros. FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, P T Costa, J F Luis, L Matias, F M Santos Pag 49 2.5.2 O sismograma O sismograma representa a conversão do sinal do sismómetro para um registo temporal do evento sísmico. Nos primeiros tempos da sismologia moderna, o modo mais comum de obter directamente um registo visível usava um tambor que rodava a velocidade constante de modo a providenciar uma escala temporal no registo (ver figuras dos sismómetros mecânicos). A invenção dos simómetros electromagnéticos permitiu a conversão do sinal sísmico em sinal eléctrico que era então registado. Durante muitos anos usaram-se galvanómetros para converter o sinal eléctrico de volta a uma forma mecânica que era posteriormente visualizada. Os sismómetros modernos porém, convertem o sinal eléctrico para uma forma digital, através de circuitos electrónicos de conversão analógico-digital, que são depois registados em suporte magnético. Para além dos registos digitais terem maior fidelidade que os analógicos, eles apresentam como principal vantagem o facto de já estarem “prontos” para o processamento numérico por computador. 2.5.2.1 Fases num sismograma O sismograma de um sismo distante contém chegadas de numerosas ondas sísmicas que viajaram por vários percursos diferentes através da Terra desde a fonte até ao receptor. Devido a este facto o aspecto do sismograma costuma ser bastante complexo e a sua interpretação requer uma considerável experiência. A análise das ondas que sofreram refexões e refracções múltiplas será tratada mais adiante. Cada onda, cuja chegada é registada no sismograma, designa-se por “fase”. Como já vimos, as ondas P são aquelas que se deslocam mais rapidamente e por isso são as primeiras a chegar. Assim, a primeira fase de um sismograma corresponde à chegada deste tipo de ondas. Em seguida chegam as ondas S, que habitualmente têm uma amplitude superior à das ondas P. De seguida chegam as perturbações associadas com as ondas superficiais (ondas com comprimento de onda muito superior que, por este motivo, se conhecem também por “ondas longas”), e que se caracterizam por possuírem uma amplitude e um período mais elevados que os das ondas volúmicas. De entre as ondas superficiais, as ondas de Love
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