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Alteridade em conto de Joyce

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1 
 
 
Solidão, identidade e alteridade no conto Um caso doloroso, de James 
Joyce 
 
Loneliness, identity and alterity in A painful case, shot story by James Joyce 
 
Sabrina Siqueira 
 
RESUMO: James Duffy é um dublinense solitário que encontra na amizade de uma mulher casada a 
oportunidade para dividir suas opiniões e se enxergar como uma pessoa completa. No entanto, sua rígida 
moral não permite que mantenha os encontros com ela. Junto da notícia sobre o acidente fatal que Emily 
Sinico sofreu tempos depois vem a informação de que ela estaria deprimida e alcoólatra. A revolta de 
Duffy é consigo mesmo por ter se identificado com alguém capaz de sucumbir ao vício e sem força de 
caráter. A partir das opiniões do protagonista, travamos conhecimento com a opinião de James Joyce 
acerca da moralidade e da situação econômico-social de Dublin. 
 
PALAVRAS-CHAVE: Alteridade. Crítica social. Dublinenses. Identidade. 
 
ABSTRACT: Duffy is a lonely that finds in a friendship with a married woman the opportunity to share his 
opinions. However, his strict moral doesn’t allow him to keep the meetings with her. With the news about 
the fatal accident suffered by Emily times after, comes the information that she would be depressed and 
alcoholic. He gets angry because he had identified himself with a weak character and a failed person. 
Through principal ideas, we know James Joyce opinion about morality. 
 
KEY-WORDS: Alterity. Social-criticism. Dubliners. Identity. 
 
 
Um caso doloroso faz parte do livro de contos do autor irlandês James Joyce, 
Dublinenses, publicado em 1914. As histórias estão organizadas no livro de acordo com as 
fases da maturidade de um homem. Assim, os primeiros contos se referem à perda da 
inocência na infância, os seguintes contam da angústia e das incertezas da adolescência, e Um 
2 
 
caso doloroso faz parte dos contos finais, referentes à idade adulta, à solidão e falta de 
perspectiva comuns aos cidadãos dublinenses na virada do século XX. 
O conto traz a história do solitário James Duffy, que morava em um bairro “o mais 
longe possível da cidade que habitava... porque achava todos os outros subúrbios de Dublin 
torpes, modernos e pretensiosos” (Joyce, 2012, p. 101). A descrição do quarto alugado, cujo 
mobiliário fora comprado por ele próprio, nos traduz o estado de pobreza de laços afetivos e a 
forma metódica de organizar a rotina a que estava submetido o protagonista. “O sr. Duffy 
tinha horror a tudo o que evidenciasse desorganização física ou mental. Um médico medieval 
teria dito que era um saturnino” (idem, p. 102). Apesar da expressão dura do semblante, “não 
havia nenhuma severidade nos olhos” de James Duffy, que davam a impressão de ser ele “um 
homem sempre disposto a reconhecer um instinto redentor nas outras pessoas, apesar das 
frequentes decepções” (idem, p. 102). A rigidez de sua conduta era principalmente consigo 
mesmo e não excluíra de sua personalidade a esperança de encontrar bondade e felicidade nos 
outros. Mas essa esperança não era instigada. Mesmo quando a sós, Duffy mantinha uma 
atitude de resguardo, como mostra o trecho a seguir: 
Morava a uma certa distância do corpo, observando os próprios atos com duvidosos olhares 
de esguelha. Tinha um estranho hábito autobiográfico que de tempos em tempos levava-o a 
compor mentalmente uma breve frase a respeito de si próprio como um sujeito na terceira 
pessoa e com um predicado no passado. (JOYCE, 2012, p. 102) 
Em um primeiro momento, o narrador nos dá a localização da moradia física do 
protagonista: em um bairro afastado do movimento urbano. Em seguida, fornece uma 
localização oriunda de análise psicológica do senhor Duffy, novamente utilizando o verbo 
“morava”: distante do próprio corpo. Tanto física como psicologicamente, James Duffy está a 
parte do grupo referente, que seriam os demais cidadãos dublinenses, com os quais ele não 
convive. Nos dois casos, ele está deslocado, em uma posição menos confortável, fora do que 
seria o esperado. 
A sensação de inadaptabilidade, presente no sr. Duffy quanto ao restante da sociedade, e 
consequente desejo de viver o mais isolado dela possível, foi analisada por Bauman na obra 
Tempos Líquidos. Para o estudioso, a segregação das áreas residenciais e dos espaços públicos 
aumenta a insegurança e a mixofobia – fobia pelos diferentes e diversos tipos humanos 
encontrados nas cidades cosmopolitas, como já era o caso de Dublin em fins do século XIX. É 
3 
 
como se, quanto mais isolado da vida em comunidade, mais difícil seria a adaptação do 
indivíduo a uma sociedade sempre em constantes mudanças, mais indefeso diante do turbilhão 
global. Para Bauman, o que fortalece as pessoas e as faz sentirem-se inseridas, participantes 
em seu meio, seriam os laços com a comunidade, as relações interpessoais. Justamente o que 
falta ao sr. Duffy. 
A paranoia mixofóbica se alimenta de si mesma e atua como uma profecia auto-realizadora. 
Se a segregação é oferecida e aceita como cura radical para os perigos representados pelos 
estranhos, conviver com estes se torna cada dia mais difícil. 
... a compreensão mútua é estimulada por uma “fusão de horizontes”. A fusão exigida pela 
compreensão mútua só pode resultar da experiência compartilhada. (BAUMAN, 2007, p. 
96 e 97) 
O sr. Duffy não tinha amigos nem religião, e o contato com a família era o mínimo, 
apenas no Natal e nos enterros. As únicas “dissipações” em sua vida eram as idas à ópera e a 
concertos, para admirar a música de Mozart. E foi em uma dessas ocasiões que conheceu a 
senhora Emily Sinico. A iniciativa da primeira conversa entre eles foi dela. Correndo os olhos 
pelo auditório de uma apresentação de música clássica comentou o quanto devia ser difícil 
para os artistas ter a casa tão vazia. Ele interpretou o comentário como um convite ao diálogo. 
Eles voltaram a se ver em outros concertos, a senhora Sinico sempre acompanhada da filha. 
Depois de alguns encontros para caminhadas no entardecer, o sr. Duffy, que “não gostava de 
expedientes sub-reptícios”, obrigou-a a lhe convidar para sua casa. O marido da senhora 
Sinico aprovou as visitas por julgar que a mão da filha estivesse em jogo. “O capitão havia 
excluído a esposa com tamanha sinceridade da própria galeria de prazeres que não imaginou 
que alguém pudesse se interessar por ela” (Joyce, 2012, p. 104). 
James Duffy e Emily Sinico eram dois solitários, amantes da música clássica e outsiders 
na condição de desfrutar a felicidade plena de uma vida madura. Era provável que tivessem 
muito em comum. Na casa dela, como a filha ministrava aulas de música, os dois tinham 
bastante tempo a sós. Nenhum deles jamais havia vivido nenhuma aventura daquele tipo e, 
aos poucos, seus pensamentos se misturaram. O sr. Duffy encontrou na amiga uma ouvinte 
para suas teorias e opiniões. “Emprestou livros, forneceu ideias, compartilhou a própria vida 
intelectual com a nova companheira” (Joyce, 2012, p. 104). Ele se permitiu sair da rotina 
metódica e participar de um quase relacionamento que trazia emoção a sua vida. “A 
companhia dela era como o solo quente ao redor de uma planta exótica” (idem, p.105). As 
4 
 
iniciativas quase sempre eram tomadas pela senhora Sinico. Era ela quem deixava a noite cair 
sobre os dois, recusando-se a acender a luz da sala e intensificando a aura de intimidade entre 
eles. Apesar de feliz com a nova situação, Duffy era constantemente lembrado por uma voz 
interior da solidão incurável da alma: “Não podemos nos entregar, dizia a voz: pertencemos a 
nós mesmos” (idem, p. 105). 
Quando escreveram sobre o ideal da racionalidade na condução das questões humanas 
referentes a relacionamentos, os autores Elias e Scotson (2000) reconheceram que as 
experiências afetivas e as fantasias dos indivíduos não são arbitrárias, mas, “num estágio 
primitivo da vida, podem influenciar profundamente a moldagem dos afetos e a conduta em 
etapasposteriores”. (Elias e Scotson, 2000, p. 37). Apesar da dificuldade de condução em 
suas relações de afetividade, o sr. Duffy não tinha de si mesmo uma visão depreciativa. Via-
se, pelos olhos de Emily, como uma figura sábia e angelical. Sabemos que tinha uma família 
e, se não estreitava os laços com os parentes, era por pura opção. Talvez o empecilho para o 
pleno convívio social fosse o fato de que se julgasse superior à média dos conterrâneos. A 
emergência do sentimento de “identidade” parece ter de passar pela intermediação de uma 
“alteridade” a ser construída. A esse respeito, Landowski relatou que o 
que dá forma à minha própria identidade não é só a maneira pela qual, reflexivamente, eu 
me defino (ou tento me definir) em relação à imagem que outrem me envia de mim mesmo; 
é também a maneira pela qual, transitivamente, objetivo a alteridade do outro atribuindo 
um conteúdo específico à diferença que me separa dele (LANDOWSKI, 2002, p. 4). 
Em certa ocasião, quando refletia sobre a improbabilidade de haver revolução social em 
Dublin nos séculos vindouros, Emily incitara-o a registrar essas ideias no papel. Ao que ele 
respondeu 
com zombaria calculada: para competir com repetidores de chavões incapazes de pensar 
sem interrupção por mais de sessenta segundos? Para se expor às críticas de uma classe 
média obtusa que confiava os valores morais à polícia e as belas artes aos empresários? 
(JOYCE, 2012, p. 104 e 105). 
Essas opiniões, a insistência em se manter afastado do convívio social, de estabelecer 
laços de amizade, e a opção por viver recluso, poderiam denotar algo de soberba por parte do 
protagonista, que talvez acreditasse pertencer a uma casta superior, de ideias mais claras e 
convicções sofisticadas em relação aos demais, que brilhara no passado e já agora não 
encontrava espaço na turbulenta e cosmopolita Dublin do início do século XX. Falando sobre 
5 
 
comunidades em que coexistem grupos que se autodenominam superiores e se distinguem em 
relação a outros inferiores (a existência dos primeiros pressupõe e depende da existência dos 
últimos), Elias e Scotson concluem que 
Num ambiente relativamente estável, o código de conduta mais sofisticado e o maior grau 
de autocontrole costumam associar-se a um grau mais elevado de disciplina, circunspecção, 
previdência e coesão grupal. Isso oferece recompensas sob a forma de status e poder, para 
contrabalançar a frustração das limitações impostas e da relativa perda de espontaneidade. 
Os tabus compartilhados e o comedimento característico reforçam os laços que unem a rede 
de “melhores famílias”. A adesão ao código comum funciona, para seus membros, como 
uma insígnia social. Reforça o sentimento de inserção grupal conjunta em relação aos 
“inferiores”, que tendem a exibir menor controle nas situações em que os “superiores” o 
exigem. As pessoas “inferiores” tendem a romper tabus que as “superiores” são treinadas a 
respeitar desde a infância. O desrespeito a esses tabus, portanto, é um sinal de inferioridade 
social (ELIAS e SCOTSON, 2000, p. 171). 
Dando sinais de entusiasmo crescente pela relação com o protagonista, a senhora Sinico 
pegou na mão dele e a levou ao rosto, apertando-a com paixão. Surpreso, o sr. Duffy passou 
uma semana sem vê-la. Depois marcou um encontro e, ao fim de três horas de caminhadas nas 
trilhas de um parque no frio do outono irlandês, concordaram em se afastar. Ciente de que não 
havia futuro para aquele relacionamento, ele estava convencido de que todos os laços os 
prendiam à tristeza. Caminhando em direção ao bonde, ele percebeu que a senhora Sinico 
começara a tremer. Temendo um colapso, ele apressou a despedida e não tardou em se afastar. 
A despedida fora claramente mais dolorosa para ela. 
O sr. Duffy, em contrapartida, acostumado que era a uma vida pobre de afeto, logo 
retomou sua rotina regrada, da qual o quarto era o emblema mais significativo. No maço de 
folhas em cima da escrivaninha, no qual escrevia uma frase para si próprio de tempos em 
tempos, a última frase havia sido escrita duas semanas após o último encontro com Emily, e já 
se passavam então quatro anos do desenlace. Dizia: “O amor entre dois homens é impossível 
porque não pode haver contato sexual e a amizade entre um homem e uma mulher é 
impossível porque precisa haver contato sexual” (Joyce, 2012, p. 106). 
O conto não traz referências diretas à religião ou críticas quanto ao catolicismo que 
predominava então na Irlanda. James Duffy não segue nenhuma religião: “Não tinha 
companheiros nem amigos, igreja nem credo. Vivia uma vida espiritual sem nenhuma 
comunhão com as outras pessoas...” (Joyce, 2012, p. 102). Mas pode-se associar a forma 
circunspecta de vida do protagonista ao ideal de moralidade protestante: livre de vícios e de 
6 
 
ostentações, fiel a uma rotina regrada e devota ao trabalho e à alta erudição. A religião 
católica estimula uma intensa vida em comunidade e o estreitamento dos laços com a família. 
Este poderia ser o comportamento do dublinense Duffy. Mas sua conduta condiz mais ao 
modo de vida da religião levada à Irlanda pelos dominadores ingleses, que impuseram à ilha 
sua fé e idioma. A crítica de Joyce está na sutileza desse comportamento do sr. Duffy, natural 
da capital irlandesa, mas que adotara como seu o modo de pensar da religião do conquistador. 
Seria característica nos protestantes/ puritanos, ainda, uma tendência a julgar com veemência 
aqueles que não seguem suas normas rígidas de conduta, uma vez que seriam muito apegados 
a tais valores. Analisando as atitudes da personagem Moll Flanders, no romance de Defoe, Ian 
Watt (1990) cita essa tendência dos puritanos a explosões de indignação moral quando 
presenciam o que julgam mau-comportamento por parte do outro. Ele cita o pesquisador 
inglês Svend Ranulf, que teria mostrado a vocação crítica dos puritanos em panfletos da 
Commonwealth difundidos na Inglaterra de outrora, sobre “Indignação moral e psicologia da 
classe média”: “Uma das forças do puritanismo, diz ele, reside na tendência de retidão numa 
agressividade um tanto impiedosa contra os pecados dos outros; e isso naturalmente 
acarretava no indivíduo uma tendência a fechar os olhos aos próprios defeitos” (Watt, 1990, p. 
110). 
O sr. Duffy não irrompeu em nenhuma ação de agressividade, mas terminou a amizade 
com a senhora Sinico bruscamente, frente ao primeiro indício de “fraqueza de conduta” dela: 
ter pego em sua mão e a levado ao rosto. Na prateleira da escrivaninha havia dois livros 
novos, ambos de Nietzsche: Assim falou Zaratustra e A gaia ciência. Considerando-se a 
influência da igreja católica e da crença em Deus na Irlanda, principalmente na época em que 
se passa o conto, e levando-se em conta que as duas obras do filósofo alemão contém a frase 
“Deus está morto”, e que o próprio Nietzsche escreveu vários textos críticos sobre religião e 
que uma de suas ideias-chave era o questionamento de qualquer doutrina, pode-se apreender 
que o sr. Duffy fora influenciado pela aventura de conhecer e se aproximar da senhora Sinico, 
permitindo-se explorar teorias que iam de encontro à sociedade em que estava inserido e da 
qual não gostava. A breve convivência com alguém que lhe escutava e admirava promoveu 
um sopro de rebeldia e coragem para emergir em novas ideias, de acordo com sua própria 
linha de pensamento. Mas ele mantinha-se rígido na decisão de afastar-se da amiga. Para 
tanto, havia abandonado os concertos. 
7 
 
A notícia da morte da senhora Sinico surpreendeu o sr Duffy porque, apesar de ser 
tratada no jornal como uma notícia de acidente, continha fortes indícios de um suicídio 
disfarçado. E provocara nele um ressentimento, por pensar que em outros tempos havia feito 
àquela mulher revelações de tudo que lhe era mais sagrado, que havia dividido com ela sua 
opinião. A notícia trazia um depoimento da filha da senhora Sinico, relatando que a mãe 
costumavasair à noite para comprar bebida. E que muitas vezes tentou convencê-la a procurar 
um grupo de apoio, o que não aconteceu. Até que, numa noite, Emily Sinico, de 43 anos, foi 
morta ao tentar atravessar a ferrovia, às dez horas. Talvez o que mais repugnasse o sr. Duffy 
fosse o depoimento do marido, o capitão Sinico, que dava pistas da degradação geral em que 
se encontrava sua amiga. Disse que “os dois foram casados por 22 anos e tiveram um 
relacionamento feliz até cerca de dois anos atrás, quando a esposa passou a levar uma vida 
desregrada” (Joyce, 2012, p. 108). 
Com o relato do capitão, ficamos sabendo que o casamento não durou, ainda que o sr. 
Duffy tenha se afastado. O marido não parecia fazer ideia da infelicidade em que vivia a 
esposa, ou não se importava. Ela era uma solitária, como James. Nos momentos em que 
estiveram juntos, ao relatar para ela suas opiniões e devaneios, o protagonista se reconhece na 
criatura que o escuta, e ela passa a ser ele também, pois são muitos os pontos em comum. 
Quando ele fica sabendo de sua fraqueza pela bebida, é como se o próprio sr. Duffy houvesse 
sucumbido ao vício, pois uma parte sua, a senhora Sinico, com quem compartilhara 
momentos de felicidade e esperança, permitira-se cair em uma vida desregrada, como mostra 
o trecho a seguir: “Ela não havia simplesmente degradado a si mesma; também havia 
degradado a ele. O sr. Duffy percebeu a sórdida extensão daquele vício, miserável e 
malcheiroso. Sua alma gêmea!” (Joyce, 2012, p. 109). 
Uma consequência óbvia seria o sr. Duffy ter se sentido culpado pela infelicidade da 
amiga. Ter pensado que, se tivesse dado uma chance aos dois, talvez nada daquilo tivesse 
acontecido, talvez ela não adquirisse o hábito da bebida, e os dois estivessem felizes. Afinal, o 
casamento já não ia bem e ela acabou se divorciando, de qualquer forma. Mas não é essa linha 
de raciocínio que o narrador confere ao protagonista. Ao invés de se lamentar pelo que 
poderia ter sido, ele reiterou a decisão de se afastar dela, e até fica feliz por ter tomado tal 
decisão, já que agora podia ver o quanto inadequada para a vida era a senhora Sinico. Quando 
8 
 
pensou em sua atitude impulsiva de pegar-lhe a mão, não teve dúvida de que fora um indício 
de sua fraqueza de caráter: 
Sem dúvida ela não estava apta a viver, sem nenhuma firmeza de propósito – uma presa 
fácil para o hábito... Será que podia ter se enganado de maneira tão flagrante a respeito 
dela? Lembrou-se do desabafo naquela noite e o interpretou com ainda mais rigor do que 
antes. Naquele instante, não teve nenhuma dificuldade para aprovar a decisão que havia 
tomado (JOYCE, 2012, p.109). 
Somente depois de ter voltado para casa, saído novamente para caminhar e tomado dois 
ponches quentes na taverna do bairro em que morava, enquanto revivia os momentos 
passados ao lado de Emily, é que o sr. Duffy concluiu o irreversível da notícia da morte, e de 
que a senhora Sinico havia deixado de existir. Como se, ainda que afastado dela, sempre 
houvesse a possibilidade de se reaproximar, enquanto estivera viva. Como se ele tivesse 
deixado a felicidade em uma estante, para usá-la quando fosse conveniente ou muito 
necessário. Agora não era mais possível. Só então ele se sente perturbado e cogita imaginar 
como teriam sido suas vidas se não houvessem rompido. E pensa em quanta solidão ela havia 
suportado naquela sala de estar, em sua casa, onde pegara na mão dele e onde algumas vezes 
havia deixado a noite cair sobre os dois, durante as visitas do amigo. Solidão a que ele já 
estava acostumado e com a qual haveria de conviver pelo resto de seus dias. 
Tentou imaginar o que mais poderia ter feito. Não poderia ter levado adiante aquela 
comédia de engodos; não poderia ter vivido abertamente com ela. Fez então o que lhe 
pareceu melhor. Que culpa poderia ter? Agora que ela tinha ido embora ele compreendeu 
como a vida deveria ser solitária noite após noite naquela sala vazia. A vida dele também 
seria solitária até que morresse, deixasse de existir, se tornasse uma lembrança – caso 
alguém se lembrasse (JOYCE, 2012, p. 110). 
Quando saiu da taverna, o sr. Duffy foi caminhar em um parque onde havia estado com 
Emily. Na noite fria e escura, sob a copa das árvores, era como se estivesse próximo dela e 
pudesse até ouvir sua voz. Chegou a sentir a mão dela na sua, e desta vez sem nenhum mal-
estar. E uma ponta de arrependimento pelo rompimento surge em seus pensamentos. Sabia 
que tinha feito o que era certo, mas só agora se permitia vislumbrar o quão doloroso a 
separação havia sido para ambos e que implicações trouxera para a vida da senhora Sinico. 
“Por que a havia privado da vida? Por que a havia condenado à morte? Sentiu a própria 
natureza moral desabar” (Joyce, 2012, p. 110). 
Caminhou até o alto de uma colina e viu as luzes hospitaleiras de Dublin. Mas ele 
estava quase fora da cidade, no bairro afastado em que morava. Fora de um mundo iluminado, 
9 
 
aquecido e aconchegante, do qual se sentia agora mais apartado do que nunca. À sombra de 
um muro do parque, percebeu um casal de namorados deitados na grama. 
Aqueles amores venais e furtivos o enchiam de desespero. Lamentou a retidão da própria 
existência; sentiu que havia sido expulso do banquete da vida. Uma pessoa havia lhe 
oferecido amor e em troca ele a privou da felicidade e da vida: condenou-a à ignomínia, a 
uma morte vergonhosa. Sabia que as criaturas prostradas junto do muro o estavam 
observando, ansiosas para que fosse embora. Ninguém o queria; tinha sido expulso do 
banquete da vida (JOYCE, 2012, p. 110). 
O uso da palavra “banquete” para se referir à vida é algo significativo nos pensamentos 
do sr. Duffy. Passa a ideia de que ele sabia que a vida era farta de felicidade, era um banquete, 
cheia de possibilidades de ser feliz. Bastava saber aproveitar, bastava um mínimo esforço. E 
ele não havia sido capaz de desfrutar do banquete. Apesar de ter sido a ele oferecido amor, 
não fora digno e o recusara. Não haveria outra chance, portanto. Estava fora do banquete da 
vida. Não devia atrapalhar aqueles que o estavam desfrutando, como o casal junto ao muro do 
parque. Só uma espera solitária pela morte estava prevista para ele a partir de então. Avistou 
um trem de mercadorias serpenteando e comparou-o a um verme de cabeça flamejante. Com a 
morte da pessoa na qual ele se reconhecia, teve uma visão clara e impiedosa da própria 
existência. Voltando para casa, aos poucos o barulho do trem foi passando e ele ficou envolto 
no mais completo silêncio. E na mais completa solidão. 
Referindo-se à alteridade, Landowski propõe o questionamento de “até que ponto o 
sentimento da presença de nós mesmos está intimamente ligado à experiência, de uma forma 
ou de outra, de uma ausência” (Landowski, 2002, p. 106). Pensando a morte como 
desencadeadora da percepção acerca de nós mesmos, o estudioso postula que ela, bem como 
outras formas de separação, “nos retira por via de consequência a possibilidade de nos 
apreendermos a nós mesmos enquanto sujeitos em relação com outrem” (idem, p. 107). Como 
se, acostumados a pensar-nos em complemento com aquele em quem nos conhecemos e com 
quem nos identificamos, diante de sua ausência houvesse uma contingência em aprender a 
ver-nos novamente, ou finalmente, como únicos. Tomado de surpresa pela morte de Emily, o 
sr. Duffy se encontra “despido” diante de um mundo no qual não encontra lugar. Estando ela 
viva, ainda que não convivessem mais, existia um ser que o “duplicava”, que possuía em si o 
poder de comunicá-lo com o mundo. 
10 
 
...o que vem subitamente nos faltar é o ser (ou em todo caso um ser, mas dentre poucos 
outros a desfrutar para nós do mesmo estatuto) por intermédio do qual se edificava nossa 
relação com todos os outros e, em definitivo, com o mundo em geral. Assim privados (mas 
também se poderia dizer, de um outro ponto de vista, libertos) da intersubjetividadeenquanto modo de configuração do mundo, reencontramo-nos então a sós, diretamente 
diante de nosso próprio estar no mundo, diante desse fato simples e ofuscante (...) que 
somos, aqui, agora, irredutivelmente, nós mesmos. 
... diante do vazio criado por aquele que se tornou o ausente, ele se descobre de repente, de 
maneira mais forte e mais lúcida que em nenhuma outra circunstância, radicalmente 
ancorado nesse mundo, insuportavelmente presente a si mesmo, em suma, em vida, como 
ele jamais se havia experimentado... (LANDOWSKI, 2002, p. 107). 
O narrador sempre se refere ao protagonista como “senhor” na forma abreviada, “sr.”, 
ou, no texto em Inglês, “Mr.”, o que denota um certo distanciamento e uma forma respeitosa 
para com a personagem, exatamente do jeito que o sr. Duffy haveria de preferir, caso fosse 
questionado. Tratar alguém de quem se sabe tanto, se conhece a intimidade (como no caso do 
narrador) por senhor é retirá-lo do grupo de iguais, os quais trataríamos pelo primeiro nome 
ou pelo sobrenome, mas sem a necessidade do uso do pronome de tratamento. O 
distanciamento retira James Duffy do grupo de referência e o situa, ainda mais 
veementemente, como “outro”. A narrativa é construída de forma a criar um distanciamento 
mesmo entre o protagonista e o leitor. Tratado o tempo todo por “senhor”, Duffy está afastado 
da identificação imediata com o público leitor, que se identificaria mais rapidamente com 
alguém que conhecesse a intimidade sem a barreira do pronome de tratamento. Outra forma 
de distanciar a identificação imediata do leitor são as reações sempre surpreendentes do sr. 
Duffy no que tange o trato dos sentimentos, sempre agindo de forma contrária a que reagiria a 
média das pessoas nas mesmas situações. 
É possível depreender um teor semibiográfico da personalidade do protagonista do 
conto com seu autor. O protagonista tem o mesmo nome do autor, James. E a sonoridade do 
sobrenome da personagem, Duffy, lembra bastante a de Joyce, pelo menos quando 
pronunciados sob o irish accent. O problema do alcoolismo também foi muito presente na 
vida de Joyce. O pai, tomado pela doença, levou a família à ruína, chegando ao ponto de 
forçar a mulher e os filhos a mudarem-se de casa durante a noite para evitar o pagamento do 
aluguel atrasado. De acordo com um sobrinho de Joyce, Ken Monaghan (filho de May Joyce 
Monaghan, uma das irmãs mais jovens do escritor, e membro honorário da Fundação 
Internacional James Joyce desde 1992), em entrevista ao livro A força da palavra, de Betty 
Milan, essa prática de fugir do pagamento em mudanças noturnas teria se repetido muitas 
11 
 
vezes. Ao colocar como pensamentos do sr. Duffy que o vício da senhora Sinico degradara a 
ele mesmo, Joyce sabia por experiência própria que o alcoolismo prejudica também àqueles 
que têm laços com o doente. O escritor teria chegado a cortar relações com o pai por algum 
tempo, em função de desentendimentos causados pelo vício. 
 
Considerações Finais 
Assim como o autor, James Joyce, que foi um crítico da estagnação econômica, intelectual e 
social da Irlanda e especialmente de Dublin, a personagem James Duffy habita a cidade tolerando o 
que nela lhe desagrada. Mas quando tem uma oportunidade de ser ouvido, lamenta a degradação a 
que chegou a capital irlandesa à amiga Emily Sinico, como no trecho em que critica as tímidas 
discussões dos operários e seu exagerado interesse pelas questões salariais. Talvez Joyce concluísse 
que as questões trabalhistas devessem ser pensadas no sentido de impulsionar a sociedade para um 
progresso conjunto, e não se devesse perder demasiado tempo com questões individualistas. 
Esse truncamento nas relações sociais e econômicas dublinenses, bem como o crescimento 
da cidade no início do século XX, empurra o indivíduo a uma dificuldade de estabelecimento de 
relações e à consequente solidão, da qual muitas personagens dos contos de Dublinenses padecem. 
Joyce vivenciou, de certa forma, a conexão entre a inadaptabilidade a determinado espaço e o 
afrouxamento das relações com os que lá permanecem. A partir da leitura de Retrato do artista 
quando jovem, romance considerado parcialmente autobiográfico, sabemos que para o escritor o 
estabelecimento de relacionamentos também fora algo complicado, como o era para o protagonista 
e alter ego Stephen Dedalus. Minada pelo catolicismo da mãe e pelo alcoolismo do pai, as relações 
com a família foram conturbadas. A convivência difícil com a mãe influenciou, segundo a 
pesquisadora Betty Milan, a relação complexa de Joyce com o sexo oposto. Mesmo tendo 
encontrado em Nora Barnacle a companheira para deixar a Irlanda e iniciar uma vida nova antes de 
1910, é somente em 1931 que se casam oficialmente. 
Quanto às frequentes críticas do escritor ao seu país e cidade de origem, Joyce não estaria 
falando mal da Irlanda, mas ressentindo-se contra a melancolia dos irlandeses sobre um passado 
livre da dominação inglesa e em que o gaélico ainda era o idioma predominante. A crítica era 
quanto à nostalgia de um tempo que não voltaria e quanto à estagnação. Ele queria fazer vibrar a 
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importância de se encarar a nova realidade irlandesa. Sua crítica sempre foi pró-Irlanda, por uma 
libertação da consciência crítica do povo em relação ao domínio católico e consciência de unidade 
política. Mas o papel de crítico teria lhe custado a imediata aceitação como escritor por lá. O 
sobrinho Monaghan lembra, na entrevista para Betty Millan, que, antes de ser amado na Irlanda, 
Joyce fora criticado e rejeitado e, durante muito tempo, era difícil conseguir um exemplar de 
Ulisses na Ilha Esmeralda. Ele recorda o que Joyce costumava repetir: Dublin paralisava a mente e 
a Irlanda estava dominada por uma igreja de direita, autocrática. Queria escapar da família, da igreja 
e da nação para criar a consciência da raça, como diz no final de Retrato do Artista quando jovem. 
 
 
Referência Bibliográficas 
- BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. 
- ELIAS, Norbert e SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000. 
- JOYCE, James. Dublinenses. Porto Alegre: L&PM, 2012. 
- __________. Retrato do artista quando jovem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. 
- LANDOWSKI, Eric. Presenças do outro. São Paulo: Perspectiva, 2002. 
- MILAN, Betty. A força da palavra. São Paulo: Record, 1996. 
- WATT, Ian. A ascensão do romance: estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding. São Paulo: Companhia 
das Letras, 1990.

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