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4 Poríferos e placozoários As esponjas e os placozoários são discutidos juntos neste capítulo principalmente por constituírem os mais simples dos animais multicelulares (metazoários). Os dois grupos podem não estar intimamente relacionados. Filo Porifera Característica diagnóstica:1 Colares de microvilosidades envolvem flagelos, com unidades surgindo de células iso- ladas ou de sincícios. Introdução “Os planos corporais das esponjas são tão diferentes dos de outros animais que fica difícil comparar mesmo características básicas, ainda que sua estrutura molecular ... mostre que elas têm um complemento de genes e rotas gênicas muito similares aos encontrados em outros animais”. Sally Leys, Universidade de Alberta Pelo menos 98% das aproximadamente 8 mil espécies de esponjas conhecidas são marinhas; menos de 2% vivem em água doce. Não há esponjas terrestres. Como os placozoá- rios – e diferentemente da maioria de qualquer outro me- tazoário –, as esponjas não têm nervos e uma musculatura convencional. Todas as esponjas se alimentam de partículas suspensas na água. As esponjas são seres geralmente amor- fos, assimétricos (embora existam algumas exceções muito bonitas) e não possuem órgãos reprodutivos, digestórios, respiratórios, sensoriais ou excretores especializados. Além disso, nenhuma esponja adulta tem qualquer estrutura que corresponda a superfícies anterior, posterior ou oral. Por outro lado, mais de 20 tipos celulares morfologicamente distintos podem ser reconhecidos em esponjas individuais, embora as células sejam funcionalmente independentes, de modo que no laboratório uma esponja inteira pode ser dis- sociada em suas células constituintes, sem impacto a longo 1Características que distinguem os membros desse filo dos membros de outros filos. Windows Destacar Windows Destacar Windows Destacar Windows Destacar Windows Destacar 78 Capítulo 4 prazo. As células se desdiferenciam em uma forma ame- boide, reagregam-se e, pelo menos em algumas espécies, podem se rediferenciar para formar a esponja.2 Igualmen- te digno de registro, para um animal com morfologia tão simples, uma esponja consegue distinguir entre suas pró- prias células e as de indivíduos diferentes na mesma espécie (Quadro Foco de pesquisa 4.1). Esse não autorreconheci- mento (i.e., aloincompatibilidade) é conhecido atualmente em pelo menos 25 espécies de esponjas.3 É provável que o aspecto mais surpreendente da bio- logia de esponjas seja que elas trabalham tão bem com tão pouco. Muitas vezes, elas são os principais componentes de comunidades aquáticas e competem de modo impres- sionante por alimento e, sobretudo, espaço com outros metazoários sedentários. Elas também fornecem abrigos para uma grande diversidade de animais de muitos outros filos, bem como para uma grande diversidade de bactérias e cianobactérias. 2Ver Tópicos para posterior discussão e investigação, no 5, no final deste capítulo. 3Ver Tópicos para posterior discussão e investigação, no 7, no final deste capítulo. Considerando a falta de órgãos e sistemas em esponjas,4 pode-se especular se elas são realmente animais multicelu- lares ou se representam uma forma altamente evoluída de colônia de células individuais. Na verdade, alguns protozo- ários coloniais de água doce (coanoflagelados de água doce, p. 66) apresentam bem definidas semelhanças morfológicas com as esponjas mais simples, e há mais ou menos 100 anos sugeriu-se que as esponjas fossem classificadas como proto- zoários coloniais. No entanto, dados moleculares recentes sustentam uma origem evolutiva comum para esponjas e animais estruturalmente mais complexos. Atualmente, as es- ponjas parecem situadas confortavelmente no reino animal, embora sua posição exata permaneça incerta. Considerada por muito tempo como uma situação “evolutiva sem saída”, a partir de análises moleculares atuais parece que, enquanto as demosponjas e as esponjas-de-vidro podem não ter origi- nado novas linhagens, as esponjas calcárias, juntamente com as de outro grupo (Homoscleromorpha, ver p. 93), podem ser ancestrais de outros animais moleculares, formando o filo 4Ver Tópicos para posterior discussão e investigação, no 4, no final deste capítulo. QUADRO FOCO DE PESQUISA 4.1 Histoincompatibilidade em esponjas Hildemann, W. H., I. S. Johnson e P. L. Jokiel. 1979. Immunocompetence in the lowest metazoan phylum: Transplantation immunity in sponges. Science 204:420-22. Para ser qualificado como portador de um sistema imune, (1) o organismo (ou as células desse organismo) deve evidenciar al- guma forma de antagonismo a substâncias estranhas, (2) o an- tagonismo deve ser específico à determinada substância e (3) as respostas futuras deveriam ser alteradas pela primeira resposta – isto é, o sistema deve “lembrar” do encontro anterior. Há qua- renta anos, afirmava-se que os invertebrados careciam de siste- mas imunes. Este não é mais o caso. A capacidade de distinguir entre auto (self) e não auto (nonself) foi demonstrada claramente para muitos grupos de animais não vertebrados, incluindo ou- riços-do-mar e estrelas-do-mar, insetos, crustáceos, anelídeos, mariscos e caracóis, anêmonas-do-mar e corais. Há muito, sabe- -se que células de esponjas de uma determinada espécie evitam a fusão com células de outra espécie de esponja, porém, as cé- lulas de uma esponja conseguem fazer a distinção entre células de esponjas de outro indivíduo da mesma espécie? Essas células podem mostrar uma resposta imune verdadeira? Hildemann et al. (1979) estudaram a incompatibilidade tecidual intraespecífica (entre os indivíduos de uma espécie) da esponja tropical Callyspongia diffusa, uma esponja púrpura grande que cresce para cima, como dedos longos que surgem a partir de uma base comum, sobre rocha de coral no Havaí. Eles escolheram essa espécie para estudo porque, embora tenham observado com frequência a fusão de tecidos entre pedaços adjacentes de uma colônia individual de esponjas na natureza, eles nunca constataram esses enxertos entre colônias adjacen- tes de C. diffusa. Isso sugere que os tecidos das esponjas podem ser capazes de autorreconhecimento intraespecífico. Para examinar essa possibilidade no laboratório, eles fixa- ram com arame pedaços de esponja (cada uma com aproxi- madamente 2 cm por 8 cm) a placas de plástico pesadas, co- locando dois pedaços de esponja de uma colônia (tratamentos isogênicos) ou pedaços de duas colônias diferentes coletados em locais diferentes (tratamentos alogênicos) juntos sobre cada placa. Em seguida, os pesquisadores mantiveram as es- ponjas no laboratório a aproximadamente 27°C e monitora- ram diariamente o destino de cada esponja. Os fragmentos de esponja nos tratamentos isogênicos (pa- reados da mesma colônia) sempre se fundiram em alguns dias, mostrando compatibilidade completa entre os tecidos. Em contraste acentuado, os tecidos nos tratamentos alogênicos nunca se fundiram. Na verdade, os observadores verificaram respostas tóxicas pronunciadas entre os tecidos dessas espon- jas incompatíveis; em duas semanas, os tecidos em contato com o fragmento de esponja vizinho perderam sua coloração púrpura e morreram (Tabela foco 4.1). As esponjas não mos- traram essas reações aos suportes de plástico ou ao arame com o qual elas foram presas; houve uma resposta clara de histoin- compatibilidade; desarmonia tecidual intensa e específica. Ainda mais extraordinário, quando fragmentos de es- ponjas incompatíveis foram mantidos separados por 12 dias e, após, reexpostos um ao outro em novos locais de tecidos, as interações tóxicas repetiram-se significativamente mais rápido do que antes (Tabela foco 4.1), sugerindo uma me- mória imune. A segunda resposta foi claramente modificada pela primeira. Poríferos e placozoários 79 Porifera parafilético (ver a definição no Capítulo 2, p. 24).5 Seu registro fóssil remonta a aproximadamente 580 milhões de anos, e as evidências moleculares de substâncias químicas produzidasexclusivamente pelo metabolismo de esponjas foram registradas em sedimentos pelo menos 50 milhões de anos ainda mais antigos. Características gerais Em sua forma mais simples, uma esponja é uma bolsa per- furada, suficientemente rígida, cuja superfície interna é re- vestida com células flageladas. O espaço vazio dentro dessa bolsa é chamado de espongiocelo. As células flageladas que revestem o espongiocelo são denominadas coanócitos (lite- ralmente, “células em funil”) ou células em colar, em alusão ao arranjo cilíndrico das extensões citoplasmáticas (colares) envolvendo a porção proximal de cada flagelo (Fig. 4.1). Os colares de coanócitos das esponjas podem ser homólogos 5Nichols, S. e G. Wörheide. 2005. Integr. Comp. Biol. 45: 333-34. aos dos coanoflagelados protozoários. As células dos cola- res desempenham as seguintes funções: 1. elas geram correntes que ajudam a manter a circulação de água do mar dentro e através da esponja; 2. elas capturam partículas alimentares pequenas; 3. elas capturam espermatozoides que entram para a ferti- lização. Em geral, as esponjas têm milhares de células de colar por mm cúbico de tecido. Adjacente à camada de coanócitos (formalmente co- nhecida como coanossomo) encontra-se uma camada de material gelatinoso não vivo, denominada camada de meso-hilo. Embora seja acelular, o meso-hilo contém cé- lulas vivas. Células ameboides e amorfas, denominadas ar- queócitos, deslocam-se pelo meso-hilo através da corrente citoplasmática típica, que envolve a formação de pseudó- podes, como nos protozoários ameboides. Os arqueócitos exercem várias funções nas esponjas e, quando necessá- rio, desenvolvem mais tipos celulares especializados. Os arqueócitos são responsáveis pela digestão de partículas Todos os 200 desafios intercolônias foram marcados por distintas respostas de incompatibilidade de tecidos no primei- ro teste e respostas aceleradas no segundo. O tecido de cada esponja foi nitidamente capaz de reconhecer as diferenças en- tre muitas moléculas de superfície sutilmente diferentes que caracterizam esponjas individuais da mesma espécie. Os loci gênicos codificadores para moléculas de histocompatibilidade (i.e., aquelas responsáveis por fazer a distinção auto/não auto), localizadas na superfície celular de esponjas, devem ser alta- mente polimórficos, codificados por talvez centenas de dife- rentes genes em loci particulares. Essa capacidade de distinguir tão finamente entre auto e não auto certamente desempenha um papel fundamental no auxílio ao genótipo da esponja a competir com êxito por espaço. Claramente, mesmo as esponjas têm um sistema de re- conhecimento imune altamente sensível, capaz de distinguir mínimas diferenças químicas entre marcadores alogênicos de superfície. Futuros estudos desse sistema podem nos trazer algo sobre a origem evolutiva da imunidade celular em todos os animais e, talvez, sobre o funcionamento do principal com- plexo de histocompatibilidade do sistema imune humano. Tabela foco 4.1 Tempos de reações mútuas de fragmentos de Callyspongia diffusa 1 Fonte dos indivíduos testados 2 Dias para reagir no primeiro teste (média ± um desvio-padrão) 3 Número de pares testados 4 Dias para reagir no segundo teste (média ± um desvio-padrão) 5 Número de pares testado A e B 9,0 ± 1,9 24 3,8 ± 8,9 10 A e C 8,9 ± 6,9 30 4,2 ± 1,3 13 B e C 7,2 ± 2,2 21 4,0 ± 1,2 11 Observação: para cada teste, esponjas coletadas de três locais diferentes (A, B ou C) foram enxertadas (em pares) em íntimo contato de tecidos moles. A morte de tecidos nos pontos de contato ficou nitidamente visível em pouco mais de uma semana (coluna 2). Quando os pares foram reenxertados após um intervalo de 12 dias, as respostas não tóxicas ocorreram ainda mais rapidamente (coluna 4). Por exemplo, a resposta média para indivíduos coletados dos locais A e B necessitou de aproximadamente nove dias no primeiro encontro, mas menos de quatro dias no segundo encontro. A resposta mais rápida no segundo encontro claramente foi uma consequência da experiência anterior, indicando que essas esponjas têm um sistema de memória imune. Windows Destacar 80 Capítulo 4 alimentares capturadas pelos coanócitos, portanto, a diges- tão é inteiramente intracelular. Alguns arqueócitos tam- bém armazenam material alimentar digerido. Além disso, os arqueócitos podem originar tanto espermatozoides (que são flagelados) quanto óvulos, embora os gametas possam originar-se também por modificações morfológicas de co- anócitos existentes. Provavelmente, eles também desempe- nham um papel ativo em reações de aloincompatibilidade em resposta ao contato com outras esponjas. Por fim, os arqueócitos exercem um papel na eliminação de resíduos e, além disso, podem tornar-se especializados na secreção de elementos de suporte, localizados na camada do meso- -hilo. Esses elementos de suporte podem ser espículas calcárias ou silicosas, ou podem ser fibras compostas por uma proteína colagenosa, denominada espongina. As cé- lulas secretoras de espículas são chamadas de esclerócitos, e as que produzem fibras de espongina são denominadas espongiócitos6 (Fig. 4.2). Esses dois tipos de células são derivados de arqueócitos. Claramente, os arqueócitos são totalmente versáteis. As espículas e as fibras secretadas pe- los esclerócitos e espongiócitos são de grande importância (1) para esponjas, que, em geral, dependem de elementos de suporte para a manutenção da forma, e, possivelmente, para inibir a predação; e (2) para os sistematas, como um fator indispensável na identificação de espécies. 6Ver Tópicos para posterior discussão e investigação, no 1, no final deste capítulo. epiderme (a) (b) meso-hilo arqueócitos porócito fluxo de água ostíolo pinacócito núcleo espículas colar flagelo espongiocelo flagelo colar núcleo vacúolos alimentares núcleo do coanócito Figura 4.1 (a) Ilustração diagramática da parede do corpo de uma esponja. (b) Detalhe de um coanócito. (a) De Hyman, The Invertebrates, Vol. III. Copyright © 1951 McGraw-Hill Book Company, New York. Reimpressa com permissão. (b) Segundo Rasmont. Poríferos e placozoários 81 Em certas épocas do ano, muitas espécies de esponjas de água doce (e algumas espécies marinhas) produzem estru- turas dormentes, denominadas gêmulas. Para iniciar o pro- cesso, os arqueócitos acumulam nutrientes fagocitando ou- tras células e, após, agrupam-nas dentro da esponja. Certas células que envolvem cada grupo secretam uma cobertura protetora espessa; a gêmula consiste no grupo de arqueóci- tos e na sua cápsula circundante (Fig. 4.3). As gêmulas, em geral, são muito mais resistentes à dessecação, ao congela- mento e à anoxia (falta de oxigênio) do que as esponjas que as produzem (Fig. 4.4). Na verdade, as gêmulas de muitas espécies precisam despender vários meses sob temperaturas baixas, antes de se tornarem capazes de eclodir; isto é, elas necessitam de um período de vernalização. Sob condições ambientais apropriadas, as células vivas saem da gêmula (eclodem) através de uma abertura estreita e se diferenciam, formando uma esponja funcional.7 A formação da gêmu- la, portanto, permite que as esponjas resistam às condições desfavoráveis entrando em um estágio de interrupção do desenvolvimento, um período de dormência. À luz de al- gumas das diferenças entre ambientes de água doce e mari- nhos, mencionados no Capítulo 1, a importância adaptativa da formação da gêmula pelas esponjas de água doce deveria ser especialmente aparente. Igualmente, uma vez que cada esponja produz muitas gêmulas, a formação delas pode ser um meio eficiente de reprodução assexuada, resultan- do em numerosos descendentes geneticamente idênticos. 7Ver Tópicos para posterior discussão e investigação, no 2, no final deste capítulo. (a) (b) (c) (d) óxea tiloto acantóstilo anfidiscos esferáster (e) (g) dicotriena (f) triaxônica (i) (j) (k) (l) núcleo espícula (h) Figura4.2 (a-g) Morfologias de espículas representativas de esponja. (i) Imagens de espículas de esponja ao microscópio eletrônico de varredura. (h) Anfiáster pequena de Alectona wallichii. (i) Anfiáster fusiforme de Alectona wallichii. (j-l) Produção de uma espícula de esponja por um esclerócito binucleado. A espícula é iniciada entre dois núcleos. Após a espícula estar completa, as células migrarão para a mesogleia. (a-l) Baseada em Beck/Braithwaite, Invertebrate Zoology, Laboratory Workbook, 3/e, 1968. (l) Cortesia de Micha llan e J. Aizenberg. De llan, M., J. Aizenberg e O. Gilor, 1996. Proc. Roy. Soc. London B 263:133-39, figs. I c-d. (h, i) © G. Bavestrello. De Ba- vestrello, G. B. Calcinai, C. Cerrano e M. Sera, 1998. J. Mar. Biol. Ass. UK 78:59-73. (j, k, l) De Hyman, segundo Woodman. 82 Capítulo 4 Gêmulas de algumas espécies de esponjas eclodiram com êxito após 25 anos de armazenamento. Em vez de formar gêmulas, algumas espécies marinhas e de água doce passam por uma pronunciada regressão de tecidos durante os períodos desfavoráveis, em que a esponja se torna reduzida a pouco mais do que uma massa celular compacta com uma cobertura protetora externa. As células reativam-se quando as condições ambientais melhoram, re- generando todas as estruturas presentes antes da regressão. A camada externa da maioria das esponjas é de células contráteis achatadas, chamadas de pinacócitos (Fig. 4.5), que formam uma camada denominada pinacoderme. Na maioria dos animais, as células epiteliais apoiam-se em uma lâmina de matriz extracelular secretada por elas, denomina- da lâmina basal (ou membrana de embasamento); os pina- cócitos da maioria das esponjas, porém, (ver seção sobre es- ponjas homoscleromorfas, p. 88) não possuem lâmina basal. Mesmo assim, pelo menos algumas esponjas nitidamente apresentam tecidos epiteliais funcionais, capazes de impe- dir a difusão de moléculas pequenas para dentro e para fora do animal e de transportar íons específicos para controlar o potencial de membrana.8 Os pinacócitos também delimitam os canais inaladores e o espongiocelo em locais onde faltam coanócitos. A contração dos pinacócitos permite que as es- ponjas passem por mínimas e máximas mudanças de forma9 e, mediante variação do diâmetro das aberturas de inalação, pode também desempenhar um papel na regulação do fluxo hídrico através da esponja. Alguns pinacócitos são ciliados, mas não em quaisquer das esponjas calcárias conhecidas. Devido à ausência de músculos, nervos e corpos defor- máveis, as esponjas são completamente dependentes do fluxo da água para a alimentação, trocas gasosas e remoção de resí- duos, bem como disseminação e coleta de espermatozoides. Em parte como consequência da atividade dos coanócitos e 8Adams, E. D. M., G. G. Goss e S. P. Leys. 2010. PLoS ONE 5(11):e 1 5040. 9Ver Tópicos para posterior discussão e investigação, no 4, no final deste capítulo. em parte como consequência da arquitetura da esponja (Fig. 4.6),10 a água flui para o espongiocelo através de aberturas estreitas (ostíolos) e sai dele através de aberturas mais largas (ósculos) (Fig. 4.5). Os ostíolos são sempre numerosos no corpo da esponja, mas pode haver apenas um ósculo por indi- víduo. O nome Porifera atesta a extrema importância de todas essas aberturas na morfologia e fisiologia das esponjas. 10Ver Tópicos para posterior discussão e investigação, nos 3 e 4, no final deste capítulo. massa de arqueócitos espículas na cobertura externa dura local da futura abertura de escape Figura 4.3 Gêmula de uma esponja de água doce, Ephydatia, vista em secção transversal. De Hyman; segundo Evans. dias de exposição ao estresse dias de exposição ao estresse po rc en ta ge m d e ec lo sã o po rc en ta ge m d e ec lo sã o 0 20 40 60 80 100 0 1 7 14 28 56 1123 0 20 40 60 80 100 0 1 7 14 28 56 1123 sem O2 com O2 +2∞C +20∞C –19∞C –83∞C +2∞C +20∞C –19∞C –83∞C Figura 4.4 Efeito da temperatura baixa e da privação do oxigênio (anoxia) sobre a sobrevivência de gêmulas de esponjas. Milhares de gêmulas foram obtidas de um único espécime da esponja de água doce Ephydatia muelleri. Algumas gêmulas foram vedadas em ampolas de vidro contendo água bem oxigenada, ao passo que outras foram vedadas em ampolas de vidro depuradas com nitrogênio para re- mover todo o oxigênio da água. Cada ampola continha cerca de 30 gêmulas; aproximadamente 3.500 gêmulas foram utilizadas no ex- perimento inteiro. As ampolas foram, então, distribuídas em quatro tratamentos térmicos. Em sete datas durante as posteriores 16 se- manas, pelo menos uma ampola de cada tratamento foi aberta e determinou-se a porcentagem de eclosão de gêmulas no decorrer de quatro semanas, a 20°C. Os dados para gêmulas mantidas sob condições anóxicas geralmente mostram os valores médios e ex- tremos para três réplicas de 30 gêmulas por amostra. No outro grupo do tratamento, não houve replicação para as gêmulas. As gêmulas foram marcadamente tolerantes à temperatura baixa (em geral, 5-18% eclodiu, mesmo após ficar 16 semanas a – 83°C) e so- breviveram igualmente bem na presença ou ausência de oxigênio. De H. M. Reiswig e T. L. Miller, 1998. Invert. Biol. 117:1-8. Poríferos e placozoários 83 O tamanho grande de muitas esponjas – os membros de algumas espécies têm mais de 1 metro de altura ou diâmetro – atestam os volumes grandes de água filtrada para alimen- tação: provavelmente muitos litros por esponja por dia.11 Contudo, o fluxo rápido por uma superfície de obtenção de alimento é incompatível com a eficiente captura de partícu- las. Idealmente, o fluxo da água seria mais lento dentro das câmaras dos coanócitos, dando tempo para a eficiente re- moção das partículas, e, então, aceleraria no caminho para fora da esponja, a fim de dispersar de maneira eficiente re- síduos (e espermatozoides). Na verdade, isso é exatamente o que acontece, não devido a diferenças de atividade flage- lar nas diferentes partes da esponja, mas simplesmente em virtude da sua arquitetura interna. A Tabela 4.1 apresenta dados do fluxo de água para uma esponja que filtra 0,18 cm3 de água por segundo, que resulta em um respeitável volume 11Ver Tópicos para posterior discussão e investigação, no 10, no final deste capítulo. de 0,65 litros de água por hora. Essa esponja possui um grande número de ostíolos (940.000); como a água entra por todas essas aberturas disponíveis, ela penetra através de cada ostío lo em uma lentidão de 0,057 cm por segundo. No entanto, os ostíolos conduzem para dentro um número incrível de câmaras flageladas, quase 29 milhões, nesse caso. Embora cada câmara seja muito pequena, multiplicando a área da secção transversal individual por 29 milhões, chega- -se a uma área total surpreendentemente grande, conforme indicado na tabela. Uma vez que o volume total de água que entra na esponja também deve ser o volume movendo-se por ela e saindo dela no mesmo tempo (observe que para cada fileira da tabela, a área total multiplicada pela velocida- de da água sempre é igual a aproximadamente 0,18 cm3/s), a velocidade da água deve diminuir drasticamente no interior das câmaras dos coanócitos, conforme indicado, aumen- tando a oportunidade para a captura de partículas alimen- tares ou de gametas. Nosso próprio sistema capilar sanguí- neo opera de maneira semelhante no aumento da eficiência base meso-hilo espícula pinacócito espongiocelo arqueócito coanócito ósculo ostíolo porócito espícula Figura 4.5 Representação diagramática de uma esponja simples (asco- noide), ilustrando seus diferentes componentes celulares e estru- turais. Nos asconoides, o canal inalador é simplesmente um tubo que passa por um pinacócito modificado, denominado porócito. Observe que seis células estão envolvidas na produção de uma espícula trirradiada. Baseada em Sherman/Sherman. The Invertebrates: Function and Form, 2/e, 1976, p. 45. 84 Capítulo 4 da troca gasosa entre sanguee tecidos, mas, nesse particu- lar, as esponjas foram pioneiras, um bom exemplo de evo- lução morfológica convergente diante de pressões seletivas similares. Uma vez removidas as partículas (e o oxigênio) nas câmaras flageladas, a velocidade da água novamente au- menta, simplesmente devido ao decréscimo da área total da secção transversal pela qual a água agora flui; para mover o mesmo volume de água através de uma área da secção transversal menor da esponja no tempo, a velocidade deve aumentar. Temperaturas elevadas da água associadas com a mudança do clima global podem ter efeitos interessantes, mas prejudiciais, sobre a biologia das esponjas.12 12Massaro, A. J., J. B. Weisz, M. S. Hill e N. S. Webster. 2012. J. Exp. Mar. Biol. Ecol. 416-417:55-60. Nos últimos anos, os químicos de produtos naturais tornaram-se extremamente interessados em esponjas, como fontes de novos compostos químicos produzidos unicamente por determinadas espécies, a fim de se prote- gerem contra predação e inibirem a fixação em sua superfí- cie de larvas de cracas e outros organismos “incrustantes”. Algumas dessas substâncias químicas são produzidas pelas próprias esponjas e outras são produzidas por bactérias e cianobactérias (algas azul-esverdeadas) simbiontes. Além disso, as substâncias liberadas podem não inibir direta- mente a incrustação por larvas de outros animais, mas sim pela modificação da composição de espécies de comuni- dades bacterianas adjacentes.12 Algumas das substâncias químicas têm aplicações biomédicas potenciais e outras podem servir para inibir a fixação de larvas em cascos de navios e outras superfícies submersas. Diversidade dos poríferos Os avanços evolutivos na morfologia das esponjas implicam seleção pela maximização do fluxo de corrente através do espongiocelo e aumento da quantidade da área de superfí- cie disponível para a coleta de alimento. Existem três níveis básicos de construção das esponjas: asconoide, siconoide e leuconoide, em ordem de complexidade crescente. Cada forma simplesmente reflete um aumento no grau de evagi- nação da camada de coanócitos para longe do espongiocelo, aumentando a extensão da área de superfície cercada pela esponja (Fig. 4.7). A maioria das espécies de esponjas é do tipo leuconoide; ainda não está claro se esse tipo é um es- tado verdadeiramente “avançado” no desenvolvimento das esponjas ou se ele representa a condição ancestral, com as esponjas asconoide e siconoide sendo mais evoluídas por simplificação secundária. As esponjas representativas são ilustradas na Figura 4.9. As esponjas ocorrem em uma enorme diversidade de cores e formas, variando de formas encrustadas de apenas alguns milímetros de largura até formas eretas elaboradas com mais de 1 m de altura. Embora a maioria das esponjas seja imóvel, os membros de algumas espécies podem deslocar- -se a velocidades de vários milímetros por hora, presumi- velmente pelos movimentos citoplasmáticos coordenados de células ameboides individuais.13 As esponjas estão distribuídas nas seguintes quatro clas- ses, as quais são baseadas, em grande parte, na composi- ção química e na morfologia dos elementos de sustentação: 13Ver Tópicos para posterior discussão e investigação, no 4, no final deste ca- pítulo. Tabela 4.1 Características do transporte de água de uma esponja marinha leuconoide Característica anatômica Área individual da secção transversal (cm2) No aproximado por esponja Área total da secção transversal (cm2) Velocidade da água (cm/s) Ostíolos 3,33 x 10-6 940.000 3,14 0,057 Câmaras flageladas 7,06 x 10-6 2,88 x 107 203,0 8,69 x 10-4 Ósculo 0,034 1,0 0,034 5,1 A esponja na qual os dados são baseados tem um volume total de 2,4 cm3. De LaBarbera, M., e S. Vogel. 1982. Amer. Scient. 70:54-60. Fluxo da corrente externa (cm • sec–1)* Fl ux o os cu la r (c m • se c– 1 ) * 5 10 150 20 25 30 15 20 25 30 5 10 Figura 4.6 Influência da morfologia sobre o fluxo da água através da esponja marinha Haliclona viridis. (o) Velocidade da água saindo pelos ós- culos de indivíduos não perturbados. (•) Dados para indivíduos cujos coanócitos foram inativados pela imersão dos animais na água doce por vários minutos. Os dados mostram que, em uma corrente, a água flui pela esponja com ou sem a ajuda da atividade dos coanócitos. Em uma corrente de 15 cm/s, por exemplo, a água se desloca através de uma esponja inativa a quase 30% da taxa medida em uma esponja integralmente funcional, simples- mente devido à maneira pela qual sua arquitetura se aproveita do fluxo hídrico circundante. Todas as medições foram feitas no campo, posicionando uma sonda diminuta sensível ao fluxo perto de uma esponja e outra no centro do seu ósculo. Baseada em Steven Vogel, em Proceedings of the National Academy of Science 74:2069-71, 1977. *Centímetros por segundo Poríferos e placozoários 85 Calcarea, Demospongiae, Hexactinellida e Homosclero- morpha. As espécies da classe Homoscleromorpha antes pertenciam à classe Demospongiae, porém, dados mo- leculares progressivamente apoiam a sua colocação em uma classe separada.14 Até recentemente, havia uma classe 14Gazave, E., et al., 2012. Hydrobiologia 687:3-10. adicional de poríferos: Sclerospongiae, contendo 16 espé- cies, todas de construção leuconoide e restritas a cavernas e fendas escuras nos recifes de corais. As esclerosponjas di- ferem da maioria das outras esponjas por secretarem uma substancial massa de sustentação de carbonato de cálcio (Fig. 4.8), além das espículas microscópicas mais normais constituídas de carbonato de cálcio, sílica e espongina. ósculos esponja asconoide esponja siconoide (a) (b) câmara do coanócito ostíolos espongiocelo ósculo esponja leuconoide (c) (d) ostíolos ósculo ostíolo caminho do fluxo da água meso-hilo pinacócitos câmara do coanócito canal inalador Figura 4.7 Ilustrações diagramáticas dos diferentes níveis de complexidade da arquitetura das esponjas. As setas indicam a direção do fluxo da água: entra pelos ostíolos e sai pelos ósculos. (a) Esponja asconoide. (b) Esponja siconoide. (c) Esponja leuconoide. (d) Detalhe da circulação da água em uma esponja leuconoide. Embora não esteja óbvio nesta figura, geralmente existem entradas múltiplas para as câmaras dos coa- nócitos da esponja e uma única saída, conforme mostrado na parte (c). (a-c) De Bayer e Owre, The Free-Living Lower Invertebrates. Reimpressa, com per- missão, dos autores. De Johnston e Hildemann, em The Reticuloendothelial System, Cohen e Siegel, eds. Copyright ©1982 Plenum Publishing Corporation, New York. Reimpressa com permissão. (d) Redesenhada de Johnston e Hildemann, em The Reticuloendothelial System, Cohen e Siegel, eds. Copyright © 1982 Plenum Publishing Corporation, New York. Reimpressa com permissão. 86 Capítulo 4 Atualmente, no entanto, esqueletos calcários similarmen- te sólidos estão descritos em, no mínimo, uma espécie na classe Calcarea e uma espécie na classe Demospongiae, su- gerindo que esse caráter particular não define uma única classe de esponjas; essa sugestão é corroborada por compa- rações recentes de sequências gênicas do RNA ribossomal 28S. A capacidade de se secretar suportes de carbonato de cálcio em enorme quantidade aparentemente evoluiu várias vezes, de maneira independente, em diferentes grupos de esponjas e não define um clado separado de esponjas. Classe Calcarea Os membros da classe Calcarea produzem espículas com- postas apenas por carbonato de cálcio (CaCO3). Esta é tam- bém a única classe de esponjas que abrange todos os três tipos de construção corporal; na verdade, as únicas formas vivas de asconoides são encontradas na classe Calcarea. Classe Demospongiae Quase todos os membros desta classe, a maior de todas as esponjas (contém, no mínimo, 80% de todas as espécies de esponjas), são de construção leuconoide. Suas espículas e fibras de sustentação podem ser compostas por espongina e/ou sílica, mas nunca de CaCO3.Um trabalho recente15 mostra que as fibras esqueléticas de demosponjas (e as espon- jas-de-vidro a serem discutidas a seguir) contêm também 15Ehrlich, H., M. Maldonado, K. D. Spindler, C. Eckert, T. Hanke, R. Born, C. Goebel, P. Simon, S. Heinemann e H. Worch. 2007. J. Exp. Zool. 308B:347-56. quitina. Um número pequeno de espécies não possui fibras nem espículas. Todas as esponjas de água doce (menos de 300 espécies) são encontradas nesta classe. Curiosamente, es- sas espécies de água doce possuem vacúolos contráteis, que são organelas especializadas na eliminação de água do cito- plasma; elas são encontradas em outras partes somente entre protozoários (ver p. 37-38). Um grupo estranho de esponjas do mar profundo foi descrito em 1995; as espículas dessas esponjas (da famí- lia Cladorhizidae) as coloca convincentemente na classe Demospongiae, embora sua morfologia e biologia alimen- tar sejam tão aberrantes que é especulado se elas realmente são esponjas. Elas não possuem ostíolos nem ósculos – ab- solutamente nenhum sistema interno de canais, na verda- de – e nem coanócitos. Deve ser destacado que elas se ali- mentam como carnívoros, atraindo pequenos (a maioria com menos de 1 mm) crustáceos nadadores nos numerosos filamentos longos e delgados que cobrem grande parte da sua superfície corporal. As presas capturadas são gradual- mente envolvidas por células epiteliais adjacentes e novos filamentos e, após, digeridas externamente em poucos dias. Nutrição adicional pode ser fornecida por bactérias simbió ticas, conforme descrito em outras partes deste livro para moluscos bivalves (p. 245) e anelídeos “pogonóforos” (p. 305).16 Curiosamente, algumas outras esponjas da fa- mília Cladorhizidae têm um sistema funcional de canais internos, completo com coanócitos, e ainda se alimentam principalmente como carnívoras. 16Ver Tópicos para posterior discussão e investigação, no 8, no final deste capítulo. espículas silicosas ostíolos carbonato de cálcio ósculo ósculo entrada de água saída de água Figura 4.8 Representação esquemática de uma esclerosponja (“esponja coralina”), coletada ao longo da costa da Jamaica. Observe as câmaras dos coa- nócitos incomumente estreitas e o compacto esqueleto de calcário. Baseada em Willenz e Hartman in Marine Biology 103:387-401. 1989. Poríferos e placozoários 87 Classe Hexactinellida Nesta classe, estão classificadas as esponjas cujos corpos são sustentados inteiramente por espículas de sílica e qui- tina, que possuem seis raios e interconectam-se. Essas es- ponjas, conhecidas como esponjas-de-vidro, são maravi- lhas de complexidade estrutural e simetria (Fig. 4.9g, h). Os membros de algumas espécies vivem em sedimentos moles, ancorados por tufos de espículas, ao passo que membros de outras espécies vivem fixados a substratos sólidos. Os sistemas de canais das Hexactinellida podem ser siconoides ou leuconoides. No entanto, elas estão se- paradas de todas as outras esponjas porque o indivíduo inteiro – incluindo a camada externa – é sincicial (com muitos núcleos contidos no interior de uma única mem- brana plasmática), em vez de celular, e faltam elementos (a) (b) (c) (d) (f) (h) (e) (g) Figura 4.9 Diversidade de esponjas. (a) Uma espécie de água doce incrustando um graveto. (b) Uma esponja marinha incrustante. (c) Esponja em forma de cálice, Poterion neptuni. (d) Uma esponja siconoide, Sycon sp. (e) Uma esponja digitiforme, Haliclona oculata. (g) Cesto de flor-de- -vênus, Euplectella sp., pertencente à classe Hexactinellida. As espí- culas têm seis raios e são compostas por dióxido de silício, conforme mostrado em (f). (h) Vista parcial detalhada de uma Hexactinellida. (a) Segundo Hyman. (b, c) Segundo Pimentel, (d) Segundo MacGinitie e MacGinitie. (e) © J. A. Kaandorp, de “Fractal Modeling: Growth and Form in Biology”, Springer- -Verlag. Berlin, New York. 1994. (f) Barnes, Invertebrate Zoology, 4th ed. Orlando: W. B. Saunders Company, 1980. (g) © James Sumich. (h) © Jan A. Pechenik. 88 Capítulo 4 contráteis; portanto, não existe a camada denominada pi- nacoderme. A camada interna, flagelada, também é sinci- cial, o que reforça a separação das esponjas-de-vidro em relação às outras esponjas. Recentemente, cientistas constataram17 que as longas (5-15 cm) e finas (cerca de 50 μm de diâmetro) fibras de sílica, secretadas por essas esponjas na sua base, podem ter propriedades de orientação luminosa superiores às encon- tradas em cabos de fibra óptica produzidos comercialmente, além de serem menos propensas à fratura. Não surpreende que exista um crescente interesse comercial em determinar como as esponjas fabricam essas espículas. Classe Homoscleromorpha Dados moleculares recentes, que incluem sequências de DNA ribossomal (rDNA) 18S e 28S, juntamente com in- formação do genoma mitocondrial, apoiam a transferên- cia dessas esponjas (menos de 100 espécies) de Demos- pongiae para esta classe separada, Homoscleromorpha. Embora inexistentes na maioria das espécies de Homos- cleromorpha, as espículas, quando presentes, são intei- ramente silicosas, como nas esponjas de Hexactinellida, mas têm uma morfologia bem diferente. Além disso, os membros dessa classe são únicos entre as esponjas, pois têm uma membrana basal claramente distinta subjacente ao epitélio, além do fato de todas as suas células epiteliais produzirem cílios. Outras características da biologia dos poríferos: reprodução e desenvolvimento As esponjas se reproduzem assexuadamente, por frag- mentação ou mediante a produção de gêmulas ou gemas, e sexuadamente, por meio da produção de ovócitos e es- permatozoides. Muitas espécies de esponjas são herma- froditas, com um único indivíduo produzindo ambos os tipos de gametas. A fertilização e o desenvolvimento inicial são frequentemente internos, uma elaboração surpreen- dente para um animal que é muitas vezes considerado bem pouco sofisticado. Em pelo menos algumas espécies, os coanócitos capturam os espermatozoides entrantes, desdi- ferenciam-se para a forma ameboide e, após, transportam os espermatozoides para o meso-hilo, onde os ovócitos são fertilizados. A maioria das espécies de esponjas retém (i.e., “incu- bam”) os embriões em desenvolvimento por um certo tem- po, liberando-os através dos ósculos como larvas natantes. Espécies em número muito menor são ovíparas; os óvulos recém-fertilizados (ou os próprios gametas) são lançados na água do mar, de modo que o desenvolvimento embrio- nário é completamente externo. O desenvolvimento de embriões de esponjas difere do verificado em embriões de outros metazoários. Em espon- jas calcárias e em algumas demosponjas, o desenvolvimen- to do embrião em uma blástula oca (uma celoblástula). Em algumas esponjas calcárias (incluindo os membros do 17Sundar, V. C. et al. 2003. Fibre-optical features of a glass sponge. Nature 4424: 899–900. gênero Grantia), as células em rápida divisão na extremi- dade do embrião logo se tornam flageladas, com os flagelos dirigidos para a blastocele e não para o lado externo do em- brião. As outras células do embrião se dividem mais lenta- mente e permanecem sem flagelos. A blastocele se abre para o exterior, no meio desse grupo de células relativamente grandes, que se dividem lentamente. À medida que o de- senvolvimento continua, o embrião demonstra um proces- so denominado inversão e vira de dentro para fora através dessa abertura (Fig. 4.10a). Desse modo, os flagelos internos passam a situar-se na superfície externa, onde impulsionam as larvas para a frente (pela extremidade flagelada) assim que o indivíduo é descarregado através desse sistema de ca- nais exalantes. Mesmo após essa volta de dentro para fora, o embrião permanece com a espessura de apenas uma cé- lula, de modo que inversão não deve ser confundida com gastrulação. A larva de esponja oca e natante há pouco descrita é de- nominada anfiblástula (Fig. 4.10a, b). Em algumas outras espécies de esponjas calcárias,o embrião inicialmente oco (celoblástula) torna-se sólido (uma estereoblástula) à me- dida que numerosas células se soltam da parede da blástula e preenchem completamente a blastocele. Os embriões da maioria das demosponjas, por outro lado, desenvolvem-se diretamente em estereoblástulas, que, por sua vez, se diferenciam e formam parenquimelas am- plamente flageladas (também chamadas de larvas paren- quimelas) (Fig. 4.10c); cada célula geralmente produz um flagelo, como em outras larvas de esponjas já descritas. Em algumas espécies – esponjas-de-vidro e muitas esponjas de água doce –, essas larvas parenquimelas possuem espículas e coanócitos, e até mesmo sistemas de canais rudimentares. As larvas de Hexactinellida também se tornam altamente diferenciadas, possuindo tanto espículas silicosas quanto câ- maras de coanócitos; somente as células na secção mediana larval são flageladas, sendo que cada célula produz vários flagelos. As larvas de esponjas são, em geral, incapazes de se ali- mentarem e nadam por menos de 24 horas antes da sua me- tamorfose. Antes de perder a capacidade de nadar, as larvas se fixam a um substrato. Durante o processo subsequente de metamorfose, células de diferentes partes do embrião pas- sam por extensas migrações e começam, ou continuam, a se diferenciar para formar a futura esponja adulta. Em pelo menos algumas espécies calcárias e de demosponjas, coanó- citos se desenvolvem diretamente das células flageladas da larva. Em algumas outras espécies de esponjas, os flagelos são degradados e, após, coanócitos se diferenciam de novo a partir de arqueócitos. Em no mínimo uma espécie de água doce, as células flageladas primeiro se desdiferenciam em células ameboides, que, posteriormente, se rediferenciam em coanócitos. Com respeito ao seu modo de reprodução, as espécies de esponjas marinhas e de água doce geralmente têm um estágio de desenvolvimento larval que nada livremente. Esse estágio de dispersão natante muitas vezes é suprimido nas histórias de vida de outros invertebrados de água doce, conforme observado no Capítulo 1. Ainda não foi determi- nado como as larvas parenquimelas de água doce resistem ao estresse osmótico associado à vida na água doce. Poríferos e placozoários 89 Filo Placozoa Característica diagnóstica: animais pequenos, multicelu- lares, amorfos, móveis, sem uma cavidade corporal, sistema digestório e sistema nervoso; compostos por duas camadas de células epiteliais ciliadas, com uma camada de células contráteis multinucleadas entre elas. Introdução Embora apenas uma única espécie de placozoário tenha sido descrita, Trichoplax adhaerens (Fig. 4.11a), achados recentes de quantidades altamente surpreendentes de diversidade de sequências de rDNA mitocondrial 16S entre os indivíduos sugerem que o filo pode conter mais de uma dúzia de espé- cies. Trichoplax adhaerens foi coletada em aquários marinhos e em hábitats marinhos subtropicais e tropicais de águas rasas pelo mundo. Embora os placozoários sejam conhecidos des- de 1883, sua biologia e ecologia são pouco compreendidas. Os animais são obtidos mediante a submersão de lâminas de vidro (utilizadas em microscopia) no local de coleta, por uma ou duas semanas, e, após, as lâminas são examinadas no laboratório; seu hábitat natural é desconhecido. Na verdade, os animais podem, ainda, parasitar alguns hospedeiros des- conhecidos, de modo que podemos estar observando apenas a porção de vida livre do ciclo de vida. Características gerais Como as esponjas, os placozoários não apresentam partes dianteira, traseira, direita e esquerda, além de não possuí- rem órgãos e tecidos. Não há sistema digestório, nem sis- tema nervoso e nem musculatura verdadeira. Além disso, como as esponjas, os placozoários não possuem estruturas sensoriais especializadas e, células que são dissociadas arti- ficialmente se reagregam para formar de novo um animal funcional. Contudo, diferentemente das esponjas, os pla- cozoários são totalmente móveis. Eles são aparentemente planctônicos durante partes de suas vidas, pois colocam-se sobre as lâminas de microscópio suspensas na água; porém, eles parecem adaptados ao deslizamento em substratos du- ros sobre milhares de cílios móveis e mediante contrações coordenadas de células fibrosas, alterando marcadamente a forma (no estilo-ameba) à medida que se deslocam. Os ani- mais não são maiores do que 2 mm em cultura laboratorial, e indivíduos coletados na natureza são ainda menores: não mais do que aproximadamente 1/10 daquele tamanho. Com blastocele (a) blastocele células flageladas células flageladas celoblástula inversão da blástula (b) vista externa (c) Figura 4.10 (a) Desenvolvimento da larva anfiblástula, vista em secção trans- versal. (b) Larva anfiblástula típica, vista externa. Essa larva de livre-natante se fixa a um substrato antes de passar pelo desen- volvimento posterior. (c) Imagem ao microscópio eletrônico de varredura de uma larva parenquimela, Halichondria sp. A larva tem aproximadamente 300 μm de comprimento. (a) Baseada em P. E. Fell 1997. Em S. F. Gilbert e A. M. Raunia. Embriology: Constructing the Organism, p. 46. Inc. (b) Segundo Hammer. (c) © Claus Nielson, de C. Nielson, 1987, “Acta Zoological” (Stockholm) 68:205-262. Permissão da Royal Swedish Academy of Sciences. Sem título
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