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MENINGITES BACTERIANAS PEDIÁTRICAS • Meningites bacterianas são processos agudos que comprometem as leptomeninges, provocando reação purulenta detectável no líquido cefalorraquidiano (LCR) em decorrência de um processo inflamatório do espaço subaracnóideo e das membranas que envolvem o encéfalo e a medula espinal; EPIDEMIOLOGIA • São responsáveis por morbimortalidade expressiva tanto em países em desenvolvimento quanto em países desenvolvidos; • As taxas de letalidade são variáveis, dependendo do agente infeccioso, da faixa etária, das características da população e de fatores de risco ao paciente; • Nos países mais pobres, a letalidade é cerca de 50%; • Nas duas últimas décadas houve a introdução de vacinas conjugadas, o que modificou consideravelmente a epidemiologia das meningites bacterianas; • No Brasil, a faixa de idade mais comum está entre o 3º mês e o 3º ano de vida; • No Estado de São Paulo, mais de 50% dos casos de meningite meningocócica ocorrem abaixo de 4 anos de idade, e cerca de 50% dos casos de meningite pneumocócica ocorrem em menores de 1 ano; PATOGÊNESE • O acesso dos micro-organismos ao SNC ocorre por via hematogênica a partir da colonização da mucosa da nasofaringe; • O mecanismo exato pelo qual estes patógenos atravessam a barreira hematoliquórica não está completamente esclarecido; o A barreira hematoencefálica, estrutural e funcional, é formada pelas células endoteliais da microvasculatura. A passagem dos micro-organismos por esta estrutura depende de sua interação com receptores do hospedeiro; o Os micro- organismos também podem atingir o SNC por contiguidade, ou por inoculação direta; FISIOPATOLOGIA • Após penetrar o SNS, a bactéria multiplica-se rapidamente, liberando componentes da sua parede ou membrana celular (ácido lipoteicoico, peptidoglicans de bactérias Gram-positivas, ou lipopolissacárides de bactérias Gram-negativas); • Esse processo desencadeia uma intensa reação inflamatória no espaço subaracnóideo, pela ativação de vias inflamatórias do hospedeiro. ETIOLOGIA • As bactérias mais comuns são: Haemophilius influenzae, Streptococcus pneumoniae (pneumococo) e Neisseria meningitidis (meningococo); meningites bacterianas pediátricas • Período neonatal precoce (do nascimento até 3 dias de vida): predominam bactérias do canal de parto materno - enterobactérias, Streptococcus agalactiae (estreptococo B), e a Listeria monocytogenes (pode determinar meningite nos três primeiros meses de vida); • Período neonatal tardio (de 4 a 28 dias de vida): além das bactérias já mencionadas, o Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis, outras bactérias Gram-negativas e a Pseudomonas aeruginosa também são agentes frequentes, principalmente em recém-nascidos que estão em ambiente hospitalar; QUADRO CLÍNICO • Lactentes: como em qualquer doença infecciosa, apresentam quadro inespecífico; • Presença de febre alta, prostração, irritabilidade, alteração do estado de consciência, sonolência, má aceitação alimentar e presença de vômitos; • A criança pode apresentar crises convulsivas; • Abaixo de um ano: é infrequente o achado de sinais meníngeos ao exame físico (rigidez de nuca, sinais de Kernig e Brudzinski positivos); o Toxemia, letargia, má perfusão periférica, mesmo após controle de quadro febril; o Pode-se encontrar abaulamento de fontanela bregmática em lactentes mais jovens; o A ausência desses achados não descarta o diagnóstico de meningite bacteriana nesta faixa etária, incluindo a ausência de febre; • Em todos os casos de suspeita de meningite, deve ser realizada a punção liquórica; • A partir de 2 anos de idade: os sintomas e sinais são mais consistentes com o diagnóstico de meningite, com predomínio de febre alta, toxemia, cefaleia, alteração de consciência e vômitos em jato; o Dor em região da nuca, fotofobia, crises convulsivas, irritabilidade; o Ao exame físico, os sinais meníngeos são mais evidentes; o Meningocócica: toxemia grave, exantema macular e/ou petequial, sufusões hemorrágicas e choque; o Etiologia por pneumococo: presença de infecções em outros sítios - otite média aguda ou pneumonia; DIAGNÓSTICO • Para o diagnóstico de meningite ser firmado, deve haver alteração liquórica; • Contraindicações para a coleta de líquor: sinais de hipertensão intracraniana (assimetria de pupilas, opstótono, sinais de paralisia focal e respiração irregular) e infecção no local de punção; • Quando ocorre acidente de punção liquórica, há limitações na interpretação do quimiocitológico do líquor: utiliza-se a relação 1 leucócito/500 hemácias, como auxiliar nessa interpretação; • O uso de antimicrobianos por via oral ou por via intramuscular previamente à punção liquórica também pode modificar o quimiocitológico do líquor, particularmente a celularidade liquórica, o que também traz limitações à sua interpretação; • O score de meningite bacteriana (bacterial meningitis score – BMS) classifica crianças com pleocitose liquórica (celularidade no líquor acima de 10 células/mm3), sem uso prévio de antimicrobianos, como “de muito baixo risco para meningite bacteriana”, se não são encontrados todos os itens abaixo: o Coloração de Gram no LCR positiva; o Celularidade liquórica ≥ 1.000 células/ mm3; o Proteinorraquia ≥ 80 mg/dL; o Neutrófilos no hemograma ≥ 10.000/ mm3; o Presença de convulsões na apresentação clínica; • O BMS não deve ser utilizado em crianças menores que dois meses de idade, com imunodeficiências, na presença de toxemia, tratamento prévio com antimicrobianos, presença de púrpura ou petéquias, presença de shunt ventriculoperitoneal, ou neurocirurgia recente; • Critérios para diagnóstico em crianças com mais de 28 dias de vida e adolescentes: o Cultura de líquor positiva, independente do resultado do quimiocitológico; o Outro exame bacteriológico positivo no líquor (bacterioscopia, detecção de antígenos e/ou reação em cadeia de polimerase), independente do quimiocitológico; o Hemocultura positiva para bactéria, com quimiocitológico do líquor alterado; o Quadro clínico com presença de petéquias e/ou sufusões hemorrágicas disseminadas, e quimiocitológico alterado; o Exames bacteriológicos negativos e líquor com número maior que 500 leucócitos/ mm3, com predomínio de polimorfonucleares, ou proteinorraquia maior que 100 mg/dL ou glicorraquia menor do que 2/3 da glicemia; o Exames bacteriológicos negativos e líquor com celularidade menor que 500 leucócitos/ mm3, com predomínio de polimorfonucleares, proteinorraquia maior que 100 mg/dL e glicorraquia menor do que 2/3 da glicemia; o Exames bacteriológicos negativos e líquor com celularidade menor que 500 leucócitos/ mm3, com predomínio de polimorfonucleares, independente da proteinorraquia e glicorraquia, quando o paciente apresenta toxemia e má perfusão periférica; • Em casos duvidosos, valoriza-se hemograma com leucocitose acima de 15.000 leucócitos/mm3 , neutrofilia acima de 10.000 neutrófilos/mm3 , e desvio à esquerda, além de proteína C reativa superior a 60 mg/dL, associado ao quadro clínico; TRATAMENTO • Uma vez feita a suspeita de meningite bacteriana, qualquer que seja o agente causador, deve ser instituído tratamento imediato, que envolve medidas de suporte e antibioticoterapia; • A monitorização do paciente e avaliação constante dos sinais vitais devem ser realizadas para o reconhecimento precoce do choque; • O início da antibioticoterapia deve ser imediato, e, não deve ser retardado para realização de punção liquórica ou exame de imagem especialmente quando há comprometimento neurológico e hemodinâmico; • Antibioticoterapia: deve levar em conta os dados clínico-epidemiológicos do caso;• Penicilina G ou ampicilina como droga de primeira linha não é mais recomendável - prevalência de isolados de Hib ampicilino-resistentes e S. pneumoniae resistente à penicilina (SPRP); • Hib ou S. pneumoniae como agente causal: iniciar o tratamento cefalosporina de 3a geração (CEF3); o Vancomicina: caso CEF não apresente sucesso; • A duração da antibioticoterapia de meningites sem complicação, depende do agente etiológico. Sugere- se: o Meningococo: 5 a 7 dias; o Pneumococo: 10 a 14 dias; o Hib: 7 a 10 dias; o Listeria monocytogenes: 14 a 21 dias; o Bacilos Gram-negativos: 21 dias; o Agente desconhecido, criança com mais de 28 dias de vida: 10 a 14 dias. • Quando o agente etiológico for identificado, assim como sua sensibilidade a antimicrobianos, o tratamento pode ser modificado. TRATAMENTO DE SUPORTE • Monitorização rigorosa de parâmetros vitais (frequência cardíaca, frequência respiratória, pressão arterial, e medida de pressão venosa central, quando possível) - euvolemia é sempre necessária; o Pressão arterial deve ser mantida em níveis suficientes para prevenção de hipoperfusão cerebral; • Reconhecimento precoce da deterioração do quadro clínico: instituir ressuscitação fluídica e drogas vasoativas; • Coleta de exames laboratoriais gerais: hemograma, gasometria, sódio e potássio séricos, ureia e creatinina, coagulograma, além de hemocultura e provas inflamatórias; • Sinais de perfusão tecidual pobre (alteração do nível de consciência e sinais de má perfusão periférica - toxemia, tempo de enchimento capilar maior que 2 segundos, extremidades frias, taquicardia, taquipneia ou bradipneia, e PA sistólica menor ou igual a percentil 5 para a idade, diurese diminuída ou ausente): administrar 20 mL/kg de solução salina isotônica, oferecer oxigenoterapia, e seguir o fluxograma de choque; • Paralelamente a essas medidas, devem ser instituídas medidas para controle de hipertensão intracraniana - decúbito elevado a 30º, com a cabeça em posição neutra, hiperventilação para manter PaCO2 entre 30 e 35 mmHg acompanhada de monitoração da pressão intracraniana (PIC), sedação e analgesia para evitar dor e agitação e controle das crises convulsivas; • Mesmo em pacientes que estejam estáveis hemodinamicamente, não se preconiza restrição hídrica, garantindo uma boa perfusão tecidual, incluindo a perfusão cerebral; • Pacientes com crises epilépticas: administrar anticonvulsivantes imediatamente - evita-se hipóxia e hipermetabolismo; o Benzodiazepínicos, como o Diazepam; • Corticoterapia: o Efetividade na redução de sequelas auditivas em meningites por Hib; o Meningites por Hib: atua inibindo a cascata inflamatória desencadeada pela infecção no sistema nervoso central; o Meningites por meningococo: não há evidências de benefícios ou malefícios; o Meningites por pneumococo: preocupação com cepas de múltipla resistência a antimicrobianos, pela possibilidade de ocorrência de diminuição de sua penetração no sistema nervoso central; ▪ Por outro lado, o uso do corticoide tem sido relacionado com a diminuição de mortalidade e sequelas; o Os guidelines internacionais atuais recomendam o uso de dexametasona em crianças e adultos com meningite bacteriana adquirida na comunidade em países desenvolvidos – principalmente em meningite por Hib; ▪ Pode-se utilizar dexametasona na dose de 0,6 mg/kg/dia dividida a cada 6 horas, por quatro dias, ou 0,6 a 0,8 mg/kg/dia, dividida de 12 em 12 horas, por dois dias, em meningites purulentas, ou com quimiocitológico sugestivo de meningite bacteriana, assim que se estabelece seu diagnóstico, de preferência antes da primeira dose do antimicrobiano; ▪ Seu uso não está indicado em crianças com menos de seis semanas de vida, e em meningites virais; ▪ Há orientação de não utilizar a dexametasona se a primeira dose de antimicrobiano foi administrada há uma hora ou mais; • Outras medidas terapêuticas: uso de glicerol (objetivo de diminuição de pressão intracraniana), altas doses de paracetamol, associado à infusão contínua de antimicrobianos, hipotermia e terapêutica genética; EXAMES DE IMAGEM • Indicações de tomografia computadorizada de crânio ou ressonância magnética de crânio, em crianças com diagnóstico de meningite bacteriana: o Sinais neurológicos focais, aumento do perímetro cefálico, obnubilação prolongada, manutenção de crises convulsivas após 72 horas do início de antibioticoterapia; o Persistência de cultura de líquor positiva, apesar de antibioticoterapia apropriada; o Persistência de elevação de neutrófilos no líquor (mais que 30 a 40%) ao término da antibioticoterapia habitual, em casos selecionados em que essa coleta tenha sido realizada; o Meningite por bacilo Gram negativo; o Meningite recorrente; • Indicações de exame de imagem antes da coleta de LCR: coma; história de hidrocefalia; história recente de trauma do SNC ou neurocirurgia; presença de shunt liquórico; papiledema; déficit neurológico focal; o Nesses casos deve-se coletar hemocultura e iniciar antibioticoterapia empírica, antes do exame de imagem. o A coleta de LCR deve-se realizada assim que possível, se o exame de imagem não demonstrar contraindicação para a punção liquórica; COLETA DE LÍQUOR CONTROLE • Situações clínicas nas quais a coleta de líquor de controle durante a evolução é necessária: o Crianças com má resposta clínica, apesar de 48 a 72 horas de antibioticoterapia apropriada; o Persistência de febre (após 5 a 6 dias do início da antibioticoterapia), ou recorrência da febre; o Após 2 a 3 dias do início do tratamento de crianças com meningite por bacilos Gram negativos, para definir duração do tratamento; o Período neonatal; COMPLICAÇÕES • Relacionadas com a idade, fatores de risco, agente etiológico, e demora no início da terapêutica adequada e efetiva; • Complicações do SNC: coleções subdurais, empiemas subdurais, acometimento de pares cranianos, necrose cortical, vasculite no SNC, trombose de veias corticais, ventriculites, abscessos cerebrais e hidrocefalia; • Alterações circulatórias: colapso da circulação periférica - meningococcemia; o Se o estado de choque não for tratado corretamente, pode apresentar evolução fulminante; o Pode ocorrer coagulação intravascular disseminada e gangrena de extremidades – meningocócica; • Inflamação articular pode decorrer de invasão da bactéria, evoluindo para artrite séptica (Hib), ou pode ser reativa à deposição de complexos antígeno- anticorpo na articulação (meningococo); PROFILAXIA DE COMUNICANTES • A quimioprofilaxia (QP), embora não assegure efeito protetor absoluto e prolongado, tem sido adotada como medida eficaz na prevenção de casos secundários de doença meningocócica e da doença invasiva por hemófilos; • QP indicada para o paciente, no momento da alta, no mesmo esquema preconizado para os contatos próximos, exceto se o tratamento foi efetuado com ceftriaxone, pois há evidências de que essa medicação seja capaz de eliminar o meningococo da orofaringe; • Doença meningocócica: QP indicada para os contatos próximos; • Doença invasiva pelo Hib: QP indicada para os comunicantes domiciliares somente quando houver crianças menores de cinco anos residentes no domicílio; e em creches e pré-escolas, apenas a partir do segundo caso confirmado, quando houver comunicantes próximos menores de dois anos, independente da situação vacinal; o São considerados contatos próximos: moradores do mesmo domicílio, indivíduos que compartilham o mesmo dormitório, comunicantes de creches e pré-escolas (< 7 anos) e pessoas diretamente expostas às secreções do paciente; • Rifampicina: medicamento de escolha para a QP;o Deve ser administrada em dose adequada e simultaneamente a todos os contatos próximos; • Pode-se utilizar ceftriaxone, e, para pacientes acima de 12 anos de idade, ciprofloxacina; • O início dessa medida deve ocorrer preferencialmente nas primeiras 24 horas após o diagnóstico do caso. Pode ser realizada até um mês após o diagnóstico; OUTRAS MEDIDAS PREVENTIVAS • Vacina contra Hib; Vacina contra pneumococo 10- valente conjugada e vacina contra meningococo C conjugada; SEGUIMENTO AMBULATORIAL • As crianças devem realizar avaliação auditiva de rotina, uma vez que a deficiência auditiva é muito comum; REFERÊNCIAS LA TORRE, F. P. F.; CESAR, R. G.; PASSARELLI, M. L. B. Emergências em Pediatria – Protocolos da Santa Clara. 2. ed. São Paulo: Manole, 2013. MELO, Maria do Carmo. Atenção às urgências e emergências em pediatria. Belo Horizonte: Escola de Saúde Pública de Minas Gerais, 2005. Urgências e emergências em pediatria geral. Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. São Paulo: Editora Atheneu, 2015. Tratado de pediatria: Sociedade Brasileira de Pediatria. 4. ed. Barueri, SP: Manole, 2017. Meningite Fúngica. National Center for Immunization and Respiratory Diseases. 25 de maio de 2021. Disponível em: < https://www.cdc.gov/meningitis/fungal.html>.
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