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MICHAELLY AMORIM HUGIN E MUNIN 2017 Copyright © Michaelly Amorim, 2017 Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento, cópia e/ou reprodução de qualquer parte dessa obra ― física ou eletrônica ―, sem a prévia autorização do autor. Preparação: Michaelly Amorim Revisão: Tainá Araujo Capa e diagramação: Michaelly Amorim [2017] Todos os direitos reservados desta edição reservados à HUGIN E MUNIN EDITORA. www.hemeditora.com.br COMO SEDUZIR UM CONDE Série — Amores Indecentes. Livro 1 © Todos os direitos reservados a Michaelly Amorim Notas da autora Prólogo Capitulo 1 — Lizzie Capítulo 2 — Proposta Capítulo 3 — Londres Capítulo 4 — Insultos Capítulo 5 — Compras Capítulo 6 — O Duque de Norfall Capítulo 7 — O Baile! Capítulo 8 — Más Notícias Capítulo 9 — Dívidas Capítulo 10 — De volta a Londres Capítulo 11 — Desejos e prazeres Capítulo 12 — Convivência Capítulo 13 — Consciência Capítulo 14 — Descobertas* Capítulo 15 — O Conde Capítulo 16 — Fernoy Capítulo 17 — Erros e acertos Capítulo 18 — Reputação Capítulo 19 — Acerto de contas Capítulo 20 — E tudo se encaixa Epílogo Agradecimentos. Notas da autora Olá, caro leitor! É uma alegria para mim trazer este livro para você, mas antes de começar a leitura, preciso te contar um segredo. Todo o universo de Amores Indecentes é fictício e algumas coisas foram modificadas visando a história. Sendo assim, não se preocupe! Se houver algo que te faça pensar que não condiz com a realidade, foi de escolha minha e uma mudança pensada. Peço, por favor, que venha com a mente um pouco mais aberta, pois, foquei em uma escrita mais suave e abrindo mão de alguns termos rebuscados, afim de não obrigar nenhum leitor a depender do dicionário para compreender a leitura. Caso você não concorde com estes detalhes, tudo bem também! Não se preocupe, eu vou entender perfeitamente e respeitarei sua forma de pensar, assim como espero receber seu respeito pela minha decisão. Desejo que tenha uma ótima e divertida leitura. Prólogo Baronato dos Winsmore, Inglaterra Cinco anos atrás… Era uma manhã chuvosa, o Sol tinha acabado de nascer, mas se escondia por trás das nuvens carregadas que deixavam o tempo escurecido. O clima parecia entender o desespero de um homem que já tinha feito de tudo para salvar a mulher que amava. O estado de Joanne havia piorado e o Barão usara todas as suas economias na tentativa de curá-la. Seus recursos já haviam acabado e não tinha mais a quem pedir emprestado, pois todos os seus conhecidos já haviam lhe ajudado da forma que podiam. O único jeito seria pedir emprestado ao Barão de Winsmore, não existia outra escolha. Bateu à porta apressadamente. O médico chegaria em poucas horas e ele precisaria ter o dinheiro em mãos, ou não haveria remédio para sua doce Joanne. Mesmo sabendo que era cedo demais para bater à porta de quem quer que fosse, o homem não se importou. Nada o impediria de fazer o que estivesse ao seu alcance para restaurar a saúde de sua esposa. O mordomo abriu a porta. Todos os criados refletiam a mesma carranca de seu empregador, e mantinham a cara de tédio e mesquinhez onde quer que fossem. Assim como o Barão, todos ali eram soberbos e avarentos, mesmo não tendo nada. ― Em que posso ajudá-lo? — o mordomo perguntou, sem realmente estar disposto a dar nenhum auxílio. ― Preciso falar com o Barão — o homem falou com urgência na voz. ― Tudo bem, espere um momento enquanto vejo se meu senhor pode atendê-lo. — o mordomo lhe informou enquanto desaparecia casa adentro para ter uma resposta de seu senhor. Instantes depois — que mais pareceram horas para o homem que esperava na porta — o mordomo voltou lhe trazendo a resposta. ― Meu senhor manda dizer que volte pela manhã, ele não o atenderá. — O mordomo disse com um sorriso sarcástico no rosto, mostrando o quanto estava se deleitando em mandar o homem à porta embora. Depois de dar o recado, o mordomo tentou fechar a porta na cara do visitante, mas este foi mais rápido e colocou um pé impedindo que a porta fosse fechada. ― Eu só saio daqui depois de falar com ele, então acho melhor acordá-lo — o homem rugiu. Não tinha tempo para besteiras de um criado insolente, e não ia voltar para casa sem o empréstimo. Mesmo a contragosto o criado foi acordar o Barão, que desceu em toda sua arrogância cadavérica para falar com o homem que o importunava tão cedo. ― O que quer? — perguntou o Barão com seu tom irritado de sempre. ― Bom dia...sinto muito incomodá-lo em uma hora tão inoportuna, mas estou desesperado, preciso que me faça um empréstimo. — O homem foi direto ao ponto, não queria se estender mais que o necessário. ― Minha esposa está muito doente e eu já gastei tudo o que tinha com médicos e remédios. Por favor, eu preciso da sua ajuda. ― E que garantia eu tenho que vai me devolver o dinheiro? Uma vez que já gastou tudo que tinha, o que você me dará como garantia de que terei de volta o que lhe emprestar? — o Barão perguntou com seus olhos brilhando maquiavélicos. ― Qualquer coisa! O que quiser eu lhe dou, mas me empreste o dinheiro. O médico já deve estar chegando e, se eu não tiver o dinheiro, ele não vai tratar a enfermidade da minha esposa. — o homem respondeu desesperado, precisava do dinheiro urgentemente. ― Ora, então me diga de quanto precisa, pois vejo que está apressado, não vamos estender mais essa conversa. O valor que precisar lhe darei, e não se preocupe com a quantia, a saúde de sua esposa é mais valiosa que qualquer quantia. — O Barão mudou o tom de voz e abriu um sorriso, um repuxar de lábios que lhe retorceu a face e, junto com o brilho malvado de seus olhos, se igualava a mesma expressão diabólica de um demônio. E assim o homem, desesperado por salvar sua esposa, fechou negócios com o próprio diabo, sem saber que aquilo poderia lhe custar o futuro e a felicidade daqueles que mais amava. Capitulo 1 — Lizzie Baronato dos Fernoy, Inglaterra. Dias atuais… Lizzie acordou assim que o Sol atravessou a sua janela. Como em todos os outros dias, se espreguiçou na cama bocejando, e assim que criou coragem, levantou e se arrumou com a ajuda da criada. Então, quando estava pronta, desceu para tomar o desjejum com o pai. Assim que viu o Barão, ela foi ao seu encontro e lhe deu um beijo na bochecha, como fazia toda manhã, e depois sentou em seu lugar. ― Dormiu bem? — perguntou seu pai. ― Sim, muito bem. E o senhor? — ela devolveu a pergunta após engolir um bocado de ovos mexidos de seu prato. ― Eu dormi bem também, mas passei a noite pensando. Seu pai sempre dizia isso. Toda vez que ia lhe falar sobre casamento. Ela tinha debutado com quinze anos, mas tinha sido muito breve, visto que sua mãe adoeceu e faleceu durante esse período, encerrando bruscamente sua apresentação à sociedade. Passou dois anos em luto e depois não havia aparecido nenhuma proposta para ela, com o que tentava não se importar, visto que não aceitaria um casamento por conveniência, pois preferia casar por amor, assim como seus pais o fizeram. Ela sabia que já passara da idade de arrumar um pretendente, mas não se sentia nem um pouco infeliz com isso, muito pelo contrário, se dependesse dela, o casamento seria algo que ainda demoraria a acontecer. Diferente das moças de sua idade, que estavam desesperadas para arrumar maridos ricos e subir de nível social, não se importava com isso. Apesar de seu pai ser um Barão, não ansiava por riqueza ou nobreza, queria apenas casar por amor, esse era seu único requisito em um marido. ― Pai, eu não preciso de um marido. Estou feliz aqui, com o senhor e os meninos. ― Não estou dizendo que tem que ser infeliz para casar — o Barão replicou erguendo as mãos rendido e, vendo que a filha já revirava os olhos diante do assunto, decidiu mudar o rumo, pelo menos por enquanto. ― Mas me diga, terminou aquele livro que lhe dei no começo da semana? Eles seguiram falando sobre livros e Lizzie esqueceu, momentaneamente,o assunto casamento. Depois de tomar o desjejum, Elizabeth e o pai foram caminhar nos jardins, como faziam todos os dias. A jovem servia de companhia para o pai que, por ordem do médico, fazia essa caminhada para melhorar sua saúde. Lizzie sabia que se não acompanhasse o pai, ele voltaria para o escritório antes mesmo de dar um passo sequer, então, para que o Barão fizesse o que o médico mandara, a garota o acompanhava todas as manhãs, caminhando por uns bons vinte minutos pelo jardim. Seu pai era um homem rechonchudo, os cabelos estavam começando a ficar grisalhos e o rosto arredondado deixava seu olhar ainda mais bondoso. Ela, por sua vez, era o completo oposto do pai na aparência, era franzina e de porte delicado, pequena — com seus 1,60 m de altura — e possuía cabelos cacheados bem volumosos, que tentava domar em um coque apertado. Tinha herdado tudo da mãe. ― Nunca mais vi Sir Oliver por aqui. Ele desistiu de você? — o Barão perguntou e Lizzie logo imaginou onde ele queria chegar. ― Ele deve estar em sua propriedade, papai. Só costuma vir por aqui nas férias de verão, lembra? É quando ele visita a avó e aproveita para nos visitar. ― Me lembre mais uma vez, por que não aceitou se casar com ele? Ele é jovem e bonito, e é rico. Bom, não tem nenhum título, mas você nunca se importaria com isso. ― Não estou interessada em me casar, papai, quero um casamento como o do senhor com a mamãe, e isso não acontecerá se eu casar com Sir Oliver. ― Mas um casamento não seria ruim para você, daria uma ótima esposa. Cuida tão bem de mim que seu marido seria um homem sortudo por tê-la — seu pai continuou depois de um tempo em silêncio. ― Sir Oliver poderia facilmente amá- la, se é que já não ama. ― Mas eu não acho que eu poderia amá-lo. O senhor sabe que Sir Oliver é mais lerdo que uma tábua — ela disse sorrindo, se lembrando das investidas do Sir em questão. ― Eu não seria feliz ao lado dele. Então não, não vou me casar com Sir Oliver, mesmo que ele tenha no seu terreno o lago mais lindo que eu já vi, e seja bonito e rico, como o senhor lembrou. ― Você precisa casar, Lizzie, já tem vinte e um anos. Não estarei aqui para sempre e você é minha única filha. Preciso casá-la antes de partir. ― Papai, o senhor não vai morrer. E tem o Jeremy e o Robert — ela continuou tentando dissuadi-lo da ideia. — Robert herdará isso tudo e cuidará de mim. ― Seu irmão só tem doze anos, quando ele se tornar herdeiro, você já terá passado da idade de se casar. Quero ver meus netinhos antes de morrer. ― Eles serão crianças iguais ao Jerry e ao Rob, darão trabalho do mesmo jeito — Lizzie replicou revirando os olhos. A jovem sabia que seu pai não queria especificamente netos, mas, como ela era a mais próxima, entre seus irmãos, de ter filhos, ele usava essa desculpa para dissuadi- la de continuar solteira. Entretanto, Lizzie sabia que o que ele queria mesmo era vê-la casada. Apesar da constante negação, Elizabeth sabia que ele estava certo. As chances de arrumar um marido estavam diminuindo a cada dia que passava, e até Sir Oliver um dia desistiria dela, e a jovem não teria ninguém para cortejá-la. Porém, ela queria um casamento por amor, e o único homem que um dia amara na adolescência já era comprometido antes mesmo de nascer. E mais, estava a quilômetros de distância. Ele costumava frequentar sua casa junto com a Condessa-viúva de Dorset, amiga de seus pais, quando esta vinha visitá-los. Sempre muito educado e sorridente, tinham se visto algumas poucas vezes e haviam acontecido poucas conversas entre eles, uma vez que ele era comprometido. A última vez que o tinha visto, Lizzie tinha dezesseis anos e ele tinha vinte. Ele estava triste e, se direcionou o olhar mais de duas vezes para ela, foi muito, e ela não o culpava, parecia mais uma criança que uma mocinha, nunca conseguiu chamar a atenção de nenhum homem, além de Sir Oliver. Apesar dos anos que se passaram e do fim da puberdade, Elizabeth não tinha mudado em muita coisa, continuava aparentando ter menos idade do que realmente tinha. Além do mais, ela tinha puxado os cabelos negros e a pele cor de oliva da mãe, não lhe permitindo ser tão branca quanto o exigente padrão de beleza da época. Sempre que colocava pó de arroz no rosto, ficava parecendo que lhe jogaram farinha em sua face, e quando colocava também no colo, adquiria uma aparência fantasmagórica. Por isso, ela preferia não colocar nada dessas coisas. Mas sabia que isso diminuía suas chances de conseguir um marido. Com sorte, conseguiria um viúvo, ou algum desesperado de seu nível social, mas jamais esperaria conseguir um Conde, muito menos o qual por quem sempre fora apaixonada. Seu pai tinha colocado em seu dote, além de dinheiro, uma pequena porção de terra que continha uma casinha de campo, a qual era a sua preferida e onde a jovem costumava passar as férias desde a infância. Seu sonho sempre tinha sido morar lá. Elizabeth sabia que não era comum um pai dar tanta atenção assim a uma filha, mas como o casamento de seus pais havia sido por amor e ela fora o primeiro fruto deles, Lizzie tinha sido tratada como um verdadeiro tesouro por seu pai. Ela possuía os mesmos traços da mulher que tinha conquistado o coração do Barão, e esse era mais um dos motivos para ele querer o melhor para a filha. E, no pensamento do Barão, isso incluía arranjar-lhe um marido o mais rápido possível. Se sua esposa ainda estivesse viva, seria mais fácil, mas, para sua infelicidade, ela tinha sucumbido a uma doença grave que tirou sua vida aos poucos. ― A cada dia você fica mais parecida com sua mãe — disse- lhe seu pai quando começaram a fazer o caminho de volta, depois que terminaram a caminhada. O Barão sentia falta da esposa. Isso era evidente pela tristeza em suas palavras. ― Sinto falta dela — a jovem respondeu com os olhos marejados. ― Eu também. — O Barão suspirou saudoso. ― Eu também. Com o fim da caminhada, eles seguiram de volta para casa. O Barão foi para seu escritório enquanto Lizzie seguiu para seu quarto, lembrando-se que estava na hora de trocar o livro que estava em seus aposentos. Tinha terminado de lê- lo na noite anterior e já estava sedenta por novas aventuras. O livro se tratava de pequenas e diversas fábulas, e tinha chegado junto com um baú que seu pai tinha comprado de um navio mercante. Pegou o pequeno livro amarelado com cuidado e desceu a escadaria em direção à biblioteca do pai, onde ele tinha colocado o baú que havia adquirido por um preço simplório no início da semana. Havia quase cinquenta livros ali dentro, e ela agora tinha lido o primeiro. Lizzie possuía total acesso à biblioteca e sempre havia gostado do ambiente ali dentro, sentia-se segura e em paz. Desde a morte de Lady Joanne tinha se tornado seu refúgio, uma eterna recordação dos momentos felizes que passara ali com sua mãe. E assim como havia sido o lugar preferido da Baronesa, a biblioteca havia se tornado o seu lugar preferido também. Elizabeth abriu a porta da biblioteca e foi direto ao baú, abriu-o com um pouco de dificuldade, assim como na primeira vez, pois a maresia havia enferrujado as dobradiças durante o período que passara a bordo do navio. Quando ela conseguiu erguer a tampa, começou a olhar os títulos dos livros que tinha ali. Da última vez, assim que tinha aberto o baú, havia encontrado o livro das fábulas e logo se interessou por ele, fechando o baú sem se importar de ver os outros títulos que tinha ali dentro. Mas agora já tinha lido o das fábulas e precisava encontrar outro livro para ler. Começou a retirar um por um, a maioria eram livros políticos e de administração, alguns cadernos de contabilidade, mas nenhum romance. Isso a entristeceu. Ela adorava romances e contos, mas não encontrou nada que lhe interessasse. O único romance e conto que tinha era o livro de fábulas, e esse já tinha lido. Ela estava recolocando os livros de volta ao lugar de onde saíram, quando um delesescorregou, deixando em sua mão a capa do livro. Ela o pegou rapidamente, temerosa que o pai soubesse que tinha rasgado um de seus livros novos, mas ao analisar o estrago percebeu que se tratava de uma capa falsa. O livro, na verdade, não falava da história da Inglaterra, não tinha nome na capa, apenas uma flor desenhada em alto- relevo. Ao abrir o livro percebeu que era o diário de uma garota. Ela leu as primeiras páginas e percebeu que não era uma moça qualquer, e sim, uma cortesã. ― Cortesã? — Lizzie se perguntou, tentando se lembrar do significado desse termo e onde já tinha visto essa palavra. E então, como em um flash, ela lembrou. Tinha visto em um dos romances da biblioteca de seu pai, e se lembrou de que era uma amante de vários nobres, ou uma prostituta. A curiosidade a assolou, como seria a vida de uma cortesã? O que elas faziam? Sua consciência a alertou que essa não era uma leitura para uma dama, porém, Lizzie não se importou, estava curiosa para saber mais. Ela fechou o baú e levou o livro para seu quarto. Chegando lá, abriu o livro e começou a passar folha por folha, apenas olhando por auto sem, de fato, ler. O início era apenas texto, não havia gravuras e o diário lembrava um guia. ― Quinto dia. — Ela leu em voz baixa uma página aleatória. — Querido diário, hoje Madame Rose me ensinou outra lição. Ela disse que depois que eu conseguir que ele chegue até mim, devo ignorá-lo. Isso é ridículo, por que eu deveria ignorar o homem que eu quero seduzir? Segundo ela disse, os homens gostam de desafios, e para eles, a mulher não passa de um. Isso até que tem lógica. E ela disse também que se eu me mostrar muito receptiva e interessada inicialmente, ele não vai se sentir desafiado e, logo, não vai se interessar por mim. Então, mesmo que a vontade seja me jogar em seus braços, devo fingir que não estou interessada. Isso fará com que ele se sinta desafiado a me conquistar, pois, provavelmente, nenhuma mulher o recusou antes. Será que funciona mesmo? Hoje à noite vou testar e amanhã eu digo se funcionou. O diário era interessante, e só possuía as lições. Era como se ela estivesse escrevendo para não esquecer, ou para depois passar para alguém. Não era muito grande, devia ter apenas umas cinquenta páginas. Mas nem todas estavam escritas, haviam algumas folhas em branco no final dele. Na verdade, não estavam em branco, tinham desenhos feitos à carvão. A garota desenhava bem. Eram gravuras. Lizzie observou atenta os desenhos, mas assim que se deu conta do que eles representavam, se escandalizou. A jovem abriu os olhos e se viu sem palavras diante da anatomia de um corpo masculino completamente despido e, ao seu lado, uma mulher ajoelhada, também desprovida de roupas. Inúmeras outras imagens similares a essa decoravam a página com pequenas descrições ao lado de cada uma delas. Todas com a mulher com o membro do homem na boca, mas em diferentes posições. Rapidamente fechou o diário, seu coração batia acelerado, era isso o que as prostitutas faziam com os homens? Ela se preguntou, tentando acalmar seu coração que batia acelerado em seu peito. Bem que sua consciência tinha avisado. Não podia ler algo tão vergonhoso e escandaloso, aquele não era um livro para uma dama. Jamais deveria ter aberto aquele livro. Decidiu colocar o livro de volta na biblioteca, que era onde tinha deixado a capa falsa do livro. Mas antes que pudesse levantar da cama, onde estava lendo, seu pai apareceu na porta. ― Foi você que arrancou a capa do livro de História da Inglaterra? Não encontro o miolo. ― ele perguntou com a capa nas mãos. E ao ver a cara de espanto dela, se desculpou pensando que o motivo do assombro fosse a sua entrada repentina no quarto. Ela pensou que o pai não sairia do escritório tão cedo, e muito menos mexeria no baú, mas estava enganada. Se soubesse, teria trazido a capa falsa com ela e evitado ter que contar uma mentira. ― Eu vi essa capa, mas ela não tinha livro, acho que era só a capa mesmo. ― Foi a melhor resposta que ela conseguiu depois que conseguiu pensar direito. ― Que estranho! Todos os outros estão com a capa, deve ser uma capa alternativa para algum outro livro. ― o Barão falou baixinho como se falasse consigo. ― Mas enfim, o que está lendo dessa vez? Ela olhou o livro parcialmente escondido entre seu vestido, droga não podia deixar seu pai ver o que era. ― Um livro de fantasia, princesa, dragões... essas coisas. ― Ela falou rápido demais e com um pouco de nervosismo na voz. ― É bom? ― Seu pai insistiu sem perceber a mentira da filha. ― Lembro que você gostava quando eu lia esse tipo de história para você antes de dormir. ― Eu também lembro. E sim, o livro é muito bom. ― ela disse, tentando parecer natural. ― Então não vou mais atrapalhar sua leitura. Ah, já ia esquecendo, mais tarde Lady Margaery virá aqui. Quando ela chegar, quero que desça para lhe fazer companhia. Ela vai adorar revê-la. Seu pai saiu fechando a porta e só então Lizzie se permitiu respirar aliviada. Foi por pouco. Ela não gostava de mentir, mas não podia deixar o pai saber que tipo de livro estava lendo. Não podia deixar ninguém saber, na verdade. Tinha que dar um fim naquele livro assim que possível. Mas o diário em sua mão parecia rir dela e, para sua infelicidade, continuava instigando sua curiosidade, enquanto seu lado racional a criticava por ler algo tão escandaloso. Tentava se convencer que fora sem querer e que tinha agido apenas por curiosidade. E tentava, a todo custo, acreditar que tinha sido apenas uma gravura, o que não era algo tão ruim assim, ou era? ― É só um desenho, só um simples desenho. ― Lizzie dizia para si mesma, tentando acalmar seu coração, mas sua mente insistia em voltar para os detalhes daquele desenho. E ela se pegava pensando no porquê de a mulher da gravura estar com a boca no membro do homem? O assombro inicial estava passando e, novamente, sua curiosidade voltava a lhe assolar, e dessa vez, ainda mais forte. Era assim que se faria um filho? Engoliria o xixi dele e no xixi teria a sementinha e essa cresceria na barriga, dando origem a um filho? Isso é meio nojento. — Pensou consigo mesma — Os homens realmente gostavam dessas coisas? Teria que fazer isso para o seu marido quando casasse? Essas eram as coisas que passavam em sua cabeça inocente. Se era assim que se fazia um bebê, ela precisaria saber mais na frente, pois, como não tinha mais sua mãe para lhe explicar essas coisas, precisaria aprender por si mesma. Talvez um dia, quando fosse se casar, voltasse a olhar aquilo para saber o que fazer com seu marido, então seria melhor manter o diário consigo, já que ele lhe poderia ser útil. Ela se convenceu, justificando a curiosidade que só aumentava. Capítulo 2 — Proposta Mais tarde naquele mesmo dia, Lorde Fernoy lhe chamou para o salão. Por um momento, pensou que tinha sido descoberta e que seu pai iria puni-la por ter lido algo tão impróprio, mas não era nada disso. Assim que chegou à sala e viu a Condessa, Lizzie se lembrou de que seu pai tinha avisado que esta chegaria à tarde. ― Querida, veja quem chegou! — seu pai disse animado. Lady Dorset era a melhor amiga de sua mãe. Cresceram juntas e ela sempre vinha visitá-los quando estava nas redondezas. — Estávamos conversando há pouco e milady tem uma proposta para você. Qualquer que fosse a proposta, Lizzie percebeu que seu pai estava muito satisfeito e isso deixou a jovem curiosa. ― Milady. — Lizzie fez uma reverência para a mulher. ― É um prazer revê-la. A Condessa era uma mulher elegante, cabelos castanhos muito bem arrumados em um coque primoroso, seu vestido era de seda e musselina, em alguns tons de azul. Ela tinha um sorriso caloroso no rosto que se refletia em seus olhos azuis. Tinha umas poucas mechas acinzentadas no cabelo e uma ou duas rugas nos olhos indicavam que ela não era tão jovem quanto aparentava. ― Como você cresceu, minha jovem! Se tornou uma bela mulher.Está igualzinha à Joanne quando tinha sua idade — disse a Condessa com carinho e seus olhos se entristeceram por sentir falta da amiga. ― Obrigada, Milady. Fico muito feliz que tenha vindo nos visitar. A Condessa sorriu também se animando ao lembrar-se do motivo da visita. ― Aqui está calor, não? O que acha de darmos uma volta no jardim para que possamos conversar melhor? — convidou a Condessa e as duas seguiram para o jardim. Depois de andarem alguns minutos em silêncio, a mais jovem perguntou curiosa. ― Meu pai disse que a senhora tem uma proposta para mim… — Lizzie começou mal contendo a curiosidade. ― Ah, claro. Bom, estou indo passar uma temporada na casa do meu sobrinho em Londres, e queria saber se você gostaria de me acompanhar. O rubor recobriu o rosto da jovem, o sobrinho ao qual se referia era o Conde de Dorset, o mesmo homem pelo qual se apaixonara em sua adolescência, e só a ideia de ficar uma temporada com ele a fez sentir como se tivesse borboletas no estômago. ― C-claro, eu adoraria. Nunca fui a Londres. — Lizzie tentou disfarçar seu rubor abaixando a cabeça. Torcia para que a Condessa acreditasse que seu rosto vermelho era vergonha por nunca ter ido à tão conhecida cidade. A Condessa, ao ver aquela reação inesperada, sorriu com um brilho travesso no olhar. A mais nova não tinha conseguido seu intuito de esconder o motivo de seu nervosismo. A Condessa desde que mostrara ao Conde quem era a sua noiva de verdade, tentava a todo custo encontrar um novo amor para ele. Não gostava da vida de lobo solitário que ele levava e queria a todo custo ver seu sobrinho feliz. Mas sabia que, para conquistar o seu sobrinho, teria que ser uma mulher bonita e que não tivesse nenhum interesse em dinheiro e status. ― Me diga, criança, por que nunca se casou? ― a Condessa perguntou determinada a saber se a jovem dama se encaixava naquilo que seu sobrinho precisava. ― Não encontrei a pessoa certa ainda, Milady ― Lizzie respondeu envergonhada. ― E quem seria a pessoa certa para você? O que procura em um homem, meu bem? ― a Condessa perguntou desconcertando a jovem garota que, novamente, ruborizou envergonhada. ― Não se preocupe, quero que me veja como uma amiga. ― Eu queria um casamento como o dos meus pais, eles se casaram por amor e foram muito felizes — a jovem disse se lembrando do amor que seus pais sentiam um pelo outro e como eles não escondiam isso dos filhos. ― Mas amor é um luxo que nem todos podem ter ― a Condessa replicou. ― O amor não enche a barriga de comida, criança. ― Nem o dinheiro enche o coração de amor, Milady. Meus pais foram felizes em seu casamento e, mesmo quando as coisas estavam apertadas financeiramente, eles tinham o apoio e o amor de um ao outro. O dinheiro é algo incerto, hoje você pode ter e amanhã não, já o amor, desde que seja alimentado, dura para sempre. Sei que pareço tola ao dizer isso, e sei também que tenho obrigações com minha família, terei que casar algum dia, terei que ter filhos, e terei que ser uma boa esposa. E se por ventura eu tiver que casar sem amor que seja, pelo menos, com um homem honrado, e assim, quem sabe, eu não aprenda a amá-lo com o tempo. ― Lizzie disse dando voz a tudo que acreditava, esquecendo que aquele era um pensamento seu e que podia ser visto como algo absurdo. E de repente se lembrou com quem estava falando. — Me perdoe, Milady, não tinha a pretensão de falar tanto. Lizzie baixou a cabeça, envergonhada por defender o amor de forma tão imprópria, não era bom uma jovem ter esse tipo de pensamento. Isso só afastaria possíveis pretendentes, ou daria vantagens a qualquer sem tostão de tentar enriquecer às suas custas, com uma falsa ideia de amor. ― É uma bela filosofia, tola, mas bela. Seus pais a criaram de uma forma perigosa, não é bom que uma dama pense essas coisas, é almejar muito alto. Mas gosto do seu ponto de vista. É… igualzinho ao da sua mãe ― a Condessa pronunciou, acalmando o coração da jovem que temia ser tida como infantil e tola. Lizzie sorriu com a comparação, tinha muito de sua mãe em si e se orgulhava disso. Então, para a sua surpresa a Condessa viúva continuou. ― Não deixe que mudem isso. Em um mundo cheio de mulheres interessadas em dinheiro, as que estão interessadas em amor são raras e se destacam. Espero mesmo que consiga encontrar o que tanto almeja. Depois daquela conversa voltaram para dentro de casa. Lizzie foi para seu quarto ver o que levaria, pois, partiriam ainda naquele dia. Seu coração palpitava de ansiedade, como estaria agora o homem que ela sempre amou em segredo? Lorde Daniel de Brant, o quinto Conde de Dorset estava na biblioteca de sua casa em Londres e batia seus dedos na mesa, indicando sua preocupação a respeito do prejuízo que o atraso de seu navio cargueiro lhe causaria. A noite já tinha caído e nenhuma mensagem sobre a sua preciosa carga chegara. Se ela não chegasse em breve, perderia os negócios que já tinha acertado para as sedas que estavam a caminho. Já tinha vendido boa parte do carregamento, e seus compradores, mesmo os que ainda não haviam pago, estavam cobrando e reclamando da demora. E ele já estava perdendo a paciência com alguns deles. Uma batida na porta o tirou de seus pensamentos sobre a carga imprevisível. Seu mordomo trouxe uma carta em uma bandeja, e ao observá-la melhor reconheceu a letra de sua tia, e ao ler fechou a cara. Ela estava avisando que passaria uns dias em sua casa, e chegaria em poucos dias. Ele gostava muito da Condessa, mas sabia que a vinda dela até Londres era uma novidade. Ela odiava aquela cidade, dizia que era falsa e interesseira demais para o seu gosto. Então sua vinda significava que tinha alguma coisa em mente. O quê, não podia nem imaginar, sua tia era uma incógnita desde que se entendia por gente. Sempre tinha planos para todos e acabava sempre conseguindo tudo o que queria. Era uma mulher astuta e inteligente, o que lhe deixava ainda mais perigosa. A última vez que ela estivera ali fora há cinco anos, quando ele rompeu o noivado com Lady Letícia Denvern, e só esteve ali para alerta-lo da megera que a noiva era. Ele estava cego pela paixão e pela beleza da ex-noiva, e não percebeu que a mulher com quem estava prometido a vida toda, lhe era infiel e não lhe amava. Devia ter desconfiado da sua tentativa de seduzi-lo descaradamente, e da falta de pudor com que ela se ofereceu a ele. Devia ter percebido que a ex-noiva parecia experiente demais para uma virgem prometida em casamento. E ele quase caiu nos truques dela. Quase. Ao ver que ele não a tocaria até o casamento a pedido do pai da noiva, ela tentou forjar um escândalo para que eles se casassem o mais rápido possível, pois estava carregando o filho de outro homem, e queria que parecesse que era dele. Mas com a visita de sua tia, os planos de sua noiva foram por água abaixo e ele acabou descobrindo tudo quando confirmou que sua tia estava certa. Uma carta interceptada por ele foi a prova que precisava para perceber que ela estava armando contra ele, e isso foi suficiente para lhe abrir os olhos e desfazer o noivado. Sorte a dele que nunca tinha passado de beijos quentes com a tal moça, caso contrário, estaria preso agora a um casamento fracassado. Na época, era apenas um jovem tolo de vinte anos, que tinha se mantido fiel a uma mulher que não o merecia. Mas só se permitia ser tratado como tolo uma única vez, e agora era um Conde bem-sucedido e rico, que não pretendia jamais se casar. Deixaria, com todo o prazer, o condado para seu primo. A carta de sua tia o tinha feito remoer mágoas antigas, nunca tinha se perdoado por ter sido tão idiota. Mandou que chamassem um coche para ele, iria até o clube onde era associado, diante daquelas lembranças tudo que precisava era beber e tentar esquecer o passado. Assim que chegou ao clube, disse a senha que tinha recebido pela manhã no jornal. Como já estava de noite, o clube estava quase lotado. Todosos cavalheiros selecionados de Londres estavam ali. Para a segurança dos mesmos, ao entrar no clube, eles recebiam uma máscara. Ali tudo era permitido: jogos de azar, cartas, cassino, todo tipo de apostas e, muitas mulheres para sua satisfação pessoal. Já com a máscara escondendo sua identidade e dentro do clube, Lorde Dorset seguiu para o primeiro andar, que era mais reservado, e se sentou em uma mesa um pouco mais escondida. Tudo ali já era familiar para ele, desde que o clube havia aberto que ele era um associado. O Conde observou os detalhes em vermelho e branco na parede preta, as mesas redondas de madeira cobertas por um tecido preto e rodeadas por cadeiras do mesmo material, as divisões entre cada mesa, as mulheres servindo as mesas com seus vestidos coloridos. As de branco serviam apenas bebidas, as de preto eram apenas acompanhantes nos jogos, e as de vermelho eram as que eles poderiam comprar para ir a algum quarto anexado ao clube. O clube não era tão grande, já que a quantidade de membros era limitada, uma vez que nem todos tinham a senha. E também havia regras a serem seguidas por todos ali dentro, a principal dela era: nunca tirar a máscara. Havia uma lista negra de pessoas que tinham a entrada proibida simplesmente por tê-las retirado em algum momento. Sua atenção se voltou para a dama de branco que lhe servia a bebida, ela também usava máscara, todos ali, inclusive os empregados, usavam. Assim que a dama de branco se afastou, uma de vermelho se aproximou, ele precisaria de uma delas para afogar as mágoas. Então virou de uma vez a bebida e deixou-se ser conduzido ao quarto onde poderia esquecer, por alguns momentos, seus problemas. Capítulo 3 — Londres Elas partiriam naquele dia. As coisas de Lizzie já estavam prontas desde a noite anterior e ela estava ansiosa, esperando a chegada da carruagem da Condessa que a levaria para Londres. Lizzie estava em seu quarto decidindo como devolveria o diário para o baú. Seu pai estava desde cedo na biblioteca e a jovem não poderia deixar que seu pai encontrasse o diário, pois ele tinha visto o livro com ela, e caso o encontrasse na biblioteca depois, reconheceria a capa e associaria com o que tinha visto com ela no dia anterior. Ainda estava pensando no destino do livro, quando uma criada entrou em seu quarto. Instintivamente Lizzie escondeu o livro no primeiro lugar que encontrou. Não podia permitir que mais ninguém tivesse conhecimento do livro, sua reputação dependia disso. ― Milady, a Condessa já chegou com a carruagem, seu pai mandou avisá-la para que desça. — A criada deu o recado que lhe tinha sido ordenado e, em seguida, voltou aos seus afazeres, deixando Lizzie sozinha. Lizzie ficou tão empolgada que, rapidamente, fechou sua maleta e desceu indo se despedir logo do pai e dos irmãos. ― Eu devia dizer para ter juízo e não fazer nada que envergonhe sua família, mas você nunca deixou de nos orgulhar, e juízo nunca lhe faltou — disse seu pai assim que ela o abraçou. — Vou sentir saudade, não se esqueça de nos escrever. ― Papai, é só uma temporada, estarei de volta antes que perceba — Lizzie disse com lágrimas nos olhos. ― Tome cuidado, meu amor, Londres não é como Fernoy. ― Pode deixar, papai. Depois de se despedir de seu pai e abraçar cada um de seus irmãos, a jovem subiu na carruagem da Condessa e elas partiram para Londres. ― Vejo que está animada — disse a Condessa assim que ela entrou na carruagem. ― E muito, Vossa Graça — ela respondeu com um sorriso de orelha a orelha. ― Gosto da sua espontaneidade. É mais comum encontrar moças dissimuladas e interesseiras e, por isso, fico feliz por não ser como elas. — A Condessa aprovou os modos de Lizzie e em seguida a instigou a falar mais. ― Mas me conte mais de você, seu pai me contou de seu gosto pela leitura. ― Isso é verdade, meu pai sempre lia para mim quando era mais jovem, então desde pequena que eu amo livros. Já li vários gêneros, mas meu favorito é romance. — Os olhos de Lizzie brilhavam quando ela falava de livros. ― Logo vi, seu modo de pensar lembra muito essas mocinhas de romance. ― a Condessa disse irônica. ― Isso a incomoda? — a mais jovem perguntou franzindo a testa, aquela resposta ditaria como deveria se portar no restante da temporada. Se a Condessa se incomodasse com sua liberdade teria que se conter ao máximo para não incomodá-la. ― De forma alguma, muito pelo contrário, quanto mais diferente você for das outras moças, melhor para nós. Isso com certeza chamará a atenção de alguns pretendentes. Aquelas palavras fizeram Lizzie cerrar os olhos ao entender o porquê da Condessa a levar para Londres. ― Meu pai lhe pediu para me arrumar um marido, não foi? — Lizzie perguntou desconfiada. ― Não exatamente, mas ele deixou bem claro que adoraria vê-la casada. E não foi só uma vez — Lady Dorset respondeu rindo e piscando um olho para a jovem que se encolhia envergonhada ao saber que o pai tinha recorrido à Condessa para arrumar um marido para Lizzie. ― Mas não se preocupe, não a trouxe para arrumar-lhe um marido, e sim para ser minha acompanhante durante essa temporada. Não gosto muito de Londres, é uma cidade fútil e interesseira e você é o oposto disso, será uma ótima companhia para mim. A Condessa sorria de forma misteriosa, o que deixou Lizzie com uma pulga atrás da orelha. Mas apenas acenou com a cabeça concordando com a Condessa e seguiram em silêncio o resto do caminho. Lizzie olhava a paisagem passando pela janela da carruagem, faltava pouco mais de uma hora para chegarem. Estava ansiosa, por um lado queria ver como o homem de seus sonhos tinha ficado e, por outro, temia o que poderia encontrar. Era de conhecimento público que ele não tinha se casado, Lizzie soube disso através de seu pai que adorava se informar sobre Londres. Tinha sido um escândalo na época, ainda mais quando Lady Letícia, ex-noiva do Conde, apareceu grávida pouco tempo depois de terem rompido o noivado. Muita gente pensou que fosse dele, e por um tempo ele foi visto com maus olhos. Isso até a criança nascer e deixar evidente que seu pai não era o Conde, então todos entenderam porque o Conde rompeu o noivado: ela o tinha traído com um cantor de ópera muito famoso em Londres. Depois daquela notícia, Lizzie sonhou a semana toda com o Conde de Dorset, sonhou com ele lhe declarando amor eterno, indo buscá-la em casa e se casando com ela. Sonhou com os filhos que teriam, com ela vivendo feliz para sempre. Também tinha sonhado com ele na noite anterior, mas, dessa vez, tinha sido um pesadelo. No sonho ele não gostava dela e a mandava embora, e ela voltava humilhada e desonrada. ― Você se lembra do meu sobrinho? — a Condessa perguntou como quem não quer nada e Lizzie pulou do assento, assustada ao ter os pensamentos interrompidos. ― O vi poucas vezes, Vossa Graça ― ela respondeu após se recompor, tentando não pensar no homem que lhe invadia os sonhos há algum tempo. — Ele me pareceu um bom homem. ― Ah, verdade, ele me acompanhou até sua casa algumas vezes… Graças aos Céus que ele não se casou com aquela mulher. — A Condessa continuou falando fingindo não ter visto o pulo que a jovem deu quando falou do seu sobrinho. — Lorde Dorset se tornou um homem muito bonito, cavalheiro e rico. Muito rico. ― Fico feliz que ele tenha superado tão bem o rompimento com a noiva. E espero que ele não se incomode com minha estadia na residência dele. — Lizzie fingiu não ter ouvido a Condessa dar enfoque na palavra rico, não lhe interessava de modo algum a riqueza do Conde, isso era o que menos lhe chamava a atenção nele, e mesmo que não tivesse um centavo continuaria apaixonada por ele. ― Ele ficará feliz em ter uma companhia feminina tão espontânea, a maioria das moças que se aproximam dele é para tentar fisgá-lo em casamento, e por isso, eu fico feliz que você não esteja pensando em se casar. Ele ficará mais à vontade ao saber que não precisa se preocupar em fugirde você, como vem fazendo com todas as outras mulheres e mães casamenteiras. ― Quanto a isso pode ficar despreocupada, Milady, continuo não tendo nenhuma intenção de voltar para casa casada. — Lizzie sorriu e ergueu o rosto olhando diretamente para a Condessa para que ela soubesse que falava a verdade, pois um casamento sem amor não lhe interessava, e não era tola para acreditar que o Conde se apaixonaria por ela. A Condessa a olhou, analisando cada expressão da jovem dama. Ela seria perfeita para o sobrinho. Seu sobrinho adorava desafios, e só de Elizabeth não querer compromisso, por hora já lhe chamaria a atenção. ― Eu sei disso, criança, sei disso. O mordomo bateu à porta de seu escritório para anunciar a chegada de sua tia, e ele foi até a sala de estar para saudar a recém-chegada. Deu-lhe um abraço de urso que a tirou do chão, como sempre fazia quando estavam sozinhos. A tia tinha sido como uma segunda mãe para ele. A Condessa não tinha laços sanguíneos com lorde Dorset, uma vez que era esposa do tio dele, o antigo Conde de Dorset, mas, mesmo assim, ela assumiu o papel de mãe na vida dele quando um acidente levou a vida dos pais de Daniel quando esse tinha apenas quinze anos. ― Como está minha tia preferida? Parece que está mais nova a cada dia que passa, nem parece ter chegado aos oitenta anos — o Conde disse brincando enquanto colocava a Condessa no chão que o olhava com indignação. ― Daniel! Já lhe disse para ter modos! E eu não tenho essa idade! — a Condessa ralhou com o sobrinho, mas, ao mesmo tempo em que seu semblante era severo, seus olhos provavam que ela estava feliz em ver o sobrinho. — Você já é um homem adulto para fazer essas brincadeiras de criança. Tanto que eu falei para a senhorita Fernoy de sua educação. O que ela irá pensar de você agora? Aquelas palavras foram suficientes para que ele percebesse que tinha outra pessoa na sala com eles. Ela o olhava com admiração e ao mesmo tempo um sorriso travesso torcia seus lábios para um lado. Ele fechou a cara rapidamente. Aquela presença lhe tirou toda a alegria que sentira com a chegada da tia. ― Senhorita Fernoy, este é Daniel de Brant, meu sobrinho e quinto Conde de Dorset. Daniel, esta é a senhorita Elizabeth Alexander Fernoy, filha do Barão de Fernoy. ― Peço perdão pelo meu comportamento, senhorita, ele foi deveras inapropriado, esperava encontrar minha tia… sozinha. — Ele deu um enfoque na palavra sozinha, e olhou desgostoso para a tia com o canto do olho enquanto fazia uma leve mesura para a garota. ― Mas seja bem-vinda à minha casa. ― É um prazer, Vossa Graça, e estando em vossa residência, é de se esperar que se comporte da forma que melhor lhe aprouver, logo, espero que minha presença não o incomode — a garota respondeu polida e educada. A presença dela já lhe incomodava, não gostava da forma como a tia sorria, e muito menos desta ter trazido uma jovem para sua casa sem antes ter lhe avisado. Sua tia sabia o quanto ele era contra ter uma mulher em sua casa, ainda mais uma que ele não conhecia e de nível social mais baixo que o dele, essas eram as mais interesseiras. Com aquela garota ali teria que dobrar o cuidado para não cair em nenhuma cilada que o levasse a um casamento forçado, como várias vezes haviam tentado fazer. Se bem que aquela criança não poderia lhe fazer muito mal, sua aparência era a de alguém que acabava de debutar, era uns bons vinte centímetros mais baixa que ele, e era esguia, o que não lhe despertava o interesse de forma alguma. Olhou mais uma vez para sua visita, ela tinha cabelos negros e sua pele era uns tons mais escuros que as inúmeras moças que ele costumava ver por ai, seu rosto não tinha cosméticos e ela não parecia desgostosa com isso. E tirando apenas os enormes olhos castanhos, ela não tinha quase nada de exuberante. Era uma moça comum e para a sua sorte não lhe despertava o desejo, e mesmo que porventura lhe despertasse, não iria fazer nada que causasse problemas futuros. Se precisasse de sexo já tinha para onde ir. Depois de prestar atenção nela, teve a impressão de já tê-la visto em algum lugar, mas não conseguia lembrar onde. ― Edmond, por favor, mostre o quarto de visitas para a senhorita Fernoy, assim ela poderá descansar da longa viagem. O mordomo levou a jovem para o quarto onde já estavam os pertences que ela havia trazido de sua casa. Lorde Dorset seguiu com a Condessa para seu escritório, e ela sabia o que ela ia falar antes mesmo que abrisse a boca, e na verdade já contava com isso. ― O que a senhora tinha na cabeça? — ele perguntou assim que entraram no escritório, indo até uma poltrona e sentando-se. ― Olhe como fala comigo, Daniel! — A Condessa exigiu respeito. — E essa pobre garota não lhe fez nenhum mal para não ser bem-vinda aqui — ela reclamou sentando-se em uma poltrona em frente a ele. ― Só me diga que não está tentando dar uma de casamenteira de novo — ele provocou. ― Claro que não. A Senhorita Fernoy é só minha acompanhante e já sabe o quanto eu odeio essa cidade, ela é uma das poucas jovens que não são interesseiras e fúteis nessa cidade. ― Quanto a isso eu duvido. Toda mulher é interesseira e fútil, se não for assim, é porque é um homem. — Ele desdenhou das palavras da tia, apoiando os cotovelos na mesa e colocando as mãos unidas em baixo do queixo. ― Está me chamando de interesseira e fútil, Daniel? — a Condessa perguntou, fingindo se ofender com a afirmação do sobrinho. ― Fútil não, mas interesseira, com certeza! Seu maior interesse é me ver casado. E eu aposto minhas sedas como tem um plano nessa cabecinha para que eu me apaixone pela garota que trouxe. ― Não tem plano nenhum! E a jovem não quer se casar, por isso a trouxe. Acha que eu a teria trazido se ela estivesse procurando marido? Você é um partido e tanto, e só traria dor de cabeça me preocupar com ela tentando te prender num casamento. ― Ela não quer casar? Essa é nova! — Ele riu com gosto. Toda mulher naquela maldita cidade procurava um marido em potencial, e ele e seus amigos encabeçavam a lista. ― Qual o problema? Ela não tem interesse em riquezas e, segundo o pai dela, foi decisão dela não se casar, ela recusou todas as propostas de casamento que fizeram a ela. ― Isso não quer dizer que não possa começar a querer um — o Conde rebateu. — E com certeza as propostas não devem ter vindo de um Conde. ― Faça o teste você mesmo, se eu estiver errada te dou o meu navio, e se estiver certa você me mandará fazer vestidos com as suas melhores sedas. ― E como você quer que eu descubra se ela tem interesse? Perguntando se ela quer se casar comigo? Não vou pedir a mão dela em casamento. — O Conde semicerrou os olhos. Sempre que apostava com a tia, tinha que ter cuidado, pois ela sempre tinha uma carta na manga. ― Bom, não estou dizendo que você deve se casar com ela, mas se quiser o meu navio, terá que provar que ela está tentando te fisgar em um casamento e que ela não é digna de confiança até o fim dessa temporada. ― Espero que não se chateie quando eu ganhar seu navio. ― Ele se levantou sorrindo para a tia. ― Digo o mesmo sobre suas sedas… ― A Condessa sorriu de volta para o sobrinho ― Bom, verei como está a senhorita Fernoy ― Ela se dirigiu para as escadas e antes de subir, olhou para trás. ― Tente ser menos grosseiro da próxima vez, ou nunca vai conseguir ganhar a aposta. Com isso, a Condessa deixou o Conde sozinho pensando em como faria para ganhar a aposta. No quarto, Lizzie olhava tudo maravilhada. O mordomo já havia saído e deixado uma criada para ajudá-la a se trocar, tudo naquela casa era lindo e muito bem colocado para dar um ar ainda mais magnífico à casa. E o quarto de hóspedes não era diferente. Ela se deitou na imensa cama sentindo sua maciez. A criada a olhava sorridente, aguardando sua ordem de modo serviçal. Ela se levantou e permitiu que a jovem a ajudasse a tirar a roupa para um banho rápido. Estava cansada da viagem e tambémcom fome. Não tinha comido nada desde que saíram de casa. Sua barriga roncou alto em meio ao silêncio do quarto e a moça que lhe ajudava segurou o riso ao ver a jovem dama envergonhada com o barulho feito pela barriga. ― O almoço será servido em instantes, senhorita — ela avisou e pegou a roupa de viagem para lavar, saindo logo em seguida do quarto. Assim que ficou sozinha, Lizzie se esparramou na cama. Era tão surreal estar ali. Estava tão feliz e animada, mas, ao mesmo tempo, temia não ter causado uma boa impressão ao Conde. Ele tinha sido tão seco e seu semblante mostrava que ele não estava contente com sua presença ali. Sequer a olhara direito. Tinha praticamente a expulsado da sala para poder conversar em paz com sua tia. Talvez ele não fosse tão amável quanto o homem dos seus sonhos. Ele estava diferente do que ela lembrava, estava mais homem e até mais bonito, mas tinha perdido o ar inocente que ela havia visto em seus olhos quando tinha quatorze anos, e estava também menos feliz. Ele parecia possuir um peso nos ombros que não gostava de carregar. Mas não podia julgá-lo por apenas uma primeira impressão, podia ser que o dia dele não estivesse indo bem. E tudo isso fosse coisa de sua mente criativa. Além do mais, a presença dela o pegou desprevenido, como ele mesmo tinha dito, não esperava que a tia tivesse vindo acompanhada. Então Lizzie decidiu não deixar isso afetá-la por demais, estava em Londres, e não ia ficar triste só porque o homem de seus sonhos não gostava dela. Era até aceitável esse fato, visto que ele tinha todas as mulheres de Londres a seus pés. Batidas na porta a assustaram e ela se levantou depressa, temendo ser vista de forma tão despojada na cama. Abriu a porta devagar e deu de cara com a Condessa que a olhava alegre. ― Está confortável, querida? ― a Condessa perguntou quando Lizzie abriu a porta. ― Sim, Vossa Graça, aqui é tudo muito aconchegante — disse Lizzie respondendo ao sorriso da Condessa com outro sorriso. ― Espero que meu sobrinho não tenha lhe causado constrangimento com seu comportamento. — A mais velha se desculpou pelo Conde. ― De forma alguma, ele apenas foi pego de surpresa com minha presença — Lizzie disse sem jeito, não queria dizer que ela ficou sem graça ao ver a reação dele. ― Fico feliz que tenha compreendido. O Conde não gosta muito de visitas femininas, pelo menos não depois do escândalo com o rompimento do noivado. Ele deixou de confiar nas mulheres, acha que todas são interesseiras, mentirosas e que na menor oportunidade irão prendê-lo em um casamento — a Condessa explicou. — Eu tento persuadi-lo desse pensamento, mas acredito que ele não me dá ouvidos, temo que ele seja infeliz o resto da vida já que não se permite amar ninguém. E o que é uma vida sem amor? Você mesma disse isso. Talvez, com você aqui, ele possa ver que ainda há esperança afinal. A Condessa disse cada palavra sabendo que iria inquietar a filha do Barão, e depois saiu, indo para o próprio quarto se trocar. Tinha começado a colocar suas ideias em ação e faria tudo para seu plano dar certo. Assim que a Condessa a deixou, Lizzie voltou para a cama. Agora entendia o motivo da reação do Conde e se compadeceu de sua história triste. A única mulher que ele amou era uma megera que para fugir da ruína por causa da gravidez fora do casamento, cuja criança não era do Conde, tentou armar para que parecesse que o filho era dele, e assim conseguir, além do título, não ser completamente arruinada. E todas essas mentiras fez ele se fechar para o amor. Será que ela conseguiria mostrar que nem toda mulher era igual à sua ex-noiva? Esse era o único pensamento que ela tinha. Queria poder ajudá-lo a superar isso, mas tinha que tomar cuidado, já que ele acreditava que ela também podia estar ali para prendê- lo em uma armadilha de casamento. Lizzie ficou deitada na cama olhando para o teto branco com detalhes em azul-claro, pensando o que poderia fazer para mostrar para o Conde que não era igual a ex-noiva dele, e enquanto pensava, a frase dita pela Condessa ecoava em sua mente: “Temo que ele seja infeliz o resto da vida”. E pensando no Conde, acabou adormecendo. Capítulo 4 — Insultos Batidas na porta do quarto acordaram Lizzie. Era a criada com o pedido da Condessa que Lizzie se juntasse a ela para o chá da tarde. Segundo a criada, a Condessa não tinha permitido que fosse acordada para o almoço, uma vez que a viagem havia sido cansativa, e queria que ela descansasse. Ela se arrumou com a ajuda da criada e desceu para fazer companhia à Condessa, que estava na sala com outras mulheres; assim que a viu, a Condessa abriu um sorriso genuíno. ― Venha cá, querida — a Condessa chamou erguendo a mão. — Quero que conheça a Condessa de Claire, Lady Amélie de Averley. ― Ela apontou para a senhora a direita, que usava um vestido lilás com muitas camadas de tecido e extremamente chamativo. ― E esta é Lady Abigail de Sinclair, Viscondessa de Sevan. ― A Viscondessa estava com um vestido mais simples, cor de creme, bem menos espalhafatoso que o da outra mulher e, por sua vez, parecia mais simpática e agradável que a primeira. ― É um prazer. — Lizzie fez uma mesura ao ser apresentada às distintas damas. A Condessa de Claire acenou com a cabeça e com um sorriso de superioridade no rosto, um gesto típico que ela reservava para os membros de classe mais baixa. E a viscondessa lhe deu um sorriso sincero e educado. ― Sente-se, minha querida. — A Condessa apontou um lugar ao seu lado e Lizzie sentou-se silenciosa. ― Então, Margaery, quando vai fazer o Conde mudar de ideia sobre se casar? — Lady Claire perguntou à Condessa com o nariz empinado, ignorando totalmente Lizzie depois da apresentação. ― Isso não está em minhas mãos, Amélie, ele é livre para decidir se vai querer casar ou não. ― Mas é um desperdício um homem daquele não querer se casar, ainda mais com tanta moça de berço debutando nessa temporada. Ele seria um partido e tanto para qualquer moça em idade de se casar. ― Isso é uma verdade — concordou a Condessa de Dorset. — Mas, como eu disse, depende unicamente dele, quando ele achar que deve se casar, ele se casará. ― Mas com certeza ele escuta você, e agora que está aqui não se importaria em lhe acompanhar ao baile na minha casa, foi por isso que eu vim lhe ver. ― A Condessa de Claire tirou um papel do bolso enquanto falava. — Trouxe- lhe pessoalmente o convite, para garantir que não iria recusar ao meu pedido. Então, querida, diga que vai e leve essa…bela jovem com você. Acredito que ela nunca tenha participado de um baile tão famoso quanto os que eu ofereço. A Condessa havia olhado com um sorriso tão falso para Lizzie que ela se sentiu sem graça. Sabia que a mulher tinha debochado dela ao dizer que ela era bonita, uma vez que não seguia nenhuma moda londrina e para eles, seguir a moda era de suma importância para ser bem-aceita na sociedade. A chacota não passou despercebida por nenhuma das mulheres que estavam tomando chá. Lady Claire era conhecida por sua arrogância e vaidade, e também por sua língua ferina. A Condessa de Dorset sabia disso, e não gostava nem um pouco da mulher que estava a sua frente com o ar arrogante. Mas a etiqueta e o decoro não lhe permitia fazer o que estava querendo fazer contra a mulher à sua frente. ― Farei o possível para convencer meu sobrinho a ir, mas não lhe garanto nada — Lady Dorset disse em resposta ao convite do baile. — Mas eu e a senhorita Fernoy iremos, será bom para ela se divertir um pouco. A Condessa de Claire ficou satisfeita com a resposta da Condessa, e então voltaram a conversar sobre a última moda londrina. Lady Claire não se continha ao falar dos bens que possuía, ou de sua própria fama, ou da beleza de sua filha que tinha chamado à atenção de vários homens de berço nobre. Elas passaram a hora do chá escutando Lady Claire se gabar, e assim que a mulher saiu com sua acompanhante, tanto a Condessacomo Lizzie suspiraram aliviadas. ― Eu não suporto o ego dessa mulher! — a Condessa confessou assim que ficaram sós. ― Se dependesse de mim, ela sumia para sempre da sociedade, tenho certeza que ninguém sentiria falta dela. ― Por que aceitou o convite, então? — Lizzie perguntou sem entender porque a Condessa tinha concordado com aquilo se não gostava da outra mulher. ― Porque, infelizmente, ela realmente dá os bailes mais famosos de Londres, e graças a isso, toda a nobreza Londrina aparece por lá. E, apesar de não gostar dela, eu gosto bastante de algumas pessoas que ela convida. E quero que conheça essas pessoas, sua mãe conhecia a maioria delas e seu pai também. ― Entendi, a senhora não vai nem tanto pela festa e sim pela companhia que terá lá. — Lizzie falou depois de um tempo pensando nas palavras da Condessa. ― Exatamente, minha jovem. — A Condessa sorriu. ― O que não suportamos pelos amigos, não? Lizzie concordou com a Condessa com um sorriso. ― Ela, pelo menos, foi gentil ao trazer o convite. — Lizzie pensou alto e a Condessa riu. ― Ali de inocente não tem nada! Ela quer é que eu leve o Conde para a filha dela poder enfiar suas garras nele. ― Sério? — Lizzie ficou surpresa, mas então se lembrou das frases ditas pela outra mulher sobre a própria filha, durante sua breve visita. — Então ela quis dizer que a filha era um ótimo partido para o Conde? — Lizzie disse dando ênfase na palavra Conde. ― Exatamente, minha cara. Exatamente. Mas se depender de mim meu sobrinho não chega nem perto daquela família. Porque a filha é a mãe todinha. E eu prefiro não ter que suportar nenhuma das duas — a Condessa disse enquanto saia da sala com Lizzie e seguia para as escadas em direção a seus aposentos. ― Daniel pediu para avisar que não jantará conosco essa noite, então mandei que servissem seu jantar em seus aposentos. Mais tarde mandarei que lhe entreguem papel, tinta e pena. Acredito que gostaria de enviar uma carta para seu pai, não? ― Sim, Milady, eu gostaria muito. Obrigada — Lizzie agradeceu entrando em seu quarto e a Condessa seguiu para o dela. Como a Condessa havia dito, o jantar foi servido no quarto de Lizzie, e logo em seguida um criado lhe trouxe papel, tinta e pena, e ela escreveu uma carta para seu pai, avisando que já tinham chegado e que estava animada com a temporada. No dia seguinte, no café da manhã, todos sentaram-se à mesa. Lizzie comia de cabeça baixa tentando, em vão, não olhar para o seu anfitrião. Não o tinha visto desde o dia anterior, e tinha ficado inquieta com o que a Condessa havia falado a respeito dele no dia anterior. Será que ele ainda estava chateado por ela ter vindo junto? Pelo silêncio que estava na mesa era provável que sim. Em meio a tanto silêncio, Lizzie se perdeu em pensamentos e, sem nem mesmo notar, começou a observar o Conde. Ele comia sem pressa, mas não parecia saborear a comida, na verdade, parecia até que o fazia apenas no automático, sem pensar no que estava fazendo. Seu pensamento parecia estar em algum outro lugar, um lugar bem distante. Ele está tão sério — pensou ela se esquecendo de comer ao observá-lo. Ela guardava na mente cada detalhe daquela cena, o cabelo ondulado e castanho do Conde, a forma como eles escondiam seus olhos cor de mel quando se debruçava levemente sobre o prato, seus dedos longos segurando o talher, seus ombros largos que escondiam a cadeira atrás dele. Ela devorava cada detalhe inconscientemente, quando ele levou o talher à boca, a concentração da jovem ficou ali, nos lábios do Conde. Há quanto tempo aqueles lábios não sorriam? Será que ele seria feliz algum dia novamente? É como se ele vivesse apenas vendo os dias passarem. Ele não é feliz — julgou a garota analisando o semblante do Conde. Aquela afirmação sobre a felicidade do Conde a fez olhar para o próprio prato. E então se lembrou da comida e voltou a comer lentamente. Seus pensamentos continuavam no Conde, procuraria uma forma de fazê-lo sorrir. Quando ela tornou a erguer a vista, ele a olhava de volta com a testa franzida. Lizzie ficou hipnotizada com a intensidade do olhar dele e apenas quando se deu conta do que fazia é que baixou os olhos para o prato, constrangida. Depois disso, se obrigou a continuar de olhos na comida. ― Senhorita Fernoy, seus aposentos lhe agradaram? — o Conde lhe perguntou fazendo a jovem dar um pequeno pulo da cadeira, surpresa, ao ver que ele se dirigia a ela educadamente, da mesma forma como a tratou no dia anterior, só que dessa vez não parecendo tão desgostoso com a presença dela ali. ― Sim, Vossa Graça, eles são muito aconchegantes. — ela respondeu fitando sua boca sem conseguir o olhar nos olhos. ― Muito obrigada por me aceitar aqui. ― Fico feliz que tenha gostado — ele respondeu, ignorando o agradecimento da garota. ― E como vai o Barão? ― Está muito bem, obrigada. Enviei uma carta ontem para ele, contando que já tinha chegado e que estava feliz por estar aqui. — Lizzie disse ficando animada por ele estar conversando com ela. ― Que bom ― o Conde respondeu e voltou a ficar em silêncio enquanto terminava de comer. Vendo que o Conde não ia falar mais nada, a Condessa decidiu tomar a palavra. ― O que vai fazer hoje à noite, querido? — ela perguntou ao sobrinho. ― Creio que tenha a noite livre, tia — ele respondeu sem pensar e só depois percebera seu erro. Uma vez dito que estaria livre, não havia como voltar atrás. Nenhuma desculpa seria cabível para não acompanhar a tia, e ela provavelmente o incumbiria de acompanhá-las a algum lugar e ele iria gostar menos ainda do lugar. Tinha quase certeza disso. ― Bem, a senhorita Otávia vai se apresentar na ópera, e você sabe o quanto eu adoro ouvir aquela voz. Queria levar a senhorita Fernoy, e gostaria que fosse conosco, não é seguro duas mulheres andarem sozinhas nessa Londres tão perigosa, e já que você está livre, irá nos acompanhar, não é mesmo? ― E eu tenho escolha? — ele respondeu sem se deixar contagiar com o entusiasmo da tia. Antigamente gostava de ópera, mas depois que sua ex-noiva o traiu com um cantor de ópera, fugia desse tipo de apresentação como o diabo fugia da cruz. ― Sempre tem uma escolha, Milorde — Lizzie falou ao perceber o desconforto do Conde. — Mesmo que não pareça haver uma, sempre tem. Aquelas palavras o deixaram um pouco sem graça, e ele não gostou da sensação. Então fechou a cara e lançou um olhar irritado para a intromissão da garota. Odiava quando era repreendido, e ainda mais por uma mulher que mal conhecia. Se antes já não simpatizava com ela, agora ela perdera ainda mais pontos com ele. ― Vai perceber, senhorita Fernoy, que quando se trata da minha tia, a escolha não é um luxo que se possa ter. Diante daquelas palavras Lizzie calou-se, mas não sem antes se repreender em pensamento por ter aberto a boca. Ela apenas tentou dizer que se ele não quisesse ir não tinha problema, mas acabou falando demais. E agora ele tinha se chateado com ela. — Bom, estaremos prontas às oito — informou a Condessa para quebrar o clima tenso que tinha surgido após a reprimenda do Conde. — Eu gosto que ele faça o que eu peço, querida, e ele sabe disso, por isso, nunca me recusa nada. E fora que a ópera é uma das poucas coisas boas por aqui. Não perderia por um capricho do meu sobrinho. Eles terminaram a refeição em um profundo silêncio, beirando o constrangimento. Assim que terminou, Lizzie pediu licença para se retirar e foi para seu quarto. Na sala, a Condessa olhava irritada para o Conde. ― O que foi isso? — ela perguntou se referindo ao mau comportamento dele. ― Isso o quê? Eu não fiz nada, apenas falei a verdade. Quando se trata de você não tenho nenhuma escolha mesmo. ― Eu sei, mas não precisava fuzilar a pobre garota com o olhar. Já vi que não está muito afim do meu navio, já que está contribuindo para que ela não goste de você. E já sabe, se não provar que ela quer casar com você, eu ganho. ― Não tenho culpa se elame irrita só em estar aqui, não confio nela e não gosto dela. ― É simples resolver isso, desista da aposta e me dê logo as sedas. ― E te dar esse gostinho? Jamais. — Ele sorriu. — Além do mais eu sempre quis aquele navio. ― Nunca vai conseguir ganhar a aposta. A senhorita Fernoy não é como sua ex. Ela só se casará por amor. Ela mesma me disse isso. ― E a senhora caiu nessa conversa? O amor não existe, é apenas uma desculpa para se burlar as regras, para fazer o que bem entender. A única coisa que elas amam de verdade é o dinheiro e os títulos que podemos oferecer a elas. Quero ver o amor superar um título nobre ou uma herança recheada de riqueza. — O Conde fez uma pausa profunda, havia se perdido em pensamentos. Ele planejava o que iria fazer para provar que ela era interesseira e algumas ideias lhe ocorreram, mas assim que viu sua tia olhando-o desconfiada, disfarçou. — O que eu não entendo, é como pode confiar tanto nessa garota? ― Porque eu a conheço desde que nasceu e conheço sua criação. Ela jamais faria algo tão baixo quanto Lady Letícia Denvern, ou tão desonroso. E você também perceberia isso, se deixasse de lado todo o ódio que alimentou contra as mulheres. Lorde Dorset ficou em silêncio, não acreditava nas palavras da tia. Sua antiga noiva não o amava apesar de ter dito diversas vezes que sim. No fim, o amor não foi suficiente para impedir que ela o traísse com outro homem, se ela o tivesse trocado por estar apaixonada pelo outro homem, talvez ele ainda acreditasse em amor, mas em vez disso ela descartou o pai do filho dela e tentou usar o Conde para esconder a traição e também a gravidez que tinha sido resultado de sua traição. Ela não amava ninguém além de si mesma, e iria usar qualquer um para continuar no topo. Queria apenas evitar um escândalo, não se importando se iria ferir ou não os sentimentos do homem que a amava. E ele quase foi feito de tolo. E jamais iria permitir que uma mulher fizesse o mesmo novamente. Vendo que o sobrinho não falaria mais nada, a Condessa se levantou da mesa. ― Ah, e mais uma coisa, daqui a três dias a Condessa de Claire vai dar um baile em sua casa, e quero que você nos acompanhe e dance a valsa com Lizzie. ― Por que isso agora? Até parece que está jogando ela em cima de mim. O que está tramando? — o Conde perguntou desconfiado, levantando uma sobrancelha. ― Considere um favor pessoal para mim. E não se preocupe, eu sei o que estou fazendo ― disse e em seguida completou, já andando para as escadas. ― Esteja pronto às oito para nos levar à ópera. Lizzie se sentia uma tola, tinha esquecido completamente onde estava. Nunca devia ter aberto a boca. Mas não se lamentaria mais por isso, já tinha passado. E, na verdade, ela não falara nada demais para ele. Ele se ofendeu apenas por não gostar dela — ela se convenceu em pensamento. Se jogou na cama sem se importar que uma dama de verdade não deveria fazer isso, e sentiu algo duro em suas costas. Colocou a mão atrás de si e pegou o objeto que a tinha machucado, era o diário que tinha encontrado no baú de seu pai. Ela não lembrava de tê-lo trazido para Londres, muito menos de ter colocado ele ali na cama. O diário parecia pedir que ela o lesse, as imagens que tinha visto já não lhe atormentavam tanto. Talvez naquele diário ela conseguisse pelo menos se distrair um pouco de seu constrangimento. Então abriu na primeira página e começou a ler. Querido diário, essa é a primeira vez que eu escrevo. Madame Rose me deu você hoje, e pediu que eu escrevesse toda lição que ela me passasse. Acho que ela não sabe escrever ou ler, por isso, me pediu para fazer isso. E como ela é boa para mim, eu faço com o maior gosto. Ela diz que em breve vai se aposentar e também por isso quer que eu escreva sobre as lições de sedução, pois ela não quer preparar prostitutas, e sim cortesãs. As melhores cortesãs de toda a Inglaterra. Uma cortesã é mais que apenas um corpo para aquecer uma cama, é uma confidente, uma amante. Não pode ser qualquer uma, tem que ser uma mulher inteligente e que seja uma sedutora nata. Claro que não se encontra uma mulher já pronta assim nos saberes da sedução, e é aí onde entra o trabalho da Madame, ela dirá passo a passo como seduzir um homem, seja ele rico, pobre, gordo, magro, alto, baixo, feio ou bonito, todos eles são, antes de tudo, homens e homens são no fundo todos iguais, querem alguém que sacie seu desejo e que incite sua inteligência. O que ele dificilmente encontra em uma esposa, uma vez que a educação dessas as ensina apenas a serem mães e donas de casa, e não a suprirem os desejos de seus maridos. Essa é a primeira lição de uma cortesã, seja a mulher que o homem não encontra em casa. Isso fará toda a diferença na hora de ele escolher você. Os homens só nos procuram porque suas mulheres são frias na cama, não sabem como satisfazê-los e nem gostam de fazer isso, pois acham que é pecado uma mulher gostar de deitar com seu marido. São poucas as que realmente satisfazem os seus homens e esses são os que nunca recorrem a nós. Essa foi a lição que a Madame ensinou hoje, sobre não ser servil como uma esposa. Segundo ela, se fosse isso que um homem queria, ele daria meia-volta, iria para casa e deitava com sua esposa. Ainda bem que as damas não sabem satisfazer seus maridos, caso contrário, não teríamos tantos fregueses. Hoje ela vai passar a lição número um, segundo ela é algo sobre como chamar a atenção, mesmo estando rodeada de pessoas. É algo… Lizzie estava tão absorta na leitura que nem sequer tinha escutado a criada bater à porta, e nem percebeu quando ela a abriu, por isso, ao ouvir a voz da criada dentro do quarto, se assustou. ― Senhorita, o Conde quer vê-la. Ele pediu que eu a acompanhasse até seu escritório. Lizzie fechou o livro com tanta força que ele fez barulho. Seu coração tinha acelerado e ela tinha segurado o grito de susto. ― Me perdoe, eu bati à porta, mas a senhorita não respondeu, pensei que estivesse dormindo por isso entrei. — A criada se desculpou envergonhada por ter assustado a jovem dama. ― Tudo bem. — Lizzie respondeu quando enfim se recuperou do susto que a criada lhe causara, se levantando e pegando o diário. ― Sabe dizer quem colocou esse diário aqui? A criada olhou para as mãos em um gesto típico de vergonha. ― Fui eu, senhorita. Ele estava no meio de suas roupas e eu o encontrei quando as estava organizando no baú. Lizzie ficou um pouco apreensiva. ― Você o leu? ― De modo algum senhorita, e-u-eu não sei ler — ela disse ainda mais envergonhada por não ser letrada. ― Tudo bem, é que esse diário é muito particular. Mas já que disse que não leu, eu fico mais aliviada. Agora vamos que o Conde não deve gostar de esperar muito ― Lizzie respondeu mais aliviada. Seria seu fim se a criada tivesse visto as gravuras e levado o diário ao Conde. Como conseguiria explicar algo tão impróprio em seus pertences? Teria que colocá-lo em um lugar seguro onde ninguém encontrasse. A empregada a levou até a sala do Conde. Ele estava sentado atrás de uma escrivaninha, em uma poltrona de couro e olhava para a parede a sua frente ignorando completamente a chegada dela. A criada ao deixá-la na sala, saiu, deixando-a sozinha na sala com o Conde. Ela pensou que ficar ali sozinha com ele podia ser impróprio, mas estavam na sala dele, com as portas abertas, o mordomo bem próximo da porta pelo lado de fora, então ela se convenceu que não mancharia sua reputação ficar ali com ele, os criados não falariam nada e o Conde não queria nenhum escândalo. Então sua reputação estava a salvo, pelo menos era o que ela esperava. ― O senhor mandou me chamar, Milorde? Ele finalmente virou seu olhar para ela e ficou um tempo a observando em silêncio. Ele tinha mandado chamá-la, queria conversar com ela, pedir desculpa pelo seu comportamento e usar seu charme para conquistá-la e, depois provar que ela queria casar com ele por interesse, mesmo que precisasseseduzi-la para isso. Mas ao ver ela parada ali na frente, com o rosto um pouco corado, as mãos unidas, a imagem perfeita da inocência, ele se irritou, ela parecia fingir muito bem que não queria nada com ele e isso o fez esquecer todo seu plano. Lizzie começou a ficar constrangida diante de tanta observação. Mas antes que pudesse falar algo ele se pronunciou. ― Você não é feia. É diferente. Não chega a ser uma beldade, mas também não é feia. Tem algum problema mental? ― ele perguntou não escondendo sua frustração ao tentar decifrá-la. ― Milorde? — ela perguntou confusa e desorientada diante de uma conversa tão constrangedora e inesperada. Nunca, em toda sua vida, tinha tido aquele tipo de conversa com outra pessoa, e muito menos recebido os adjetivos usados por ele. E como ficou sem palavras ele continuou. ― Fico aqui me perguntando, o que faz solteira até agora. Devia ter debutado novamente, o luto já passou, ainda tem idade para casar. Por que continua solteira? Não me parece ter nenhum problema que impeça tal ato. Ela ficou perplexa. Ele a olhava como se estivesse avaliando um objeto a ser vendido e ela ficou furiosa. Desde o dia anterior que ele a insultava, e tratava como um estorvo, e quando ela tentava ser gentil, ele a cortava fazendo com que se sentisse errada. Mas aquilo já era demais, não se importava que ele fosse um Conde e que ela estivesse de visita na sua casa, não era obrigada a tolerar aquilo. ― Talvez, Milorde, isso se deva ao fato de eu não querer me casar — ela respondeu tentando não se exaltar e com isso dizer algum impropério. Quem ele pensava que era para tratá-la daquela forma? ― Nem todas as mulheres estão à procura de um casamento. ― Não seja tola, eu não acredito nessa história de mulher não querer se casar. — Ele revirou os olhos. — Se for só isso que esteja planejando me falar, então poupe-nos do constrangimento e permita-me voltar para meus aposentos. Ele, ao perceber que ela estava irritada, mudou sua postura. Não era essa a intenção desde o início, mas não tinha conseguido se segurar, e acabou insultando ela. Sua voz parecia ter vida própria, expondo os pensamentos que ele não queria que ela soubesse. E com isso quase estragara tudo. O Conde respirou fundo, tentando tomar o controle de sua fala, e com isso voltar aos planos iniciais, de ser um perfeito cavalheiro, apesar de saber que já tinha estragado tudo. ― Perdoe-me, não quis ofendê-la, é que fiquei confuso. Não é o sonho de toda mulher se casar? — Ele fez cara de inocente e ela semicerrou os olhos diante da atuação de bom moço. Aquilo não tinha abrandado a raiva dela, muito pelo contrário, tinha feito Lizzie ficar ainda mais na defensiva. Ele se xingou mentalmente, e pensou em outros métodos, apesar de que, a forma que ela o olhava, o impedia de pensar corretamente. ― Talvez o seja, mas não é o meu sonho no momento. ― Ela o encarou ríspida. — E caso esteja passando pela sua nobre cabeça que estou aqui tentando fisgá-lo em um matrimônio, sugiro que pare. Porque, mesmo que eu quisesse me casar, jamais o faria com o senhor, acredito que não suportaria aguentar todas essas suas acusações desprovidas de lógica. Então com licença milorde, vou para os meus aposentos, arrumar minhas coisas. Lizzie se virou sem esperar uma resposta do Conde e se encaminhou para a porta, mas foi interceptada pelo Conde que segurou seu braço delgado fazendo com que ela ficasse nervosa com seu toque. ― Me perdoe se pensei mal a seu respeito, mas qualquer outra pessoa pensaria o mesmo, pois, o que mais iria querer fazer em Londres a não ser arrumar um marido? ― Acompanhar uma Condessa em sua viagem, talvez? — Ela foi irônica ao expor o óbvio motivo de sua visita, não gostando de tê-lo ali tão perto dela, ele a deixava estranhamente nervosa. O Conde se xingou ainda mais por dentro. Onde estava a sua maestria em seduzir uma moça? Porque ele só conseguia insultá-la? ― Milorde, me solte para que eu possa ir para meus aposentos, já estou cansada dessa história de casamento. ― Ela pediu revirando os olhos, sabia que ele achava que ela estava ali para tentar fazer ele se casar com ela, e estava irritada com as acusações dele. Se continuasse ali era quase certo que começaria a xingar o Conde. ― Não saio enquanto não me perdoar pelo meu comportamento. — Ele sorriu usando seu charme para se passar por bom moço, mas ela estava irritada com tudo que ele disse e aquilo a deixou ainda mais irritada. ― Que eu saiba, para pedir desculpas tem que estar realmente arrependido. ― Lizzie alfinetou. ― E pelo que parece o senhor não está nem um pouco arrependido das coisas horríveis que falou a meu respeito. Vendo que um pedido de desculpas não ajudaria, o Conde tentou explicar o ponto de vista dele. ― Não pode me culpar por achar que você está aqui com o mesmo interesse que toda mulher de Londres tem: casar com um nobre, de preferência rico. Não confio em mulheres e muito menos nas que eu não conheço. — O Conde disse também ficando irritado com a dificuldade que estava tendo de ter uma conversa civilizada com a dama. Nunca imaginaria que aquela pequena mulher tivesse um temperamento tão feroz. Ela só faltava xingá-lo, e agora o olhava com uma careta irritada que fez ele ter uma súbita vontade de rir. ― Eu vou repetir para ver se o senhor entende. ― Lizzie respirou fundo para se acalmar. ― Se eu, por acaso, tivesse vindo tentar fisgá-lo em um casamento, isso mudaria depois dessa conversa. Não acho que uma vida ao seu lado me seria benéfica, independente do quanto dinheiro haja em seus bolsos, ou da nobreza de seu título, acredito que um casório com o senhor me seria muito…torturante ― Tudo bem, eu a julguei mal, mas saiba que a sociedade vai julgar da mesma forma, e ela vai ser até mais maldosa que eu. Eles não são muito acolhedores com quem é diferente deles. E você é completamente o oposto de tudo que eles são. — Ele tentou mudar a situação ao seu favor e falhou miseravelmente. ― Estou apenas preparando você para o que lhe aguarda lá fora. Londres consegue ser bem ferina quando quer. ― Então agora está justificando que suas ações são para meu próprio bem? Seja homem e assuma seus erros em vez de ficar arrumando justificativas para eles. Desde que cheguei só me insulta, me trata como se eu não fosse bem- vinda e isso tudo por algo que não cometi, não fui eu quem lhe traiu milorde, então pare de agir como se eu fosse a culpada pelo erro de sua ex-noiva. Aquelas palavras fizeram o Conde soltá-la imediatamente. Lizzie não esperou que ele a dispensasse para voltar a seus aposentos. Sabia que tinha tocado em um ponto sensível ao falar de sua ex, mas não se arrependia, ele merecera por tudo que tinha dito sobre ela. Lizzie subiu imediatamente para o seu quarto, não sentia a menor vontade de continuar ali, e dane-se as regras de etiqueta, não era obrigada a aguentar calada os insultos de um homem que ela mal conhecia, só porque ele era um Conde. O coração dela estava acelerado com a adrenalina e a única coisa que ela pensava era que ele não era o mesmo rapaz simpático e bonito que ela tinha visto algumas vezes. Talvez tenha sido algum dia, mas não mais. Ele tinha se tornado um homem totalmente diferente. A Condessa que a perdoasse, mas ela voltaria para casa, não era obrigada a ficar em um lugar no qual não se sentisse bem-vinda. E pouco se importava se ele era um Conde ou não. Mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, a porta de seu quarto foi aberta e o Conde entrou parecendo irritado. E realmente estava, nenhuma mulher o tratava da forma que ela tinha tratado. Ela manteve a cabeça erguida, em desafio. Se ele estivesse ali para mandá-la embora ela iria, mas não iria de cabeça baixa. ― Eu ainda não tinha terminado — ele disse assim que teve a atenção dela. ― Mas eu sim — ela respondeu e ambos ficaram se encarando dentro do quarto dela com a porta aberta, em uma situação que facilmente poderia causar
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