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Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) DOCUMENTOS MÉDICO-LEGAIS: Os documentos médico-legais são expressões gráficas (escritas) ou não, emitidas por setor público ou privado, que representam um fato de interesse para a justiça. Seus principais exemplos são as notificações compulsórias, os prontuários, relatórios médico-legais, pareceres médicos (consulta a profissional de fora da área legal), depoimentos orais e atestados. NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA: As notificações compulsórias são comunicações feitas por médicos às autoridades competentes, por força de lei. O art. 269 do CPP determina que o profissional que deixa de fazer tal denúncia sofra pena de multa e detenção de seis meses a dois anos. O Código de Ética Médica (CEM), em seu artigo 25, também determina a aplicação de sanções administrativas para médicos que pratiquem, forneçam meios ou deixem de registrar denúncia de práticas degradantes ao ser humano. O sigilo médico deve ser respeitado, porém o artigo 73 do CEM delimita que em situações de motivo justo (relativas) e de dever legal, como crimes de ação pública (art. 66 da Lei de Contravenção Pública). Dentre as situações de notificação compulsória, encontram-se: Doenças de Notificação Compulsória; Comunicação de Acidentes de Trabalho; Violência contra a mulher atendida em serviço de saúde; Violência ou tentativa de suicídio; Maus tratos contra a criança, o adolescente e o idoso; Tortura; Comunicação de morte encefálica. PRONTUÁRIO MÉDICO: O prontuário médico é o acervo documental referente a todos os cuidados prestados ao paciente e seus exames, tendo finalidade técnica (descrição de procedimentos, evolução do quadro, etc.), ética (garantia de bons serviços prestados) e jurídica (documento probatório em acusações contra o profissional de saúde). Esse documento pertence ao paciente, podendo ser acessado por ele ou por terceiro indicado, mas tem sua guarda confiada ao médico e às instituições de saúde, garantido que ele não se perca. Quando digitalizado, deve ser assegurada a certificação da assinatura do profissional. RELATÓRIO MÉDICO-LEGAL: O relatório médico-legal é um documento no qual se registra minuciosamente a perícia realizada, sendo a peça processual do perito. Pode ser chamado de auto, quando ditado ao escrivão, ou laudo, quando redigido diretamente pelo perito. Esse documento é dividido em diversas partes, a saber: Preâmbulo: contempla o nome, título e endereço dos peritos, o nome da autoridade que solicitou o exame, local, data e hora do procedimento, qualificação do examinado, finalidade do exame e descrição dos quesitos (indagações do perito feitas a partir do que for descoberto): o Devem ser respondidos após o término do exame de forma objetiva, sumária e elucidativa, marcando a probabilidade em caso de alternativas: Sim: quando há nexo; Não: quando não há nexo; Prejudicados: não é possível configurar nexo; Sem elementos: nexo impossível de ser afirmado ou negado Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) o Os quesitos podem ser divididos em tipos, que são: Juízo Cível: específicos para cada caso, formulados pelo juiz e pelas partes; Juízo Criminal: são oficiais, instituídos por Lei Estadual, agindo de forma complementar ao caso, formulados pela autoridade competente ou pelas partes. Histórico: informações sobre o indivíduo que possam ser de interesse para as ações periciais e jurídicas; Descrição/Exposição (art. 160 do CPP): reprodução fiel e detalhada dos exames e verificações realizadas, contendo a identificação e o estado geral do examinado, além de especificidades do exame propriamente dito. Radiografias e fotografias podem enriquecer o registro, quando possível, devendo sempre ser rubricadas (art. 165 do CPP); Discussão: comentários forenses que contém eventuais diagnósticos deduzidos por meio do exame, tendo por objetivo diminuir as dúvidas periciais, verificando a veracidade e a casualidade das informações referentes ao interessado. Não é obrigatória devido ao volume intenso de casos em análise, pois é um item que demanda tempo para sua confecção; Conclusões: síntese do que foi deduzido pelos peritos durante o exame e a discussão, só podendo ser afirmado o que foi demonstrado fisicamente. PARECER: A emissão desse tipo de documento se baseia na necessidade de comprovação de um ato, podendo ser utilizado para inocentar o profissional ou ser uma prova de más- práticas. A parte interessada contrata um indivíduo com expertise no assunto, que irá revisar relatórios e produzir um novo laudo, abrangendo suas opiniões (fundamentadas) sobre o ocorrido. DEPOIMENTO ORAL: Esse documento é produzido quando o perito, em juízo, presta esclarecimentos sobre um determinado relatório, sendo comum em processos do tribunal do júri. ATESTADOS: Os atestados, de modo geral, são documentos que visam comprovar a veracidade de um fato, seja ele um estado (saúde, doença, óbito) ou uma obrigação. Constitui-se numa declaração privada ou pública (ex.: atestado de óbito), por escrito, de um fato médico e suas consequências, sem que seja necessário compromisso prévio entre o profissional e o interessado. Não há uma forma padronizada que deva ser seguida, porém é fundamental que esses documentos apresentem: Cabeçalho; Referência a solicitação; Finalidade; Fato Médico; Consequência; Tempo de repouso (quando se aplica); Informações de autoria (assinatura e CRM), local e data; CID da condição médica em análise (não é obrigatório nem necessário, sendo necessária a autorização do paciente para sua inclusão). Essa modalidade de documento apresenta dois tipos: Destinatário: o Administrativo, solicitado em serviços públicos; o Judiciário, solicitado pelo juiz; o Oficioso-simples, solicitado por escolas, academias e outras instituições. Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) Finalidade: o Saúde; o Doença; o Óbito. DECLARAÇÃO DE ÓBITO: Na Medicina Legal, destaca-se o atestado (ou declaração) de óbito (DO), instrumento descritivo do fim da vida, fundamental para a definição de políticas públicas de promoção, prevenção, assistência e reabilitação em saúde. O Brasil adota, desde 1950, o modelo padronizado pela Organização Mundial da saúde, tendo como objetivo viabilizar comparações estatísticas internacionais. Esse documento divide-se em diversos segmentos, que devem ser preenchidos atentamente, a saber: I – Identificação: contempla o nome do falecido, sua filiação, a nacionalidade, a data de nascimento e do óbito, a idade (anos completos, com detalhamento de meses a minutos, em caso de menores de 1 ano) o sexo biológico, a raça, a situação conjugal, a escolaridade, e a ocupação habitual; II – Residência do falecido; III – Ocorrência: deve contemplar o local do óbito, descrevendo o nome do estabelecimento e o endereço, quando o óbito se der em vias públicas; IV – Fetal ou menor que um ano: deve conter dados maternos (idade, escolaridade, ocupação habitual, número de filhos tidos, tipo de gravidez e parto), informando o peso ao nascer, o número da declaração de nascido vivo e se a morte se configura como relacionada ao parto; V – Condições e causas do óbito: se for uma mulher em idade fértil, identificar se a morte ocorreu em período associado à gravidez ou puerpério, determinar a presença de assistência médica durante a doença causadora do óbito, verificar se o diagnóstico se deu por necropsia. No item de causas da morte, além do fator direto, duas são as divisões complementares, a primeira de causas antecedentes, com os estados mórbidos (se existentes) que influenciaram a condição promotora do óbito, informandoo tempo de duração entre o início da doença e a morte, e a segunda, de outros quadros significativos que contribuíram para a morte (ex.: procedimentos cirúrgicos e doenças crônicas); o A causa básica deve ser, identificada por seu CID-10, sendo alvo de intervenções no campo da Saúde Pública. Ela é a doença ou lesão que iniciou a sucessão de eventos que levou diretamente à morte; o A ocorrência de causas mal definidas se dá tanto por dificuldades de acesso aos serviços de assistência em saúde, por interferências no contato entre a família e o médico, ou por “resistência” (medo, desconhecimento) do profissional em atestar o óbito. VI – Médico: inclui as informações do médico (nome, CRM, meio de contato e a assinatura), a data do atestado, sua vinculação (assistente, substituto, IML, SVO [serviço de verificação de óbito] ou outro) e o município e estado de registro; VII – Causas externas: informam as prováveis circunstâncias de morte não natural, de caráter estritamente epidemiológico, verificando se foi ou não um acidente de trabalho. Deve ser identificada a fonte de informação (boletim de ocorrência hospital, família ou outros), sendo informada sumariamente a descrição do óbito (se morte natural, preencher como “sem sinais externos de violência”), informando novamente o endereço, quando o óbito se der em via pública; VIII – Cartório: informações do cartório onde será produzida a certidão de óbito; Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) IX – Localidade sem médico: assinatura do declarante e de duas testemunhas. São preenchidas três vias, seja no hospital, no Instituto Médico Legal ou no Serviço de Verificação do Óbito, com a primeira sendo enviada à Secretaria Municipal de Saúde (SMS), a segunda entregue à família, para registro no cartório, e a terceira, arquivada em um dos três serviços supracitados. Caso o atestado seja realizado em domicílio, novamente são três guias, uma que é encaminhada à Secretaria Municipal de Saúde, que irá endereçá-la à Secretaria Estadual de Saúde ou ao Ministério da Saúde, e outras duas que serão fornecidas à família, uma para registro em cartório, e outra que é novamente enviada para a SMS, onde será arquivada. O preenchimento adequado desse documento presta serviço ao Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), que fomentará a criação de políticas de saúde, e também permite a realização legal do sepultamento, repercutindo no direito sucessório, no direito familiar, no direito previdenciário e no direito penal. O artigo 77 do capítulo IX (do óbito) da Lei dos Registros Públicos determina que nenhum sepultamento será feito sem a Certidão Oficial de Óbito, atestada pelo médico ou pessoas qualificadas que presenciaram ou verificaram a morte. O parágrafo primeiro desse texto também verifica a presença de certidão de nascimento em caso de morte em crianças menores de um ano, emitindo-a antes de produzir o registro de óbito. Ainda nesse artigo, seu segundo parágrafo institui que a cremação do cadáver será feita mediante manifestação da vontade ou no interesse da saúde pública, desde que o atestado de óbito seja firmado por dois médicos ou um médico legista e, se quando houver morte violenta, depois de ser autorizada pela autoridade judiciária. O art. 18 da Portaria nº 116 de 12/02/09 determina que os dados em todos os campos da DO são de responsabilidade do médico que atestou a morte. Caso a declaração de óbito seja preenchida incorretamente em algum de seus itens, o documento deve ser anulado, com o registro por escrito informando qual o número da DO inválida, não sendo correto descartá-la. Declarações já registradas só podem ser retificadas mediante processo judicial, e essa prática ainda pode ser configurada como falta de ética e erro flagrante, com possibilidade de dano civil (família pode pedir indenização ao profissional pelo mal preenchimento). O CEM veta ao médico, em seu artigo 83, que ateste óbito quando não o tenha verificado pessoalmente ou não tenha prestado assistência ao paciente, salvo se o fizer como plantonista (substituto) ou em caso de necropsia e verificação médico- legal. No art. 84, também está proibido ao profissional que prestou assistência ao paciente deixar de registrar seu óbito, exceto em situações com indício de morte violenta. A atribuição para o registro do óbito varia conforme a circunstância do ocorrido (art. 17 da Portaria nº 116, de 12/02/09): Morte natural em paciente com assistência médica: registro de responsabilidade do médico assistente; o Se o paciente estiver internado em hospitais, a emissão da DO cabe ao médico assistente ou substituto (plantonista), quando em regime ambulatorial, cabe ao médico designado produzir tal documento, podendo também ser encaminhado ao SVO. Pacientes em cuidado domiciliar devem ter sua declaração de óbito preenchida pelo médico vinculado ao Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) programa de cadastro ou pelo Serviço de Verificação do Óbito; o Casos de morte fetal (IG ≥ 20 semanas, com peso igual ou superior a 500g e estatura maior ou igual a 25 cm) devem ser registrados pelo médico que assiste à mãe. Morte natural em paciente sem assistência: registro encarregado ao Serviço de Verificação do Óbito; o Em locais onde não há o SVO, a declaração de óbito deve ser emitida por médicos do sistema público de saúde mais próximo, ou em sua ausência, por qualquer médico da localidade. Morte violenta, por causas externas, violenta ou suspeita: registro realizado no Instituto Médico Legal. o Em localidades com apenas um médico, é ele que irá fornecer a declaração de óbito; o Quando não houver IML ou médicos, o exame será feito por duas pessoas idôneas, escolhidas preferencialmente por habilitação técnica, designadas pela autoridade judicial (peritos ad hoc); o Em casos de abortamento (espontâneo ou induzido, com menos de 500g e 25cm, com IG inferior a 20 semanas, sem sinal de vida), o aborto deve ser enviado para análise no IML. São situações de interesse médico-legal as seguintes formas de morte: Morte decorrente de ação externa: ação criminal ou violência, confirmada ou com suspeita, de acidentes de qualquer natureza, suspeita de ação de corrente elétrica, suspeita de intoxicação exógena (álcool, drogas lícitas ou ilícitas, cáusticos ou envenenamento), suspeita de aforamento; o O corpo deve ser encaminhado ao IML mesmo se o paciente foi hospitalizado em decorrência de situações de violência. Mortes durante operações policiais e de indivíduos em custódia do Estado; Morte decorrente de lesões em ambiente de trabalho; Corpos encontrados em estado avançado de putrefação ou carbonizados; Mortes com suspeita de erro por parte de profissional da saúde; Morte súbita, inesperada e inexplicável em recém-nascidos, lactentes ou crianças, todos previamente hígidos. Algumas situações que não são de interesse médico-legal (e que não devem, portanto, ser encaminhados ao IML), encaminhadas ao Serviço de Verificação de Óbitos são descritas por: Mortes decorrentes do processo natural de envelhecimento; Morte decorrente de doenças (conhecidas ou não); Morte súbita sem suspeita de violência; Morte cuja necropsia tenha como finalidade o controle do tratamento médico empregado, sem que haja suspeita de erro, ou para descrição dos órgãos internos em caso de adoecimento desconhecido; Mortes cuja necropsia tenha a finalidade de atender a normas epidemiológicas Federais, Estaduais e Municipais. A necropsia do IML difere daquela realizada no Serviço de Verificação de Óbito, pois a segunda instituição busca analisar lesões de origem orgânica, além de descobrir as alterações decorrentesde uma determinada doença em órgãos específicos, ao passo que no Instituto, a finalidade da análise é identificar lesões traumáticas e correlacioná- Júlia Figueirêdo – MEDICINA LEGAL (2020) las com o óbito. Nos casos de morte por causas externas ou violentas, o direito da família ao corpo é mitigado em função do interesse público e jurídico.
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