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ESTADO, SOCIEDADE E MOVIMENTOS SOCIAIS Professor Dr. Éder Rodrigo Gimenes GRADUAÇÃO Unicesumar C397CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; GIMENES, Éder Rodrigo. Estado, Sociedade e Movimentos Sociais. Éder Rodrigo Gimenes. Maringá-Pr.: UniCesumar, 2018. Reimpresso em 2021. 184p. “Graduação - EaD”. 1. Estado 2. Sociedade . 3. Movimentos Sociais 4. EaD. I. Título. ISBN 978-85-459-1145-6 CDD - 22 ed. 362 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Impresso por: Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Diretoria de Design Educacional Débora Leite Diretoria de Pós-graduação e Graduação Kátia Coelho Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Direção de Operações Chrystiano Minco� Direção de Polos Próprios James Prestes Direção de Desenvolvimento Dayane Almeida Direção de Relacionamento Alessandra Baron Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila Toledo Supervisão Operacional de Ensino Luiz Arthur Sanglard Coordenador de Conteúdo Marcia de Souza Designer Educacional Janaína de Souza Pontes Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Arte Capa Arthur Cantareli Silva Editoração Thayla Daiany Guimarães Cripaldi Qualidade Textual Produção de Materiais Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos com princípios éticos e profissionalismo, não so- mente para oferecer uma educação de qualidade, mas, acima de tudo, para gerar uma conversão in- tegral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e espiritual. Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos educacionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos educa- dores soluções inteligentes para as necessidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter pelo menos três virtudes: inovação, coragem e compromisso com a quali- dade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. Vamos juntos! Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu- nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con- tribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competên- cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessá- rios para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cresci- mento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das dis- cussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui- lidade e segurança sua trajetória acadêmica. CU RR ÍC U LO Professor Dr. Éder Rodrigo Gimenes Doutor em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com Mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Segundo Líder do grupo de pesquisa “Cultura Política, Comportamento e Democracia” (UEM/CNPq), pesquisador do grupo de pesquisa “Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais” (NPMS - UFSC/ CNPq) e do “Núcleo de Pesquisas em Participação Política” (NUPPOL - UEM). Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UEM, docente no Centro Universitário Cesumar (CESUMAR), com atuação na graduação e pós-graduação Lato sensu, em aulas presenciais e à distância. É graduado em Ciências Contábeis e em Ciências Sociais pela UEM e especialista em Gestão Pública pelo Instituto Superior de Educação do Paraná (INSEP) e em Contabilidade e Controle de Gestão pela UEM. Tem experiência na organização e análise de dados quantitativos e desenvolve pesquisas relacionadas a comportamento político e opinião pública, atuando principalmente nos seguintes temas: atitudes e valores políticos, comportamento político, participação política e partidarismo. Desenvolve ainda cursos e atividades de extensão relacionados à metodologia quantitativa de análise de dados. Autor de “Eleitores e partidos políticos na América Latina” e organizador de “Participação política e democracia no Brasil contemporâneo”. CV: http://lattes.cnpq.br/1358973527170925 SEJA BEM-VINDO(A)! Seja bem-vindo(a) ao estudo sobre Estado, sociedade e movimentos sociais! Este material didático foi elaborado com o objetivo de promover o conhecimento, a in- terpretação, a análise, a reflexão e a construção de um posicionamento crítico e passível de ser convertido em ações e atuação de sua parte, acadêmico(a)! Ao longo das cinco unidades deste material, trataremos dos três grandes eixos temáti- cos que dão nome a esta disciplina e, mais do que conceituá-los ou pensarmos sobre cada um em separado, verificamos como o Estado, a sociedade e os movimentos sociais se relacionaram ao longo da história e dialogam na contemporaneidade. Nesse sentido, nosso primeiro capítulo é dedicado à figura do Estado, de modo que apresentamos diferentes concepções clássicas sobre a finalidade e a formação dos Es- tados e demonstramos como, ao longo dos séculos, sua concepção foi moldada por aspectos políticos, sociais e econômicos. O segundo capítulo versa sobre um dos maiores eventos históricos da história da hu- manidade, cujos reflexos são sentidos e influenciam o pensamento político, social e econômico até os dias atuais: a Revolução Industrial. Contudo, nosso debate está além daquele que trata do contexto e dos efeitos da revolução, pois enfocamos, também, a posição crítica de Karl Marxacerca da divisão social do trabalho à época (século XVIII) e como naquele período já havia organização dos trabalhadores por conta de sua insatis- fação com as condições laborais. Em nosso terceiro capítulo, abordamos os efeitos da Revolução Industrial sobre os pro- cessos de urbanização e de conformação das sociedades europeias, com reflexos sobre tradições, cultura e comportamentos dos cidadãos. Ademais, transpomos nosso olhar para o Brasil ao discorrermos sobre como se deu a urbanização em nosso país, primeiramente em função da vinda da família real (no início do século XIX) e, em seguida, na décadas pos- teriores ao fim do regime de escravidão (fim do século XIX e início do Século XX). O quarto capítulo trata das relações entre Estado, sociedade e movimentos sociais no Brasil desde o início do século passado até o regime militar (meados da década de 1980). Nesse capítulo, tratamos da organização da classe operária na primeira metade daquele século, da conformação das leis trabalhistas atreladas à noção de cidadania, da relevân- cia dos movimentos sociais à conquista de direitos e do impacto do período autoritário sobre os movimentos sociais. Por fim, o quinto capítulo diz respeito ao Brasil atual, em seu mais longo período demo- crático e permeado por uma constituição cidadã que atende a anseios e pressões po- pulares, pela relevância das entidades sociais e do papel das políticas públicas e, ainda, pelas inovações da participação institucional com relação à garantia de direitos sociais e à transparência e maior envolvimento popular nas deliberações sobre recursos e ser- viços públicos. APRESENTAÇÃO ESTADO, SOCIEDADE E MOVIMENTOS SOCIAIS Ao fim da leitura e da discussão deste material didático, a expectativa é de que questões relacionadas ao funcionamento do Estado e a como as políticas públicas são construídas e aplicadas estejam mais claras. Para além desse desejo, espero que este livro evidencie a importância da atuação de gestores de entidades do Terceiro Setor, de gestores públicos, de assistentes sociais, de cidadãos (individualmente) e de coletivos, grupos, associações e movimentos sociais, pois, como evidenciado em vários pontos deste material, a articulação, a organização e a participação dos diver- sos atores sociais é essencial à atuação social por parte do Estado. Espero que este material traga mais do que conhecimento acadêmico, mas que es- timule-os à cidadania! Caminhemos juntos rumo ao conhecimento! APRESENTAÇÃO SUMÁRIO 09 UNIDADE I O ESTADO 15 Introdução 16 Conceito de Estado 19 O Estado como Contrato Social 24 Os Estados Nacionais 28 O Estado Liberal 33 Considerações Finais 39 Referências 41 Gabarito UNIDADE II A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 45 Introdução 46 Contexto Histórico da Revolução Industrial 49 A Divisão Social do Trabalho 53 Resistência e Organização Operária 59 Considerações Finais 65 Referências 66 Gabarito SUMÁRIO 10 UNIDADE III PROCESSOS DE URBANIZAÇÃO E SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA 69 Introdução 70 Efeitos da Revolução Industrial sobre as Conformações Sociais 74 Urbanização no Brasil 83 Considerações Finais 91 Referências 92 Gabarito UNIDADE IV MOVIMENTOS SOCIAIS E LUTAS POR DIREITOS NO BRASIL 95 Introdução 96 Organização da Classe Operária 103 Cidadania Regulada e Leis Trabalhistas 107 Conquistas Sociais no Primeiro Período Democrático 110 Estado, Sociedade e Movimentos Sociais no Período Militar 115 Considerações Finais 122 Referências 124 Gabarito SUMÁRIO 11 UNIDADE V CIDADANIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL 127 Introdução 128 Redemocratização e a Constituição Cidadã 132 Ações Coletivas: Organizações do Terceiro Setor, Associativismo e Movimentos Sociais 141 Participação Individual e Repertórios de Ação Política 150 Participação Institucional 160 Considerações Finais 167 Referências 174 Gabarito 175 CONCLUSÃO U N ID A D E I Professor Dr. Éder Rodrigo Gimenes O ESTADO Objetivos de Aprendizagem ■ Conceituar o Estado a partir da perspectiva política clássica em Maquiavel; ■ Apresentar a concepção de Estado a partir da cessão de liberdades pelos indivíduos em favor de um ente que regule as relações sociais; ■ Discutir a relação entre comércio e governo e a origem dos Estados nacionais e descrever aspectos referentes à relevância da economia para a conformação dos Estados nacionais; ■ Expor as bases de desenvolvimento do Estado liberal. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Conceito de Estado ■ O Estado como contrato social ■ Os Estados nacionais ■ O Estado liberal INTRODUÇÃO Qual a origem do Estado? Como se constituíram as relações entre o governo e a sociedade? Em que contexto os movimentos sociais se tornaram atores relevan- tes ao processo de governança? Questões como estas permeiam a construção deste material e serão expli- citadas ao longo dos capítulos. Nesta primeira unidade, discutiremos sobre teorias que tratam do surgimento e da consolidação do Estado sob a perspec- tiva da Filosofia, da Ciência Política e da Economia. Essa discussão é base para o desenvolvimento do conhecimento ao longo deste conteúdo e os autores clás- sicos aqui apresentados seguem relevantes até a contemporaneidade. O que são clássicos e por que ler esses textos? Esta é uma pergunta de res- posta simples, mas que merece atenção: os clássicos são autores que produziram teorias explicativas ao período em que viveram de maneira autêntica e que ser- vem como modelo para reflexão da realidade até hoje. Segundo Norberto Bobbio (2000), clássicos são autores que produziram teo- rias que permanecem atuais, de modo que a cada época é perceptível a necessidade de relê-los e, relendo-os, de reinterpretá-los, ou seja, mais importante do que ler um clássico considerando-o como registro histórico é lê-lo sob a perspectiva de que é possível a reflexão acerca de temas e objetos para análises, pesquisas, hipóteses e investigações. É esta a posição contemplada neste material, de modo geral, e neste capítulo em específico, no qual apresentamos as bases político-filosóficas e econômicas da constituição e da consolidação dos Estados nacionais, de modo que a base aqui exposta será retomada ao longo dos capítulos seguintes para tratarmos de aspectos relacionados ao desenvolvimento das relações entre Estado e sociedade e sobre como a organização dos indivíduos por meio de movimentos sociais se deu ao longo dos séculos. Bons estudos! Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 15 O ESTADO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E16 Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E16 U N I D A D EU N I D A D EU N I D A D E16 POLÍTICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. GOVERNO U N I D A D EU N I D A D EU N I D A D E16 CONCEITO DE ESTADO A s discussões acerca do conceito de Estado decorrem desde muito antes da Era Moderna, como pontuam Montaño e Duriguetto (2011, p. 19): O Estado, e as análises sobre ele, não tem origem na era moderna. Efe- tivamente, desde a antiga Grécia existem preocupações e estudos sobre o Estado e os governos, e suas relações entre si e com o povo. A vida na pólis grega, assim como na res publica romana, despertaram o interesse e a refl exão de fi lósofos e autoridades políticas. Em idêntico sentido, a pulverização das cidades-Estado na Itália também determinou a preo- cupação com a unifi cação delas. A discussão acerca da unifi cação da Itália está presente em “O Príncipe” (1512), de Nicolau Maquiavel, considerado um pai da Filosofi a Política Moderna e um dos mais importantes fundadores da Ciência Política. Secretário diplomá-tico da República de Florença no início do século XVI, o pensador dedicou suas obras à questão do Estado, mas, como destaca Sadek (2006, p. 17), “não o melhor Estado, aquele tantas vezes imaginado, mas que nunca existiu. Mas o Estado real, capaz de impor a ordem”. Na referida obra, o autor expôs argumentos que podem ser sintetiza- dos na importância da manutenção do poder como chave explicativa para a política, ou seja, a ação política do governante deveria ter como objetivo a manutenção de sua condição/posição de poder. Nesse sentido, a obra, que foi produzida como conjunto de conselhos ao soberano, rompeu com os manu- ais bem intencionados da época ao expor argumentos pautados em utilização de recursos conforme as necessidades. Conceito de Estado Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 17POLÍTICA GOVERNO Maquiavel escreveu “O Príncipe” em um período marcado por crises políticas que culminaram em alterações nos grupos governantes em Florença e, em consequência das reestruturações do poder, acabou destituído de sua função pública, no primeiro momento, e exilado em uma propriedade de sua família, posteriormente. Em tal condição, o autor refletiu sobre como seria mais importante escre- ver acerca da verdade efetiva dos fatos, ao invés de suas aparências ou de pensar sobre o “dever ser” (posição filosófica). Para ele, o mundo não deveria ser pen- sado como lugar ideal, mas caberia ao homem buscar a verdade real a fim de que fosse possível transformar a realidade. No caso do príncipe, essa busca seria pautada pelo conhecimento do uso do poder e de como mantê-lo, para o que precisaria aprender a utilizar os recursos disponíveis para a satisfação de seus interesses e necessidades. Esta sabedoria era o que Maquiavel pretendia expor ao Príncipe através de seus conselhos e regras. Segundo o autor, o Príncipe precisaria de virtù e de fortuna. A virtù corres- ponderia ao poder, à glória e à honra pelas quais o homem deveria lutar, sendo que não se referia exatamente à força bruta e violência, mas também à sabedoria para o uso da força e a tornar público aos súditos sua capacidade de manter seus domínios e, se não pudesse ser amado, ser ao menos respeitado ou temido pelos cidadãos. Por outro lado, a fortuna estaria relacionada à visão que o Príncipe deveria transmitir aos seus súditos, de homem viril e corajoso. Nesses termos, a aparência era mais importante do que o ser. Em resumo: o Príncipe deveria governar com violência e astúcia. Dentre os conselhos ao Príncipe, Maquiavel pontuou situações que ilustram a importância da manutenção do poder, como o cuidado que o soberano deveria ter em parecer bom, mesmo que não o fosse, e a preocupação em demonstrar à sociedade que seu objetivo seria realizar a justiça e promover o bem comum, ainda que sua atuação efetiva se desse com vistas à conservação de seu status quo. Outro exemplo diz respeito à ação do soberano após a conquista de um Estado: para o autor, a preocupação deveria consistir em combinar a manutenção das leis e a vida em liberdade, o que decorreria de ações como arruinar o Estado a ser ocupado, depois habitá-lo pessoalmente, por fim, fazê-los viver sob suas leis. O ESTADO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E18 Embora pareça cruel e que leituras de sua obra tenha originado o termo “maquia- vélico” com conotação negativa, é importante destacar que a concepção de Estado como campo de conservação do poder decorre tanto de leituras filosófi- cas quanto das experiências pessoais do autor, que, após denunciado e privado do exercício profissional, discorreu sobre como o caráter humano é caracteri- zado por ingratidão, falsidade, hipocrisia e ganância. Assim, para governar, o Príncipe deveria ter em mente que os homens são perversos e dispostos a seguir suas más intenções caso tenham oportunidade, de modo que a manutenção do poder só ocorreria caso o soberano combinasse virtù e fortuna, violência e astú- cia, respeito e temor por parte dos cidadãos. Esta concepção de Estado diverge daquela de outras correntes de pensadores, mas segue relevante à interpretação sobre como a permanência de um indivíduo ou grupo no poder se coloca permanentemente como objetivo àqueles que ocupam tal posição. Em “O Príncipe”, Maquiavel afirma que em todas as sociedades haveria duas forças opostas: o desejo dos “grandes”, que querem dominar o povo, e o desejo do povo de não ser dominado. Em diálogo com esse pressuposto, autores como Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e Robert Michels escreveram sobre como minorias organizadas dominam grandes agrupamentos de pes- soas. Tais autores são considerados clássicos da teoria das elites, o elitismo. Fonte: o autor Em seu discurso intitulado “A política como vocação”, Max Weber (2011) afir- mou que o Estado era organização representativa de determinada forma de manifestação da política, a qual seria concebida a partir de uma relação de dominação que corresponderia à maneira como se dava a racionalidade na sociedade moderna. Nesse sentido, o Estado seria o ente político possuidor do monopólio do uso legítimo da ação coercitiva. Tal padrão de domina- ção se estabeleceria por intermédio da legitimidade pertinente à relação de mando e subserviência reconhecida pelo Estado e pelos cidadãos. Fonte: o autor O Estado como Contrato Social Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 19 O ESTADO COMO CONTRATO SOCIAL Nos séculos posteriores a Maquiavel e à sua noção de Estado, temos muitos autores que, especialmente ao longo dos séculos XVI e XVII, contribuíram ao desenvolvimento da Teoria Política e seguem relevantes até os dias atuais, seja por inovações conceituais ou pela atualidade das temáticas abordadas. Dentre as discussões desses pensadores, é relevante aos objetivos deste material didá- tico o debate em torno da formação do Estado Moderno sob a perspectiva dos contratualistas. Nesse sentido, nos concentremos nesta seção em torno das pers- pectivas de Thomas Hobbes, de John Locke e de Jean-Jacques Rousseau no que diz respeito ao estabelecimento de um contrato entre os indivíduos para a vida em coletividade, o que teria originado o Estado. O inglês Thomas Hobbes nasceu no fim do século XVI e viveu o período de Guerra Civil inglesa entre 1642 e 1651, durante o qual foi exilado em Paris e escreveu sua obra “Leviatã” (1651). Naquele período histórico, as visões sobre a natureza humana se baseavam nas doutrinas religiosas, de modo que o autor se destaca dentre os pensadores que buscaram explicações no pensamento racional. O ESTADO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E20 Para ele, em seu estado de natureza (condição abstrata da humanidade, antes da introdução de estruturas e normas sociais), os homens seriam agentes racionais que buscariam a maximização de seu poder e agiriam conforme seus interesses próprios, uma vez que agir de outra maneira colocaria em risco sua autopreservação. De modo sucinto, a interpretação de Hobbes era de que, no estado de natureza, a condição do homem seria a condição de guerra contra todos. A obra “Leviatã” argumenta em favor da autoridade real. Para seu autor, o estado de natureza seria comparável à guerra e só poderia ser evitado caso todos os indivíduos entregassem suas armas a um terceiro – o soberano – por meio de um contrato social que garantisse que todos os demais também o fizessem. O que levaria os indivíduos racionais a entregarem sua liberdade ao soberano seria o fato de que a vida no estado de natureza implicaria em preocupação constante com a própria sobrevivência, pois em um contexto onde todos os atos são justi- ficáveis, não havia direitos que protegessem os indivíduos.Sem nenhuma autoridade comum para resolver as disputas ou proteger os fracos, caberia a cada um decidir o que precisasse e o que deveria fazer para sobreviver. No estado de natureza, os homens seriam, então naturalmente livres e independentes, sem deveres para com os demais. Para Hobbes, sempre haveria escassez de bens e os indivíduos seriam vulneráveis, uma vez que alguns entra- riam em conflitos visando comida e abrigo, enquanto outros buscariam glória e poder. Esse seria um contexto de constante temor e ataques, o que configura- ria o fim da liberdade descontrolada dos homens. A superação desse estado de natureza se daria pela existência de um poder e autoridade consentido: o Leviatã. O Leviatã, em referência a um monstro bíblico do livro de Jó, deveria ser o Estado, uma espécie de homem artificial, de maior estatura e força que os homens naturais, projetado para protegê-los e defendê-los, inclusive de seus semelhantes. A soberania também lhe seria artificial, pois não emanaria de si, mas do contrato social firmado pelos indivíduos em seu favor. Esse contrato social, que conce- deria autoridade indivisível ao soberano, seria um mal necessário para evitar o destino cruel dos homens diante da não contenção de seus impulsos destrutivos. Contudo, cabe destacar que o contrato social seria estabelecido entre os indiví- duos, sendo o soberano um ente externo, à parte do contrato. O Estado como Contrato Social Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 21 John Locke viveu ao longo do século XVII e foi contemporâneo de Hobbes durante partes de suas vidas. Locke destacou-se como o primeiro pensador a articular os princípios liberais de governo, quais sejam: preservação dos direitos à liberdade, vida e propriedade, a busca pelo bem público e a punição aos que violassem os direitos do homem. Em sua obra “Dois tratados sobre o Governo civil” (publicada originalmente após 1689), o autor afirmou que os indivíduos aceitariam o contrato social e se submeteriam a um governo por esperar que ele regulasse acordos e conflitos com neutralidade. Diferentemente de Hobbes, Locke entendia que, no estado de natureza, os indivíduos conviveriam em relativa harmonia por boa parte do tempo, agindo com razão e tolerância e de modo que os conflitos não seriam necessariamente comuns. Contudo, com o aumento da densidade populacional, a escassez de recursos e o surgimento do dinheiro, teriam surgido desigualdades econômicas, que levaram a mais conflitos, o que gerou a dependência, pelas sociedades, de leis e juízes. Outra diferença entre os autores é que Locke argumentava que seriam as leis que protegeriam os indivíduos, não o poder soberano. Nesse sentido, o governo teria garantido o monopólio da violência e das condenações, em um Estado de direito onde a legitimidade do governo seria pautada pela separação entre os poderes Executivo e Legislativo: o primeiro manteria o funcionamento do governo, enquanto o segundo, superior e com maior poder, estabeleceria as leis para o funcionamento desse governo. As leis, aliás, seriam centrais ao governo por garantirem as liberdades, de modo que não seriam regras restritivas, mas que preservariam e aumentariam essa liberdade, sendo que viver sem leis seria o mesmo que viver sob um estado anárquico, de incertezas, onde as liberdades pudessem não se efetivar. Ademais, o autor era favorável a um governo com papel limitado, ao qual o povo não fosse plenamente subordinado e que não fosse centralizado em um único indivíduo. O governo deveria proteger a propriedade privada, manter a paz, garantir mercadorias comuns para todos e proteger os cidadãos contra invasões estrangeiras. Em outras palavras, o governo deveria ajustar ou complementar o que faltava no estado de natureza para conferir liberdade e prosperidade às pes- soas. As leis deveriam ser formuladas e impostas com o objetivo do bem público. O ESTADO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E22 Por fim, cabe destacar que Locke se preocupava com a legitimidade do governo, tanto que afirmou que haveria situações em que o povo teria o direito de se revoltar buscando recuperar o poder concedido ao governo, como naque- las em que seus representantes legítimos não pudessem participar da assembleia, quando o Estado de direito deixasse de existir ou caso o governo ameaçasse os direitos do povo. O terceiro autor contratualista recorrentemente considerado em diálogo com Hobbes e Locke é Jean-Jacques Rousseau. Nascido em Genebra, Suíça, no século XVIII, pouco após a morte de Locke e em contexto diverso daquele dos autores ingleses (da guerra civil e da Revolução Gloriosa, para Locke), Rousseau postu- lou sobre o contrato social a partir de bases filosóficas e de experiências pessoais e históricas distintas. Para esse autor, mais relevante do que a produção e discus- são científicas era a reflexão sobre que tipo de conhecimento era produzido na época, o que fez dele um crítico dos pensadores de sua época. Rousseau entendia que o homem não era mais virtuoso, mas que ainda seria possível encontrar aqueles menos corrompidos, inclusive pelas ciências e pelas artes, que poderiam assumir papel importante de impedir o avanço da corrup- ção dos indivíduos. De modo geral, sua teoria era de que a política deveria ser exercida pelo povo, de forma soberana. Sua argumentação sobre a formação do Estado encontra-se em duas obras. Em “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens” (1755), o autor desenvolveu uma história hipotética da humanidade, na qual afirmou que a trajetória dos homens ao longo dos séculos sofreu uma alteração em sua condição de liberdade quando do surgimento da propriedade privada. Segundo Rousseau, a história da humanidade seria a história da desigualdade, que se iniciou quando os demais membros de uma sociedade legitimaram a afir- mação daquele que chamou um pedaço de terras de seu. Em outras palavras, a desigualdade seria fruto tanto da apropriação de uma propriedade por alguém quanto da aceitação dos demais. Haveria, aí, um pacto ou um contrato. O Estado como Contrato Social Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 23 A partir dessa história hipotética, Rousseau discutiu em “Do contrato social” (1762) sobre as condições para que fosse estabelecido um pacto legítimo, no qual os homens, após terem perdido sua liberdade natural, tivessem garantida sua liberdade civil, o que decorreria da existência de igualdade entre os indivíduos. Em outras palavras, a concepção do autor era de que todos os homens deveriam igualmente alienar-se de todos os seus direitos em favor da coletividade, sendo que o Estado seria responsável, então, por determinar o funcionamento da política. E quem seria o Estado para Rousseau? O Estado seria o conjunto de indi- víduos, responsável pela elaboração de leis e cumpridores dessas mesmas leis, o que significa que a liberdade do povo estaria relacionada à sua obediência às normas por cada cidadão, parte integrante do poder soberano. Isso significaria que o corpo administrativo do Estado seria subordinado ao soberano (povo). Nesse sentido, o autor alertava que a garantia de existência de legitimidade da ação política era incompatível com a representação política, uma vez que esta implicaria em delegação de atribuições, responsabilidades e expressões de vontades. Para o autor, a partir do momento em que uma sociedade elegesse representantes, a liberdade findaria, pois a vontade geral não se manifestaria por meio da vontade dos representantes. Para além das distinções entre as abordagens teóricas desses autores, um aspecto tangencia os pensamentos de ambos e consiste na base de argumenta- ção sobre a formação do Estado: a cessão de liberdadeindividual em favor de um ente superior que regule as relações individuais e garanta condições de sobre- vivência em sociedade. A ideia de contrato social como forma de organização política pautada pela relação entre liberdades e restrições (direitos e deveres) segue respeitada pelas coletividades até a atualidade. Para Rousseau, a representação seria incompatível com o exercício da von- tade geral, pois retiraria dos cidadãos sua liberdade. Pensando nas democra- cias atuais, seria possível outra forma de governo? O ESTADO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E24 O S ESTADOS NACIONAIS Pa ra além das perspectivas política e fi losófi ca sobre a formação do Estado, é importante considerarmos, também, como aspectos econômicos contribuíram para tal processo. Nesse sentido, esta seção discute como o desenvolvimento das relações comerciais e de trabalho infl uenciaram a conformação dos Estados nacionais modernos. A Europa é considerada como berço do desenvolvimento sob diversos aspec- tos, como humanístico e científi co, de modo que também no que se refere ao estabelecimento de relações econômicas temos naquele continente a referência histórica. Os processos de evolução das formas de relacionamento humano na região foram permeados por diversas etapas, com confl itos e consensos, sendo que os Estados nacionais decorreram de acordos, alianças ou revoluções, pau- tados em alguma medida pelos aspectos destacados nas seções anteriores deste material: a busca pela manutenção do poder e o estabelecimento de um con- trato social entre os cidadãos. Nos diferentes períodos da história, os Estados nacionais europeus assumi- ram características distintas, como mecanismos de governo democráticos ou autoritários, momentos de crises e de estabilidade e de rupturas e consolidações. Nesse cenário, destacamos o feudalismo, a expansão das relações comerciais, o surgimento da burguesia e as relações estabelecidas pelo Estado com a nobreza e a classe social surgente como destaques à organização e estruturação dos Estados nacionais ao longo dos séculos (CORTÁZAR; MUÑOZ, 2014). Os Estados Nacionais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 25 As sociedades feudais se caracterizavam por agrupamentos altamente estra- tificados, com suseranos e vassalos ocupando posições claras em uma relação de lealdade mediada pela terra, uma vez que tal bem constituía a principal fonte de riqueza no mundo rural, de onde provinha a produção agrícola em decorrên- cia do trabalho servil. Aos suseranos cabia a condição de donos de terras, para os quais os vassalos trabalhavam e a quem repassavam parcela de sua produ- ção como pagamento pela utilização da terra para subsistência e pela proteção ou segurança que recebiam por estarem em terras de um nobre. Nesse período, poder político e poder econômico estavam intimamente relacionados, assim como aos suseranos cabiam também outras funções, como o exercício da jus- tiça em seus domínios (BLOCH, 1987). Um aspecto importante a ser destacado sobre o feudalismo é a ausência de mobilidade social, ou seja, a impossibilidade aos vassalos de ascenderem à con- dição de senhores de terras. Tal problema se justificava em virtude de que as terras eram distribuídas por heranças, o que conduziu, ao longo do tempo, à fragmentação dos feudos, que se tornaram menores e ofereceram aos vassalos, por consequência, cada vez menos proteção, o que gerou alguma insatisfação entre esses. Além disso, a hereditariedade como fator preponderante à distribui- ção de terras também gerava sentimentos negativos por parte daqueles que não pertenciam à nobreza, situação que se agravou quando da consideração do pri- mogênito como herdeiro legítimo das terras. Em contrapartida, nesse mesmo período, houve expansão territorial e comercial dos países europeus motivados por questões religiosas, quando Estados ociden- tais se organizaram para combater aqueles orientais em função de libertar a Terra Santa de infiéis, empreendimentos bélicos que receberam a alcunha de “Cruzadas”. Segundo Cortázar e Muñoz (2014), considerando a circulação dos cavaleiros por grandes faixas de terras ao longo da costa do Mar Mediterrâneo, com o tempo pas- saram a existir estruturas que posteriormente constituíram as cidades, mas que, naquele momento, representavam espaços para aglomerações humanas. Nos caminhos onde os cavaleiros passavam constituíram-se rotas e espaços onde se organizaram as primeiras grandes feiras, nas quais havia circulação de pessoas e realização de transações comerciais. Essas aglomerações constituíram- -se em proto-cidades que se tornariam burgos. O ESTADO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E26 Se, por um lado, as Cruzadas representaram retardo no processo de desen- volvimento das relações humanas, especialmente por conta da moral religiosa que pautou o empreendimento, sob os aspectos cultural e econômico foi um fenômeno responsável por avanços significativos. As Cruzadas representam um marco no processo de alteração do paradigma que definia a relação entre o homem e a produção. Com o estabelecimento do comércio, os senhores feudais perceberam a possibilidade de aumento do acú- mulo de riquezas em virtude da expansão da gama de cidadãos com os quais poderiam negociar, o que demandou o crescimento da produção nos feudos, antes voltada à subsistência e, em menor medida, às trocas. Essa elevação baseou- -se na intensificação do trabalho dos vassalos, que foram pressionados para gerar mais excedentes aos suseranos e tiveram, desde então, mais um motivo para se sentirem insatisfeitos (CORTÁZAR; MUÑOZ, 2014). Dentre os insatisfeitos, muitos vassalos migraram para os burgos surgentes à época, uma vez que, por um lado, estavam descontentes com a elevação da carga de trabalho e a impossibilidade de ascensão social nos feudos e, por outro lado, almejavam oportunidades de crescimento econômico por meio do comércio. Foi nesse contexto que se consolidou a mudança de paradigma anunciada anteriormente neste texto: o sistema de produção feudal, baseado na troca e para fins de subsistência, passou a ser substituído pelo sistema de produção pautado pelo máximo excedente possível, com vistas à comercialização nos burgos; ao mesmo tempo, o homem rural deixou de ser referência diante da emergência do homem moderno (SMITH, 1983). Contudo, esse processo, discutido por autores como Dobb (1975), não foi simples e harmônico, mas caracterizado por muitos conflitos, como também destacara Adam Smith (1983). Segundo o autor clássico do pensamento econômico, o feudalismo não con- templava os objetivos das relações estabelecidas pelo comércio e os senhores feudais perderam seu poder político diante do surgimento de um novo grupo econômico ascendente: a burguesia (SMITH, 1983). Considerado o contexto de fragmentação do poder político na Europa, os Estados nacionais teriam sido estruturados com o intuito de promover a Os Estados Nacionais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 27 centralização deste poder. Segundo Strayer (1986), tal estruturação ocorreu de maneira lenta e se fez possível a partir do momento em que percebeu-se a neces- sidade de organização da sociedade para a promoção do desenvolvimento, do acesso à riqueza e para garantir que os direitos individuais não se sobrepusessem àqueles coletivos. Nesse sentido, o argumento do economista dialoga diretamente com a noção de contrato social anteriormente abordada. Ainda, segundo o autor, a estruturação dos Estados nacionais teria sido um processo positivo, no sentido de que teria havido participação e aceitação popu- lares (STRAYER, 1986). Marx (1983), contudo, discordou dessa concepçãoao afirmar que não se tratou de um processo positivo, já que os Estados teriam sido constituídos para atender aos interesses de grupos dirigentes, os quais concentra- riam, por conseguinte, tanto o poder econômico quanto o poder político. Segundo esse último autor, a formação dos Estados nacionais perpetuariam, então, a manu- tenção da concentração do poder, já que esses Estados atuariam em favor dos detentores dos meios de produção. Percebe-se aqui a relação entre a perspectiva de Marx e o argumento apresentado por Maquiavel em “O Príncipe”, qual seja: o Estado se caracterizaria pela concentração e manutenção do poder instituído. Com a consolidação dos Estados nacionais, aspectos políticos como a cons- tituição de burocracia (corpo técnico e procedimentos) e o respeito às leis e instituições foram estabelecidos. Ademais, a relação entre paz (como ausên- cia de uso da violência pelos cidadãos “comuns”) e liberdade definida pelo contrato social se materializou. Nesse período, ocorreram alterações impor- tantes relacionadas aos grupos sociais, uma vez que em paralelo à ascensão da burguesia por conta do desenvolvimento do comércio e dos burgos e à sua aproximação com o poder real ocorreu a migração da nobreza feudal para a área urbana, o que culminou na transmissão de valores e comportamentos à sociedade em formação. Entretanto, a relevância do processo de urbanização à relação entre Estado e sociedade será abordada em unidade posterior deste material. Por ora, nos deteremos à concepção de Estado liberal desenvolvida a partir do binômio política-economia. O ESTADO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E28 O ESTADO LIBERAL O surgimento de Estados nacionais pautados pela forte relação dos governos com a burguesia inaugurou um período histórico e econômico no qual a manutenção do Estado atrelou-se ao desempenho das relações comerciais. Nesse sentido, os Estados nacionais deveriam se preocupar não apenas com a garantia de conser- vação dos direitos de propriedade daqueles que ocupavam posições de poder, mas, também, com o desenvolvimento relacionado a aspectos como condições de produção manufatureira, tributos, moeda e geração de riquezas. Essa nova forma de organização do Estado, que convencionou-se denominar como mercantilismo, correspondeu ao primeiro momento em que as economias nacionais extrapolaram seus limites territoriais, o que conduziu à circulação de pessoas, de mercadorias, de moedas, de costumes, de valores e de tradições, um fenômeno que pode ser considerado como esboço do processo de globalização que ocorreria no século XX, primeiramente a partir da perspectiva econômica e, em um segundo momento, com relação ao multiculturalismo, geopolítica e demais formas de relacionamento entre Estados e povos. Assim, o mercantilismo representou um período e uma maneira de orga- nização política e econômica que marcou a transição entre o feudalismo e a estruturação do capitalismo, cuja principal característica era a intervenção do Estado na economia (LIMA; PEDRO, 2005). Retomando os aspectos anteriores O Estado Liberal Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 29 tratados, lembre-mo-nos que as relações comerciais se estabeleceram a partir dos burgueses, que se fortaleceram enquanto grupo social, ao ponto do Estado associar-se a eles para governar e responsabilizar-se, então, pela manutenção de seu poder econômico, aliado ao político (em que nos lembra tanto a teoria sobre a relação entre Estado e poder em Maquiavel quanto o contrato social). E como ocorria a atuação do Estado à época do mercantilismo? Segundo Lima e Pedro (2005), basicamente essa intervenção na economia se dava por meio do metalismo, da busca pela balança comercial favorável, pelo protecio- nismo e pelo colonialismo. O metalismo diz respeito à acumulação de outro e prata no interior do Estado nacional, pois esses metais representavam riqueza que deveriam ser investidas na agricultura, na manufatura e no comércio, de modo a estimular as exportações. Como o objetivo era o acúmulo de metais, as importações não eram indicadas, já que representariam dispêndio de riqueza (monetária) pelo Estado. Por outro lado, as investidas pelo aumento de metais foi uma das causas da exploração territorial dos Estados nacionais, através de guerras e conquistas e, principalmente, por meio do colonialismo. Nesse sentido, a preocupação em exportar mais do que exportar definia a política de manutenção da balança comercial favorável. Um dos indicadores de desenvolvimento econômico do Estado era a comparação do seu desenvol- vimento econômico com o de outros, ou seja, dada a circularidade da moeda entre as nações, o crescimento da riqueza de um Estado estava relacionado ao empobrecimento de outro(s). Essas ações pautavam o protecionismo, que tratava da determinação de altas taxas alfandegárias, as quais tornavam muito caras as mercadorias estrangeiras, a ponto de ser mais vantajosa a aquisição de um produto nacional, o que garan- tia ao Estado que a moeda circularia no interior na nação (ANDERSON, 1985). Outro aspecto relevante do período mercantilista foi o estímulo à industrializa- ção. Ainda que pouco desenvolvida, tal ação possibilitava o comércio da produção a preços mais elevados do que aqueles pelos quais as matérias-primas e gêneros agrícolas eram comercializados, o que garantiria mais lucros e maior acúmulo de riquezas no país. Também essa característica está relacionada ao colonialismo. Nos dias atuais, negociações e acordos internacionais são frequentes por conta da globalização da economia. Assim, podemos verificar que parte dos Estados nacionais modernos adotam políticas protecionistas, ainda que o façam especificamente para alguns ramos de atividades ou para determi- nados produtos. O ESTADO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E30 A busca por matérias-primas com menor custo e diferenciadas, a exploração de territórios em busca de metais preciosos e a expansão da área de domínio para desenvolvimento do comércio foram as principais causas do colonialismo, polí- tica de expansão de Estados nacionais europeus que culminaram, dentre outros fatos históricos, na descoberta do território hoje correspondente aos Estados Unidos da América em 1942 e do Brasil em 1500. Por um lado, essas colônias representavam a possibilidade de exploração da fauna e da flora diferenciados do cenário europeu, o que poderia garantir bons lucros. Por outro, a exuberância da população indígena, o clima distinto daquele do velho continente e a abundância de terras a ser desbravadas e ocupadas tam- bém representavam pontos favoráveis à permanência nos territórios descobertos. Por fim, a descoberta da existência de ouro, a possibilidade de escravização dos nativos indígenas e, posteriormente, também de africanos contribuíram para a expansão econômica dos Estados nacionais europeus à época. Cabe destacar que ainda que o mercantilismo tenha sido essencial ao desen- volvimento do nacionalismo, especialmente na Inglaterra e na França (DEYON, 1982), foi também aspecto propulsor da Revolução Industrial no primeiro país mencionado, conforme discutiremos na próxima unidade de estudo. Nesse momento, é importante pontuar que as práticas mercantilistas surtiram efeito para a expansão econômica dos Estados nacionais, mas também refleti- ram em limitações, uma vez que os produtos de que as populações necessitavam nem sempre podiam ser adquiridos no interior das nações, o que levou à aber- tura comercial em virtude da necessidade de atender a determinadas demandas. O Estado Liberal Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 31 Nesse sentido, o teórico clássicoda Economia Adam Smith (1983) criticou características do mercantilismo e apontou a perspectiva liberal como forma de organização política e econômica aos Estados nacionais. Dentre os pontos negativos ao mercantilismo expostos pelo autor destacamos o fato de que a pre- ocupação com a acumulação de riquezas impedia negociações vantajosas aos Estados (já que o metalismo, combinado com o protecionismo, se pautava por evitar a remessa de metais ao exterior e muitas trocas não se concretizavam por tal limitação) e ainda que a livre concorrência seria benéfica ao comércio e pode- ria surtir efeitos sobre todos os estratos sociais, ao passo que o mercantilismo tinha preocupação clara e definida relacionada à burguesia. Segundo o economista, o liberalismo determinou a filosofia e as políticas econômicas ao conceder ênfase ao mercado para se auto-regular, ou seja, as rela- ções entre oferta e procura e a estabilidade da economia seriam determinados pelos agentes econômicos e por suas negociações, cabendo ao Estado a mínima intervenção possível nesse processo (SMITH, 1983). Acanda (2006) afirma que o liberalismo foi e é uma expressão ideológica da burguesia e que pode ser considerado como a primeira grande ideologia revolu- cionária da época moderna, pois expressou a recusa às formas políticas despóticas da sociedade feudal e tomou o indivíduo como ponto de partida, diferentemente de todas as ideologias anteriores, que haviam se fundado a partir de princípios de caráter transcendente. Sob a perspectiva política, o liberalismo seria uma ideologia ou filosofia pautada pela crença nos princípios de defesa da vida, da liberdade e da proprie- dade. Segundo Bonavides (2004), as bases do Estado liberal surgiram a partir de pensadores modernos que refutaram as teses monarco-absolutistas que prega- vam o direito divino dos reis. Autores como John Locke discutiram os anseios de indivíduos ricos na Inglaterra do século XVII, que exigiam garantias con- tra os abusos de poder por parte do Estado contra seus patrimônios. Em outras palavras, o Estado liberal surgiu a partir da luta das camadas mais intelectuali- zadas e economicamente ascendentes (a burguesia) contra o princípio do poder absoluto e divino dos reis. O ESTADO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E32 Nesse contexto, as características básicas do Estado liberal seriam liber- dade individual combinada com Estado voltado à manutenção da ordem e, consequentemente, à reprodução da realidade social, com a manutenção das condições de classes. Assim, o Estado liberal teria nascido como protetor das liberdades indivi- duais e fadado a desempenhar na sociedade a função mais modesta possível, de modo que verifi camos em Locke o cerne da noção de “Estado mínimo”, cujas funções se restringem à manutenção da ordem interna e da segurança pessoal. As decisões mais importantes seriam delegadas aos indivíduos ou ao próprio mercado, que goza de liberdade econômica, conduzido pelos cidadãos mais inte- lectualizados e economicamente ascendentes que iniciaram a discussão. Cada indivíduo seria livre para agir conforme seu entendimento, pois a liberdade indi- vidual é um valor político essencial, ou seja, é o homem quem decide para quem trabalhar, onde viver, o que comprar etc. Ademais, uma relevante característica desse modelo de Estado é a interpre- tação da justiça: o julgamento moral dos indivíduos para conceder o que lhes é devido. Em outras palavras: justiça seria diferente de igualdade. Na concepção liberal, os homens não nascem iguais em termos de condições sociais, sexo, etnia etc., mas possuem as mesmas condições para se desenvolver, sendo que o que diferencia seu desenvolvimento seriam suas qualidades (como talento, habilidade, inteligência e esforço, por exemplo), de modo que cada um ocuparia na socie- dade a posição social da qual fosse merecedor. Eis o princípio da meritocracia. Considerações Finais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 33 CONSIDERAÇÕES FINAIS Chegamos ao fim desta primeira unidade de estudos, na qual abordamos distintas concepções sobre o surgimento do Estado. Tendo em vista a importância de ler- mos textos clássicos, iniciamos nossa discussão com o argumento de Maquiavel sobre a preocupação que o Príncipe deveria destinar à manutenção do poder, dada a centralidade da concentração do poder como principal característica do Estado, segundo o autor florentino. Na sequência, tomamos contato com três diferentes autores que buscaram explicar a construção do Estado a partir da abdicação dos direitos e das liber- dades individuais em favor de um governo que respondesse pela coletividade e garantisse segurança mínima à vida, alguma liberdade e à propriedade. Tais teo- rias têm em comum um aspecto que deve ser destacado e que segue relevante ao longo de todo este material: o Estado como construção humana! Tais explicações constituem as bases para a interpretação sobre o desen- volvimento das relações econômicas e comerciais ao longo dos séculos, que contribuíram para a evolução dos arranjos sociais desde o feudalismo, passando pelo mercantilismo, até discorrermos sobre o liberalismo. Foi nesse contexto que surgiram e se fortaleceram os Estados nacionais. Finalizamos esta unidade de estudos conhecendo o conceito de Estado mínimo, o que nos fornece condições de avançarmos ao debate sobre um dos maiores eventos históricos ocorridos nos últimos séculos: a Revolução Industrial. Na nossa próxima seção, discutiremos sobre o contexto, seu desenvolvimento e os desdobramentos dessa revolução. Sem dúvida, este evento histórico central ao desenvolvimento das socieda- des contemporâneas carece de grande atenção, uma vez que forneceu as bases para o estabelecimento de processos sociais, econômicos, culturais e políticos posteriores, sobre os quais nos deteremos em unidades de estudos posteriores. 34 1. Com relação ao autor clássico Nicolau Maquiavel, considerado um dos mais relevantes autores da Filosofia Política e da Ciência Política, analise as afirma- ções abaixo: I) Escreveu “O Príncipe” e “Teoria Geral da Política”. II) Suas obras tratam do Estado. III) Viveu em um período de crises políticas em Florença. IV) Foi exilado e impedido de exercer sua função pública. Tendo em vista as afirmações acima, assinale a alternativa correta: a) Apenas as afirmações I e III estão corretas. b) As afirmações II, III e IV estão corretas. c) As afirmações I, II e IV estão corretas. d) Apenas as afirmações II e IV estão corretas. e) Todas as afirmações estão corretas. 2. Considerando a linha teórica clássica definida como contratualista, analise as afirmações abaixo. I) Os autores desta linhagem entendiam que a natureza do homem é boa. II) Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau são autores contra- tualistas. III) Os autores tinham concepções distintas sobre a motivação inicial para o contrato. IV) O Estado teria sido fundado a partir da aceitação, pelos cidadãos, do con- trato social. Assinale a alternativa correta: a) Apenas I e II estão corretas. b) Apenas II e III estão corretas. c) Apenas I está correta. d) Apenas II, III e IV estão corretas. e) Nenhuma das alternativas está correta. 35 3. Com relação aos Estados nacionais, analise as afirmações abaixo e assinale Ver- dadeiro (V) ou Falso (F): ) ( Os Estados nacionais decorrem, em alguma medida, da estrutura do feu- dalismo. ) ( Os Estados nacionais foram constituídos a partir do modelo democrático. ) ( Os Estados nacionais surgiram com vistas à centralização do poder entre elites. Assinale a alternativa correta: a) V; V; F. b) F; F; V. c) V; F; V. d) F; F; F. e) V; V; V. 4. Analise as características abaixo e assinale aquela que não diz respeito ao mer- cantilismo: a) Surgiu após o feudalismo. b) Intervenção expressivana economia. c) Tem forte relação com o capitalismo. d) Preocupação com o bem-estar social. e) É a base do Estado liberal. 5. O liberalismo se instituiu em consequência do mercantilismo. Segundo o eco- nomista Adam Smith, qual é a principal limitação do mercantilismo, a ser supe- rada pela implementação do Estado liberal? a) A preocupação central em organizar a vida social nos burgos. b) A relação estabelecida entre a nobreza, a burguesia e o Estado. c) A regulação das relações econômicas e comerciais pelo Estado. d) A falta de responsabilidade do Estado sobre a segurança dos cidadãos. e) A expansão do comércio para além do protecionismo e do metalismo. 36 As relações entre História e Ciências Sociais História, Sociologia, Ciência Política, Antropologia, Filosofia e Serviço Social são campos do conhecimento com estreitas relações entre si, o que é possível apreendermos ao pen- sarmos sob a perspectiva da proximidade entre aspectos históricos e interpretações so- bre a conformação, a organização e o funcionamento dos Estados e sociedades, de modo geral, e de grupos e movimentos sociais ou mesmo de indivíduos, de modo específico. Segundo Peter Burke, a História pode ser entendida como área preocupada com os estudos de sociedades humanas no plural, das diferenças entre elas e das mudanças ocorridas em cada uma ao longo do tempo, enquanto a Sociologia, aqui tomada como sintetizadora de argumentos que se aplicam também à Ciência Política, “[...] pode ser definida como o estudo da sociedade humana com ênfase em generalizações sobre sua estrutura e desenvolvimento” (p. 14). Por sua vez, em sua aula inaugural da cadeira de História Romana, Paul Veyne iniciou sua fala afirmando estar convencido de que a História ou ao menos a História Socioló- gica existe. O autor define a segunda como “[...] aquela que não se limita a narrar, nem mesmo a compreender, mas que estrutura sua matéria recorrendo à conceituação das Ciências Humanas, também chamadas Ciências Morais e Políticas” (1983 [1976], p. 5). Conforme o autor, existem acontecimentos históricos, mas não explicações históricas, de modo que as explicações decorreriam de interpretações dos fatos históricos e isto se daria por meio das Ciências Sociais. Na mesma aula, o autor reforçou a ideia de individualidade dos fatos, mas não neces- sariamente dos indivíduos humanos ou das sociedades, o que significa que a ideia de individualidade seria relativa. Desta maneira, os conceitos que permeiam as interpre- tações, os diferentes níveis de generalização dos fatos históricos e a forma como cada objeto é analisado interferem diretamente na análise. Transportando essa discussão para os trabalhos desenvolvidos na área social, devemos refletir que o contexto e as informações de que dispomos influenciam a percepção que desenvolvemos, inde- pendente de nossa posição, seja como gestor público, gestor de uma entidade do Terceiro Setor ou como agente atrelado ao desenvolvimento de políticas públicas (assistente social), por exemplo. Em se tratando de exemplos desta relação entre História e Ciências Sociais à pro- dução de análises, destaco os livros de Cynthia Stokes Brown, “A grande história”, e de Candice Goucher e Linda Walton, “História mundial: jornadas do passado ao presente”, os quais apresentam discussões sobre fatos históricos permeados por co- mentários e explicações sociológicas. 37 Ainda que Burke e Veyne se refiram majoritariamente à Sociologia em suas discussões sobre a relação que estabelecem com a História, entendo que suas falas se estendem também à Ciência Política, à Antropologia e, por vezes, a outros campos do conhe- cimento como a Economia. Considerando tal interpretação, destaco, por exemplo, a utilização de dados históricos referentes ao sistema econômico e produtivo alemão por Karl Marx na obra “O capital” e a associação entre comportamento ascético e re- ligiosidade na Modernidade trabalhada por Max Weber em “A ética protestante e o espírito do capitalismo”. Na área da Ciência Política, com suas distintas nuances e objetos analíticos também faz uso de aspectos históricos em suas reflexões. Um clássico exemplo dessa área é a “So- ciologia dos partidos políticos”, de 1911, de Robert Michels, obra que se dedica à expli- cação do fenômeno da oligarquização do Partido Social Democrata alemão, cuja análise é tomada como referencial para estudos de organizações partidárias e dos próprios sis- temas partidários até os dias atuais, ainda que trate de apenas um partido e deste num contexto específico de tempo e espaço. Por fim, em se tratando da Antropologia, apenas para mencionar dois exemplos, o evo- lucionismo de Lewis Morgan em “A sociedade antiga” e outras obras (que é encontrado também nos demais autores da corrente) se utiliza de elementos históricos pontuais para explicar a evolução das sociedades de modo geral, o que significa destacar um pro- cesso inverso à preocupação histórica com o levantamento da totalidade de experiên- cias para analisar um problema. Outro exemplo antropológico são os próprios manuais e textos que se dedicam ao trabalho do profissional, os quais reforçam a ideia de que cabe ao antropólogo olhar, ouvir, descrever, analisar, comparar e relativizar (para usar um termo de Roberto DaMatta em “Relativizando: uma introdução à antropologia so- cial”) em suas pesquisas, como evidenciam Roberto Cardoso de Oliveira em “O trabalho do antropólogo” e François Laplantine em “A descrição etnográfica”. Sobre esse último exemplo, destaco que a maneira como os indivíduos se colocam dian- te das situações que necessitam analisar é primordial à qualidade de seu diagnóstico e intervenção. Assim, leituras como estas citadas no parágrafo anterior podem contribuir (muito!) com o trabalho desenvolvimento no âmbito social, seja ele por gestores de en- tidades do Terceiro Setor, gestores públicos ou por assistentes sociais, especialmente. Fonte: o autor MATERIAL COMPLEMENTAR Biblioteca Digital Mundial A Biblioteca Digital Mundial apresenta uma linha cronológica com 16.689 fatos da história da humanidade desde 8.000 anos antes de Cristo, dispostos por aspectos políticos, religiosos, fi losófi cos, artísticos, científi cos, tecnológicos e econômicos. Web: <https://www.wdl.org/pt/> Teoria Política Moderna: uma introdução Isabel de Assis Ribeiro de Oliveira Editora: Universidade Federal do Rio de Janeiro Sinopse: Neste livro, a autora apresenta sua leitura de clássicos da teoria política moderna, com o objetivo de introduzir o estudante universitário - mas não só ele - numa vertente importante de nossa cultura. Os autores aqui considerados contribuíram de forma decisiva para a constituição da ordem própria à modernidade, sob a qual ainda vivemos. É nesse campo de ideias que foram concebidas, dentre outras, as � guras do cidadão e seus direitos, das instituições governamentais de cunho representativo e dos princípios de legitimação do poder que caracterizam os sistemas políticos da modernidade. É também nele que a luta política se delineia como legítima forma de renovação social. Este livro oferece um primeiro tratamento do tema e incentiva no leitor o desejo de aprofundar a pesquisa. Comentário: O livro aborda interpretações sobre o pensamento político dos principais autores da Teoria Política Moderna: Nicolau Maquiavel, Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau, Karl Marx, Alexis de Tocqueville e John Stuart Mill. Cruzada Ano: 2005 Sinopse: Ainda em luto pela repentina morte de sua esposa, o ferreiro Balian junta-se ao seu distante pai, Baron Godfrey, nas cruzadas a caminho de Jerusalém. Após uma jornada muito difícil até à cidade santa, o jovem valente entra no séquito do rei leproso Balduíno IV, que deseja lutar contra os muçulmanos para seu próprio ganho político e pessoal. Comentário: Ainda que se trate de uma fi cção, o fi lme retrata aspectos relacionados ao período das Cruzadas, como a centralidade do poder do Rei e a relação entre religião,o Estado e violência. REFERÊNCIAS 39 REFERÊNCIAS ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo: Brasiliense, 1985. DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à antropologia social. 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Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Contexto histórico da Revolução Industrial ■ A divisão social do trabalho ■ Resistência e organização operária Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 45 INTRODUÇÃO Como e por que a Revolução Industrial se tornou um dos mais importantes eventos da história mundial em todos os tempos? Quais as suas consequências à organização do Estado, às relações sociais e de trabalho? E como esse evento impactou a organização dos indivíduos até a contemporaneidade? A base para refletirmos sobre essas questões estão presentes na unidade anterior deste material didático, quando tratamos, sob diferentes perspectivas teóricas e analíticas, da formação do Estado. Neste capítulo, avançamos em nosso entendimento acerca da evolução do Estado ao longo dos séculos, com ênfase na alteração da lógica do trabalho e das relações trabalhistas por conta da Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra no século XVIII. Para tanto, expomos informações que denotam as justificativas que culminaram para que tal fenômeno ocorresse naquele país, em seus des- dobramentos sobre as relações trabalhistas, com destaque à perspectiva de Karl Marx sobre o binômio capital-trabalho, e ainda tratamos da organiza- ção dos operários, insatisfeitos com as condições laborais que decorreram da referida Revolução, com destaque a demandas que seguem na pauta dos movimentos trabalhistas até os dias atuais. Uma sugestão para a leitura desta unidade de estudos é de que cada aluno realize o exercício de tentar se inserir naquele contexto histórico, ou seja, ima- ginar-se como parte do operariado que esteve sujeito às condições de trabalho antes e após a Revolução Industrial, com vistas à facilitar sua interpretação sobre as motivações da insatisfação do proletariado, que culminaram em sua articulação e refletem, em alguma medida, na maneira como as relações tra- balhistas e os movimentos sociais, de modo geral, se desenvolveram ao longo do tempo e ainda regulam, com dimensionamento de forças distintos em rela- ção àquele período histórico, as tensões entre Estado, sociedade, movimentos sociais e outros atores coletivos. Boa leitura! A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E46 CONTEXTO HISTÓRICO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A Revolução Industrial consistiu em um grande processo de transformações econômicas e sociais desencadeadas no século XVIII na Inglaterra, cujos efeitos se expandiram aos demais Estados posteriormente, primeiramente no hemis- fério Norte e posteriormente, em alguma medida, por todo o globo. Segundo Paiva e Cunha (2008), tal fenômeno fez da Inglaterra a maior potência econô- mica ao longo do século XIX e decorreu entre cerca de 1760 até as primeiras duas décadas do século seguinte. Um aspecto anterior à Revolução Industrial, abordado na primeira unidade deste material, é a expansão crescente do comércio, principalmente após a instau- ração do mercantilismo, os avanços colonialistas e a constituição do liberalismo. Tal processo histórico se caracterizou pelo acúmulo de capital que, por um lado, representou elevado aumento da riqueza da elite econômica e, por outro lado, permitiu a esse grupo pensar sobre maneiras para aperfeiçoar as técnicas de pro- dução de modo a otimizar recursos (incluída, com destaque, a mão de obra) para gerar mais capital. Segundo Th ompson (1987), somente a partir da alteração do processo de produção foi possível o acúmulo de capital, pois o arrendamento de terras e a atividade artesanal não permitiam tal intento. Segundo Hobsbawn (2001), a ocorrência do fenômeno em debate na Inglaterra se deu pela confl uência de fatores de diversas ordens. De modo geral, a Europapassava por um período de crescimento demográfi co, o que signifi cava a eleva- ção da mão de obra passível de inserção no trabalho, e de ausência de barreiras alfandegárias, o que permitia o livre comércio entre os Estados. Contexto Histórico da Revolução Industrial Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 47 Em se tratando especificamente da Inglaterra, o período foi marcado pelo fim da monarquia absolutista e pelo surgimento do parlamentarismo, bem como pelo fortalecimento da burguesia. Ademais, havia grande disponibilidade de matérias- -primas no país, grandes jazidas de carvão (fonte de energia a ser utilizada para o funcionamento das máquinas) e mão de obra a baixo custo, em virtude do êxodo rural e a nação gozava de hegemonia naval e de posição geográfica estratégica, o que lhe favoreceu tanto o recebimento de matérias-primas importadas quanto o escoamento de sua produção para exportação, além de possuir colônias na África e na Ásia. Esse conjunto de fatores alinhou-se à influência das ideias iluministas e do progresso científico e técnico que permearam avanços intelectuais e estiveram presentes, em alguma medida, na conformação dos valores da Revolução Francesa. De maneira sucinta, poderíamos afirmar que a Revolução Industrial repre- sentou a alteração do modo de produção, de artesanal para industrial, baseado na utilização de máquinas em detrimento do trabalho manual. Tal processo de mecanização implicou em transformações não apenas no mundo do traba- lho, mas também no desenvolvimento das relações sociais e na organização das sociedades, uma vez que a organização corporativa dos artesãos foi substituída pela relação entre patrões e empregados, definidos por Karl Marx (1983) como burguesia e proletariado, respectivamente. Tais grupos foram denominados por Marx e Engels em “Manifesto do Partido Comunista” (1998) como classes sociais. O período destaca-se pela invenção da máquina de fiar, do tear mecânico e da máquina a vapor, bem como por alterações que tornaram mais eficientes as atividades agrícolas. Desse processo decorreu o aumento do êxodo rural em virtude de que as atividades manuais sofreram redução da necessidade de mão de ,obra na área rural. Por outro lado, intensificou-se a urbanização, ao mesmo tempo em que se desenvolveram as indústrias por conta da criação de maquiná- rios, da mecanização dos processos produtivos e do aperfeiçoamento das técnicas de produção, estendidas, em um segundo momento, do setor têxtil e da agricul- tura à metalurgia e aos transportes. Tal combinação de fatores levou à formação da classe operária, cuja relação com os patrões, o mundo do trabalho e a vida em sociedade serão explorados na terceira seção desta unidade de estudos. Dentre as consequências deste processo, destaca-se, em termos nacionais, a discrepância entre os Estados que vivenciaram de maneiras distintas a Revolução A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E48 Industrial, uma vez que aqueles onde a industrialização sofreu evoluções ao longo do século XIX ocupam até os dias atuais posições de poder econômico e político, ao passo que países em condições subalternas à época daquela revolução, espe- cialmente as colônias, passaram por processos de industrialização tardia e, não raramente, persistem como fornecedores de matérias-primas e produtos agrí- colas às grandes potências econômicas mundiais. No que diz respeito ao mundo do trabalho, a Revolução Industrial implicou na divisão e na especialização das atividades laborais, na redução das manufaturas por conta de sua substituição pela maquinofatura, na constituição de uma elite indus- trial por conta do crescimento e fortalecimento do poder econômico e políticos dos burgueses, na dinamização dos processos produtivos (com redução dos custos de produção e aumento do rendimento dos trabalhadores) e na oposição do proletariado à burguesia através de sua organização em sindicatos e por meio de lutas operárias. Por um lado, a Revolução Industrial estimulou o desenvolvimento do comér- cio e da concorrência, promoveu o aumento da produtividade e do mercado consumidor e avanços científicos e tecnológicos relacionados aos sistemas de comunicação e de transportes. Contudo, os impactos ambientais de tal evolução foram também expressivos, de modo que já entre os séculos XVIII e XIX cons- tatava-se a exploração dos recursos naturais de maneira enfática. No que tange às cidades, estas se tornaram centros industriais, mas seu cres- cimento ocorreu com desordem e segregação, o que culminou na elevação das desigualdades sociais. A relação entre industrialização e processo de urbaniza- ção, porém, será tratada na próxima unidade deste material de estudos. Segundo Hobsbawn (2001), entre meados do século XIX e o início do século XX ocorreu a Segunda Revolução Industrial, caracterizada pela produção de novos bens – como automóveis, televisores, rádios e aviões – e a valorização do “moderno” em detrimento do tradicional, com alterações que influencia- ram até mesmo a cultura das sociedades. Após a Segunda Guerra Mundial, as transformações sofridas pela economia mundial teriam culminado na Terceira Revolução Industrial, pautada por avanços em termos de integra- ção entre ciência e produção (revolução tecnocientífica) e pela globalização econômica e geopolítica dos Estados nacionais. Fonte: o autor A Divisão Social do Trabalho Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 49 A DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO O processo de produção em larga escala fomentado pela Revolução Industrial pro- piciou a expansão da riqueza dos proprietários dos meios de produção e elevou o distanciamento entre esse grupo e os trabalhadores, geradores de tal riqueza. Segundo Karl Marx (1983), a circulação de mercadorias seria o ponto de partida do capital, a partir do momento em que a preocupação e o objetivo dos detentores dos meios de produção deixou de ser a comercialização daquilo que geravam e passou ao acúmulo dos recursos fi nanceiros envolvidos no processo de produção e circulação de mercadorias. Conforme o autor, a circulação ou a troca de mercadorias não cria valor, mas tal geração ocorreria pela agregação decorrente do acréscimo de trabalho empregado ao produto. Por exemplo: se compro couro e costuro um sapato, o couro continua a ter o mesmo valor, mas o trabalho aplicado à sua transforma- ção em sapato é agregado ao valor pelo qual pode ser comercializado. Assim, o trabalho seria uma mercadoria que, quando incorporada ou agregada a outras mercadorias (como o couro, no exemplo acima) seria capaz de produ- zir maior valor ao produto. No contexto da Revolução Industrial, seria, então, a mão de obra empregada no processo industrial que traria maior valor às merca- dorias produzidas, o que signifi caria o protagonismo do proletariado no período. Nesse sentido, Marx (1983) destacou que o trabalho, enquanto processo de consumo da força laboral do proletariado pelos capitalistas, se caracterizava por dois fenômenos. O primeiro diria respeito ao fato de que os trabalhadores A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E50 encontravam-se sob o controle dos proprietários dos meios de produção, a quem pertencia seu trabalho e que vistoriavam se as atividades eram desen- volvidas de maneira apropriada, ou seja, com aplicação adequada dos meios de produção, sem desperdício de matérias-primas e mau uso do maquiná- rio, de modo a consumir apenas os recursos imprescindíveis à execução do trabalho. O segundo fenômeno é a propriedade do produto, também do capi- talista, em detrimento daquele que realmente produziu a mercadoria e que, por ela,
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