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PANCREATITE AGUDA – MEDICINA UFCSPA A incidência é crescente no mundo, devido à epidemia de obesidade (fator de risco para colelitíase, que é o principal causador da pancreatite aguda). A mortalidade, entretanto, decaiu nos últimos anos (evolução da medicina), mas ainda é em torno de 5%. A pancreatite aguda, então, é o processo inflamatório agudo do pâncreas, com envolvimento ou não de outros órgãos. A definição clínica respeita a tabela abaixo. Para configurar diagnóstico, são necessários pelo menos 2 dos critérios abaixo 1- Sintomas de pancreatite Dor em faixa no abdome superior 2- Elevação de lipase e amilase >3x LSN 3- Achados radiológicos Pâncreas edemaciado ou com necrose A pancreatite pode ser aguda, crônica (com agudizações ou não). A pancreatite alcoólica é, conceitualmente falando, uma pancreatite crônica, mas é tratada como aguda, devido às agudizações. •Pancreatite aguda: pode ser classificada conforme o índice atlanta, exibido abaixo. A forma leve é a mais comum, a resolução se dá em 1 semana e ela não envolve falências orgânicas. Ranson de 0 a 2. Na forma moderada já há falência orgânica transitória (em menos de 48 horas) ou complicações locais. Ranson 3. Na grave a falência orgânica persiste por mais de 48 horas. Outra classificação possível, em relação à pancreatite aguda, é intersticial (pâncreas com impregnação normal por contraste) e necrosante (má perfusão em mais de 30% do órgão). A necrosante se relaciona com os quadros graves. -Complicações locais: 1) Coleções peripancreáticas → coleções líquidas não delimitadas por parede. Ocorrem em 30-50% dos casos de pancreatite, e já aparecem nas fases iniciais. A resolução, na maior parte dos casos, é espontânea. 2) Pseudocistos → são persistentes (4 a 6 semanas). Configuram-se como cápsulas de parede fibrosa ou tecido de granulação. 3) Necrose pancreática → pode ser estéril ou infectada. A necrose pancreática delimitada (walled-off necrosis) tem estrutura semelhante ao pseudocisto, mas com localização intrapancreática. Além disso, ela provém da liquefação da necrose, que ocorre cerca de 2 meses após o início da necrose. O conteúdo é mais espesso no início – não drenar precocemente (esperar pelo menos 4 semanas caso for necessária a drenagem). 4) Abcesso pancreático → reunião de pus intra-abdominal, ocorrendo após quadro de pancreatite. 5) Hemorragia → ocorre por formação de pseudoaneurisma (erosão de vasos peripancreáticos). -História natural: a mortalidade atinge um pico logo no início, sendo que 1/3 das mortes ocorrem nas primeiras 48 horas (cascata de inflamação e falência orgânica). Todo caso de pancreatite, dessa forma, deve ser considerado potencialmente grave. O segundo pico de mortalidade ocorre devido a infecções. As sequelas da pancreatite grave envolvem estenose de ducto pancreático (que leva à pancreatite crônica obstrutiva), DM (insuficiência endócrina) e má absorção intestinal. Há duas fases na história natural da doença: 1ª fase → cascata inflamatória intensa, com gravidade relacionada às falências orgânicas extra-hepáticas. Nesse quadro infecções são incomuns (SIRS decorrente da pancreatite causa quadro de febre, taquicardia, hipotensão, disfunção respiratória e leucocitose). Dura em média 1 semana. 2ª fase → ocorre em menos de 20% dos casos, mas dura semanas e até meses. Uma complicação anatômica é a necrose pancreática. Os quadros infecciosos são mais comuns aqui. -Fisiopatologia: a tripsina nas células acinares, proveniente da conversão do tripsinogênio, cataliza a transformação de proenzimas em enzimas ativas. Estas autodigerem o pâncreas, liberando ainda mais enzimas, num círculo vicioso. A tripsina, ademais, ativa o sistema complemento e cininas. A patogênese da pancreatite biliar não é clara, a melhor hipótese é que ocorre um refluxo biliar pelo ducto pancreático após obstrução do colédoco. A patogênese da pancreatite alcoólica, da mesma forma, também não está completamente explicada, mas se espera que seja em decorrência da disfunção exócrina do pâncreas, além de mudanças no metabolismo de lipídios, estresse oxidativo e ativação de células estreladas no pâncreas (tudo levando à fibrose). -Condições predisponente: são duas as principais situações que subsidiam o aparecimento da pancreatite: a) litíase biliar → 40% dos casos de pancreatite aguda. Mais em mulheres do que em homens, por volta dos 40 anos. De forma alguma se deve dar alta sem CCT (recidiva altíssima nos próximos meses). b) álcool etílico → 30% dos casos de pancreatite “aguda” (é pancreatite crônica agudizada). Em países desenvolvidos é a causa mais importante. Ocorre mais em homens, com 40 anos, cujo consumo de álcool é abusivo e acontece por mais de 5 anos. Há, ainda, centenas de outras causas de pancreatite aguda, desde neoplasias, infecções e condições pós-operatórias. -Apresentação clínica: dor em faixa no abdome superior, irradiada para o dorso, desencadeada por alimentação (pacientes ficam com medo de comer) e aliviada por posição de “prece maometana”. Náuseas e vômitos também são comuns. Se houver icterícia, favorece o diagnóstico de pancreatite por obstrução de via biliar. Nos casos graves haverá uma série de outras manifestações: SIRS, distensão abdominal, derrame pleural (mais à esquerda), SARA, equimose nos flancos (sinal de Grey Turner) ou em região periumbilical (sinal de Cullen), paniculite (nódulos subcutâneos avermelhados distribuídos pelo corpo, relacionados à necrose da gordura), poliartrite e tromboflebite (membros inferiores). -Diagnóstico: o aumento da amilase e/ou lipase em 3x o LSN indica com bom grau de certeza a pancreatite. A amilase se eleva em 6 a 12 horas do início do processo e ficará aumentada por 3-5 dias (se não houver complicações). Sua sensibilidade é de acima de 85%, mas passados alguns dias ela já perde a importância. A especificidade não é tão saliente. Ela pode se relacionar, ainda, à pancreatite por hipertrigliceridemia. A amilase, além disso, pode estar relacionada a casos de insuficiência renal, comprometimento de vísceras, hiperamilasemia familiar, macroamilasemia, doenças de glândulas salivares, doenças das tubas uterinas, cistoadenocarcinomas papilares de ovário, cistos de ovários benignos, e em carcinomas de pulmão. A lipase, por outro lado, tem elevação precoce também, entretanto permanece elevada por mais tempo, favorecendo a sensibilidade. Ademais, possui alta especificidade, podendo estar alterada, no entanto, em casos de insuficiência renal e comprometimento de vísceras. Outras alterações laboratoriais também se fazem evidentes, como a leucocitose (não necessariamente atrelada à infecção), hiperglicemia e hipertrigliceridemia, ASL/ALT/FA/BT/BD em pancreatites biliares, e hipocalcemia (associada à hipoalbuminemia). Em relação aos exames de imagem, o Rx simples de abdome já teve mais valor do que o é atribuído atualmente, mas as alterações visíveis de pancreatite seriam sinal da alça sentinela e sinal da amputação do cólon. O Rx de tórax é importante para averiguar alterações pulmonares (1/3 dos pacientes desenvolvem). Já o US de abdome é o mais relevante de início (colelitíase). Em alguns pacientes pode ser empregado a TC de abdome contrastada (avaliação de complicações e descarte de outras doenças intra-abdominais), o RM com gadolíneo (pode substituir TC), a colangioRM (alta acurácia na coledocolitíase), a ecoendoscopia e o CPER (remoção de cálculos no colédoco se houver colangite simultânea). -Avaliação prognóstica: nas primeiras 48 horas, como já dito, todo paciente é considerado potencialmente grave. Quanto a sinais de falência orgânica, se persistirem por mais de 48 horas, a mortalidade é em torno de 36%. Caso esses permaneçam por menos de dois dias, a mortalidade é praticamente nula. Em caso de SIRS, assim, quando os sintomas duram mais que 48 horas, a mortalidade é de 25%; menos de dois dias, então, a mortalidadebaixa significativamente: 8%. Se SIRS for ausente o risco de morte é menor que 1%. A escala de Ranson avalia com mais precisão o prognóstico. ◘Ranson < 2 → pancreatite leve (mortalidade de 2,5%) ◘Ranson >3 → pancreatite grave (mortalidade de 62%) *BUN = nitrogênio ureico sanguíneo Outro parâmetro importante é a PCR acima de 150 mg/L, denotando pior prognóstico ao caso. -Tratamento: é calcado essencialmente em 3 pilares. O primeiro é a expansão volêmica vigorosa, feita com soro fisiológico ou Ringer lactato, para corrigir a hipovolemia que esses pacientes sofrem (o líquido desses pacientes migra para o terceiro espaço, por conta da cascata inflamatória que acomete os tecidos). O segundo pilar consiste no controle da dor por opioides, sendo a morfina a melhor opção. O terceiro é o NPO (jejum absoluto), num período inicial e o mais breve possível, até que o paciente pare de ter náuseas, vômitos e dor abdominal. O uso da sonda nasogástrica geralmente não é usado, e é reservado a pacientes específicos. Tão logo o paciente volte a ter função intestinal, com parada dos sintomas da pancreatite, deve- se repor a nutrição via oral, de maneira gradual. É sempre importante a monitorização dos sinais vitais, incluindo oximetria e controle da diurese. Em caso de sinais precoce de falência orgânica, encaminhar à UTI. Em relação à antibioticoterapia, se reserva para fins de tratamento de infecções, e não profilaxia. Se houver necrose pancreática infectada, usar ciprofloxacina + metronidazol, pela penetração. O imipenem também deve ser considerado, em caso de suspeita de bactérias resistentes. A CPER deve ser usada em caso de pancreatite com coledocolitíase persistente. A necrosectomia é controversa pela evolução pós-operatória. Reservada a pacientes com necrose infectada não responsivos a antibióticos.