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O que é trânsito Eduardo Alcântara Vasconcellos Copyright © by Eduardo A. Vasconcelos Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor. 4ª edição, 2010 Primeira edição eBook, 2017 Diretora: Danda Prado Supervisão editorial: Luciana Nobile Coordenação de produção: Roseli Said Edição: Max Welcman Assistente editorial: Paula Coelho Projeto gráfico da capa: Jairo de Oliveira Diagramação: Iago Sartini eBook: Ana Clara Cornelio, Bruna Cecília Brueno, João Pedro Rocha e José Eduardo Góes Produção: Editora Hedra Ltda. editora e livraria brasiliense R. Antônio de Barros, 1839 - Tatuapé, São Paulo - SP, 03401-001 www.editorabrasiliense.com.br Sumário Circulação urbana e trânsito Conflitos na circulação O problema da qualidade de vida O problema do congestionamento O problema da segurança O problema da acessibilidade O problema da poluição Comparação entre três modos Conclusão Indicações para leitura Sobre o autor À Clarice, companheira no trânsito misteiroso da vida, e aos jovens brasileiros, que têm o desafio de humanizar o nosso trânsito. Circulação urbana e trânsito Para nós, que convivemos com o trânsito difícil das cidades contemporâneas, a ideia de que este tipo de problema já afetava as cidades do Império Romano pode parecer absurda. Mas, na realidade, as primeiras restrições ao trânsito de que se tem conhecimento foram aquelas determinadas por Júlio César, que proibiu o tráfego de veículos com rodas no centro de Roma durante certas horas do dia. Como se não bastasse, em Roma havia também ruas de “mão única” e estacionamentos fora da via, especialmente construídos para as carroças. No final do século XIX, com a criação do automóvel e o aumento da circulação nas cidades surgem os primeiros problemas modernos de trânsito e, consequentemente, uma legislação a respeito. Assim, surgiu em Londres, em 1868, o primeiro semáforo de que se tem notícia, com as cores vermelha e verde. Na mesma época, em 1870, já se registravam em Londres cerca de 460.000 carruagens, com as quais ocorreram muitos acidentes, com cerca de 3.200 feridos e 237 mortos. É no século XX, no entanto, que o trânsito vai generalizar-se como problema urbano, à medida que as cidades crescem: a “questão” do trânsito faz parte da “questão” urbana de nossa época. Acidentes, congestionamentos, barulho, poluição parecem configurar um conjunto de condições adversas, que fazem com que o trânsito tenha uma imagem negativa, de caos, entre a maioria das pessoas que moram nas grandes cidades. Praticamente todos nós já tivemos algum ou vários parentes e amigos feridos ou mortos em acidentes de trânsito; enfrentamos dificuldades para atravessar a rua como pedestres, para chegar ao trabalho ou à escola, dentro do ônibus, para andar de bicicleta, estacionar o carro perto do cinema, por exemplo; além disso, muitas pessoas moram em ruas que são utilizadas por veículos grandes como os caminhões, ou que servem de pista de corrida para alguns motoristas, às quais as crianças não podem sair desacompanhadas. Mas, afinal, o que é o trânsito? Como poderemos defini-lo, para compreendê-lo melhor e vivenciá-lo de uma maneira mais fácil e segura? Para responder a essa pergunta, vamos começar pensando um pouco sobre a movimentação das pessoas nas cidades. Imagine inicialmente o que ocorre com uma família de classe média, por exemplo, que compra uma casa num bairro residencial. Suponha que a família possua um automóvel e duas bicicletas e que seja composta pelo pai, mãe e dois filhos pequenos que estudam, e que a mãe contrate ainda uma diarista. Façamos então um “exercício de previsão” dos deslocamentos que as pessoas farão no seu primeiro dia após ter se mudado para a casa nova. Logo de manhã, às 7h, o pai vai trabalhar de carro, levando os filhos de carona até a escola. A mãe, que trabalha em outra direção, vai de ônibus às 7h30. Logo depois, às 9h, a empregada, que chegou às 8h e fez o trajeto de ônibus, apanha o carrinho de mão e vai à feira na rua de baixo. Às 11h, a empregada volta da feira com o carrinho cheio e, às 12h, a mãe sai do seu trabalho e vai de ônibus apanhar os filhos na escola, re- tornando com eles para casa também de ônibus. Mais tarde, logo após o almoço, os filhos vão de bicicleta brincar na casa de amigos e a mãe sai de carona com uma amiga. No final do dia, às 18h, os filhos voltam para casa de bicicleta, a empregada vai embora de ônibus e a mãe chega de carro com a amiga. Finalmente, às 19h, o pai volta de carro do trabalho. O que aconteceu, então? Em primeiro lugar, passou— se um dia e, contando-se os deslocamentos, vemos que as pessoas da família, mais a empregada, fizeram vinte deslocamentos para atender às suas necessidades e obrigações: esses deslocamentos são chamados “viagens”. Vamos tentar agora ligar essas viagens ao nosso objeto de análise, o trânsito. Vemos então que o pai, ao sair de casa de manhã, surge como motorista, enquanto a mãe será pedestre, passageira de transporte público e carona (com a amiga), os filhos serão caronas (com o pai), passageiros de transporte público, pedestres e ciclistas, enquanto a empregada será pedestre e passageira de transporte público. Todos, portanto, fazem parte da circulação geral do bairro e da cidade, cada um com a sua condição de deslocamento, seus interesses e necessidades. As vinte viagens realizadas por estas pessoas vão se somar a milhares de outras efetuadas no mesmo dia, por pessoas e mercadorias, que juntas produzirão afinal o conjunto de deslocamentos realizados por vias e meios de transporte disponíveis: eis o trânsito. Um exemplo dessas diferenças de deslocamento pode ser visto na figura a seguir. A família de baixa renda realiza viagens a pé e de ônibus, para ir ao trabalho (ônibus) e a escola (a pé), por exemplo. No total do dia, as pessoas realizaram dez viagens e percorreram 28 km. A família de renda mais elevada faz viagens a pé (almoço), de automóvel (escola, trabalho, médico, compras), de táxi (negócios) e de bicicleta (padaria). No total do dia, as pessoas realizaram 23 viagens e percorreram 46 km. Padrões de deslocamento de duas famílias diferentes. Assim, no espaço urbano de nossas cidades são realizadas diariamente milhares ou milhões de viagens, utilizando-se meios de transporte diferentes, em horários diferentes. Na Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, eram realizados por dia, em 2007, cerca de 38 milhões de deslocamentos de pessoas (viagens), dos quais 13 milhões a pé e 25 milhões em veículos motorizados; dentre estes últimos, 14 milhões eram feitos por transporte coletivo e 11 milhões por transporte particular. Todos esses deslocamentos representam a “vida” da cidade e estão, portanto, diretamente ligados às características socioeconômicas da população, à idade das pessoas, ao seu trabalho, sua renda, seu local de moradia. O trânsito é, assim, o conjunto de todos os deslocamentos diários, feitos pelas calçadas e vias da cidade, e que aparece na rua na forma de movimentação geral de pedestres e veículos. Por tudo isso, o trânsito não é apenas um problema “técnico”, mas, sobretudo uma questão social e política, diretamente ligada às características da nossa sociedade. Para entender o trânsito, portanto, não basta discutir os problemas do dia a dia, como congestionamentos e acidentes, é preciso também analisar como o trânsito se forma, como as pessoas participam dele, quais são seus interesses e necessidades. Isso significa se esforçar para entender o trânsito “por trás” de suas aparências, dos seus fatos corriqueiros, na busca de uma “sociologia de trânsito“, que eu venho propondo como a forma mais adequada de lidar com a questão. A melhor maneira é começar pela discussão dos conflitos que ocorrem na circulação urbana, como as pessoas se comportam na disputa pelo espaço e por que existem os “problemas” do trânsito na circulação urbana. Conflitos na circulação Papéis e conflitosOlhando mais detalhadamente a circulação urbana, podemos ver que ela apresenta alguns conflitos que lhe são inerentes. O primeiro deles é o conflito físico, mais conhecido, de disputa pelo espaço, como no caso de dois veículos que se aproximam ao mesmo tempo de um cruzamento, ou de um pedestre que deseja passar entre vários veículos em movimento. Esse tipo de conflito é o mais aparente no trânsito, mas não é o único: existe outro, que eu chamo conflito político, pois reflete os interesses das pessoas no trânsito, que por sua vez estão ligadas à sua posição no processo produtivo da sociedade. A melhor maneira de visualizar esses conflitos de interesse é tentar verificar como as pessoas procuram deslocar-se no espaço urbano, o que elas desejam, quais são as suas estratégias de ação. Para tanto, vamos jogar um pouco com as posições (pedestre, motorista, passageiro) que as pessoas assumem no trânsito. Pedestres e motoristas: quando o pedestre se desloca, ele (normalmente) deseja fazê-lo o mais rápido possível, como se as calçadas fossem contínuas e não houvesse nem automóveis nem vias a atravessar; o que deseja é alcançar a melhor “fluidez” possível no seu deslocamento, além da segurança e da acessibilidade máximas. Ao andar, no entanto, ele vai deparar-se não apenas com outros pedestres, mas com veículos e vias para atravessar. Ao tentar fazê-lo, ele vai encontrar problemas, pois os motoristas que circulam por essas vias também querem andar o mais depressa possível, sem interrupções, calçadas, pedestres para atrapalhar, ou seja, os motoristas também desejam a maior fluidez possível nos seus deslocamentos. Se nós deixarmos os pedestres e os motoristas agirem por conta própria, eles farão, sozinhos, aquilo que se chama de “negociação de espaço”: os pedestres serão obrigados a esperar a ocorrência de “brechas” no tráfego para então atravessar a via. Se instalarmos um semáforo para proteger os pedestres, o que vai acontecer? Supondo que ele seja respeitado pelos motoristas, os acidentes deverão diminuir bastante. Mas o que aconteceu realmente? Para aumentar a segurança dos pedestres, prejudicamos a fluidez dos veículos, aumentando o número médio de paradas e diminuindo sua velocidade média. Morador e motorista: quem mora numa rua deseja que não haja barulho, poluição, que as pessoas (principalmente as crianças) possam andar pelas calçadas sem perigo; a rua “ideal” é como se fosse uma extensão da casa. Para o motorista que passa pela rua, no entanto, ela é apenas um meio de realizar o trajeto desejado, com o objetivo de atingir o destino o mais rápido possível. O morador deseja, portanto, qualidade de vida, o que implica que sua rua tenha um uso estritamente local. Por outro lado, o motorista que passa pela rua deseja “fluidez”, o que implica ausência de impedimentos à passagem. Isso entra em conflito com o desejo dos moradores. Se a autoridade de trânsito protege a rua do tráfego “estranho” e bloqueia sua entrada (limitada aos moradores), estará defendendo o interesse de qualidade de vida dos moradores, mas prejudicando os motoristas que desejam se utilizar da rua como passagem. Proprietário de estabelecimento, motoristas e passageiros de ônibus: o proprietário de um estabelecimento comercial deseja que seus clientes não tenham dificuldades para acessá-lo, o que significa estacionamento à porta, se eles possuírem renda alta, e um ponto de ônibus próximo, se tiverem renda mais baixa. O motorista que apenas circula pela via, no entanto, deseja deslocar-se o mais rápido pos- sível, o que significa a eliminação de “atritos” aos deslocamentos, nos quais se inclui tanto o estacionamento para outros automóveis quanto um eventual ponto de ônibus. Há também o caso do motorista que deseja estacionar em frente da loja e cujo interesse coincide com o do dono do estabelecimento; assim como há o caso do passageiro de transporte público que também deseja o máximo de acessibilidade, descendo do coletivo no ponto o mais perto possível da porta da loja. Finalmente, há o caso das operações de carga e descarga: interessam ao proprietário, no sentido de serem feitas na frente da loja e nos horários mais convenientes para o funcionamento do estabelecimento, normalmente de dia. O motorista do caminhão também deseja esse mesmo nível de acessibilidade, que coincide com o interesse do proprietário, mas não com o de outros motoristas. O mesmo se dá com os motoristas que desejam estacionar, cujas vagas são ocupadas pelos caminhões. Passageiro de ônibus (cativo) e proprietário de automóvel: enquanto o primeiro necessita de um transporte público eficiente, seguro e barato, o que significa tratamento prioritário, o segundo deseja o máximo de fluidez, o que implica em investimentos de ampliação do sistema viário. Gera-se então um conflito de prioridades, não apenas social, no que diz respeito aos investimentos do Estado, mas técnico-operacional, no que tange o espaço de circulação, dedicado a cada meio de transporte dentro do sistema viário. Todos esses conflitos de circulação urbana já seriam suficientes para transformar o melhoramento do trânsito numa tarefa difícil. No entanto, há ainda outros agravantes. O primeiro é que o interesse do usuário, que faz emergir o conflito, muda constantemente durante a viagem. Por exemplo, imagine o mesmo caso do pai de família de classe média que, utilizando um automóvel, leva os filhos à escola de manhã, antes de ir trabalhar. Ele tem, no início da viagem (em casa), o interesse de que seu veículo esteja o mais perto de si (acessibilidade). Na rua, ele quer deslocar-se o mais rápido possível, livre de interferências. Ao chegar à escola dos filhos ele precisa parar para levá-los até a porta, quando então passa a desejar novamente a acessibilidade. Se ele consegue uma vaga para estacionar a meia quadra do portão da escola e manda os filhos andarem até a entrada, deseja que eles o façam em segurança. Quando os filhos entram na escola, ele dá a partida no carro e sai, desejando novamente fluidez e talvez até reclamando dos outros pais que estão estacionados para fazer exatamente o que ele acaba de fazer. Finalmente, ao chegar ao trabalho, ele volta a querer a acessibilidade, no sentido de poder estacionar o seu veículo o mais próximo possível de seu local de trabalho. Observamos, portanto, que as pessoas no trânsito mudam de interesse ao longo de suas viagens, o que as faz desejar ora fluidez, ora segurança, ou acessibilidade, qualidade de vida, ou várias ao mesmo tempo. Vimos que a posição das pessoas no trânsito também muda constantemente: o pai de família do nosso exemplo é motorista quando se dirige ao trabalho, é pedestre quando vai almoçar com os colegas perto do escritório, é motorista novamente quando volta para casa no final do dia; é morador à noite e ainda é passageiro de transporte público quando deixa o carro com a esposa ou na oficina. Em cada uma das situações ele tem interesses diferentes com relação ao trânsito e passa a exigir, do órgão responsável, medidas que o auxilie. Isso permite entender algo muito importante: no trânsito, não existem “os pedestres” e “os motoristas” como seres imutáveis, existem pessoas “enquanto” pedestres ou motoristas. Assim, ficou claro que o trânsito é feito por pessoas, dentro de uma dada sociedade, com grandes diferenças sociais e políticas, com interesses diversos, surgindo como elemento básico, inevitável, o conflito: o trânsito é uma disputa pelo espaço físico, que reflete uma disputa pelo tempo e pelo acesso aos equipamentos urbanos; é uma negociação permanente do espaço, coletiva e conflituosa. E essa negociação, dadas as características de nossa sociedade, não se dá entre pessoas “iguais”: a disputa pelo espaço tem uma base ideológica e política, depende de como as pessoas se vêem na sociedade e de seu acesso real ao poder. Em nosso país, por exemplo, o motorista julga-se com muito mais direito à circulação que os demais participantes do trânsito, o que está ligado às características autoritárias da sociedade, à falta de conscientizaçãosobre os direitos do cidadão, que faz com que os motoristas ocupem o espaço viário com violência. O processo tem também o seu lado contrário (e complementar) que o confirma: o pedestre normalmente se submete, praticamente aceita a prioridade imposta pelos motoristas, assume o papel de “cidadão de segunda classe”, numa cidade que é cada vez mais o habitat do veículo e o anti-habitat do ser humano. Trabalhando os conflitos O poder do automóvel é tão grande em nossa sociedade que ele consegue tomar o lugar das pessoas nas mentes delas próprias. Por exemplo, se você parar com um amigo junto a um cruzamento do qual um veículo se aproxima e perguntar-lhe o que vem vindo lá na frente, ele responderá sem hesitação: “um automóvel”. No entanto, o que vem vindo não é um automóvel, é uma pessoa, um ser humano “vestido” de automóvel. Essa “roupa” não dá a essa pessoa nenhum direito especial de uso da via que poderia diferenciá-la das demais que estão, por exemplo, a pé. A pessoa que decidiu circular dentro de um automóvel só pode reivindicar seus direitos de circulação como ser humano, como cidadão; a decisão de usar o veículo não altera o seu direito básico, que não é maior do que os outros. Mas, na prática, o que ocorre é o contrário. O forte simbolismo do qual as mercadorias se revestem na sociedade de consumo — e que as faz adquirir status superior, como entes individualizados com poder próprio (quando na verdade são apenas matéria simples) — marca também o uso do automóvel. No exemplo dado, é como se o veículo tivesse vidros escuros e não fosse possível ver que um ser humano o controla; é como se o veículo pudesse andar sozinho e, como tal, tivesse direitos inerentes. É uma espécie de “fetichismo”, que esconde a natureza exclusivamente material do veículo-máquina e lhe confere uma natureza “humana”, revestida de poder. Assim, o conflito entre o pedestre que quer atravessar uma rua e o motorista do automóvel não aparece como o conflito entre duas pessoas com direitos iguais, mas sim como o conflito entre, de um lado, uma pessoa (o pedestre) usando, por exemplo, 1 m2 da via e, de outro, uma máquina “humanizada”, que por usar 10 metros quadrados aparece como tendo maior direito ao espaço. Nesse sentido, quando um técnico diz que não pode aumentar o tempo de travessia dos pedestres porque o trânsito vai “congestionar”, o que ele está dizendo é que não pode aumentar o tempo das pessoas que estão a pé porque as outras pessoas que resolveram sair “vestidas” de automóvel não vão caber na via e, portanto, devem ter prioridade sobre as primeiras. Essa forma de ver o problema da divisão do espaço está profundamente arraigada na nossa sociedade — e nos técnicos também —, condicionando as suas decisões. Ela trai um enfoque elitista e reflete uma ideologia sobre (supostos) direitos adicionais de quem tem maior poder de consumo: ela acaba reproduzindo e perpetuando uma divisão desigual do espaço, que confere direitos indevidos a quem usa o automóvel. Assim, o esforço técnico para “encontrar” a qualquer preço um espaço de circulação para quem usa automóvel — ignorando ou menosprezando os direitos dos demais — gera injustiça e iniquidade. A discussão feita até aqui nos permite uma classificação simples dos papéis que podem ser desempenhados no trânsito e seu impacto na negociação do espaço. Eles podem ser separados inicialmente em não mecanizados (pedestres) e mecanizados (bicicletas e todos os veículos motorizados) e em ativos e passivos. Os papéis ativos são aqueles caracterizados por um movimento e, portanto, pela necessidade de consumir espaço viário: é o caso de todas as pessoas que, em várias situações, se movimentam pelas vias e calçadas. Ao contrário, o papel passivo não implica movimento: ele é estacionário, pois a pessoa permanece no mesmo lugar o tempo todo. É o caso do morador, do visitante, do proprietário de loja. Embora estacionário, o papel passivo é afetado pelos ativos quanto ao seu interesse no trânsito (o caso do morador afetado pelo motorista que passa correndo). A rigor, qualquer papel pode ser desempenhado por qualquer pessoa, mas as características de cada sociedade e as condições individuais (idade, renda) vão provocar distribuições específicas dos papéis entre as pessoas. Voltando ao início do texto, esses conflitos básicos podem ser reduzidos a dois conflitos gerais. O primeiro deles é o conflito físico, a impossibilidade física de acomodar simultaneamente, no mesmo espaço, os movimentos gerados pelas atividades das pessoas; o segundo deles é o político, dado pela posição diferenciada das pessoas com relação ao processo produtivo e seus resultados à sociedade, e pelos interesses diversos e conflitantes que daí decorrem, ocasionando diferentes possibilidades de utilização do espaço de circulação. Por outro lado, é também possível explicar os conflitos por meio da ideia de movimento, que está na natureza do trânsito. Em primeiro lugar, veja que o movimento necessariamente gera poluição sonora e atmosférica: qualquer veículo em movimento faz barulho, nos mais variados níveis, e todos os veículos motorizados que usam combustíveis produzem’ poluição atmosférica. O movimento, portanto, ocorre em detrimento do ambiente e, consequentemente, da qualidade de vida. Por sua vez, os movimentos devem ser ordenados; precisam de sua regulamentação pelos sinais, semáforos, o que é uma forma de poluição ambiental. Analogamente, otimizar o movimento significa aumentar a velocidade do tráfego, facilitando a circulação dos veículos pelo sistema viário, o que aumenta (potencialmente) a insegurança na circulação, principalmente para os pedestres, crianças e idosos; da mesma forma, a otimização está ligada ao fornecimento de caminhos mais diretos entre as origens e os destinos, o que entra em conflito com a necessidade de preservação de determinados usos do solo, principalmente o residencial (caso das invasões de vias por tráfego estranho). Olhando pelo lado do sistema viário, podemos entender algumas coisas também. Como nossos exemplos mostraram, a via precisa exercer duas funções conflitantes ao mesmo tempo: permitir o movimento (a passagem) e possibilitar o acesso (a parada). Qualquer melhoria em uma dessas funções afeta negativamente a outra, como no exemplo da disputa entre os motoristas que querem circular rapidamente e os que querem estacionar. Esse último raciocínio nos permite lembrar um conceito fundamental para o trânsito, e do qual você já deve estar desconfiado. É impossível, no trânsito, atender a todos os interesses ao mesmo tempo, no mesmo espaço, pois ao procurar melhorar a fluidez, a segurança e a acessibilidade são afetadas; ao procurar aumentar a segurança, afeta-se a fluidez; ao tentar melhorar a acessibilidade, afeta-se a fluidez e talvez a qualidade de vida, e assim por diante. Dessa forma, organizar o trânsito é balancear vantagens e desvantagens e fazer opções por alguma das soluções possíveis, de modo a atingir os objetivos propostos sem prejudicar excessivamente as demais condições. Assim, pode-se proibir o estacionamento de uma via para melhorar a fluidez de tráfego, mas se faz apenas de um lado, ou por um período limitado de tempo; proíbem-se os caminhões de realizar carga e descarga na via comercial de dia, mas se liberam as operações nas vias transversais e à noite; bloqueia-se uma via residencial para proteger os moradores, mas se oferece alguma alternativa de passagem para o tráfego; instala-se um semáforo num cruzamento para aumentar a segurança, mas ele funciona com luz piscante amarela de advertência à noite, quando o fluxo é mais baixo. É fundamental, por último, não esquecer que os conflitos têm uma base física, ou seja, é na disputa pelo espaço que os interesses diversos se encontram. Isso quer dizer que, se nós eliminarmos o conflito físico, ou seja, construirmos, por exemplo, uma passarela, em vez de instalar um semáforo para pedestres, não haverá mais conflito físico e, portanto, o problema de trânsito estará resolvido? Apenas em parte: para os pedestrese os veículos que por ali passam, realmente desaparece o conflito físico e, desde que os pedestres utilizem a passarela, não haverá mais acidentes, o que garante máxima segurança e não afeta a fluidez. No entanto, dado que os interesses das pessoas no trânsito mudam durante a viagem, o mesmo pedestre que atravessou a passarela andará pela calçada conflitando com os outros pedestres e com os veículos que estiverem entrando ou saindo das construções ao longo da via. Pode ser também que ele queira pegar um ônibus ou um táxi e acabe conflitando com os demais veículos, e assim por diante. Não é possível, assim, eliminar todo o conflito físico de uma cidade, tentando, por exemplo, construir uma nova cidade com viadutos e estruturas, pois as pessoas não são máquinas, ou elementos como água, luz, telefone, que podem ser conduzidos eternamente pelos mesmos canais: as pessoas são várias coisas no trânsito: pedestres, motoristas, passageiros de ônibus, moradores; estão constantemente mudando de posição. A engenharia de tráfego é, assim, uma atividade técnica no sentido de utilizar procedimentos racionais de base matemático-física, e também política, no sentido de dirigir a aplicação dessas técnicas segundo os interesses conflitantes das pessoas que fazem o trânsito, buscando sempre algum tipo de equilíbrio entre vantagens e desvantagens. Variáveis Utilizando os conflitos na circulação é possível, então, definir quais são as variáveis importantes no trânsito que podem ser usadas para medir sua “qualidade”. Entre os técnicos do mundo inteiro há várias definições sobre como medir a qualidade, sendo a mais comum a que recomenda a análise em função de dois objetivos: a fluidez e a segurança. A busca por fluidez está ligada à diminuição do tempo de percurso, ou seja, ao aumento da velocidade média, o que tem um significado profundo na sociedade moderna, em que “tempo é dinheiro”. Por fluidez entende-se a facilidade de circulação, aquilo que popularmente é usado para “julgar” o trânsito: ele está “bom” quando é fácil circular nele, quando não há muitas interrupções, não há congestionamento. Por outro lado, a segurança é sempre relacionada a (e medida de acordo com) índices de acidentes: quanto menores os índices, melhor a segurança na circulação. Um trânsito com condições ideais de segurança deveria apresentar um índice de acidentes igual a zero. No entanto, em função do caráter social do trânsito, venho propondo uma mudança nesse enfoque, para privilegiar o caráter sociopolítico, sobre o qual falei no primeiro capítulo. Por isso, tenho utilizado uma classificação um pouco diferente, baseada em quatro objetivos, todos intimamente ligados entre si e dos quais dois coincidem com os tradicionais. Além da fluidez e da segurança, há dois outros objetivos. Em primeiro lugar, a acessibilidade. É a facilidade (ou dificuldade) — medida pelo tempo e pelo custo envolvidos — com que os locais da cidade são atingidos pelas pessoas e mercadorias. Assim, um trânsito com alto nível de acessibilidade permite que as pessoas e as mercadorias cheguem rapidamente ao destino desejado, utilizando di- ferentes meios para isto. Permite também que elas tenham acesso real ao interior dos locais a que se destinam, como no caso da necessidade de ir a pé (pedestres) e de estacionar (veículo) e depois andar até o ponto desejado. Este último caso, que mais interessa ao trânsito, diz respeito ao estacionamento e ao acesso aos locais da cidade, o que entra em conflito com as necessidades de circulação pelas vias. Em segundo lugar, a qualidade de vida. Relaciona-se ao respeito às funções de cada via, principalmente às vias de zonas residenciais, e à defesa do meio ambiente. Envolve também a “compatibilização” entre o uso do solo de uma via e o volume e tipo de tráfego que por ela passam. Assim, um trânsito que se processe adequadamente por um sistema viário em cujas vias residenciais só ocorram os movimentos ligados à vida dos moradores, e em que o tráfego “pesado” (caminhões, ônibus) circule pelas vias principais, representa um alto nível de qualidade de vida. Analogamente, um trânsito que, pelas mesmas condições apontadas, produza níveis aceitáveis de poluição sonora e atmosférica também representa um alto nível de qualidade de vida. Assim, trabalhando com os conceitos de fluidez, segurança, acessibilidade e qualidade de vida você pode analisar qualquer situação de trânsito e compreender sua dinâmica e o seu desenvolvimento. Faça um teste você mesmo: no percurso diário entre sua casa e a escola ou o trabalho, como é a fluidez do tráfego? Como é a segurança? Já se envolveu em acidentes de trânsito? Quantas situações de “quase acidentes” você enfrenta num dia qualquer? Se quiser visitar um museu, ir a um ginásio de esportes, ao cinema, a um posto de saúde, quanto tempo você leva e quanto o deslocamento lhe custa? A sua rua, ela tem tráfego local ou passam também caminhões e veículos que nada têm a ver com sua vida e a de seus vizinhos? O problema da qualidade de vida A qualidade de vida no trânsito está ligada ao próprio processo de construção da cidade, ou seja, à criação do espaço urbano, do ambiente no qual as pessoas vivem e circulam. Está ligada também ao respeito à função das vias (residencial, comercial) e à questão da poluição sonora e atmosférica. Para entender o que é a qualidade de vida ligada ao trânsito é preciso pensar no processo de construção da cidade, conforme ela vai surgindo. Imagine então um exemplo simples de construção de um conjunto habitacional de apartamentos populares na periferia de uma grande cidade. Se ele foi implantado, é porque alguém definiu que naquele local era possível o uso do solo residencial e nas características de ocupação (área ocupada) apresentadas pelo conjunto habitacional. Essa decisão sobre o uso do solo é tomada pela atividade chamada “planejamento urbano”, que define como a cidade pode ser construída. Esse tipo de uso do solo gerará viagens cuja natureza e quantidade serão determinadas pelas características do conjunto habitacional e sua população, como a área ocupada, a renda dos habitantes, a quantidade de pessoas e suas idades. O conjunto de viagens precisará ser atendido pelos sistemas de transporte e trânsito e o número de viagens poderá ser estimado por métodos matemáticos. O conhecimento desse valor, aliado ao conhecimento da renda das pessoas que habitam esse local de destino e de outras características, permitirá tomar então as primeiras decisões na área de transportes, referentes, por exemplo, às vias e aos sistemas de transporte necessários ao atendimento das viagens. No caso imaginado, de residências populares, a probabilidade maior será dimensionar um sistema de transporte público, pois a disponibilidade de veículos particulares tende a ser baixa. Dependendo do volume de viagens, esse sistema poderá ser desde uma simples linha de ônibus, com dez veículos operando, até uma linha de metrô. Paralelamente, será definido o sistema viário, que poderá ser desde a própria via existente, com algumas melhorias, até a construção de uma via inteiramente nova. Esse sistema permitirá que os veículos necessários passem. Finalmente, será necessário projetar o sistema de trânsito, ou seja, os equipamentos e as condições que permitirão a circulação das pessoas e dos veículos: as prioridades na circulação, a sinalização, o estacionamento. Você pode então perguntar: esse exemplo imaginário corresponde à nossa realidade? Não. É apenas um exemplo do que deveria ser uma atividade coordenada, se fosse para aplicá-la sempre em nossas cidades. Mas, no Brasil, isto não acontece, e as diferenças do “real” para o “ideal” são muitas. Por exemplo, o conjunto habitacional pode ser projetado e implantado sem considerar os sistemas viários e de transporte existentes: ocorre a inauguração e simplesmente não há ônibus suficientes para o transporte das pessoas. O mesmo acontece quando se inaugura um shopping center sem previsão do sistema viário: os automóveis que para lá se dirigem simplesmentenão conseguem chegar. Ou então quando se inaugura uma escolinha infantil onde antes era uma residência e não há previsão de estacionamento: as mães estacionam em fila dupla ou tripla, por preguiça de andar 50 metros. Ou, finalmente, quando se abre a porta de uma escola para uma avenida movimentada: na prática, é o mesmo que a inauguração de uma “fábrica de atropelamentos”. Sobre esse processo de expansão, vale à pena fazer mais algumas observações. No caso específico do Brasil e dos países do chamado Terceiro Mundo, esse crescimento se deu quase sem nenhum planejamento. A cidade vai se expandindo sob as regras “mais livres” da economia de mercado. A melhoria dos equipamentos urbanos, como as vias (alargamento, asfaltamento), aliada à garantia de meios adequados de consumo coletivo (água, esgoto, iluminação), valoriza o solo urbano, impedindo que as pessoas de baixa renda (maioria em nossa sociedade) possam morar nesses locais e forçando aqueles que já moravam a vender suas casas e se mudar para locais mais distantes. Assim, aumenta-se a distância entre a casa e o trabalho, tornando as viagens mais difíceis, mais demoradas e mais caras. Por outro lado, a ausência de controle sobre o uso do solo permite o aparecimento dos loteamentos clandestinos, que acabam por transformar-se também em problema para a circulação, na medida em que seu sistema viário irregular dificulta o acesso do transporte coletivo e torna muito difícil a tarefa de caminhar. Paralelamente, a ausência de controle sobre o uso do solo permitiu, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, que se construíssem, em grandes áreas, edifícios muito altos, alguns em locais cujas vias (além das redes de serviços básicos) não comportam o volume de tráfego gerado, levando a problemas crônicos de circulação. Outro problema grave ligado à qualidade de vida refere-se à “invasão” e áreas residenciais ou de grande circulação de pedestres. O tráfego que passa a ser utilizado nessas vias nada tem a ver com elas, tidas apenas como passagem e, muitas vezes, em alta velocidade. Com o passar do tempo, o problema pode, inclusive, agravar-se: a passagem do tráfego vai provocando lentamente a alteração do uso do solo, com o aparecimento de comércio e outros serviços, dificultando a permanência dos moradores no local. Finalmente, é preciso lembrar os privilégios dos automóveis nas cidades modernas. A busca de maior fluidez para a circulação dos veículos leva à destruição da cidade, à abertura indiscriminada de novas vias, ao alargamento de vias existentes, quase sempre em detrimento da qualidade de vida dos moradores e dos pedestres. A cidade vai se desumanizando, transformando-se em um lugar onde apenas o condutor do veículo “sente-se bem”; as pessoas não possuem mais segurança e conforto enquanto pedestres ou moradores. A defesa da qualidade de vida no trânsito, então, passa pela defesa (principalmente) do local de moradia das pessoas. Assim, uma das formas de garantir o mínimo de qualidade de vida é evitar que as vias residenciais sejam “invadidas”. Para atingir o objetivo têm sido usadas várias técnicas que poderíamos denominar, em seu conjunto, “técnicas de restrições ao tráfego”. É o caso, por exemplo, do fechamento parcial de vias residenciais, permitindo apenas a entrada dos moradores ou dos veículos de serviço (telefone, lixo, gás), que, na verdade, constitui um “redesenho” da via, uma imitação do que se desejaria que tivesse sido feito quando a cidade foi construída. Outra técnica comum é a instalação de dispositivos nas interseções internas de uma área — pequenas barreiras com floreiras, círculos (as minirrotatórias de São Paulo), obstáculos de materiais diversos, com o objetivo de diminuir a velocidade no cruzamento (ou mesmo interromper a passagem) e desestimular a circulação dos veículos estranhos à área. É o caso também da instalação de obstáculos em vias de passagem (lombadas, por exemplo), que obrigam a diminuição de velocidade e desestimulam a passagem pelo local. Todos esses dispositivos e soluções defendem a qualidade de vida dos moradores, mas, prejudicam a fluidez dos que querem passar (às vezes, aos próprios moradores das redondezas), levando frequentemente a protestos. Formas distintas de trabalhar com a qualidade de vida referem-se aos projetos de grande amplitude, como no caso do tratamento de zonas centrais de cidades grandes. Estão nesse grupo, por exemplo, os projetos de “calçadões”, tornando-se então defensável a exclusão dos veículos. Essa exclusão fere frontalmente os interesses de fluidez e acessibilidade dos motoristas, tanto de automóveis quanto de táxis ou caminhões e, devido a isso, ocasiona, geralmente, intensas discussões. O problema do congestionamento Por que será que o congestionamento acontece e quais são as suas características? A primeira consideração importante diz respeito ao conceito de capacidade viária. Essa capacidade, calculável matematicamente e depende de uma série de fatores relativos à via e ao ambiente. Por exemplo, quanto maior a largura “útil” da via (descontado o espaço usado pelos veículos estacionados), maior será sua capacidade, e vias retas e planas têm uma capacidade maior que as vias curvas e em aclive. E assim por diante. Assim, um sistema viário de uma cidade tem uma “oferta”, ou seja, uma capacidade de fazer passar o fluxo de tráfego. Qual seria a “demanda” do sistema? É o próprio fluxo de tráfego, ou seja, as pessoas e os veículos que desejam passar pelas vias. Temos, assim, a nossa relação fundamental, que compara a “oferta” — a capacidade — com a “demanda” — do fluxo de tráfego. Essa relação é um dos instrumentos fundamentais para medir o nível de saturação do sistema viário, ou seja, o quanto ele está longe ou perto do congestionamento, e por isso é chamada “taxa de saturação”. Se o fluxo é muito menor do que a capacidade, a taxa de saturação é baixa: é o caso das vias residenciais, do trânsito na madrugada, do domingo pela manhã. No entanto, à medida que o fluxo aumenta, como nas primeiras horas da manhã de um dia (normalmente, de segunda à sexta), ele vai se aproximando do limite da capacidade, e vai então aumentando a taxa de saturação, o “nível do congestionamento”. Será que o fluxo chega a igualar a capacidade em algum instante? Sem dúvida, o fluxo não só iguala a capacidade em alguns trechos e horários, como também ocorre uma situação ainda pior, em que a demanda supera a capacidade. Visualmente, o congestionamento pode ser detectado pelo aumento constante da fila de veículos, ou, então, no caso de um semáforo, pela observação de que você está na fila, o semáforo mostra a luz verde, você anda um pouco, mas não consegue passar. O uso do espaço A primeira avaliação do uso do espaço é simples e se refere apenas às distâncias que as pessoas percorrem por dia, usando vários modos de transporte. O gráfico 1 a seguir mostra a grande diferença entre as distâncias percorridas pelas pessoas dos domicílios da Região metropolitana de São Paulo, na medida em que varia a renda familiar. Observa-se que as pessoas das famílias de renda mais alta percorrem uma distância quatro vezes superior à percorrida pelas famílias de renda mais baixa, implicando em um consumo muito mais elevado do espaço viário público. Agora, devemos verificar quanto espaço físico as pessoas ocupam ao circular usando modos diferentes de transporte, para verificar como o espaço viário público é consumido. No caso de um semáforo com três filas de automóveis de 100 metros de extensão (uma quadra comum de zona urbana) cabem 48 veículos, que carregam no total 72 pessoas: esta quantidade poderia ser transportada por um único ônibus (com pessoas em pé) ou dois ônibus com todas as pessoas sentadas. A área de 7 m2 do automóvel (parado), dividida pela ocupação de 1,5 pessoas, gera uma taxa de 4,7 m2 por pessoa. Já a taxa correspondente para as pessoas dentro do ônibus é de 1 m2 (sendo a área do ônibus de 30 m2). Isso significa que alguém dentro de um automóvel usa em média 4,7vezes o espaço de alguém dentro do ônibus e o dobro desse valor no horário de pico (já que os ônibus estarão carregando o dobro de pessoas, reduzindo o consumo médio por pessoa). Quando essas taxas médias de ocupação são transpostas para os deslocamentos que as pessoas fazem durante o dia todo, as diferenças entre os grupos e classes sociais ficam muito claras. Em São Paulo, por exemplo, as pessoas dos domicílios de renda mais alta usam oito vezes mais espaço viário (em metros quadrados) do que as pessoas dos domicílios de renda mais baixa. Isso mostra que a via não é um bem de consumo coletivo distribuído igualmente entre as pessoas, pois é usufruía diferentemente por elas, conforme suas condições socioeconômicas. Assim, a ideia de que os investimentos no sistema viário são sempre defensáveis porque serão democraticamente apropriados por todos é um mito, manipulado habilmente por alguns políticos. Na maior parte das vezes, os investimentos privilegiam setores específicos da sociedade, que têm acesso ao transporte individual e que poderão consumir muito mais espaço. E, conforme será visto adiante, pouco ajudam na solução de grandes congestionamentos. Soluções Em praticamente todas as cidades médias e grandes, há trechos de via ou interseções que ficam congestionadas durante algum período do dia. Em metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro há centenas de locais que, diariamente, apresentam algum nível de congestionamento. Mas será então que o congestionamento é inevitável? A rigor, sim, pois a forma de evitá-lo seria fazer com que a capacidade das vias fosse sempre, em qualquer instante, superior à demanda do tráfego; mas, na prática, não é possível, nem desejável, por uma série de motivos. Inicialmente, uma das características do tráfego é a sua flutuação ao longo das horas e sua concentração nos “picos”. Entre os 38 milhões de viagens que ocorrem em São Paulo por dia, cerca de 25% delas ocorrem nos horários de pico, entre 6h e 8h e entre 17h e 19h. Tal flutuação reflete o padrão de comportamento de nossa sociedade com relação ao deslocamento concentrado na ida e na volta do trabalho. Se vivêssemos em uma sociedade em que o trabalho tivesse horário livre, não determinado, isso se refletiria no trânsito, levando provavelmente à suavização dos horários de pico, com as pessoas se deslocando em diferentes momentos do dia. Assim, a demanda de trânsito varia intensamente durante o dia (e entre os dias do ano) e, consequentemente, varia muito o nível de saturação do sistema viário, exatamente o que ocorre com os sistemas de água e luz de uma cidade. Nesses casos, os sistemas são dimensionados para suportar a carga de “pico” e, consequentemente, ficam ociosos durante o resto do dia. A solução, no caso do sistema viário, seria ampliar sua capacidade e eliminar os cruzamentos, de tal modo que as vias fossem capazes de fazer passar o fluxo de tráfego nos horários de “pico”. No entanto, é evidente que isso é impossível e indesejável, por pelo menos três motivos básicos: Como ocorre com os sistemas de abastecimento de água, o tráfego apresenta “picos” nos horários em que as pessoas vão para o trabalho e voltam para casa. em primeiro lugar, devido à necessidade de desalojar um elevado número de pessoas para a realização de grandes reformas na cidade, o que ocasionaria um altíssimo custo social; em segundo lugar, pelo custo econômico e financeiro desse tipo de operação, insuportável para a economia (provavelmente não haveria mais recursos para nenhum outro investimento); em terceiro lugar, porque isto beneficiaria apenas os proprietários de automóvel, excluindo a grande parcela da população que não possui veículo próprio. Além disso, a tentativa de eliminar os congestionamentos a partir da construção e ampliação de vias esbarra também em uma característica importante da economia de transportes sob o ponto de vista pessoal, referente à escolha de transporte que cada um quer utilizar. As pessoas escolhem o tipo de transporte em função de sua condição monetária, do tempo disponível para o deslocamento, da oferta e da qualidade (presumível) de cada tipo de transporte e das dificuldades que provavelmente ela enfrentará ao utilizar as diferentes alternativas. Ao comparar as vantagens e dificuldades de cada tipo, as pessoas fazem um raciocínio complexo, computando uma série de “custos” diretos e indiretos, tangíveis (por exemplo, a gasolina) e intangíveis (por exemplo, o desconforto). Esse cálculo complexo produz o que se chama, na economia de transporte, de “custo generalizado”, ou seja, a soma de vários custos que a pessoa acredita que irão ocorrer, ponderados segundo os seus critérios pessoais de valoração. A tendência da pessoa é utilizar o meio de transporte que apresentar o menor custo generalizado (e que esteja dentro da sua conveniência pessoal e das suas possibilidades de uso). Na prática, uma pessoa que possa optar entre o automóvel e o transporte público faz essa conta e toma a decisão. Para a maioria dos que têm acesso ao automóvel no Brasil, a decisão acaba sendo pelo automóvel, uma vez que o custo de usar o automóvel é “baixo” e o “custo generalizado” de usar o transporte público é, em geral, elevado. Isso não ocorre por causa da tarifa do transporte público (acessível a todos que têm automóvel, no nosso exemplo), mas pelo tempo de caminhada, de espera no ponto e de deslocamento em um veículo — que, afinal, também implica um gasto —, e por componentes “intangíveis“ como o desconforto ou a falta de informação adequada. A conclusão mais importante que decorre desse raciocínio é que, se o “custo generalizado” mudar, mudará a opção das pessoas entre as alternativas de transporte. Isto vale tanto para um aumento desse custo, quanto para a sua diminuição: se, por exemplo, aumentar muito o custo do transporte público, isto reduzirá a sua utilização; se, por outro lado, um novo sistema de transporte público mais eficiente e confortável for oferecido, isto tenderá a atrair mais usuários. No caso do automóvel, se o custo do estacionamento se reduz o uso do carro tende a aumentar e, se o custo do deslocamento aumenta devido ao congestionamento, há a tendência do usuário procurar alternativas (de rota, de horário, de meio de transporte). Voltemos então ao caso da ampliação do sistema viário. Quando ela é feita, isto reduz o tempo de percurso (e o desconforto) do uso do automóvel, reduzindo o seu custo generalizado e aumentando, portanto, a sua atratividade. Pessoas que evitavam a via antes congestionada nos horários de pico ficarão tentadas a usá-las novamente e pessoas que ficavam em casa (por vários motivos) podem ser incentivadas a tirar o carro da garagem para fazer mais um deslocamento que não era feito antes, aproveitando a nova disponibilidade de espaço viário. É por esse motivo que, em sistemas muito congestionados como o das grandes cidades, vias ampliadas ou vias novas tendem a receber grande fluxo de automóveis em curto prazo, congestionando-se novamente. Mais uma vez, torna-se clara a limitação da política de ampliação indiscriminada do sistema viário e revela-se o mito que está por trás da maioria dessas obras. Nem mesmo os países ricos o conseguiram, embora alguns tentassem. A cidade de Los Angeles tem a maior oferta de vias expressas por habitante do mundo e seu trânsito está todos os anos entre os três mais congestionados dos Estados Unidos, segundo pesquisa realizada anualmente pela Universidade do Texas. Frente a tal impossibilidade, você pode pensar: vamos atuar do outro lado, ou seja, impedindo que a demanda cresça demasiadamente, controlando o uso do solo ou tentando impedir que tantos veículos particulares circulem nas ruas. Como então isso seria possível? Controlar o uso do solo para impedir que a demanda aumente caoticamente parece uma boa ideia, mas a experiência tem demonstrado que isso é muito difícil, dadas as características da nossa sociedade: o controle do uso do solo, pelas chamadas “leis de zoneamento”, esbarra frequentemente no conceito de propriedadeprivada da terra, nos interesses ligados à especulação imobiliária e na própria dificuldade do Estado de organizar-se para fiscalizar o uso e a ocupação do solo. A segunda ideia, de diminuir os veículos em circulação, pode ser executada por dois caminhos, o escalonamento de horários ou a transferência de viagens de automóveis para o transporte coletivo. O escalonamento requer que os horários de entrada e saída das atividades como trabalho e comércio sejam mudados e organizados de tal forma a suavizar a concentração de deslocamentos nos horários de pico. Assim, as mesmas vias poderiam servir melhor a mesma quantidade de veículos, que se distribuiriam melhor no tempo. A segunda possibilidade passa por um dos aspectos mais polêmicos da engenharia de tráfego e transporte em todo o mundo, que se refere à tentativa de convencer os motoristas a deixar seus veículos e passar a utilizar os transportes públicos. Esta mudança, desejável sob os pontos de vista urbanístico (preservação da cidade), ambiental (defesa da qualidade do ar), energético (economia de combustíveis) e social (garantia de espaço de circulação para o transporte público), é difícil de ser efetuada na prática, dadas as características socioeconômicas do nosso desenvolvimento. O automóvel, além de ser o modo de transporte mais confortável e conveniente do ponto de vista individual, transformou-se, na sociedade moderna, em meio de consumo essencial para a vida de alguns setores sociais, especialmente a classe média. Isso acontece porque a nova classe média está ligada a um novo estilo de vida, que envolve uma rede de atividades muito variada no tempo e no espaço (aquela rede que exemplifiquei no início do livro, com a descrição das viagens feitas por uma família em um dia típico). Muitas dessas atividades eram feitas antes perto de casa, a pé, e mudaram de lugar no momento em que a vida urbana tornou-se mais complexa. No caso específico do Brasil, a classe média trocou o público pelo privado, com grande impacto no sistema de transporte: ao invés de ir à escola pública, ela vai à escola privada mais distante; ao invés de ir ao posto de saúde do bairro, ela vai ao médico particular, cujo consultório é às vezes distante; ao invés de buscar lazer na rua, ela precisa comprar o direito de frequentar um clube; ao invés de comprar nas pequenas lojas da rua, ela vai ao shopping e a grandes supermercados distantes. Assim, esse estilo de vida requer grande mobilidade, para fazer todas essas atividades no tempo disponível. Se o transporte público é precário, como na maior parte das cidades brasileiras, o automóvel surge como a única tecnologia eficiente e passa a ser usado intensamente (conforme a discussão do “custo generalizado” feita anteriormente). Essa é uma decisão racional, que decorre de um raciocínio lógico frente aos condicionantes existentes. A procura pelo automóvel, portanto, está muito ligada à precariedade do transporte público e à condição do automóvel de “meio de reprodução social”, ou seja, da sua conveniência para o exercício das atividades que a classe média considera necessárias para “ser” classe média. O apego ao automóvel não é, portanto, uma atitude “egoísta”, “individualista”, mas uma conscientização (sociológica) de sua importância para a vida de certos grupos sociais (o que não impede que se faça a crítica do uso do automóvel). É lógico que, em alguns setores de renda mais alta, a marca do automóvel pode ser um símbolo de status, assim com em setores de renda muito baixa a posse de um veículo pode desempenhar a mesma função. Mas, para a maioria das pessoas (milhões, no caso do Brasil) que dedicam uma parte significativa da sua renda para a aquisição do automóvel, o motivo é mais complexo. Assim, é enganoso ver a procura pelo automóvel como um “desejo natural” das pessoas, ao qual o governo deveria ceder e ao qual a sociedade deveria se adaptar. Desejos naturais são apenas os fisiológicos (dormir, comer, beber), os demais são sempre condicionados pelas características específicas de cada sociedade, em cada momento de sua história. Se mudarem as características, mudarão os hábitos de consumo, inclusive o uso do automóvel: basta ver que em países desenvolvidos da Europa, onde a renda é semelhante (ou superior) à dos Estados Unidos e o índice de motorização (veículo por habitante) é também elevado, o automóvel é muito menos utilizado: enquanto os norte-americanos rodam cerca de 20 mil quilômetros por ano com seus carros, os europeus rodam 12 mil (e têm um padrão de vida igual ou superior). Todos esses fatores fazem com que os motoristas resistam muito a abandonar ou mesmo diminuir a utilização dos automóveis e inúmeros planos de transferência modal têm fracassado em suas propostas. Fazem também com que todos nós paguemos um enorme custo social pelos congestionamentos — principalmente nas grandes cidades —, que prejudicam diretamente nossa qualidade de vida, e que parte das cidades seja destruída ou prejudicada por obras viárias em benefício dos usuários de automóveis. Otimizando a circulação Existem várias técnicas que podem ser aplicadas. A primeira diz respeito ao objeto da engenharia do tráfego, ou seja, à circulação: trata-se de distribuir o tráfego pelas vias disponíveis, de modo a utilizar melhor o sistema viário. Neste caso, surge a “mão única” de circulação, que aumenta a fluidez (de vias anteriormente congestionadas, operando em mão dupla), pois facilita a circulação e as manobras nas interseções (embora aumente os percursos médios). Em segundo lugar, existem as técnicas de dimensionamento e coordenação de semáforos. Por meio delas, os tempos de verde são calculados em função das condições do tráfego e, mais do que isso, os semáforos próximos entre si são operados de modo que o tráfego que por eles passar, em sequência, o faça da melhor maneira possível. No caso da coordenação, trata-se do conceito de “onda verde”, por meio da qual os semáforos de uma via vão mostrando luz verde à medida que os veículos vão percorrendo a via. Aparentemente, a “onda verde” é um “ovo de Colombo”, mas ela não é mágica, tem suas limitações e, devido ao relativo desconhecimento de suas características, as pessoas esperam mais do que ela pode dar. Veja por quê. Se a via é de “mão única”, a implantação da onda verde é fácil, pois basta programar os semáforos para irem abrindo à medida que os veículos se aproximem. Mas a cidade não é feita só de vias de mão única e, além disso, as vias não são todas paralelas, elas se cruzam. Assim, quando se procura instalar uma “onda verde” em um sentido de uma via de mão dupla, o que acontece na maioria dos casos é que no outro sentido surge uma “onda vermelha”, que bloqueia os veículos em todos os cruzamentos. Isso leva à implantação de ondas verdes parciais para cada sentido e, muito provavelmente, é dessa situação concreta e inevitável que costuma derivar a noção (errada) de que os semáforos estão “descoordenados”. Outra dificuldade estrutural da coordenação refere-se ao aspecto de malha do sistema viário: não é apenas a sua rua que merece a coordenação; mas as outras vias que cruzam a sua também. E como fazer isso? Utilizam-se processos matemáticos que levam em consideração todo o fluxo de tráfego da área e procuram então reduzir o tempo de percurso e as paradas nos semáforos a valores mínimos para todos os veículos envolvidos. Não é possível que o tráfego da área seja um “mar de verde” para todos os veículos e pedestres, como a gente gostaria que fosse, ou seja, todos vão sofrer algum atraso. Em terceiro lugar, existem os planos de estacionamento e de carga e descarga, que procuram minimizar o efeito dessas operações na fluidez do tráfego. Tal minimização afeta negativamente a acessibilidade aos locais, pois passa pela restrição ou proibição das operações de estacionamento e de carga e descarga, que é vista como prejudicial por motoristas de automóveis, caminhões e táxis. A restrição ao estacionamento, no entanto, libera à circulação um espaço viário muitas vezes imprescindívelpara que não ocorra o congestionamento. Finalmente, deve-se lembrar que a qualidade da circulação depende muito também da chamada “operação” de trânsito. Esta atividade implica utilizar recursos humanos e materiais para acompanhar o dia a dia do trânsito, orientando as pessoas, ajudando a resolver pequenos problemas, fiscalizando o uso adequado das vias. Essa atividade, bem coordenada, pode dar muitos benefícios com investimento relativamente baixo. O problema da segurança O Brasil é um dos recordistas mundiais em acidentes de trânsito, com cerca de 35.000 mortes por ano. Os Estados Unidos, com uma frota dez vezes superior à nossa, têm 45.000 mortos no trânsito por ano. Apenas na cidade de São Paulo, em 2007 morreram cerca de 1.566 pessoas em acidentes de trânsito, das quais 736 (47%) eram pedestres (como mostra o gráfico 2), representando uma morte a cada seis horas. Os dados sobre São Paulo e Belo Horizonte mostram que a maioria das fatalidades ocorre com pedestres e que a motocicleta — ausente das estatísticas até o início da década de 1990 — já corresponde a cerca de 25% das mortes no trânsito. No nível físico, a segurança interessa a todos, pedestres, ciclistas e condutores de veículos. Falando especificamente do Brasil e de suas grandes cidades, a questão da segurança dos pedestres é fundamental, pois o número de atropelamentos é altíssimo, com grande porcentagem de casos fatais (50%, aproximadamente); conforme estudos realizados, isso se deve não só ao fato de o pedestre ser o elemento mais frágil no trânsito, mas também ao fato de o nosso ambiente de circulação — adaptado para o uso do automóvel — ser hostil aos papéis mais vulneráveis, como o de pedestres e ciclistas. No que diz respeito aos motoristas, o problema também é grave, devido ao desrespeito à sinalização, ao abuso da velocidade e do álcool, bem como ao não uso do cinto de segurança, o que aumenta muito o número de feridos gravemente e mortos. A importância da segurança na circulação, além do motivo ético-universal da preservação da vida humana está ligada à necessidade de minimizar os custos sociais dos acidentes, causados pelos ferimentos, pela necessidade de atendimento médico, pela interrupção do trabalho e pelos danos aos veículos e aos equipamentos urbanos. As causas dos acidentes de trânsito são muito variadas e complexas. Os principais fatores são o comportamento humano, as condições da via e do veículo e as características do ambiente de circulação (a disposição física das vias e calçadas, os conflitos de trânsito). Embora os estudos tendam a atribuir a maior parte da “culpa” ao fator humano, é preciso cuidado: nos países em desenvolvimento, como o Brasil, o ambiente de circulação tem uma participação essencial, na medida em que ele foi adaptado irresponsavelmente para o uso do automóvel. Para poder analisar a segurança, é importante considerar os três elementos citados — o ser humano, o veículo e a via — e refletir sobre a sua importância no processo. O fator humano O ser humano no trânsito é o elemento mais importante; a via e o veículo são apenas instrumentos para realizar ou agilizar o ato de transitar, embora sua relação com o ser humano seja fundamental para a dinâmica do trânsito. Em primeiro lugar, a pessoa no trânsito não pode ser encarada como categoria abstrata, como “o gênero humano”; a pessoa é, antes de tudo, um ser político e social, que tem história, personalidade, interesse. Além disso, ela vive cada momento no trânsito como um momento único, condicionado por circunstâncias que lhe são próprias como indivíduo e que lhe são trazidas pelo ambiente no qual circula — por causa disso, difíceis de prever. Penso que a história do indivíduo forma o que poderia ser chamado de “visão do mundo”, de cultura até, que vai condicioná-lo e orientá-lo no trânsito como um todo. Nesse sentido, é fundamental seu relacionamento com o espaço urbano (o ambiente) e a sinalização de trânsito. No tocante ao espaço urbano, a história do indivíduo, a sua experiência pessoal de conhecimento do espaço geográfico permite-lhe certo grau de conhecimento da linguagem da estrutura urbana, maior ou menor, que vai então orientá-lo no seu deslocamento diário pelo am- biente que o cerca. Imagine o exemplo de uma pessoa do campo que resolve ir morar numa cidade grande. É difícil para ela (decodificar) as mensagens contidas no espaço urbano: os sinais de trânsito, os ruídos, os símbolos espalhados por toda parte, a estrutura das ruas e calçadas, os edifícios, as praças. Mais do que isso, ele tem dificuldade de antecipar a ação e a reação das outras pessoas que fazem o trânsito, e que se movimentam com mais rapidez e conhecimento do terreno; essa dificuldade adicional torna o seu deslocamento problemático e perigoso, até que ele aprenda o significado dos símbolos e das intenções de deslocamento das outras pessoas e, então consiga deslocar-se de forma mais segura e eficiente para si próprio. Quanto à sinalização, o problema também é complexo. Ora, a sinalização de trânsito é a institucionalização de um padrão de circulação decidido pelos técnicos. Disso decorre que ela precisa ser entendida pelos participantes no trânsito para ser seguida. E, ao contrário do que se possa pensar, a compreensão não é fácil nem uniforme. Em primeiro lugar, há o caso radical dos analfabetos: grande parte da sinalização de trânsito é ininteligível para eles, causando uma situação indesejável e perigosa. Mesmo no caso da maioria, que sabe ler, o entendimento das mensagens da sinalização também não pode ser considerado perfeito: setas, curvas, diagramas, barras e outros símbolos podem ser compreendidos de maneira diferente pelas pessoas, em função de sua “história cultural”, do seu aprendizado para o trânsito, levando a reações diferentes, que podem ou não resultar em acidentes. Faça um teste: você sabe o que significa o sinal de regulamentação que é um triângulo vermelho invertido, sobre um fundo branco, e que é usado em todo o mundo, inclusive no Brasil? Sob o ponto de vista ideológico, de “visão do mundo”, o aspecto mais importante para o trânsito refere-se à posição que as pessoas se atribuem na sociedade e que vai condicionar sua atuação na disputa pelo espaço. Assim, a disputa é mais ou menos acirrada, mais ou menos previsível, conforme as pessoas sentem-se ou não iguais perante seus direitos à circulação. No Brasil, você já deve ter percebido que o motorista, o dono de um automóvel, julga-se com muito mais direito à circulação do que os demais participantes do trânsito: em vez de ceder espaço a quem não tem este privilégio, como os pedestres e os passageiros de ônibus, ele exige prioridade, força a passagem, ignora os demais (como tendência geral, é claro, pois há exceções). Esse comportamento está muito ligado ao nosso processo político e econômico, ao autoritarismo que caracteriza as relações na nossa sociedade, à falta de conscientização sobre os direitos do cidadão em uma sociedade moderna e à importância do automóvel como símbolo de afirmação pessoal, de status. Paralelamente, também presenciamos em nossas cidades a submissão dos pedestres aos veículos, a qual também tem razões ideológicas e políticas: o pedestre no Brasil é um cidadão de “segunda classe”, inferiorizado nas suas necessidades de deslocamento, desrespeitado, empurrado, atropelado. Sob o ponto de vista psicológico, é importante considerar a personalidade das pessoas, que, ao lado da sua cultura e de sua “visão de mundo”, condicionará o comportamento a cada situação dada, pois é muito importante o “momento” no trânsito, o instantâneo. Diariamente, cada uma das centenas de situações que as pessoas enfrentam no trânsito necessita de uma resposta imediata, cuja base é altamente psicológica e praticamente imprevisível. O que fazer a cada situação? Dar ou ceder o espaço, apressar- se ou diminuir a velocidade, obedecer ou desobedecer à sinalização? Tudo depende de uma série complexa de características, ligado aos fatores citados anteriormente— cultura, ideologia, personalidade —, mas também das condições do momento e da pessoa naquele dia exato: num dia em que você acorda como pé esquerdo, ou que tem um compromisso e está atrasado, a tendência é ser mais rígido no trânsito, enquanto num dia de bom humor você pode ser mais cooperativo. Ainda no campo da segurança de trânsito, sob o ponto de vista biológico (e ergométrico, das medidas do corpo humano) há vários fatores dos indivíduos a considerar, dos quais os mais importantes são a idade, a condição física e a estatura. A idade interfere em dois níveis, o físico — capacidade de deslocamento e rapidez nos reflexos — e o mental, ou seja, no sentido do grau de desenvolvimento cognitivo para avaliar as situações do trânsito. No nível físico, a capacidade de deslocamento interessa quanto à velocidade da pessoa enquanto pedestre e na sua capacidade física para iniciar ou interromper um movimento. A velocidade é importante para o dimensionamento das calçadas, das escadas rolantes, dos tempos de semáforo para pedestre, mas também como elemento referencial do deslocamento dos pedestres frente aos demais corpos em movimento no trânsito: é o caso, por exemplo, da decisão que o pedestre deve tomar ao atravessar uma via por onde está passando um grande número de veículos em alta velocidade. A capacidade física é importante para analisar a possibilidade do pedestre de realizar adequadamente uma travessia de via, na velocidade que escolheu, bem como de saber alterar seu ritmo quando necessário, como por exemplo, para evitar um acidente. No nível mental, os reflexos interessam tanto aos pedestres quanto aos motoristas, devido à necessidade de reação aos estímulos do trânsito, enquanto a maturidade é importante no tocante à necessidade de observação atenta do ambiente para o processamento de informações e a tomada de decisões adequadas. A esse respeito, torna-se muito claro por que é necessário preservar os reflexos na direção, ou seja, por que a ingestão de bebidas alcoólicas e o uso de certas drogas são incompatíveis com o ato de dirigir em segurança. Quando uma pessoa ingere bebidas alcoólicas, o nível de concentração de álcool no seu sangue dependerá de vários aspectos, principalmente da velocidade de ingestão, da presença de alimentos em seu estômago e do seu peso: a concentração eleva-se quando aumenta a velocidade de ingestão e diminui se existe alimento no estômago ou se a pessoa é mais pesada (em relação à concentração no sangue de alguém mais leve, para a mesma quantidade de ingestão). Além da influência desses fatores, uma dada concentração poderá ter efeitos distintos em duas pessoas diferentes. Em geral, concentrações de até 0,2 g/L de sangue não costumam provocar nenhum efeito sobre os reflexos no trânsito. No caso de uma pessoa que pesa cerca de 60 kg, essa concentração já é atingida, por exemplo, com um copo de cerveja ou meia dose de uísque. A partir de cerca de 0,4 a 0,5 g/L a maioria das pessoas começa a ter seus reflexos afetados, comprometendo suas reações no trânsito. E essa concentração já ocorre, para uma pessoa com 60 kg, com dois copos de cerveja, dois cálices de vinho ou uma dose de uísque. É por esses motivos que o limite de concentração de álcool no sangue é normalmente baixo nos códigos de trânsito. Por outro lado, o trânsito envolve, entre todos os segmentos sociais, alguns indivíduos que podem representar sérios problemas, na prática. Trata-se das crianças, dos idosos e dos portadores de deficiência física, além dos alcoólatras. A criança é “imatura” no sentido exposto antes, ou seja, é incapaz de concentrar-se integralmente no “ato de transitar”. Distrai-se com facilidade, não processa adequadamente as informações de velocidade relativa dos veículos que passam e são analfabetas (até cerca de sete anos de idade, quando não mais). A criança é assim um ser anárquico no trânsito e, portanto, imprevisível no mais alto grau. Essa realidade não foi incorporada por nossa sociedade, uma vez que nossas cidades não são construídas para os pedestres (e muito menos para as crianças), mas para os condutores de automóveis. O trânsito de crianças torna-se mais perigoso em nossas grandes cidades: 8% dos mortos em atropelamentos, por ano, em São Paulo são crianças de até nove anos de idade. O idoso, por sua vez, tem tendências a apresentar lentidão de reflexos e baixo vigor físico nos deslocamentos. Sua participação no trânsito de nossas cidades, devido às características urbanísticas, é também muito problemática: se o pedestre em geral é tratado como um cidadão de “segunda classe”, o pedestre idoso é de “terceira classe”, ou seja, enfrenta enormes dificuldades de realizar com segurança e conforto os seus deslocamentos, sendo também preterido pela violência da disputa pelo espaço de circulação: por ano, em São Paulo, 14% das pessoas mortas em atropelamento têm mais de 60 anos. Os portadores de deficiência física, assim como os pedestres em geral e os idosos em particular, perdem constantemente a “guerra” do trânsito devido à sua fragilidade relativa, de natureza física e política. Nos países mais desenvolvidos, os portadores de deficiência física têm pressionando os governos a facilitar seus deslocamentos na cidade, por meio de rebaixamento de calçadas, adaptação de rampas, instalação de semáforos especiais, remoção de obstáculos. Essa pressão tem resultado em adaptações do espaço urbano (e dos equipamentos de transporte) para as suas necessidades, constituindo uma vitória parcial. Todavia, à semelhança dos pedestres em geral, ainda há muito a fazer. Os veículos Agora, pensemos um pouco sobre os veículos utilizados no trânsito. Além do próprio corpo humano, que possibilita o movimento mais natural e universal em todo o mundo — o caminhar do pedestre — existe um veículo de propulsão humana que é a bicicleta. Trata-se de um veículo extremamente útil para deslocamentos curtos, permitindo velocidades de até 25 km/h, a um custo baixíssimo. As suas duas grandes desvantagens são a dificuldade de circulação em terrenos não planos e a falta de proteção contra a chuva. Em todo o mundo, são feitos muitos estudos para o melhor aproveitamento da bicicleta nas cidades, mas a operação de sistemas de transporte por bicicleta — as “ciclovias” — esbarra sempre em dificuldades ligadas à disponibilidade de espaço, à existência de rampas e — mais grave — à garantia de uma circulação segura, devido à competição desigual pelo espaço. Isso se dá porque a bicicleta não protege o seu condutor em caso de um eventual choque — na violência do trânsito urbano, a bicicleta sempre perde a guerra. Outro fator adicional é que as bicicletas são muito usadas pelas crianças, o que torna a sua circulação mais preocupante ainda. Apesar de ser um dos veículos mais eficientes já inventados, a bicicleta ainda não encontrou seu espaço na maioria das grandes cidades, pois as cidades modernas, conforme dito anteriormente, não foram feitas para os pedestres nem para as bicicletas, mas para os automóveis. Entre os veículos de propulsão mecânica, destacam-se a motocicleta, o automóvel, o ônibus e o caminhão. A motocicleta é um veículo muito utilizado na Ásia e na África. Nos países ricos ela é pouco utilizada. No Brasil, a motocicleta era até o final da década de 1980 um veículo de cunho esportivo, limitado a um grupo pequeno de pessoas da elite ou da classe média. A partir de então, as vendas internas passaram a crescer exponencialmente, de 123 mil unidades, em 1990, para mais de quase 2 milhões em 2008. Estima-se que a frota em 2008 tenha atingido 12 milhões de unidades e que grande parte dela esteja sendo usada para entrega de mercadorias nas grandes cidades (embora tenha sido expressivo também seu crescimento nas áreas rurais). A motocicleta é um veículo relativamente eficiente sob o ponto de vista energético e de circulação no trânsito. Apresenta, no entanto, uma desvantagem básica: não oferece proteção aos seus ocupantes. No caso de um choque a falta desta proteção, aliada à velocidade,faz com que a gravidade dos ferimentos seja muito elevada. Apenas para se ter uma ideia, andar de motocicleta em São Paulo é cerca de cinco vezes mais perigoso do que andar de automóvel. Outro aspecto importante da motocicleta é que, como o automóvel, ela se transformou em nossa sociedade em um símbolo de liberdade, trabalhado habilmente pela propaganda. A sua inserção no tráfego geral, à semelhança do automóvel, deu-se de forma abrupta, em que o despreparo de muitos dos condutores — principalmente jovens dirigindo de forma temerária — aliado à sua desvantagem física quando em um tráfego intenso, levou ao quadro grave de acidentes de trânsito. No Brasil o número de mortos em motocicletas passou de 725 em 1996 para 6.970 em 2006 (dez vezes mais). Em cidades brasileiras grandes como Belo Horizonte e Porto Alegre e de porte médio como Uberlândia, Niterói e Maringá, os acidentes com motociclistas aumentaram exponencialmente. Em 2007, os motociclistas mortos no trânsito em São Paulo corresponderam a 40% do total, quando dez anos antes não passavam de 5%. O fato mais impressionante é que o número de mortes em acidentes com motocicletas já ultrapassa aquele que ocorre entre os ocupantes dos demais veículos. Esse fenômeno reduziu consideravelmente os benefícios trazidos pelo Código de Trânsito de 1998, que havia reduzido o numero de fatalidades nas nossas grandes cidades. Dado que há muito tempo já existe grande conhecimento sobre os perigos do uso da motocicleta — na Ásia ela já faz parte do trânsito há mais de 50 anos — devemos nos perguntar por que permitimos que, no Brasil, ela entrasse no trânsito sem os devidos cuidados por parte do governo, da indústria e da sociedade: porque tantos precisarão morrer ou ficar feridos gravemente até que medidas adequadas sejam adotadas? Devido a essa característica, em todo o mundo têm sido incentivados alguns procedimentos básicos para aumentar a segurança dos motociclistas, dos quais três se destacam: o uso do capacete, uma vez que o impacto na cabeça é o principal causador de mortes entre os motociclistas acidentados; o uso do farol aceso, mesmo de dia, para que a moto e seu condutor sejam mais visíveis aos demais veículos; e o uso de roupas claras por parte do condutor, pelo mesmo motivo anterior. O automóvel, por seu lado, é de longe o transporte motorizado individual mais utilizado no mundo moderno, na maioria das cidades. Conforme salientei no início deste trabalho, foi o aumento acelerado da frota de automóveis, dentro do processo de crescimento urbano do nosso século, que caracterizou a “crise” urbana dos transportes e, consequentemente, os problemas de trânsito. O automóvel é, sob o ponto de vista energético, um dos piores meios de locomoção, pois gasta grande quantidade de combustível para transportar poucas pessoas. O número médio de pessoas por automóvel circulando em São Paulo é de aproximadamente 1,3. Em termos individuais, no entanto, o automóvel é o veículo mais conveniente e confortável, pois providencia o que se chama ”transporte porta a porta”. Esse fato explica por que tem sido muito difícil, em todo o mundo, implantar políticas de restrição ao uso do automóvel (conforme visto anteriormente). No tocante à segurança, o automóvel progrediu a partir da década de 1980. Quanto à mecânica, os aspectos mais importantes são os relativos à capacidade de frenagem, desaceleração e desempenho nas curvas. Uma vez em movimento, o veículo precisa de certa distância para parar completamente, o que depende da velocidade de reação do motorista, do sistema de freios, do estado dos pneus e do estado da pista. O grande problema é que a distância necessária para parar o veículo aumenta muito coma velocidade. Por outro lado, o desempenho do veículo nas curvas e envolve também o julgamento do próprio motorista sobre a velocidade adequada. Um dos aspectos mais importantes da segurança viária ligada ao automóvel, em países como o Brasil, é que se trata de uma “máquina” relativamente nova na sociedade. Disso decorre que as pessoas ainda estão em processo de “reconhecimento mútuo” com o automóvel, aprendendo a lidar com ele e suas potencialidades. Aliado a esse fato está o aspecto simbólico do automóvel, reforçado pelo sistema de marketing, que aparece como símbolo de ascensão social, ou de afirmação pessoal (econômico, sexual) para muitas pessoas (conforme visto anteriormente). O automóvel é utilizado, assim, de forma irresponsável por muitas pessoas, que não têm consciência do perigo que representam para os pedestres e os demais motoristas. Se juntarmos a esse fato a impunidade das infrações graves de trânsito, veremos que a situação é realmente grave. Outra questão importante da segurança viária refere-se ao cinto de segurança. Muitos estudos mostram que os cintos contribuem muito para minimizar os efeitos dos acidentes. A sua importância deriva do fato básico de que o efeito de um eventual choque do veículo é transmitido aos seus ocupantes devido à inércia dos mesmos, que os faz serem lançados à frente (ou para fora do veículo), batendo contra a direção, o painel e os vidros frontais do veículo. A violência desses choques já é alta quando o veículo está acima de 40 km/h, e o cinto de segurança atua justamente para evitar que eles ocorram. Analogamente, as crianças, pela sua fragilidade física, apresentam probabilidade maior ainda de se machucarem seriamente quando estão sentadas no banco dianteiro, razão pela qual é prática mundial recomendar o transporte de crianças menores de 10 anos no banco traseiro dos automóveis, utilizando cintos de segurança (ou cadeiras) especiais. O ônibus, por outro lado, é um veículo importantíssimo no mundo moderno, pois se constitui no modo de transporte público por excelência. Com respeito ao trânsito, os ônibus são veículos mais lentos e pesados do que os automóveis, mas têm uma eficiência de transporte muito superior: se você está lembrado, as pessoas presas em automóveis em três filas de 100 metros poderiam estar sendo transportadas por um ônibus. Devido à sua importância como transporte público, os ônibus têm merecido atenção especial, principalmente através das chamadas “faixas ou corredores exclusivos de ônibus”, por meio dos quais se procura melhorar seu desempenho operacional e sua velocidade. Finalmente, os caminhões são os veículos de transporte de carga e, sob o ponto de vista de trânsito e transporte de uma cidade, desempenham um serviço essencial, sem o qual a cidade não poderia funcionar. São veículos mais lentos e de maiores dimensões, que influem negativamente no desempenho do trânsito e muitas vezes irritam os motoristas de automóveis; todavia, as cargas que transportam precisam circular para manter as atividades da cidade — por isso mesmo, merecem um tratamento especial. Via e meio ambiente Por último, as vias e o ambiente de circulação interessam ao tema da segurança de trânsito sob vários aspectos. Em primeiro lugar, é importante verificar os equipamentos que a via possui, dos quais o principal é a calçada: na periferia das grandes cidades brasileiras, um dos principais fatores causadores de atropelamentos é a conjunção de tráfego intenso com a falta de calçadas, o que obriga os pedestres a circular na rua. Em segundo lugar, interessa analisar o pavimento: uma rua de terra impede velocidades altas, mas pode não dar passagem em época de chuvas, enquanto uma rua asfaltada garante a passagem, mas pode facilitar a velocidade, levando ao agravamento dos acidentes de trânsito. É por isso que muitas vezes se tenta fazer uma pavimentação diferente (com blocos, paralelepípedos) para reduzir um pouco a velocidade. Em terceiro lugar, interessa a própria geometria da via, se ela é sinuosa ou não, se tem ladeiras, pois tudo isso está muito relacionado à velocidade do tráfego e à probabilidade de ocorrência de acidentes. Em quarto lugar, interessa o comprimento da via, a sua continuidade e penetração na cidade; uma via com muita continuidade, que percorre grandes extensões na cidade, “atrai” muito tráfego,
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