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- O que é Trânsito - Eduardo A Vasconcelos

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O que é trânsito
Eduardo Alcântara Vasconcellos
 
Copyright © by Eduardo A. Vasconcelos
Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada, armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada,
reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer sem autorização prévia do editor.
4ª edição, 2010
Primeira edição eBook, 2017
Diretora: Danda Prado
Supervisão editorial: Luciana Nobile
Coordenação de produção: Roseli Said
Edição: Max Welcman
Assistente editorial: Paula Coelho
Projeto gráfico da capa: Jairo de Oliveira
Diagramação: Iago Sartini
eBook: Ana Clara Cornelio, Bruna Cecília Brueno, João Pedro Rocha e José Eduardo Góes
Produção: Editora Hedra Ltda.
editora e livraria brasiliense
R. Antônio de Barros, 1839 - Tatuapé, São Paulo - SP, 03401-001
www.editorabrasiliense.com.br
Sumário
Circulação urbana e trânsito
Conflitos na circulação
O problema da qualidade de vida
O problema do congestionamento
O problema da segurança
O problema da acessibilidade
O problema da poluição
Comparação entre três modos
Conclusão
Indicações para leitura
Sobre o autor
À Clarice, companheira no trânsito misteiroso da vida,
e aos jovens brasileiros, que têm o desafio
de humanizar o nosso trânsito.
Circulação urbana e trânsito
Para nós, que convivemos com o trânsito difícil das cidades
contemporâneas, a ideia de que este tipo de problema já afetava as cidades
do Império Romano pode parecer absurda. Mas, na realidade, as primeiras
restrições ao trânsito de que se tem conhecimento foram aquelas
determinadas por Júlio César, que proibiu o tráfego de veículos com rodas
no centro de Roma durante certas horas do dia. Como se não bastasse, em
Roma havia também ruas de “mão única” e estacionamentos fora da via,
especialmente construídos para as carroças.
No final do século XIX, com a criação do automóvel e o aumento da
circulação nas cidades surgem os primeiros problemas modernos de trânsito
e, consequentemente, uma legislação a respeito. Assim, surgiu em Londres,
em 1868, o primeiro semáforo de que se tem notícia, com as cores vermelha
e verde. Na mesma época, em 1870, já se registravam em Londres cerca de
460.000 carruagens, com as quais ocorreram muitos acidentes, com cerca
de 3.200 feridos e 237 mortos.
É no século XX, no entanto, que o trânsito vai generalizar-se como
problema urbano, à medida que as cidades crescem: a “questão” do trânsito
faz parte da “questão” urbana de nossa época. Acidentes,
congestionamentos, barulho, poluição parecem configurar um conjunto de
condições adversas, que fazem com que o trânsito tenha uma imagem
negativa, de caos, entre a maioria das pessoas que moram nas grandes
cidades.
Praticamente todos nós já tivemos algum ou vários parentes e amigos
feridos ou mortos em acidentes de trânsito; enfrentamos dificuldades para
atravessar a rua como pedestres, para chegar ao trabalho ou à escola, dentro
do ônibus, para andar de bicicleta, estacionar o carro perto do cinema, por
exemplo; além disso, muitas pessoas moram em ruas que são utilizadas por
veículos grandes como os caminhões, ou que servem de pista de corrida
para alguns motoristas, às quais as crianças não podem sair
desacompanhadas.
Mas, afinal, o que é o trânsito? Como poderemos defini-lo, para
compreendê-lo melhor e vivenciá-lo de uma maneira mais fácil e segura?
Para responder a essa pergunta, vamos começar pensando um pouco sobre a
movimentação das pessoas nas cidades.
Imagine inicialmente o que ocorre com uma família de classe média, por
exemplo, que compra uma casa num bairro residencial. Suponha que a
família possua um automóvel e duas bicicletas e que seja composta pelo
pai, mãe e dois filhos pequenos que estudam, e que a mãe contrate ainda
uma diarista. Façamos então um “exercício de previsão” dos deslocamentos
que as pessoas farão no seu primeiro dia após ter se mudado para a casa
nova. Logo de manhã, às 7h, o pai vai trabalhar de carro, levando os filhos
de carona até a escola. A mãe, que trabalha em outra direção, vai de ônibus
às 7h30.
Logo depois, às 9h, a empregada, que chegou às 8h e fez o trajeto de
ônibus, apanha o carrinho de mão e vai à feira na rua de baixo. Às 11h, a
empregada volta da feira com o carrinho cheio e, às 12h, a mãe sai do seu
trabalho e vai de ônibus apanhar os filhos na escola, re- tornando com eles
para casa também de ônibus. Mais tarde, logo após o almoço, os filhos vão
de bicicleta brincar na casa de amigos e a mãe sai de carona com uma
amiga. No final do dia, às 18h, os filhos voltam para casa de bicicleta, a
empregada vai embora de ônibus e a mãe chega de carro com a amiga.
Finalmente, às 19h, o pai volta de carro do trabalho.
O que aconteceu, então? Em primeiro lugar, passou— se um dia e,
contando-se os deslocamentos, vemos que as pessoas da família, mais a
empregada, fizeram vinte deslocamentos para atender às suas necessidades
e obrigações: esses deslocamentos são chamados “viagens”.
Vamos tentar agora ligar essas viagens ao nosso objeto de análise, o
trânsito. Vemos então que o pai, ao sair de casa de manhã, surge como
motorista, enquanto a mãe será pedestre, passageira de transporte público e
carona (com a amiga), os filhos serão caronas (com o pai), passageiros de
transporte público, pedestres e ciclistas, enquanto a empregada será
pedestre e passageira de transporte público. Todos, portanto, fazem parte da
circulação geral do bairro e da cidade, cada um com a sua condição de
deslocamento, seus interesses e necessidades. As vinte viagens realizadas
por estas pessoas vão se somar a milhares de outras efetuadas no mesmo
dia, por pessoas e mercadorias, que juntas produzirão afinal o conjunto de
deslocamentos realizados por vias e meios de transporte disponíveis: eis o
trânsito.
Um exemplo dessas diferenças de deslocamento pode ser visto na figura a
seguir. A família de baixa renda realiza viagens a pé e de ônibus, para ir ao
trabalho (ônibus) e a escola (a pé), por exemplo. No total do dia, as pessoas
realizaram dez viagens e percorreram 28 km. A família de renda mais
elevada faz viagens a pé (almoço), de automóvel (escola, trabalho, médico,
compras), de táxi (negócios) e de bicicleta (padaria). No total do dia, as
pessoas realizaram 23 viagens e percorreram 46 km.
Padrões de deslocamento de duas famílias diferentes.
 
Assim, no espaço urbano de nossas cidades são realizadas diariamente
milhares ou milhões de viagens, utilizando-se meios de transporte
diferentes, em horários diferentes. Na Região Metropolitana de São Paulo,
por exemplo, eram realizados por dia, em 2007, cerca de 38 milhões de
deslocamentos de pessoas (viagens), dos quais 13 milhões a pé e 25 milhões
em veículos motorizados; dentre estes últimos, 14 milhões eram feitos por
transporte coletivo e 11 milhões por transporte particular. Todos esses
deslocamentos representam a “vida” da cidade e estão, portanto,
diretamente ligados às características socioeconômicas da população, à
idade das pessoas, ao seu trabalho, sua renda, seu local de moradia. O
trânsito é, assim, o conjunto de todos os deslocamentos diários, feitos pelas
calçadas e vias da cidade, e que aparece na rua na forma de movimentação
geral de pedestres e veículos.
Por tudo isso, o trânsito não é apenas um problema “técnico”, mas,
sobretudo uma questão social e política, diretamente ligada às
características da nossa sociedade. Para entender o trânsito, portanto, não
basta discutir os problemas do dia a dia, como congestionamentos e
acidentes, é preciso também analisar como o trânsito se forma, como as
pessoas participam dele, quais são seus interesses e necessidades. Isso
significa se esforçar para entender o trânsito “por trás” de suas aparências,
dos seus fatos corriqueiros, na busca de uma “sociologia de trânsito“, que
eu venho propondo como a forma mais adequada de lidar com a questão. A
melhor maneira é começar pela discussão dos conflitos que ocorrem na
circulação urbana, como as pessoas se comportam na disputa pelo espaço e
por que existem os “problemas” do trânsito na circulação urbana.
Conflitos na circulação
Papéis e conflitosOlhando mais detalhadamente a circulação urbana, podemos ver que ela
apresenta alguns conflitos que lhe são inerentes.
O primeiro deles é o conflito físico, mais conhecido, de disputa pelo espaço,
como no caso de dois veículos que se aproximam ao mesmo tempo de um
cruzamento, ou de um pedestre que deseja passar entre vários veículos em
movimento. Esse tipo de conflito é o mais aparente no trânsito, mas não é o
único: existe outro, que eu chamo conflito político, pois reflete os interesses
das pessoas no trânsito, que por sua vez estão ligadas à sua posição no
processo produtivo da sociedade.
A melhor maneira de visualizar esses conflitos de interesse é tentar verificar
como as pessoas procuram deslocar-se no espaço urbano, o que elas
desejam, quais são as suas estratégias de ação. Para tanto, vamos jogar um
pouco com as posições (pedestre, motorista, passageiro) que as pessoas
assumem no trânsito.
Pedestres e motoristas: quando o pedestre se desloca, ele (normalmente)
deseja fazê-lo o mais rápido possível, como se as calçadas fossem contínuas
e não houvesse nem automóveis nem vias a atravessar; o que deseja é
alcançar a melhor “fluidez” possível no seu deslocamento, além da
segurança e da acessibilidade máximas. Ao andar, no entanto, ele vai
deparar-se não apenas com outros pedestres, mas com veículos e vias para
atravessar. Ao tentar fazê-lo, ele vai encontrar problemas, pois os motoristas
que circulam por essas vias também querem andar o mais depressa possível,
sem interrupções, calçadas, pedestres para atrapalhar, ou seja, os motoristas
também desejam a maior fluidez possível nos seus deslocamentos.
Se nós deixarmos os pedestres e os motoristas agirem por conta própria,
eles farão, sozinhos, aquilo que se chama de “negociação de espaço”: os
pedestres serão obrigados a esperar a ocorrência de “brechas” no tráfego
para então atravessar a via. Se instalarmos um semáforo para proteger os
pedestres, o que vai acontecer? Supondo que ele seja respeitado pelos
motoristas, os acidentes deverão diminuir bastante. Mas o que aconteceu
realmente? Para aumentar a segurança dos pedestres, prejudicamos a
fluidez dos veículos, aumentando o número médio de paradas e diminuindo
sua velocidade média.
Morador e motorista: quem mora numa rua deseja que não haja barulho,
poluição, que as pessoas (principalmente as crianças) possam andar pelas
calçadas sem perigo; a rua “ideal” é como se fosse uma extensão da casa.
Para o motorista que passa pela rua, no entanto, ela é apenas um meio de
realizar o trajeto desejado, com o objetivo de atingir o destino o mais rápido
possível. O morador deseja, portanto, qualidade de vida, o que implica que
sua rua tenha um uso estritamente local. Por outro lado, o motorista que
passa pela rua deseja “fluidez”, o que implica ausência de impedimentos à
passagem.
Isso entra em conflito com o desejo dos moradores. Se a autoridade de
trânsito protege a rua do tráfego “estranho” e bloqueia sua entrada (limitada
aos moradores), estará defendendo o interesse de qualidade de vida dos
moradores, mas prejudicando os motoristas que desejam se utilizar da rua
como passagem.
Proprietário de estabelecimento, motoristas e passageiros de ônibus: o
proprietário de um estabelecimento comercial deseja que seus clientes não
tenham dificuldades para acessá-lo, o que significa estacionamento à porta,
se eles possuírem renda alta, e um ponto de ônibus próximo, se tiverem
renda mais baixa. O motorista que apenas circula pela via, no entanto,
deseja deslocar-se o mais rápido pos- sível, o que significa a eliminação de
“atritos” aos deslocamentos, nos quais se inclui tanto o estacionamento para
outros automóveis quanto um eventual ponto de ônibus.
Há também o caso do motorista que deseja estacionar em frente da loja e
cujo interesse coincide com o do dono do estabelecimento; assim como há o
caso do passageiro de transporte público que também deseja o máximo de
acessibilidade, descendo do coletivo no ponto o mais perto possível da
porta da loja. Finalmente, há o caso das operações de carga e descarga:
interessam ao proprietário, no sentido de serem feitas na frente da loja e nos
horários mais convenientes para o funcionamento do estabelecimento,
normalmente de dia. O motorista do caminhão também deseja esse mesmo
nível de acessibilidade, que coincide com o interesse do proprietário, mas
não com o de outros motoristas. O mesmo se dá com os motoristas que
desejam estacionar, cujas vagas são ocupadas pelos caminhões.
Passageiro de ônibus (cativo) e proprietário de automóvel: enquanto o
primeiro necessita de um transporte público eficiente, seguro e barato, o que
significa tratamento prioritário, o segundo deseja o máximo de fluidez, o
que implica em investimentos de ampliação do sistema viário. Gera-se
então um conflito de prioridades, não apenas social, no que diz respeito aos
investimentos do Estado, mas técnico-operacional, no que tange o espaço
de circulação, dedicado a cada meio de transporte dentro do sistema viário.
Todos esses conflitos de circulação urbana já seriam suficientes para
transformar o melhoramento do trânsito numa tarefa difícil. No entanto, há
ainda outros agravantes. O primeiro é que o interesse do usuário, que faz
emergir o conflito, muda constantemente durante a viagem. Por exemplo,
imagine o mesmo caso do pai de família de classe média que, utilizando um
automóvel, leva os filhos à escola de manhã, antes de ir trabalhar. Ele tem,
no início da viagem (em casa), o interesse de que seu veículo esteja o mais
perto de si (acessibilidade).
Na rua, ele quer deslocar-se o mais rápido possível, livre de interferências.
Ao chegar à escola dos filhos ele precisa parar para levá-los até a porta,
quando então passa a desejar novamente a acessibilidade. Se ele consegue
uma vaga para estacionar a meia quadra do portão da escola e manda os
filhos andarem até a entrada, deseja que eles o façam em segurança.
Quando os filhos entram na escola, ele dá a partida no carro e sai, desejando
novamente fluidez e talvez até reclamando dos outros pais que estão
estacionados para fazer exatamente o que ele acaba de fazer. Finalmente, ao
chegar ao trabalho, ele volta a querer a acessibilidade, no sentido de poder
estacionar o seu veículo o mais próximo possível de seu local de trabalho.
Observamos, portanto, que as pessoas no trânsito mudam de interesse ao
longo de suas viagens, o que as faz desejar ora fluidez, ora segurança, ou
acessibilidade, qualidade de vida, ou várias ao mesmo tempo.
Vimos que a posição das pessoas no trânsito também muda constantemente:
o pai de família do nosso exemplo é motorista quando se dirige ao trabalho,
é pedestre quando vai almoçar com os colegas perto do escritório, é
motorista novamente quando volta para casa no final do dia; é morador à
noite e ainda é passageiro de transporte público quando deixa o carro com a
esposa ou na oficina. Em cada uma das situações ele tem interesses
diferentes com relação ao trânsito e passa a exigir, do órgão responsável,
medidas que o auxilie. Isso permite entender algo muito importante: no
trânsito, não existem “os pedestres” e “os motoristas” como seres
imutáveis, existem pessoas “enquanto” pedestres ou motoristas.
Assim, ficou claro que o trânsito é feito por pessoas, dentro de uma dada
sociedade, com grandes diferenças sociais e políticas, com interesses
diversos, surgindo como elemento básico, inevitável, o conflito: o trânsito é
uma disputa pelo espaço físico, que reflete uma disputa pelo tempo e pelo
acesso aos equipamentos urbanos; é uma negociação permanente do espaço,
coletiva e conflituosa. E essa negociação, dadas as características de nossa
sociedade, não se dá entre pessoas “iguais”: a disputa pelo espaço tem uma
base ideológica e política, depende de como as pessoas se vêem na
sociedade e de seu acesso real ao poder.
Em nosso país, por exemplo, o motorista julga-se com muito mais direito à
circulação que os demais participantes do trânsito, o que está ligado às
características autoritárias da sociedade, à falta de conscientizaçãosobre os
direitos do cidadão, que faz com que os motoristas ocupem o espaço viário
com violência. O processo tem também o seu lado contrário (e
complementar) que o confirma: o pedestre normalmente se submete,
praticamente aceita a prioridade imposta pelos motoristas, assume o papel
de “cidadão de segunda classe”, numa cidade que é cada vez mais o habitat
do veículo e o anti-habitat do ser humano.
Trabalhando os conflitos
O poder do automóvel é tão grande em nossa sociedade que ele consegue
tomar o lugar das pessoas nas mentes delas próprias. Por exemplo, se você
parar com um amigo junto a um cruzamento do qual um veículo se
aproxima e perguntar-lhe o que vem vindo lá na frente, ele responderá sem
hesitação: “um automóvel”.
No entanto, o que vem vindo não é um automóvel, é uma pessoa, um ser
humano “vestido” de automóvel. Essa “roupa” não dá a essa pessoa
nenhum direito especial de uso da via que poderia diferenciá-la das demais
que estão, por exemplo, a pé. A pessoa que decidiu circular dentro de um
automóvel só pode reivindicar seus direitos de circulação como ser humano,
como cidadão; a decisão de usar o veículo não altera o seu direito básico,
que não é maior do que os outros. Mas, na prática, o que ocorre é o
contrário.
O forte simbolismo do qual as mercadorias se revestem na sociedade de
consumo — e que as faz adquirir status superior, como entes
individualizados com poder próprio (quando na verdade são apenas matéria
simples) — marca também o uso do automóvel. No exemplo dado, é como
se o veículo tivesse vidros escuros e não fosse possível ver que um ser
humano o controla; é como se o veículo pudesse andar sozinho e, como tal,
tivesse direitos inerentes. É uma espécie de “fetichismo”, que esconde a
natureza exclusivamente material do veículo-máquina e lhe confere uma
natureza “humana”, revestida de poder.
Assim, o conflito entre o pedestre que quer atravessar uma rua e o motorista
do automóvel não aparece como o conflito entre duas pessoas com direitos
iguais, mas sim como o conflito entre, de um lado, uma pessoa (o pedestre)
usando, por exemplo, 1 m2 da via e, de outro, uma máquina “humanizada”,
que por usar 10 metros quadrados aparece como tendo maior direito ao
espaço. Nesse sentido, quando um técnico diz que não pode aumentar o
tempo de travessia dos pedestres porque o trânsito vai “congestionar”, o que
ele está dizendo é que não pode aumentar o tempo das pessoas que estão a
pé porque as outras pessoas que resolveram sair “vestidas” de automóvel
não vão caber na via e, portanto, devem ter prioridade sobre as primeiras.
Essa forma de ver o problema da divisão do espaço está profundamente
arraigada na nossa sociedade — e nos técnicos também —, condicionando
as suas decisões. Ela trai um enfoque elitista e reflete uma ideologia sobre
(supostos) direitos adicionais de quem tem maior poder de consumo: ela
acaba reproduzindo e perpetuando uma divisão desigual do espaço, que
confere direitos indevidos a quem usa o automóvel. Assim, o esforço
técnico para “encontrar” a qualquer preço um espaço de circulação para
quem usa automóvel — ignorando ou menosprezando os direitos dos
demais — gera injustiça e iniquidade.
A discussão feita até aqui nos permite uma classificação simples dos papéis
que podem ser desempenhados no trânsito e seu impacto na negociação do
espaço. Eles podem ser separados inicialmente em não mecanizados
(pedestres) e mecanizados (bicicletas e todos os veículos motorizados) e em
ativos e passivos. Os papéis ativos são aqueles caracterizados por um
movimento e, portanto, pela necessidade de consumir espaço viário: é o
caso de todas as pessoas que, em várias situações, se movimentam pelas
vias e calçadas. Ao contrário, o papel passivo não implica movimento: ele é
estacionário, pois a pessoa permanece no mesmo lugar o tempo todo. É o
caso do morador, do visitante, do proprietário de loja. Embora estacionário,
o papel passivo é afetado pelos ativos quanto ao seu interesse no trânsito (o
caso do morador afetado pelo motorista que passa correndo). A rigor,
qualquer papel pode ser desempenhado por qualquer pessoa, mas as
características de cada sociedade e as condições individuais (idade, renda)
vão provocar distribuições específicas dos papéis entre as pessoas.
Voltando ao início do texto, esses conflitos básicos podem ser reduzidos a
dois conflitos gerais. O primeiro deles é o conflito físico, a impossibilidade
física de acomodar simultaneamente, no mesmo espaço, os movimentos
gerados pelas atividades das pessoas; o segundo deles é o político, dado
pela posição diferenciada das pessoas com relação ao processo produtivo e
seus resultados à sociedade, e pelos interesses diversos e conflitantes que
daí decorrem, ocasionando diferentes possibilidades de utilização do espaço
de circulação. Por outro lado, é também possível explicar os conflitos por
meio da ideia de movimento, que está na natureza do trânsito.
Em primeiro lugar, veja que o movimento necessariamente gera poluição
sonora e atmosférica: qualquer veículo em movimento faz barulho, nos
mais variados níveis, e todos os veículos motorizados que usam
combustíveis produzem’ poluição atmosférica. O movimento, portanto,
ocorre em detrimento do ambiente e, consequentemente, da qualidade de
vida. Por sua vez, os movimentos devem ser ordenados; precisam de sua
regulamentação pelos sinais, semáforos, o que é uma forma de poluição
ambiental.
Analogamente, otimizar o movimento significa aumentar a velocidade do
tráfego, facilitando a circulação dos veículos pelo sistema viário, o que
aumenta (potencialmente) a insegurança na circulação, principalmente para
os pedestres, crianças e idosos; da mesma forma, a otimização está ligada
ao fornecimento de caminhos mais diretos entre as origens e os destinos, o
que entra em conflito com a necessidade de preservação de determinados
usos do solo, principalmente o residencial (caso das invasões de vias por
tráfego estranho).
Olhando pelo lado do sistema viário, podemos entender algumas coisas
também. Como nossos exemplos mostraram, a via precisa exercer duas
funções conflitantes ao mesmo tempo: permitir o movimento (a passagem)
e possibilitar o acesso (a parada). Qualquer melhoria em uma dessas
funções afeta negativamente a outra, como no exemplo da disputa entre os
motoristas que querem circular rapidamente e os que querem estacionar.
Esse último raciocínio nos permite lembrar um conceito fundamental para o
trânsito, e do qual você já deve estar desconfiado. É impossível, no trânsito,
atender a todos os interesses ao mesmo tempo, no mesmo espaço, pois ao
procurar melhorar a fluidez, a segurança e a acessibilidade são afetadas; ao
procurar aumentar a segurança, afeta-se a fluidez; ao tentar melhorar a
acessibilidade, afeta-se a fluidez e talvez a qualidade de vida, e assim por
diante. Dessa forma, organizar o trânsito é balancear vantagens e
desvantagens e fazer opções por alguma das soluções possíveis, de modo a
atingir os objetivos propostos sem prejudicar excessivamente as demais
condições.
Assim, pode-se proibir o estacionamento de uma via para melhorar a
fluidez de tráfego, mas se faz apenas de um lado, ou por um período
limitado de tempo; proíbem-se os caminhões de realizar carga e descarga na
via comercial de dia, mas se liberam as operações nas vias transversais e à
noite; bloqueia-se uma via residencial para proteger os moradores, mas se
oferece alguma alternativa de passagem para o tráfego; instala-se um
semáforo num cruzamento para aumentar a segurança, mas ele funciona
com luz piscante amarela de advertência à noite, quando o fluxo é mais
baixo.
É fundamental, por último, não esquecer que os conflitos têm uma base
física, ou seja, é na disputa pelo espaço que os interesses diversos se
encontram. Isso quer dizer que, se nós eliminarmos o conflito físico, ou
seja, construirmos, por exemplo, uma passarela, em vez de instalar um
semáforo para pedestres, não haverá mais conflito físico e, portanto, o
problema de trânsito estará resolvido? Apenas em parte: para os pedestrese
os veículos que por ali passam, realmente desaparece o conflito físico e,
desde que os pedestres utilizem a passarela, não haverá mais acidentes, o
que garante máxima segurança e não afeta a fluidez.
No entanto, dado que os interesses das pessoas no trânsito mudam durante a
viagem, o mesmo pedestre que atravessou a passarela andará pela calçada
conflitando com os outros pedestres e com os veículos que estiverem
entrando ou saindo das construções ao longo da via. Pode ser também que
ele queira pegar um ônibus ou um táxi e acabe conflitando com os demais
veículos, e assim por diante. Não é possível, assim, eliminar todo o conflito
físico de uma cidade, tentando, por exemplo, construir uma nova cidade
com viadutos e estruturas, pois as pessoas não são máquinas, ou elementos
como água, luz, telefone, que podem ser conduzidos eternamente pelos
mesmos canais: as pessoas são várias coisas no trânsito: pedestres,
motoristas, passageiros de ônibus, moradores; estão constantemente
mudando de posição.
A engenharia de tráfego é, assim, uma atividade técnica no sentido de
utilizar procedimentos racionais de base matemático-física, e também
política, no sentido de dirigir a aplicação dessas técnicas segundo os
interesses conflitantes das pessoas que fazem o trânsito, buscando sempre
algum tipo de equilíbrio entre vantagens e desvantagens.
Variáveis
Utilizando os conflitos na circulação é possível, então, definir quais são as
variáveis importantes no trânsito que podem ser usadas para medir sua
“qualidade”.
Entre os técnicos do mundo inteiro há várias definições sobre como medir a
qualidade, sendo a mais comum a que recomenda a análise em função de
dois objetivos: a fluidez e a segurança. A busca por fluidez está ligada à
diminuição do tempo de percurso, ou seja, ao aumento da velocidade
média, o que tem um significado profundo na sociedade moderna, em que
“tempo é dinheiro”. Por fluidez entende-se a facilidade de circulação,
aquilo que popularmente é usado para “julgar” o trânsito: ele está “bom”
quando é fácil circular nele, quando não há muitas interrupções, não há
congestionamento.
Por outro lado, a segurança é sempre relacionada a (e medida de acordo
com) índices de acidentes: quanto menores os índices, melhor a segurança
na circulação. Um trânsito com condições ideais de segurança deveria
apresentar um índice de acidentes igual a zero. No entanto, em função do
caráter social do trânsito, venho propondo uma mudança nesse enfoque,
para privilegiar o caráter sociopolítico, sobre o qual falei no primeiro
capítulo. Por isso, tenho utilizado uma classificação um pouco diferente,
baseada em quatro objetivos, todos intimamente ligados entre si e dos quais
dois coincidem com os tradicionais.
Além da fluidez e da segurança, há dois outros objetivos. Em primeiro
lugar, a acessibilidade. É a facilidade (ou dificuldade) — medida pelo
tempo e pelo custo envolvidos — com que os locais da cidade são atingidos
pelas pessoas e mercadorias. Assim, um trânsito com alto nível de
acessibilidade permite que as pessoas e as mercadorias cheguem
rapidamente ao destino desejado, utilizando di- ferentes meios para isto.
Permite também que elas tenham acesso real ao interior dos locais a que se
destinam, como no caso da necessidade de ir a pé (pedestres) e de
estacionar (veículo) e depois andar até o ponto desejado. Este último caso,
que mais interessa ao trânsito, diz respeito ao estacionamento e ao acesso
aos locais da cidade,
o que entra em conflito com as necessidades de circulação pelas vias.
Em segundo lugar, a qualidade de vida. Relaciona-se ao respeito às funções
de cada via, principalmente às vias de zonas residenciais, e à defesa do
meio ambiente. Envolve também a “compatibilização” entre o uso do solo
de uma via e o volume e tipo de tráfego que por ela passam. Assim, um
trânsito que se processe adequadamente por um sistema viário em cujas vias
residenciais só ocorram os movimentos ligados à vida dos moradores, e em
que o tráfego “pesado” (caminhões, ônibus) circule pelas vias principais,
representa um alto nível de qualidade de vida. Analogamente, um trânsito
que, pelas mesmas condições apontadas, produza níveis aceitáveis de
poluição sonora e atmosférica também representa um alto nível de
qualidade de vida.
Assim, trabalhando com os conceitos de fluidez, segurança, acessibilidade e
qualidade de vida você pode analisar qualquer situação de trânsito e
compreender sua dinâmica e o seu desenvolvimento. Faça um teste você
mesmo: no percurso diário entre sua casa e a escola ou o trabalho, como é a
fluidez do tráfego? Como é a segurança? Já se envolveu em acidentes de
trânsito? Quantas situações de “quase acidentes” você enfrenta num dia
qualquer? Se quiser visitar um museu, ir a um ginásio de esportes, ao
cinema, a um posto de saúde, quanto tempo você leva e quanto o
deslocamento lhe custa? A sua rua, ela tem tráfego local ou passam também
caminhões e veículos que nada têm a ver com sua vida e a de seus vizinhos?
O problema da qualidade de vida
A qualidade de vida no trânsito está ligada ao próprio processo de
construção da cidade, ou seja, à criação do espaço urbano, do ambiente no
qual as pessoas vivem e circulam. Está ligada também ao respeito à função
das vias (residencial, comercial) e à questão da poluição sonora e
atmosférica.
Para entender o que é a qualidade de vida ligada ao trânsito é preciso pensar
no processo de construção da cidade, conforme ela vai surgindo.
Imagine então um exemplo simples de construção de um conjunto
habitacional de apartamentos populares na periferia de uma grande cidade.
Se ele foi implantado, é porque alguém definiu que naquele local era
possível o uso do solo residencial e nas características de ocupação (área
ocupada) apresentadas pelo conjunto habitacional. Essa decisão sobre o uso
do solo é tomada pela atividade chamada “planejamento urbano”, que
define como a cidade pode ser construída.
Esse tipo de uso do solo gerará viagens cuja natureza e quantidade serão
determinadas pelas características do conjunto habitacional e sua
população, como a área ocupada, a renda dos habitantes, a quantidade de
pessoas e suas idades. O conjunto de viagens precisará ser atendido pelos
sistemas de transporte e trânsito e o número de viagens poderá ser estimado
por métodos matemáticos. O conhecimento desse valor, aliado ao
conhecimento da renda das pessoas que habitam esse local de destino e de
outras características, permitirá tomar então as primeiras decisões na área
de transportes, referentes, por exemplo, às vias e aos sistemas de transporte
necessários ao atendimento das viagens. No caso imaginado, de residências
populares, a probabilidade maior será dimensionar um sistema de transporte
público, pois a disponibilidade de veículos particulares tende a ser baixa.
Dependendo do volume de viagens, esse sistema poderá ser desde uma
simples linha de ônibus, com dez veículos operando, até uma linha de
metrô. Paralelamente, será definido o sistema viário, que poderá ser desde a
própria via existente, com algumas melhorias, até a construção de uma via
inteiramente nova. Esse sistema permitirá que os veículos necessários
passem.
Finalmente, será necessário projetar o sistema de trânsito, ou seja, os
equipamentos e as condições que permitirão a circulação das pessoas e dos
veículos: as prioridades na circulação, a sinalização, o estacionamento.
Você pode então perguntar: esse exemplo imaginário corresponde à nossa
realidade? Não. É apenas um exemplo do que deveria ser uma atividade
coordenada, se fosse para aplicá-la sempre em nossas cidades. Mas, no
Brasil, isto não acontece, e as diferenças do “real” para o “ideal” são
muitas. Por exemplo, o conjunto habitacional pode ser projetado e
implantado sem considerar os sistemas viários e de transporte existentes:
ocorre a inauguração e simplesmente não há ônibus suficientes para o
transporte das pessoas.
O mesmo acontece quando se inaugura um shopping center sem previsão do
sistema viário: os automóveis que para lá se dirigem simplesmentenão
conseguem chegar. Ou então quando se inaugura uma escolinha infantil
onde antes era uma residência e não há previsão de estacionamento: as
mães estacionam em fila dupla ou tripla, por preguiça de andar 50 metros.
Ou, finalmente, quando se abre a porta de uma escola para uma avenida
movimentada: na prática, é o mesmo que a inauguração de uma “fábrica de
atropelamentos”.
Sobre esse processo de expansão, vale à pena fazer mais algumas
observações. No caso específico do Brasil e dos países do chamado Terceiro
Mundo, esse crescimento se deu quase sem nenhum planejamento.
A cidade vai se expandindo sob as regras “mais livres” da economia de
mercado. A melhoria dos equipamentos urbanos, como as vias
(alargamento, asfaltamento), aliada à garantia de meios adequados de
consumo coletivo (água, esgoto, iluminação), valoriza o solo urbano,
impedindo que as pessoas de baixa renda (maioria em nossa sociedade)
possam morar nesses locais e forçando aqueles que já moravam a vender
suas casas e se mudar para locais mais distantes. Assim, aumenta-se a
distância entre a casa e o trabalho, tornando as viagens mais difíceis, mais
demoradas e mais caras.
 
Por outro lado, a ausência de controle sobre o uso do solo permite o
aparecimento dos loteamentos clandestinos, que acabam por transformar-se
também em problema para a circulação, na medida em que seu sistema
viário irregular dificulta o acesso do transporte coletivo e torna muito difícil
a tarefa de caminhar. Paralelamente, a ausência de controle sobre o uso do
solo permitiu, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, que se
construíssem, em grandes áreas, edifícios muito altos, alguns em locais
cujas vias (além das redes de serviços básicos) não comportam o volume de
tráfego gerado, levando a problemas crônicos de circulação.
Outro problema grave ligado à qualidade de vida refere-se à “invasão” e
áreas residenciais ou de grande circulação de pedestres. O tráfego que passa
a ser utilizado nessas vias nada tem a ver com elas, tidas apenas como
passagem e, muitas vezes, em alta velocidade.
Com o passar do tempo, o problema pode, inclusive, agravar-se: a passagem
do tráfego vai provocando lentamente a alteração do uso do solo, com o
aparecimento de comércio e outros serviços, dificultando a permanência
dos moradores no local.
Finalmente, é preciso lembrar os privilégios dos automóveis nas cidades
modernas. A busca de maior fluidez para a circulação dos veículos leva à
destruição da cidade, à abertura indiscriminada de novas vias, ao
alargamento de vias existentes, quase sempre em detrimento da qualidade
de vida dos moradores e dos pedestres. A cidade vai se desumanizando,
transformando-se em um lugar onde apenas o condutor do veículo “sente-se
bem”; as pessoas não possuem mais segurança e conforto enquanto
pedestres ou moradores.
A defesa da qualidade de vida no trânsito, então, passa pela defesa
(principalmente) do local de moradia das pessoas. Assim, uma das formas
de garantir o mínimo de qualidade de vida é evitar que as vias residenciais
sejam “invadidas”.
Para atingir o objetivo têm sido usadas várias técnicas que poderíamos
denominar, em seu conjunto, “técnicas de restrições ao tráfego”. É o caso,
por exemplo, do fechamento parcial de vias residenciais, permitindo apenas
a entrada dos moradores ou dos veículos de serviço (telefone, lixo, gás),
que, na verdade, constitui um “redesenho” da via, uma imitação do que se
desejaria que tivesse sido feito quando a cidade foi construída.
Outra técnica comum é a instalação de dispositivos nas interseções internas
de uma área — pequenas barreiras com floreiras, círculos (as
minirrotatórias de São Paulo), obstáculos de materiais diversos, com o
objetivo de diminuir a velocidade no cruzamento (ou mesmo interromper a
passagem) e desestimular a circulação dos veículos estranhos à área. É o
caso também da instalação de obstáculos em vias de passagem (lombadas,
por exemplo), que obrigam a diminuição de velocidade e desestimulam a
passagem pelo local. Todos esses dispositivos e soluções defendem a
qualidade de vida dos moradores, mas, prejudicam a fluidez dos que
querem passar (às vezes, aos próprios moradores das redondezas), levando
frequentemente a protestos.
Formas distintas de trabalhar com a qualidade de vida referem-se aos
projetos de grande amplitude, como no caso do tratamento de zonas centrais
de cidades grandes. Estão nesse grupo, por exemplo, os projetos de
“calçadões”, tornando-se então defensável a exclusão dos veículos. Essa
exclusão fere frontalmente os interesses de fluidez e acessibilidade dos
motoristas, tanto de automóveis quanto de táxis ou caminhões e, devido a
isso, ocasiona, geralmente, intensas discussões.
O problema do congestionamento
Por que será que o congestionamento acontece e quais são as suas
características?
A primeira consideração importante diz respeito ao conceito de capacidade
viária. Essa capacidade, calculável matematicamente e depende de uma
série de fatores relativos à via e ao ambiente. Por exemplo, quanto maior a
largura “útil” da via (descontado o espaço usado pelos veículos
estacionados), maior será sua capacidade, e vias retas e planas têm uma
capacidade maior que as vias curvas e em aclive. E assim por diante.
Assim, um sistema viário de uma cidade tem uma “oferta”, ou seja, uma
capacidade de fazer passar o fluxo de tráfego. Qual seria a “demanda” do
sistema? É o próprio fluxo de tráfego, ou seja, as pessoas e os veículos que
desejam passar pelas vias.
Temos, assim, a nossa relação fundamental, que compara a “oferta” — a
capacidade — com a “demanda” — do fluxo de tráfego. Essa relação é um
dos instrumentos fundamentais para medir o nível de saturação do sistema
viário, ou seja, o quanto ele está longe ou perto do congestionamento, e por
isso é chamada “taxa de saturação”. Se o fluxo é muito menor do que a
capacidade, a taxa de saturação é baixa: é o caso das vias residenciais, do
trânsito na madrugada, do domingo pela manhã.
No entanto, à medida que o fluxo aumenta, como nas primeiras horas da
manhã de um dia (normalmente, de segunda à sexta), ele vai se
aproximando do limite da capacidade, e vai então aumentando a taxa de
saturação, o “nível do congestionamento”. Será que o fluxo chega a igualar
a capacidade em algum instante?
Sem dúvida, o fluxo não só iguala a capacidade em alguns trechos e
horários, como também ocorre uma situação ainda pior, em que a demanda
supera a capacidade.
Visualmente, o congestionamento pode ser detectado pelo aumento
constante da fila de veículos, ou, então, no caso de um semáforo, pela
observação de que você está na fila, o semáforo mostra a luz verde, você
anda um pouco, mas não consegue passar.
O uso do espaço
A primeira avaliação do uso do espaço é simples e se refere apenas às
distâncias que as pessoas percorrem por dia, usando vários modos de
transporte. O gráfico 1 a seguir mostra a grande diferença entre as
distâncias percorridas pelas pessoas dos domicílios da Região metropolitana
de São Paulo, na medida em que varia a renda familiar. Observa-se que as
pessoas das famílias de renda mais alta percorrem uma distância quatro
vezes superior à percorrida pelas famílias de renda mais baixa, implicando
em um consumo muito mais elevado do espaço viário público.
 
Agora, devemos verificar quanto espaço físico as pessoas ocupam ao
circular usando modos diferentes de transporte, para verificar como o
espaço viário público é consumido.
No caso de um semáforo com três filas de automóveis de 100 metros de
extensão (uma quadra comum de zona urbana) cabem 48 veículos, que
carregam no total 72 pessoas: esta quantidade poderia ser transportada por
um único ônibus (com pessoas em pé) ou dois ônibus com todas as pessoas
sentadas. A área de 7 m2 do automóvel (parado), dividida pela ocupação de
1,5 pessoas, gera uma taxa de 4,7 m2 por pessoa. Já a taxa correspondente
para as pessoas dentro do ônibus é de 1 m2 (sendo a área do ônibus de 30
m2). Isso significa que alguém dentro de um automóvel usa em média 4,7vezes o espaço de alguém dentro do ônibus e o dobro desse valor no horário
de pico (já que os ônibus estarão carregando o dobro de pessoas, reduzindo
o consumo médio por pessoa).
Quando essas taxas médias de ocupação são transpostas para os
deslocamentos que as pessoas fazem durante o dia todo, as diferenças entre
os grupos e classes sociais ficam muito claras. Em São Paulo, por exemplo,
as pessoas dos domicílios de renda mais alta usam oito vezes mais espaço
viário (em metros quadrados) do que as pessoas dos domicílios de renda
mais baixa. Isso mostra que a via não é um bem de consumo coletivo
distribuído igualmente entre as pessoas, pois é usufruía diferentemente por
elas, conforme suas condições socioeconômicas.
Assim, a ideia de que os investimentos no sistema viário são sempre
defensáveis porque serão democraticamente apropriados por todos é um
mito, manipulado habilmente por alguns políticos. Na maior parte das
vezes, os investimentos privilegiam setores específicos da sociedade, que
têm acesso ao transporte individual e que poderão consumir muito mais
espaço. E, conforme será visto adiante, pouco ajudam na solução de
grandes congestionamentos.
Soluções
Em praticamente todas as cidades médias e grandes, há trechos de via ou
interseções que ficam congestionadas durante algum período do dia. Em
metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro há centenas de locais que,
diariamente, apresentam algum nível de congestionamento. Mas será então
que o congestionamento é inevitável? A rigor, sim, pois a forma de evitá-lo
seria fazer com que a capacidade das vias fosse sempre, em qualquer
instante, superior à demanda do tráfego; mas, na prática, não é possível,
nem desejável, por uma série de motivos.
Inicialmente, uma das características do tráfego é a sua flutuação ao longo
das horas e sua concentração nos “picos”. Entre os 38 milhões de viagens
que ocorrem em São Paulo por dia, cerca de 25% delas ocorrem nos
horários de pico, entre 6h e 8h e entre 17h e 19h. Tal flutuação reflete o
padrão de comportamento de nossa sociedade com relação ao deslocamento
concentrado na ida e na volta do trabalho.
Se vivêssemos em uma sociedade em que o trabalho tivesse horário livre,
não determinado, isso se refletiria no trânsito, levando provavelmente à
suavização dos horários de pico, com as pessoas se deslocando em
diferentes momentos do dia.
Assim, a demanda de trânsito varia intensamente durante o dia (e entre os
dias do ano) e, consequentemente, varia muito o nível de saturação do
sistema viário, exatamente o que ocorre com os sistemas de água e luz de
uma cidade. Nesses casos, os sistemas são dimensionados para suportar a
carga de “pico” e, consequentemente, ficam ociosos durante o resto do dia.
A solução, no caso do sistema viário, seria ampliar sua capacidade e
eliminar os cruzamentos, de tal modo que as vias fossem capazes de fazer
passar o fluxo de tráfego nos horários de “pico”. No entanto, é evidente que
isso é impossível e indesejável, por pelo menos três motivos básicos:
 
Como ocorre com os sistemas de abastecimento de água, o tráfego
apresenta “picos” nos horários em que as pessoas vão para o trabalho e
voltam para casa.
em primeiro lugar, devido à necessidade de desalojar um elevado número
de pessoas para a realização de grandes reformas na cidade, o que
ocasionaria um altíssimo custo social; em segundo lugar, pelo custo
econômico e financeiro desse tipo de operação, insuportável para a
economia (provavelmente não haveria mais recursos para nenhum outro
investimento); em terceiro lugar, porque isto beneficiaria apenas os
proprietários de automóvel, excluindo a grande parcela da população que
não possui veículo próprio.
Além disso, a tentativa de eliminar os congestionamentos a partir da
construção e ampliação de vias esbarra também em uma característica
importante da economia de transportes sob o ponto de vista pessoal,
referente à escolha de transporte que cada um quer utilizar. As pessoas
escolhem o tipo de transporte em função de sua condição monetária, do
tempo disponível para o deslocamento, da oferta e da qualidade
(presumível) de cada tipo de transporte e das dificuldades que
provavelmente ela enfrentará ao utilizar as diferentes alternativas.
Ao comparar as vantagens e dificuldades de cada tipo, as pessoas fazem um
raciocínio complexo, computando uma série de “custos” diretos e indiretos,
tangíveis (por exemplo, a gasolina) e intangíveis (por exemplo, o
desconforto). Esse cálculo complexo produz o que se chama, na economia
de transporte, de “custo generalizado”, ou seja, a soma de vários custos que
a pessoa acredita que irão ocorrer, ponderados segundo os seus critérios
pessoais de valoração. A tendência da pessoa é utilizar o meio de transporte
que apresentar o menor custo generalizado (e que esteja dentro da sua
conveniência pessoal e das suas possibilidades de uso).
Na prática, uma pessoa que possa optar entre o automóvel e o transporte
público faz essa conta e toma a decisão. Para a maioria dos que têm acesso
ao automóvel no Brasil, a decisão acaba sendo pelo automóvel, uma vez
que o custo de usar o automóvel é “baixo” e o “custo generalizado” de usar
o transporte público é, em geral, elevado. Isso não ocorre por causa da tarifa
do transporte público (acessível a todos que têm automóvel, no nosso
exemplo), mas pelo tempo de caminhada, de espera no ponto e de
deslocamento em um veículo — que, afinal, também implica um gasto —, e
por componentes “intangíveis“ como o desconforto ou a falta de
informação adequada.
A conclusão mais importante que decorre desse raciocínio é que, se o
“custo generalizado” mudar, mudará a opção das pessoas entre as
alternativas de transporte. Isto vale tanto para um aumento desse custo,
quanto para a sua diminuição: se, por exemplo, aumentar muito o custo do
transporte público, isto reduzirá a sua utilização; se, por outro lado, um
novo sistema de transporte público mais eficiente e confortável for
oferecido, isto tenderá a atrair mais usuários. No caso do automóvel, se o
custo do estacionamento se reduz o uso do carro tende a aumentar e, se o
custo do deslocamento aumenta devido ao congestionamento, há a
tendência do usuário procurar alternativas (de rota, de horário, de meio de
transporte).
Voltemos então ao caso da ampliação do sistema viário. Quando ela é feita,
isto reduz o tempo de percurso (e o desconforto) do uso do automóvel,
reduzindo o seu custo generalizado e aumentando, portanto, a sua
atratividade. Pessoas que evitavam a via antes congestionada nos horários
de pico ficarão tentadas a usá-las novamente e pessoas que ficavam em casa
(por vários motivos) podem ser incentivadas a tirar o carro da garagem para
fazer mais um deslocamento que não era feito antes, aproveitando a nova
disponibilidade de espaço viário.
É por esse motivo que, em sistemas muito congestionados como o das
grandes cidades, vias ampliadas ou vias novas tendem a receber grande
fluxo de automóveis em curto prazo, congestionando-se novamente. Mais
uma vez, torna-se clara a limitação da política de ampliação indiscriminada
do sistema viário e revela-se o mito que está por trás da maioria dessas
obras.
Nem mesmo os países ricos o conseguiram, embora alguns tentassem. A
cidade de Los Angeles tem a maior oferta de vias expressas por habitante
do mundo e seu trânsito está todos os anos entre os três mais
congestionados dos Estados Unidos, segundo pesquisa realizada
anualmente pela Universidade do Texas.
Frente a tal impossibilidade, você pode pensar: vamos atuar do outro lado,
ou seja, impedindo que a demanda cresça demasiadamente, controlando o
uso do solo ou tentando impedir que tantos veículos particulares circulem
nas ruas. Como então isso seria possível? Controlar o uso do solo para
impedir que a demanda aumente caoticamente parece uma boa ideia, mas a
experiência tem
demonstrado que isso é muito difícil, dadas as características da nossa
sociedade: o controle do uso do solo, pelas chamadas “leis de zoneamento”,
esbarra frequentemente no conceito de propriedadeprivada da terra, nos
interesses ligados à especulação imobiliária e na própria dificuldade do
Estado de organizar-se para fiscalizar o uso e a ocupação do solo.
A segunda ideia, de diminuir os veículos em circulação, pode ser executada
por dois caminhos, o escalonamento de horários ou a transferência de
viagens de automóveis para o transporte coletivo.
O escalonamento requer que os horários de entrada e saída das atividades
como trabalho e comércio sejam mudados e organizados de tal forma a
suavizar a concentração de deslocamentos nos horários de pico. Assim, as
mesmas vias poderiam servir melhor a mesma quantidade de veículos, que
se distribuiriam melhor no tempo. A segunda possibilidade passa por um
dos aspectos mais polêmicos da engenharia de tráfego e transporte em todo
o mundo, que se refere à tentativa de convencer os motoristas a deixar seus
veículos e passar a utilizar os transportes públicos. Esta mudança, desejável
sob os pontos de vista urbanístico (preservação da cidade), ambiental
(defesa da qualidade do ar), energético (economia de combustíveis) e social
(garantia de espaço de circulação para o transporte público), é difícil de ser
efetuada na prática, dadas as características socioeconômicas do nosso
desenvolvimento.
O automóvel, além de ser o modo de transporte mais confortável e
conveniente do ponto de vista individual, transformou-se, na sociedade
moderna, em meio de consumo essencial para a vida de alguns setores
sociais, especialmente a classe média. Isso acontece porque a nova classe
média está ligada a um novo estilo de vida, que envolve uma rede de
atividades muito variada no tempo e no espaço (aquela rede que
exemplifiquei no início do livro, com a descrição das viagens feitas por uma
família em um dia típico). Muitas dessas atividades eram feitas antes perto
de casa, a pé, e mudaram de lugar no momento em que a vida urbana
tornou-se mais complexa.
No caso específico do Brasil, a classe média trocou o público pelo privado,
com grande impacto no sistema de transporte: ao invés de ir à escola
pública, ela vai à escola privada mais distante; ao invés de ir ao posto de
saúde do bairro, ela vai ao médico particular, cujo consultório é às vezes
distante; ao invés de buscar lazer na rua, ela precisa comprar o direito de
frequentar um clube; ao invés de comprar nas pequenas lojas da rua, ela vai
ao shopping e a grandes supermercados distantes. Assim, esse estilo de vida
requer grande mobilidade, para fazer todas essas atividades no tempo
disponível.
Se o transporte público é precário, como na maior parte das cidades
brasileiras, o automóvel surge como a única tecnologia eficiente e passa a
ser usado intensamente (conforme a discussão do “custo generalizado” feita
anteriormente). Essa é uma decisão racional, que decorre de um raciocínio
lógico frente aos condicionantes existentes. A procura pelo automóvel,
portanto, está muito ligada à precariedade do transporte público e à
condição do automóvel de “meio de reprodução social”, ou seja, da sua
conveniência para o exercício das atividades que a classe média considera
necessárias para “ser” classe média. O apego ao automóvel não é, portanto,
uma atitude “egoísta”, “individualista”, mas uma conscientização
(sociológica) de sua importância para a vida de certos grupos sociais (o que
não impede que se faça a crítica do uso do automóvel).
É lógico que, em alguns setores de renda mais alta, a marca do automóvel
pode ser um símbolo de status, assim com em setores de renda muito baixa
a posse de um veículo pode desempenhar a mesma função. Mas, para a
maioria das pessoas (milhões, no caso do Brasil) que dedicam uma parte
significativa da sua renda para a aquisição do automóvel, o motivo é mais
complexo. Assim, é enganoso ver a procura pelo automóvel como um
“desejo natural” das pessoas, ao qual o governo deveria ceder e ao qual a
sociedade deveria se adaptar.
Desejos naturais são apenas os fisiológicos (dormir, comer, beber), os
demais são sempre condicionados pelas características específicas de cada
sociedade, em cada momento de sua história. Se mudarem as
características, mudarão os hábitos de consumo, inclusive o uso do
automóvel: basta ver que em países desenvolvidos da Europa, onde a renda
é semelhante (ou superior) à dos Estados Unidos e o índice de motorização
(veículo por habitante) é também elevado, o automóvel é muito menos
utilizado: enquanto os norte-americanos rodam cerca de 20 mil quilômetros
por ano com seus carros, os europeus rodam 12 mil (e têm um padrão de
vida igual ou superior).
Todos esses fatores fazem com que os motoristas resistam muito a
abandonar ou mesmo diminuir a utilização dos automóveis e inúmeros
planos de transferência modal têm fracassado em suas propostas. Fazem
também com que todos nós paguemos um enorme custo social pelos
congestionamentos — principalmente nas grandes cidades —, que
prejudicam diretamente nossa qualidade de vida, e que parte das cidades
seja destruída ou prejudicada por obras viárias em benefício dos usuários de
automóveis.
Otimizando a circulação
Existem várias técnicas que podem ser aplicadas.
A primeira diz respeito ao objeto da engenharia do tráfego, ou seja, à
circulação: trata-se de distribuir o tráfego pelas vias disponíveis, de modo a
utilizar melhor o sistema viário. Neste caso, surge a “mão única” de
circulação, que aumenta a fluidez (de vias anteriormente congestionadas,
operando em mão dupla), pois facilita a circulação e as manobras nas
interseções (embora aumente os percursos médios).
Em segundo lugar, existem as técnicas de dimensionamento e coordenação
de semáforos. Por meio delas, os tempos de verde são calculados em função
das condições do tráfego e, mais do que isso, os semáforos próximos entre
si são operados de modo que o tráfego que por eles passar, em sequência, o
faça da melhor maneira possível. No caso da coordenação, trata-se do
conceito de “onda verde”, por meio da qual os semáforos de uma via vão
mostrando luz verde à medida que os veículos vão percorrendo a via.
Aparentemente, a “onda verde” é um “ovo de Colombo”, mas ela não é
mágica, tem suas limitações e, devido ao relativo desconhecimento de suas
características, as pessoas esperam mais do que ela pode dar. Veja por quê.
Se a via é de “mão única”, a implantação da onda verde é fácil, pois basta
programar os semáforos para irem abrindo à medida que os veículos se
aproximem. Mas a cidade não é feita só de vias de mão única e, além disso,
as vias não são todas paralelas, elas se cruzam. Assim, quando se procura
instalar uma “onda verde” em um sentido de uma via de mão dupla, o que
acontece na maioria dos casos é que no outro sentido surge uma “onda
vermelha”, que bloqueia os veículos em todos os cruzamentos. Isso leva à
implantação de ondas verdes parciais para cada sentido e, muito
provavelmente, é dessa situação concreta e inevitável que costuma derivar a
noção (errada) de que os semáforos estão “descoordenados”.
Outra dificuldade estrutural da coordenação refere-se ao aspecto de malha
do sistema viário: não é apenas a sua rua que merece a coordenação; mas as
outras vias que cruzam a sua também. E como fazer isso? Utilizam-se
processos matemáticos que levam em consideração todo o fluxo de tráfego
da área e procuram então reduzir o tempo de percurso e as paradas nos
semáforos a valores mínimos para todos os veículos envolvidos. Não é
possível que o tráfego da área seja um “mar de verde” para todos os
veículos e pedestres, como a gente gostaria que fosse, ou seja, todos vão
sofrer algum atraso.
Em terceiro lugar, existem os planos de estacionamento e de carga e
descarga, que procuram minimizar o efeito dessas operações na fluidez do
tráfego. Tal minimização afeta negativamente a acessibilidade aos locais,
pois passa pela restrição ou proibição das operações de estacionamento e de
carga e descarga, que é vista como prejudicial por motoristas de
automóveis, caminhões e táxis.
A restrição ao estacionamento, no entanto, libera à circulação um espaço
viário muitas vezes imprescindívelpara que não ocorra o
congestionamento.
Finalmente, deve-se lembrar que a qualidade da circulação depende muito
também da chamada “operação” de trânsito. Esta atividade implica utilizar
recursos humanos e materiais para acompanhar o dia a dia do trânsito,
orientando as pessoas, ajudando a resolver pequenos problemas,
fiscalizando o uso adequado das vias. Essa atividade, bem coordenada, pode
dar muitos benefícios com investimento relativamente baixo.
O problema da segurança
O Brasil é um dos recordistas mundiais em acidentes de trânsito, com cerca
de 35.000 mortes por ano. Os Estados Unidos, com uma frota dez vezes
superior à nossa, têm 45.000 mortos no trânsito por ano. Apenas na cidade
de São Paulo, em 2007 morreram cerca de 1.566 pessoas em acidentes de
trânsito, das quais 736 (47%) eram pedestres (como mostra o gráfico 2),
representando uma morte a cada seis horas. Os dados sobre São Paulo e
Belo Horizonte mostram que a maioria das fatalidades ocorre com pedestres
e que a motocicleta — ausente das estatísticas até o início da década de
1990 — já corresponde a cerca de 25% das mortes no trânsito.
 
No nível físico, a segurança interessa a todos, pedestres, ciclistas e
condutores de veículos. Falando especificamente do Brasil e de suas
grandes cidades, a questão da segurança dos pedestres é fundamental, pois o
número de atropelamentos é altíssimo, com grande porcentagem de casos
fatais (50%, aproximadamente); conforme estudos realizados, isso se deve
não só ao fato de o pedestre ser o elemento mais frágil no trânsito, mas
também ao fato de o nosso ambiente de circulação — adaptado para o uso
do automóvel — ser hostil aos papéis mais vulneráveis, como o de
pedestres e ciclistas. No que diz respeito aos motoristas, o problema
também é grave, devido ao desrespeito à sinalização, ao abuso da
velocidade e do álcool, bem como ao não uso do cinto de segurança, o que
aumenta muito o número de feridos gravemente e mortos.
A importância da segurança na circulação, além do motivo ético-universal
da preservação da vida humana está ligada à necessidade de minimizar os
custos sociais dos acidentes, causados pelos ferimentos, pela necessidade de
atendimento médico, pela interrupção do trabalho e pelos danos aos
veículos e aos equipamentos urbanos.
As causas dos acidentes de trânsito são muito variadas e complexas. Os
principais fatores são o comportamento humano, as condições da via e do
veículo e as características do ambiente de circulação (a disposição física
das vias e calçadas, os conflitos de trânsito). Embora os estudos tendam a
atribuir a maior parte da “culpa” ao fator humano, é preciso cuidado: nos
países em desenvolvimento, como o Brasil, o ambiente de circulação tem
uma participação essencial, na medida em que ele foi adaptado
irresponsavelmente para o uso do automóvel.
Para poder analisar a segurança, é importante considerar os três elementos
citados — o ser humano, o veículo e a via — e refletir sobre a sua
importância no processo.
O fator humano
O ser humano no trânsito é o elemento mais importante; a via e o veículo
são apenas instrumentos para realizar ou agilizar o ato de transitar, embora
sua relação com o ser humano seja fundamental para a dinâmica do trânsito.
Em primeiro lugar, a pessoa no trânsito não pode ser encarada como
categoria abstrata, como “o gênero humano”; a pessoa é, antes de tudo, um
ser político e social, que tem história, personalidade, interesse. Além disso,
ela vive cada momento no trânsito como um momento único, condicionado
por circunstâncias que lhe são próprias como indivíduo e que lhe são
trazidas pelo ambiente no qual circula — por causa disso, difíceis de prever.
Penso que a história do indivíduo forma o que poderia ser chamado de
“visão do mundo”, de cultura até, que vai condicioná-lo e orientá-lo no
trânsito como um todo.
Nesse sentido, é fundamental seu relacionamento com o espaço urbano (o
ambiente) e a sinalização de trânsito.
No tocante ao espaço urbano, a história do indivíduo, a sua experiência
pessoal de conhecimento do espaço geográfico permite-lhe certo grau de
conhecimento da linguagem da estrutura urbana, maior ou menor, que vai
então orientá-lo no seu deslocamento diário pelo am- biente que o cerca.
Imagine o exemplo de uma pessoa do campo que resolve ir morar numa
cidade grande. É difícil para ela (decodificar) as mensagens contidas no
espaço urbano: os sinais de trânsito, os ruídos, os símbolos espalhados por
toda parte, a estrutura das ruas e calçadas, os edifícios, as praças.
Mais do que isso, ele tem dificuldade de antecipar a ação e a reação das
outras pessoas que fazem o trânsito, e que se movimentam com mais
rapidez e conhecimento do terreno; essa dificuldade adicional torna o seu
deslocamento problemático e perigoso, até que ele aprenda o significado
dos símbolos e das intenções de deslocamento das outras pessoas e, então
consiga deslocar-se de forma mais segura e eficiente para si próprio.
Quanto à sinalização, o problema também é complexo. Ora, a sinalização
de trânsito é a institucionalização de um padrão de circulação decidido
pelos técnicos. Disso decorre que ela precisa ser entendida pelos
participantes no trânsito para ser seguida. E, ao contrário do que se possa
pensar, a compreensão não é fácil nem uniforme. Em primeiro lugar, há o
caso radical dos analfabetos: grande parte da sinalização de trânsito é
ininteligível para eles, causando uma situação indesejável e perigosa.
Mesmo no caso da maioria, que sabe ler, o entendimento das mensagens da
sinalização também não pode ser considerado perfeito: setas, curvas,
diagramas, barras e outros símbolos podem ser compreendidos de maneira
diferente pelas pessoas, em função de sua “história cultural”, do seu
aprendizado para o trânsito, levando a reações diferentes, que podem ou não
resultar em acidentes. Faça um teste: você sabe o que significa o sinal de
regulamentação que é um triângulo vermelho invertido, sobre um fundo
branco, e que é usado em todo o mundo, inclusive no Brasil?
Sob o ponto de vista ideológico, de “visão do mundo”, o aspecto mais
importante para o trânsito refere-se à posição que as pessoas se atribuem na
sociedade e que vai condicionar sua atuação na disputa pelo espaço. Assim,
a disputa é mais ou menos acirrada, mais ou menos previsível, conforme as
pessoas sentem-se ou não iguais perante seus direitos à circulação. No
Brasil, você já deve ter percebido que o motorista, o dono de um
automóvel, julga-se com muito mais direito à circulação do que os demais
participantes do trânsito: em vez de ceder espaço a quem não tem este
privilégio, como os pedestres e os passageiros de ônibus, ele exige
prioridade, força a passagem, ignora os demais (como tendência geral, é
claro, pois há exceções).
Esse comportamento está muito ligado ao nosso processo político e
econômico, ao autoritarismo que caracteriza as relações na nossa sociedade,
à falta de conscientização sobre os direitos do cidadão em uma sociedade
moderna e à importância do automóvel como símbolo de afirmação pessoal,
de status. Paralelamente, também presenciamos em nossas cidades a
submissão dos pedestres aos veículos, a qual também tem razões
ideológicas e políticas: o pedestre no Brasil é um cidadão de “segunda
classe”, inferiorizado nas suas necessidades de deslocamento,
desrespeitado, empurrado, atropelado.
Sob o ponto de vista psicológico, é importante considerar a personalidade
das pessoas, que, ao lado da sua cultura e de sua “visão de mundo”,
condicionará o comportamento a cada situação dada, pois é muito
importante o “momento” no trânsito, o instantâneo. Diariamente, cada uma
das centenas de situações que as pessoas enfrentam no trânsito necessita de
uma resposta imediata, cuja base é altamente psicológica e praticamente
imprevisível. O que fazer a cada situação? Dar ou ceder o espaço, apressar-
se ou diminuir a velocidade, obedecer ou desobedecer à sinalização?
Tudo depende de uma série complexa de características, ligado aos fatores
citados anteriormente— cultura, ideologia, personalidade —, mas também
das condições do momento e da pessoa naquele dia exato: num dia em que
você acorda como pé esquerdo, ou que tem um compromisso e está
atrasado, a tendência é ser mais rígido no trânsito, enquanto num dia de
bom humor você pode ser mais cooperativo.
Ainda no campo da segurança de trânsito, sob o ponto de vista biológico (e
ergométrico, das medidas do corpo humano) há vários fatores dos
indivíduos a considerar, dos quais os mais importantes são a idade, a
condição física e a estatura.
A idade interfere em dois níveis, o físico — capacidade de deslocamento e
rapidez nos reflexos — e o mental, ou seja, no sentido do grau de
desenvolvimento cognitivo para avaliar as situações do trânsito.
No nível físico, a capacidade de deslocamento interessa quanto à velocidade
da pessoa enquanto pedestre e na sua capacidade física para iniciar ou
interromper um movimento. A velocidade é importante para o
dimensionamento das calçadas, das escadas rolantes, dos tempos de
semáforo para pedestre, mas também como elemento referencial do
deslocamento dos pedestres frente aos demais corpos em movimento no
trânsito: é o caso, por exemplo, da decisão que o pedestre deve tomar ao
atravessar uma via por onde está passando um grande número de veículos
em alta velocidade. A capacidade física é importante para analisar a
possibilidade do pedestre de realizar adequadamente uma travessia de via,
na velocidade que escolheu, bem como de saber alterar seu ritmo quando
necessário, como por exemplo, para evitar um acidente.
No nível mental, os reflexos interessam tanto aos pedestres quanto aos
motoristas, devido à necessidade de reação aos estímulos do trânsito,
enquanto a maturidade é importante no tocante à necessidade de observação
atenta do ambiente para o processamento de informações e a tomada de
decisões adequadas. A esse respeito, torna-se muito claro por que é
necessário preservar os reflexos na direção, ou seja, por que a ingestão de
bebidas alcoólicas e o uso de certas drogas são incompatíveis com o ato de
dirigir em segurança.
Quando uma pessoa ingere bebidas alcoólicas, o nível de concentração de
álcool no seu sangue dependerá de vários aspectos, principalmente da
velocidade de ingestão, da presença de alimentos em seu estômago e do seu
peso: a concentração eleva-se quando aumenta a velocidade de ingestão e
diminui se existe alimento no estômago ou se a pessoa é mais pesada (em
relação à concentração no sangue de alguém mais leve, para a mesma
quantidade de ingestão). Além da influência desses fatores, uma dada
concentração poderá ter efeitos distintos em duas pessoas diferentes.
Em geral, concentrações de até 0,2 g/L de sangue não costumam provocar
nenhum efeito sobre os reflexos no trânsito. No caso de uma pessoa que
pesa cerca de 60 kg, essa concentração já é atingida, por exemplo, com um
copo de cerveja ou meia dose de uísque. A partir de cerca de 0,4 a 0,5 g/L a
maioria das pessoas começa a ter seus reflexos afetados, comprometendo
suas reações no trânsito. E essa concentração já ocorre, para uma pessoa
com 60 kg, com dois copos de cerveja, dois cálices de vinho ou uma dose
de uísque. É por esses motivos que o limite de concentração de álcool no
sangue é normalmente baixo nos códigos de trânsito.
Por outro lado, o trânsito envolve, entre todos os segmentos sociais, alguns
indivíduos que podem representar sérios problemas, na prática. Trata-se das
crianças, dos idosos e dos portadores de deficiência física, além dos
alcoólatras.
A criança é “imatura” no sentido exposto antes, ou seja, é incapaz de
concentrar-se integralmente no “ato de transitar”. Distrai-se com facilidade,
não processa adequadamente as informações de velocidade relativa dos
veículos que passam e são analfabetas (até cerca de sete anos de idade,
quando não mais). A criança é assim um ser anárquico no trânsito e,
portanto, imprevisível no mais alto grau.
 
Essa realidade não foi incorporada por nossa sociedade, uma vez que nossas
cidades não são construídas para os pedestres (e muito menos para as
crianças), mas para os condutores de automóveis. O trânsito de crianças
torna-se mais perigoso em nossas grandes cidades: 8% dos mortos em
atropelamentos, por ano, em São Paulo são crianças de até nove anos de
idade.
O idoso, por sua vez, tem tendências a apresentar lentidão de reflexos e
baixo vigor físico nos deslocamentos. Sua participação no trânsito de nossas
cidades, devido às características urbanísticas, é também muito
problemática: se o pedestre em geral é tratado como um cidadão de
“segunda classe”, o pedestre idoso é de “terceira classe”, ou seja, enfrenta
enormes dificuldades de realizar com segurança e conforto os seus
deslocamentos, sendo também preterido pela violência da disputa pelo
espaço de circulação: por ano, em São Paulo, 14% das pessoas mortas em
atropelamento têm mais de 60 anos.
Os portadores de deficiência física, assim como os pedestres em geral e os
idosos em particular, perdem constantemente a “guerra” do trânsito devido
à sua fragilidade relativa, de natureza física e política. Nos países mais
desenvolvidos, os portadores de deficiência física têm pressionando os
governos a facilitar seus deslocamentos na cidade, por meio de
rebaixamento de calçadas, adaptação de rampas, instalação de semáforos
especiais, remoção de obstáculos. Essa pressão tem resultado em
adaptações do espaço urbano (e dos equipamentos de transporte) para as
suas necessidades, constituindo uma vitória parcial. Todavia, à semelhança
dos pedestres em geral, ainda há muito a fazer.
Os veículos
Agora, pensemos um pouco sobre os veículos utilizados no trânsito.
Além do próprio corpo humano, que possibilita o movimento mais natural e
universal em todo o mundo — o caminhar do pedestre — existe um veículo
de propulsão humana que é a bicicleta. Trata-se de um veículo
extremamente útil para deslocamentos curtos, permitindo velocidades de até
25 km/h, a um custo baixíssimo. As suas duas grandes desvantagens são a
dificuldade de circulação em terrenos não planos e a falta de proteção
contra a chuva.
Em todo o mundo, são feitos muitos estudos para o melhor aproveitamento
da bicicleta nas cidades, mas a operação de sistemas de transporte por
bicicleta — as “ciclovias” — esbarra sempre em dificuldades ligadas à
disponibilidade de espaço, à existência de rampas e — mais grave — à
garantia de uma circulação segura, devido à competição desigual pelo
espaço. Isso se dá porque a bicicleta não protege o seu condutor em caso de
um eventual choque — na violência do trânsito urbano, a bicicleta sempre
perde a guerra.
Outro fator adicional é que as bicicletas são muito usadas pelas crianças, o
que torna a sua circulação mais preocupante ainda. Apesar de ser um dos
veículos mais eficientes já inventados, a bicicleta ainda não encontrou seu
espaço na maioria das grandes cidades, pois as cidades modernas, conforme
dito anteriormente, não foram feitas para os pedestres nem para as
bicicletas, mas para os automóveis. Entre os veículos de propulsão
mecânica, destacam-se a motocicleta, o automóvel, o ônibus e o caminhão.
A motocicleta é um veículo muito utilizado na Ásia e na África. Nos países
ricos ela é pouco utilizada. No Brasil, a motocicleta era até o final da
década de 1980 um veículo de cunho esportivo, limitado a um grupo
pequeno de pessoas da elite ou da classe média. A partir de então, as vendas
internas passaram a crescer exponencialmente, de 123 mil unidades, em
1990, para mais de quase 2 milhões em 2008. Estima-se que a frota em
2008 tenha atingido 12 milhões de unidades e que grande parte dela esteja
sendo usada para entrega de mercadorias nas grandes cidades (embora
tenha sido expressivo também seu crescimento nas áreas rurais).
A motocicleta é um veículo relativamente eficiente sob o ponto de vista
energético e de circulação no trânsito. Apresenta, no entanto, uma
desvantagem básica: não oferece proteção aos seus ocupantes. No caso de
um choque a falta desta proteção, aliada à velocidade,faz com que a
gravidade dos ferimentos seja muito elevada. Apenas para se ter uma ideia,
andar de motocicleta em São Paulo é cerca de cinco vezes mais perigoso do
que andar de automóvel.
Outro aspecto importante da motocicleta é que, como o automóvel, ela se
transformou em nossa sociedade em um símbolo de liberdade, trabalhado
habilmente pela propaganda. A sua inserção no tráfego geral, à semelhança
do automóvel, deu-se de forma abrupta, em que o despreparo de muitos dos
condutores — principalmente jovens dirigindo de forma temerária — aliado
à sua desvantagem física quando em um tráfego intenso, levou ao quadro
grave de acidentes de trânsito.
No Brasil o número de mortos em motocicletas passou de 725 em 1996 para
6.970 em 2006 (dez vezes mais). Em cidades brasileiras grandes como Belo
Horizonte e Porto Alegre e de porte médio como Uberlândia, Niterói e
Maringá, os acidentes com motociclistas aumentaram exponencialmente.
Em 2007, os motociclistas mortos no trânsito em São Paulo corresponderam
a 40% do total, quando dez anos antes não passavam de 5%.
O fato mais impressionante é que o número de mortes em acidentes com
motocicletas já ultrapassa aquele que ocorre entre os ocupantes dos demais
veículos. Esse fenômeno reduziu consideravelmente os benefícios trazidos
pelo Código de Trânsito de 1998, que havia reduzido o numero de
fatalidades nas nossas grandes cidades.
Dado que há muito tempo já existe grande conhecimento sobre os perigos
do uso da motocicleta — na Ásia ela já faz parte do trânsito há mais de 50
anos — devemos nos perguntar por que permitimos que, no Brasil, ela
entrasse no trânsito sem os devidos cuidados por parte do governo, da
indústria e da sociedade: porque tantos precisarão morrer ou ficar feridos
gravemente até que medidas adequadas sejam adotadas?
Devido a essa característica, em todo o mundo têm sido incentivados alguns
procedimentos básicos para aumentar a segurança dos motociclistas, dos
quais três se destacam: o uso do capacete, uma vez que o impacto na cabeça
é o principal causador de mortes entre os motociclistas acidentados; o uso
do farol aceso, mesmo de dia, para que a moto e seu condutor sejam mais
visíveis aos demais veículos; e o uso de roupas claras por parte do condutor,
pelo mesmo motivo anterior.
O automóvel, por seu lado, é de longe o transporte motorizado individual
mais utilizado no mundo moderno, na maioria das cidades. Conforme
salientei no início deste trabalho, foi o aumento acelerado da frota de
automóveis, dentro do processo de crescimento urbano do nosso século, que
caracterizou a “crise” urbana dos transportes e, consequentemente, os
problemas de trânsito.
O automóvel é, sob o ponto de vista energético, um dos piores meios de
locomoção, pois gasta grande quantidade de combustível para transportar
poucas pessoas.
O número médio de pessoas por automóvel circulando em São Paulo é de
aproximadamente 1,3. Em termos individuais, no entanto, o automóvel é o
veículo mais conveniente e confortável, pois providencia o que se chama
”transporte porta a porta”. Esse fato explica por que tem sido muito difícil,
em todo o mundo, implantar políticas de restrição ao uso do automóvel
(conforme visto anteriormente).
No tocante à segurança, o automóvel progrediu a partir da década de 1980.
Quanto à mecânica, os aspectos mais importantes são os relativos à
capacidade de frenagem, desaceleração e desempenho nas curvas. Uma vez
em movimento, o veículo precisa de certa distância para parar
completamente, o que depende da velocidade de reação do motorista, do
sistema de freios, do estado dos pneus e do estado da pista. O grande
problema é que a distância necessária para parar o veículo aumenta muito
coma velocidade. Por outro lado, o desempenho do veículo nas curvas e
envolve também o julgamento do próprio motorista sobre a velocidade
adequada.
Um dos aspectos mais importantes da segurança viária ligada ao automóvel,
em países como o Brasil, é que se trata de uma “máquina” relativamente
nova na sociedade. Disso decorre que as pessoas ainda estão em processo
de “reconhecimento mútuo” com o automóvel, aprendendo a lidar com ele e
suas potencialidades. Aliado a esse fato está o aspecto simbólico do
automóvel, reforçado pelo sistema de marketing, que aparece como símbolo
de ascensão social, ou de afirmação pessoal (econômico, sexual) para
muitas pessoas (conforme visto anteriormente).
O automóvel é utilizado, assim, de forma irresponsável por muitas pessoas,
que não têm consciência do perigo que representam para os pedestres e os
demais motoristas. Se juntarmos a esse fato a impunidade das infrações
graves de trânsito, veremos que a situação é realmente grave.
Outra questão importante da segurança viária refere-se ao cinto de
segurança. Muitos estudos mostram que os cintos contribuem muito para
minimizar os efeitos dos acidentes. A sua importância deriva do fato básico
de que o efeito de um eventual choque do veículo é transmitido aos seus
ocupantes devido à inércia dos mesmos, que os faz serem lançados à frente
(ou para fora do veículo), batendo contra a direção, o painel e os vidros
frontais do veículo. A violência desses choques já é alta quando o veículo
está acima de 40 km/h, e o cinto de segurança atua justamente para evitar
que eles ocorram.
Analogamente, as crianças, pela sua fragilidade física, apresentam
probabilidade maior ainda de se machucarem seriamente quando estão
sentadas no banco dianteiro, razão pela qual é prática mundial recomendar
o transporte de crianças menores de 10 anos no banco traseiro dos
automóveis, utilizando cintos de segurança (ou cadeiras) especiais.
O ônibus, por outro lado, é um veículo importantíssimo no mundo
moderno, pois se constitui no modo de transporte público por excelência.
Com respeito ao trânsito, os ônibus são veículos mais lentos e pesados do
que os automóveis, mas têm uma eficiência de transporte muito superior: se
você está lembrado, as pessoas presas em automóveis em três filas de 100
metros poderiam estar sendo transportadas por um ônibus.
Devido à sua importância como transporte público, os ônibus têm merecido
atenção especial, principalmente através das chamadas “faixas ou
corredores exclusivos de ônibus”, por meio dos quais se procura melhorar
seu desempenho operacional e sua velocidade.
Finalmente, os caminhões são os veículos de transporte de carga e, sob o
ponto de vista de trânsito e transporte de uma cidade, desempenham um
serviço essencial, sem o qual a cidade não poderia funcionar. São veículos
mais lentos e de maiores dimensões, que influem negativamente no
desempenho do trânsito e muitas vezes irritam os motoristas de automóveis;
todavia, as cargas que transportam precisam circular para manter as
atividades da cidade — por isso mesmo, merecem um tratamento especial.
Via e meio ambiente
Por último, as vias e o ambiente de circulação interessam ao tema da
segurança de trânsito sob vários aspectos. Em primeiro lugar, é importante
verificar os equipamentos que a via possui, dos quais o principal é a
calçada: na periferia das grandes cidades brasileiras, um dos principais
fatores causadores de atropelamentos é a conjunção de tráfego intenso com
a falta de calçadas, o que obriga os pedestres a circular na rua.
Em segundo lugar, interessa analisar o pavimento: uma rua de terra impede
velocidades altas, mas pode não dar passagem em época de chuvas,
enquanto uma rua asfaltada garante a passagem, mas pode facilitar a
velocidade, levando ao agravamento dos acidentes de trânsito. É por isso
que muitas vezes se tenta fazer uma pavimentação diferente (com blocos,
paralelepípedos) para reduzir um pouco a velocidade.
Em terceiro lugar, interessa a própria geometria da via, se ela é sinuosa ou
não, se tem ladeiras, pois tudo isso está muito relacionado à velocidade do
tráfego e à probabilidade de ocorrência de acidentes.
Em quarto lugar, interessa o comprimento da via, a sua continuidade e
penetração na cidade; uma via com muita continuidade, que percorre
grandes extensões na cidade, “atrai” muito tráfego,

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