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306 Capítulo 11 - Processos fluviais e lacustres e seus registros F3 DECIFRANDO A TERRA - CAP 11 Nacional KleberCliente Coord. ProjetoRevisorDiagramador Processos fluviais e lacustres e seus registros 306 Sumário 11.1 Bacias de drenagem 11.2 Rios 11.3 Leques aluviais e deltaicos 11.4 Depósitos aluviais no registro geológico 11.5 Lagos Entre as consequências mais importantes do ciclo hidrológi-co estão os rios e lagos, e o homem sempre se beneficiou dessas águas superficiais para sua preservação e sua manu- tenção. Rios e lagos são por definição os sistemas que comportam a água doce na superfície do planeta. São fundamentais para o escoamento das águas das chuvas, o transporte dos sedimentos do continente para o mar, para o transporte de nutrientes e or- ganismos essenciais para a biosfera, e como habitat para muitas espécies de animais e plantas. Para o ser humano tem importância vital, seja como fontes de água potável e para irrigação, como vias de transporte (Figura 11.1), e como supridores de recursos alimen- tares, pois a existência de terras férteis nas planícies de inundação situadas às margens dos rios permite o cultivo em larga escala des- de os primórdios da civilização. Não foi sem razão que o historia- dor Heródoto afirmou que o Egito é uma dádiva do Nilo, em alusão ao célebre rio, berço de uma das mais importantes civilizações da história. São também fontes de energia para usinas hidrelétricas e elementos importantes para recarga do lençol freático (ver capítu- los 17 e 18). Por outro lado, as inundações associadas aos rios constituem um dos principais acidentes geológi- cos, acarretando perdas de vidas e grandes prejuízos aos habitantes de suas várzeas. Rios, no sentido geral, são cursos naturais de água doce, com canais definidos e fluxo permanente ou intermi- tente para um oceano, lago ou outro rio. Dada a sua capacidade de erosão, transporte e deposição, os rios são os principais agentes de transformação da paisagem dos continentes, modificando continuamente o relevo, forman- do cachoeiras, corredeiras e membros na planície, até chegarem em sua foz, onde dão origem aos deltas. Claudio Riccomini, Renato Paes de Almeida, Paulo César Fonseca Giannini, Fernando Mancini Figura 11.1 – Vista aérea do Porto de Manaus. Foto: S. Jorge/Abril Imagem/Conteúdo Expresso. Ca pí tu lo 1 1 F3 DECIFRANDO A TERRA - CAP 11 Nacional KleberCliente Coord. ProjetoRevisorDiagramador Mas, quais são os processos geológicos associados aos rios? Esses processos são denominados processos fluviais e, num sentido mais amplo, enquadram-se no conjunto de processos aluviais. Os processos aluviais compreendem a erosão, o trans- porte e a sedimentação em rios, leques aluviais e leques deltaicos. Os leques aluviais são assim designados em virtude de sua forma de meia-lua em planta. São formados a partir de pontos em que drenagens confinadas em regiões montanhosas cortam escarpas íngremes, convertem-se em canais distributários (que se bifurcam em vez de confluírem) ou fluxos não canalizados, e atingem a planície da bacia onde dispersam radialmente a carga de sedimentos transportada. Nos casos em que os leques aluviais avançam diretamente para o interior de um corpo de água (lago ou mar) eles são denominados leques deltaicos. Sistemas aluviais transportam material trazido de áreas elevadas, na forma de partículas derivadas da erosão e de íons resul- tantes da dissolução de minerais. O transporte das partículas ocorre tanto individualmente, na forma de carga sedimentar sus- pensa (partículas mais finas) e de fundo (fragmentos maiores) em canais fluviais, quanto coletivamente, por fluxos de detritos co- esivos, típicos dos leques aluviais. Apesar de haver importante transporte de íons em sistemas aluviais, seus depósitos apresentam natureza clástica, sendo os íons carreados até o oceano ou lago no qual o sistema aluvial desagua. Em sistemas aluviais, sedi- mentos químicos podem ocorrer localmente, como crostas e concreções de calcita (calcretes) desenvol- vidas em paleossolos e como evaporitos em lagos temporários (playas) situados ao pé dos leques. Lagos são massas d’água situadas em depres- sões do terreno e sem conexão com o mar. As di- mensões dos lagos são variáveis, existindo pouco mais de 250 com área superior a 500 km2. Atual- mente, os lagos ocupam apenas 2% da superfície terrestre e comportam cerca de 0,02% das águas superficiais. Esses números não refletem, entre- tanto, a importância ecológica e econômica dos lagos. Além disso, pelo fato de serem depressões nas quais é favorecida a acumulação de expressivas pilhas de sedimentos, os lagos guardam também os mais completos registros das mudanças climáticas ocorridas no planeta, representados nas rochas e seus fósseis Neste capítulo, trataremos dos aspectos essen- ciais dos rios, dos processos aluviais e dos sistemas lacustres. Inicialmente, serão abordadas as bacias de drenagem. Em seguida, apresentaremos as principais formas de clas- sificação de rios e leques aluviais e passaremos, então, ao estudo dos depósitos aluviais no registro geológico. Analisaremos também as inun- dações que constituem o principal acidente geológico relacionado aos rios, com sérias implicações para a atividade humana em muitas regiões do mundo. Por fim, serão discutidos aspectos da classificação de lagos e características de depósitos lacustres. Curiosidade No início de 2008 técnicos do Instituto Nacional de Pes- quisas Espaciais (Inpe) concluíram que o rio Amazonas, além de ser o mais caudaloso do mundo, é também o maior em comprimento. Das suas nascentes, no Peru, até sua foz, nas vizinhanças da ilha do Marajó, o Amazo- nas percorre mais de 6.992 km, superando em 140 km o Nilo, cujo comprimento é de 6.852 km. Figura 11.1 – Vista aérea do Porto de Manaus. Foto: S. Jorge/Abril Imagem/Conteúdo Expresso. 307 308 Capítulo 11 - Processos fluviais e lacustres e seus registros Bacias de drenagem ma bacia de drenagem é sepa- rada das bacias de drenagem vizinhas por divisores de águas, ou seja, elevações topográficas, como as serras da Canastra e da Mantiqueira, no Sudeste do Brasil. As bacias de drenagem podem atingir grandes extensões territo- riais, como é o caso dos rios Amazonas (na parte norte da América do Sul), com cerca de 5.780.000 km2 (Figura 11.2), Con- go (na região central da África), com pou- co mais de 4.000.000 km2 e Mississipi (na região centro-leste dos Estados Unidos), com cerca de 3.220.000 km2. Ao longo do trajeto de um rio há tre- chos nos quais prevalecem processos de erosão do substrato e outros de predo- mínio da deposição de sedimentos pre- viamente erodidos. Se um rio hipotético percorresse todo seu trajeto sem erodir seu leito nem depositar sedimentos, o leito desse rio seria coincidente com seu perfil de equilíbrio. Se, em um de- terminado trecho, o leito de um rio en- contra-se acima do perfil de equilíbrio, como no caso de uma cachoeira, o rio irá erodir o substrato até alcançar seu perfil. Se o leito fluvial real estiver abaixo do perfil de equilíbrio, o rio irá deposi- tar sedimentos até que seu leito atinja o perfil de equilíbrio. O perfil de equilíbrio é ajustado ao nível do corpo de água no qual o rio deságua, que pode ser o oceano (Figura 11.3), um lago ou uma drenagem de maior porte. Esse nível é de- nominado nível de base (ver capítulo 7). Modificações no nível de base, como elevações ou quedas do nível dos ocea- nos, causam deslocamento do perfil de equilíbrio dos rios, fazendo com que o rio passe a depositar ou erodir com maior velocidade ou em maiores tre- chos. Ao longo dos rios podem existir também rupturas de declive, causadas por falhas ou rochas mais resistentes, e são locais onde se desenvolvem corre- deiras e cachoeiras. Esses locais atuarão como níveis de base locais (Figura 11.4), até que a erosão consiga removê-los.O rebaixamento do nível de base de um rio provoca o aprofundamento de seu leito, com a consequente erosão de sedi- mentos anteriormente depositados. As formas deposicionais tabulares deixadas no antigo nível do rio, elevadas em re- lação ao novo nível, são designadas de terraços fluviais. Elas podem ser eventu- almente submersas durante as cheias. 11.1 Os cursos d’água são os principais componentes das bacias de drenagem. A bacia de drenagem de um determinado rio inclui todos os afluentes que deságuam na drenagem principal e eventuais lagos associados a esse sistema. Soerguimento de grandes áreas por atividade tectônica também resulta em elevação do leito dos rios em relação a seu perfil de equilíbrio, aumentando a erosão. Da mesma forma, rebaixamen- to (subsidência) de grandes áreas cau- sa deposição acelerada. Essas grandes áreas que sofrem ou sofreram subsidên- cia são ou fazem parte das bacias sedi- mentares. Apesar de longos trechos da grande maioria das bacias de drenagem estarem em áreas elevadas, apenas os depósitos fluviais das bacias sedimen- tares são preservados e encontrados no registro geológico. O perfil de equilíbrio também pode sofrer ajustes horizontais. Os rios podem estender seus cursos à jusante (no sen- tido para onde correm) pelo avanço da 500 km Bogotá Rio Juru á Ri o M ad eir a Rio Solimões Manaus Ri o Xi ng u Rio Negro Caracas divisor divisor divisor divisor R io O r in o c o Caiena Oceano Atlântico Oceano Pacífico Belém ORIN OCO AMAZONAS Rio Amaz onas Figura 11.2 – Bacias de drenagem dos rios Amazonas e Orinoco. 309 linha de costa rumo ao mar ou a um lago, com a deposição de sedimentos por eles trazidos, formando deltas. A am- pliação do curso dos rios a montante (no sentido de onde eles vêm) ocorre por meio do processo conhecido como ero- são remontante, que acontece pelo fato de que nas cabeceiras das drenagens estão situadas as porções de maior de- clividade e, portando, de maior energia e maior capacidade de erosão. A erosão remontante, em certos casos, pode rom- per a barreira do divisor de águas, pro- movendo a ligação entre cursos fluviais de duas diferentes bacias de drenagem. Este fenômeno, denominado captura de drenagem, também pode ser causado por atividade tectônica (Figura 11.5). Excepcionalmente, rios de grande porte podem não chegar ao oceano ou a um lago, terminando em amplas bacias em regiões áridas do interior dos continentes. Esse tipo de sistema é ca- racterizado por drenagens distributárias que compõem leques aluviais de gran- des dimensões (megaleques), onde, em função da infiltração das águas no subs- trato, das altas taxas de evapotranspira- ção e da baixa pluviosidade, toda a água é perdida antes de chegar a um corpo de água maior. Um notável exemplo é o rio Okavango, em Botswana, cujas águas são evaporadas ao atingir o deserto do Kalahari, na África. Figura 11.5 – O desvio das cabeceiras do rio Tietê para a bacia de drenagem do rio Paraíba do Sul é um dos mais notáveis exemplos conhecidos de captura de dre- nagem. Previamente ao soerguimento do alto estrutural de Arujá, ocorrido no Terciá- rio, as cabeceiras de drenagem do rio Tietê estendiam-se mais de 100 km para leste das atuais. O alto é delimitado por falha (traço em preto; A - bloco alto; B - bloco baixo). As setas indicam o sentido de fluxo dos rios. O círculo indica o provável local de ligação pretérita entre as drenagens. Com a captura desenvolveu-se o “cotovelo” de Guararema, onde o rio Paraíba do Sul sofre inflexão de 180º em seu curso. 30 km Rio Tietê São Paulo Taubaté Caraguatatuba SantosSantos Alto estrutural de Arujá "Cotovelo" de Guararema A B Rio Pa raí ba do Su l Figura 11.3 – O rio Amazonas transporta um monumental volume de sedimentos para o mar. Na sua foz tem-se uma extensa pluma de sedimentos finos em suspensão (porção avermelhada na parte superior da foto) e o desenvolvimento de um expressivo cone submarino, sem qual- quer tipo de construção emersa. Fonte: Google Earth. Figura 11.4 – As cataratas do Iguaçu, desenvolvidas em basaltos cretáceos da bacia do Paraná, constituem um nível de base local para o rio Iguaçu, afluente do Paraná. Foto: C. Riccomini. 310 Capítulo 11 - Processos fluviais e lacustres e seus registros Rios Naturalmente, existem padrões in- termediários entre esses casos, os quais recebem denominações específicas. Mudanças de padrão podem ocorrer ao longo de um mesmo rio ou bacia de drenagem. 11.2.2 Comportamento das drenagens em relação ao substrato A natureza e o arranjo espacial das rochas do substrato das bacias de dre- nagem exercem também papel funda- mental quanto ao sentido de fluxo das águas em seus cursos. Os rios instalados em terrenos cons- tituídos por rochas sedimentares po- dem ser classificados em: rios consequentes – fluem segundo a declividade do terreno, em concordân- cia com a inclinação das camadas; rios subsequentes – têm seu curso controlado por descontinuidades do substrato, como falhas, juntas e presen- ça de rochas menos resistentes; rios obsequentes – apresentam fluxo no sentido oposto à inclinação das ca- 11.2 11.2.1 Padrões de drenagem As drenagens, observadas em uma carta topográfica, fotografia aérea ou imagem de satélite, apresentam padrões bastante característicos em função do tipo de rocha e das estruturas geológicas presentes em seu substrato (Figura 11.6). Existem diferentes arranjos de dre- nagem que permitem uma classifica- ção com base em sua geometria: padrão dendrítico – é o mais comum, no qual o arranjo da drenagem asse- melha-se à distribuição dos galhos de uma árvore e ocorre quando a rocha do substrato é homogênea, formada ape- nas por granito, por exemplo, ou ainda no caso de rochas sedimentares com estratos horizontais; padrão paralelo – desenvolvido em re- giões com declividade acentuada, onde as estruturas do substrato orientam-se segundo a inclinação do terreno; padrão radial – desenvolvido nos ca- sos em que a drenagem se distribui em todas as direções com origem em um ponto central, como os de um cone vulcânico ou uma feição dômica; padrão em treliça – quando a drena- gem exibe em planta um arranjo retan- gular, mas os tributários são paralelos entre si, típico de regiões com substrato rochoso onde se alternam rochas mais ou menos resistentes em faixas parale- las com planos de fraqueza ortogonais, como no caso de regiões dobradas de relevo do tipo Apalachiano; um exem- plo deste último padrão ocorre ao lon- go da faixa Paraguai, no Mato Grosso. Os rios e as drenagens podem ser classificados de diferentes formas. Do geral para o particular, as classificações mais comuns têm como base o padrão de drenagem, o comportamento das drenagens em relação ao substrato e a forma dos canais. Dendrítico Paralelo Radial Treliça Figura 11.6 – Os principais padrões de drenagem. Fonte: Bloom, A. L.Geomorphology: a syste- matic analysis of Late Cenozoic landforms. Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1991. p. 532. 311 madas e normalmente são de pequena extensão, descem escarpas e desem- bocam em rios subsequentes; rios insequentes – não apresentam controle geológico reconhecível e nor- malmente estão relacionados à presen- ça de rochas homogêneas ou de cama- das sedimentares horizontais. O rio Tietê, no seu trecho sobre os terrenos sedimentares da bacia do Para- ná, é do tipo consequente. As drenagens que descem as serras de Botucatu, São Pedro e São Carlos, no interior paulista, são do tipo obsequente. Algumas des- sas drenagens deságuam em rios subse- quentes, como é o caso do Passa Cinco na região de Itirapina e Ipeúna (estado de São Paulo), controlado por uma zona de falha de direção noroeste-sudeste. Alguns rios meandrantes, como o Ribeira de Iguape (estado de São Paulo) em seu baixo curso,apresentam caráter predo- minantemente insequente. Os rios que drenam terrenos com- postos por rochas cristalinas podem ser classificados em antecedentes e superimpostos. Os rios antecedentes têm seu curso controlado por estru- turas do embasamento e são típicos de regiões com tectonismo ativo. Por outro lado, em regiões onde cama- das sub-horizontais de sedimentos ou rochas sedimentares recobrem um substrato com rochas deformadas (do- bradas e/ou falhadas), rios superim- postos podem se desenvolver. Esses rios têm seus cursos estabelecidos na cobertura sedimentar, sem influência das estruturas do embasamento. Com o avanço do entalhamento do canal, o rio atinge as rochas do substrato, mas continua a escavar seu leito sem ser condicionado pelas estruturas. O rio Ribeira de Iguape, na divisa entre os estados de São Paulo e Paraná, apre- senta caráter superimposto em rela- ção às rochas dobradas que atravessa, de idade pré-cambriana. 11.2.3 Morfologia dos canais fluviais Existem diferentes propostas de classi- ficação dos rios. Do ponto de vista geoló- gico, a morfologia dos canais é o principal atributo considerado na classificação dos rios, por permitir a interpretação de pro- cessos e estilos de sedimentação tanto em depósitos atuais quanto antigos. Essa classificação é dirigida principalmente a rios que correm sobre os próprios de- pósitos, como aqueles de bacias sedi- mentares. Rios com vales estreitos, que entalham seu substrato rochoso e fre- quentemente são encachoeirados não se enquadram nessas classificações. A morfologia dos canais fluviais é controlada por uma série de fatores próprios da bacia de drenagem (ou fatores autocíclicos) e fatores que afe- tam não apenas a bacia de drenagem, mas toda a região onde ela está inse- rida (ou fatores alocíclicos). Entre os fatores autocíclicos, incluem-se o vo- lume e a velocidade de fluxo da água, a carga de sedimentos transportada, a largura, a profundidade e a declivi- dade do canal, a rugosidade do leito e a cobertura vegetal nas margens e ilhas. Os fatores autocíclicos, por sua vez, são condicionados pelos fatores alocíclicos, como variáveis climáticas (pluviosidade, temperatura) e geoló- gicas (tectônica ativa, nível do mar). Avaliar a contribuição relativa de cada fator na definição da morfologia de um canal não é tarefa fácil, consi- derando-se que as relações entre os diferentes fatores podem ser muito complexas. Se fixarmos, por exemplo, o papel da vegetação no aporte sedi- mentar, veremos que, em áreas com densa cobertura vegetal, o intemperis- mo químico tende a ser favorecido e, em consequência, deverá predominar o aporte de sedimentos de granulação fina. Diferentemente, em áreas com pouca cobertura vegetal prevalecerá o intempe- rismo físico e a desagregação mecânica das rochas, favorecendo o aporte de se- dimentos de granulação grossa. O mesmo exercício pode ser feito fixando-se outros parâmetros, como a influência da tectônica ou do clima no aporte sedimentar. A tectônica age diretamente no relevo, predominan- do aporte de sedimentos de granula- ção fina em áreas mais aplainadas, e grossa em áreas mais movimentadas. A maior ou menor extensão da cober- tura vegetal, por sua vez, depende di- retamente das condições climáticas. Em casos extremos a cobertura vege- tal é mais densa em regiões úmidas e praticamente ausente em regiões ári- das, favorecendo, respectivamente, o aporte de sedimentos de granulação fina e grossa. Nos itens a seguir serão abordadas as diferentes variáveis que permitem definir a forma dos canais bem como os diferentes regimes de transporte da carga de sedimentos, que possibilitam a classificar os rios que fluem sobre os próprios depósitos. Variáveis morfométricas de canais fluviais A maioria dos estudos sobre rios em- prega uma classificação fundamentada em quatro padrões básicos de canais, designados de retilíneo, meandrante, entrelaçado e anastomosado, ou, res- pectivamente, de straight, meandering, braided e anastomosed nos trabalhos em língua inglesa (ver figura 11.7). Os quatro padrões podem ser caracterizados em 312 Capítulo 11 - Processos fluviais e lacustres e seus registros função de parâmetros morfométricos dos canais, como sinuosidade, grau de entrelaçamento e relação entre largura e profundidade. Para determinado seg- mento de canal, a sinuosidade é defini- da como a relação entre o comprimento do talvegue (linha que une os pontos mais baixos do canal fluvial) e o compri- mento de seu vale. O valor de 1,5 divide arbitrariamente os rios de sinuosidade alta (maior que 1,5) dos de baixa sinuo- sidade (menor que 1,5) (Tabela 11.1). O grau de entrelaçamento mede o nú- mero de barras ou ilhas no canal, por comprimento de onda desse canal, me- dido ao longo do talvegue, o que permi- te definir sua multiplicidade. A relação largura–profundidade oferece também uma boa discriminação entre os diferen- tes tipos de canais fluviais (Tabela 11.2). Voltemos aos diferentes fatores que controlam a morfologia dos canais flu- viais e suas inter-relações. Se numa dada região a vegetação for abundante, as raí- zes da plantas oferecerão resistência à erosão, causando a estabilização das mar- gens dos canais. Essa condição favorecerá o desenvolvimento de rios meandrantes e anastomosados. No cenário oposto, com baixa cobertura vegetal, predomina- rão rios entrelaçados. É por esse motivo que, antes do surgimento de vegetação continental, no período Siluriano, predo- minavam rios entrelaçados. Como a abundância de vegetação está ligada a climas úmidos, rios mean- drantes e anastomosados estão prefe- rencialmente ligados a esta condição climática. Os rios anastomosados, em particular, dependem fortemente da ação da vegetação na fixação das margens. No estado do Amazonas, os rios Negro, na região do Arquipélago de Anavilhanas (Figura 11.8), e Juruá, a sudoeste de Carauari (Figura 11.9), são exemplos, respectivamente, de rios anastomosados e meandrantes em clima úmido. Rios entrelaçados, por sua vez, são mais comuns em regiões áridas, como no deserto de Nazca, Peru (Figura 11.10), proglaciais ou periglaciais. Retilíneo Anastomosado Meandrante Entrelaçado Figura 11.7 – Os quatro tipos fundamentais de canais fluviais. Fonte: adaptado de Miall, A. D. A review of the braided-rivers depositional environment. Earth Sciences Review ; 1977, 13:1-62. Tabela 11.1 – Relação entre sinuosidade e grau de entrelaçamento para os principais tipos de canais fluviais. Fonte: modificado de Rust, B. R. A classification of alluvial channel systems, in: Miall, A. D., ed., Fluvial Sedimentology. Calgary, Canadian Society of Petroleum Geologists, Memoir 5, 1978. p.187-193. Tabela 11.2 – Relação entre largura e profundidade para os principais tipos de canais fluviais. Fonte: modificado de Rust, B. R. A classification of alluvial channel systems, in: Miall, A. D., (ed.), Fluvial Sedimentology. Calgary, Canadian Society of Petroleum Geologists, Memoir 5, 1978, p.187-193. Sinuosidade Grau de entrelaçamento Baixa (< 1,5) Alta (> 1,5) < 1 (canal único) Retilíneo Meandrante > 1 (canais múltiplos) Entrelaçado Anastomosado Tipo Morfologia Razão largura/ profundidade Retilíneo Canais simples com barras longitudinais < 40 Entrelaçado Dois ou mais canais com barras e pequenas ilhas normalmente > 40; comumente > 300 Meandrante Canais simples < 40 Anastomosado Dois ou mais canais com ilhas largas e estáveis normalmente < 10 313 Os rios retilíneos estão praticamen- te restritos a pequenos segmentos de drenagens e distributários deltaicos (Figura 11.11). Experimentos em labo- ratórios indicaram que a mudança de padrão do canal pode ocorrer de for- ma abrupta, com limites nitidamente demarcados e controlados por fatores como a sinuosidade e a declividade(Figura 11.12), ou ainda pela carga de sedimentos transportada pelos rios. Regime de transporte da carga predominante Os quatro padrões fundamentais de rios podem ser desmembrados em tipos intermediários com base no regime de transporte da carga sedimentar predo- minante – em suspensão (partículas mais finas), mista ou de fundo (partículas gros- sas, transportadas por arrasto, rolamento ou saltação) (Figura 11.13). Muitos fatores controlam a variação na descarga e o tipo de carga fluvial dos rios. Regiões próximas a geleiras são caracterizadas por grande variação anual nas vazões dos rios, ao passo que em regiões semiáridas a áridas o es- coamento fluvial pode ocorrer apenas 10 km Rio M ississipi Go lfo do M éxi co Figura 11.11 – O atual delta do Mississipi é composto por distributários retilíneos que configuram um arranjo em “pé-de-pássa- ro”. Fonte: modificado de Bhattacharya, J. P. & Walker, R. G. Alluvial deposits, in: Walker, R.G. & James, N.P. (eds.), Facies models: response to sea level change. St. John’s: Geological Associa- tion of Canada, 1994. p.157-177. Figura 11.9 – O rio Juruá, a sudoeste de Carauari, Amazonas, é um exemplo de rio mean- drante em região plana e de clima tropical úmido. Embora seja uma das únicas vias de acesso da região, os percursos são extremamente demorados por causa da alta sinuosi- dade do canal, Fonte: Google Earth. Figura 11.10 – Planície fluvial entrelaçada limitada por montanhas no deserto de Nazca, Peru. Fonte: Google Earth. Figura 11.8 – O baixo curso do rio Negro, na região do Arquipélago de Anavilhanas, apre- senta padrão anastomosado, com ilhas e margens fixadas pela densa vegetação de clima tropical úmido. Fonte: Google Earth. 314 Capítulo 11 - Processos fluviais e lacustres e seus registros em intervalos de meses ou até mesmo anos (chuvas torrenciais esporádicas). Em ambos os casos a vegetação é esparsa, favorecendo o escoamento superficial, com o consequente transporte de frag- mentos de granulação grossa formados por processos de desagregação mecânica (intemperismo físico). Em climas úmidos, com cobertura vegetal mais abundante e lençol freático mais constante e próxi- mo à superfície, os clastos mais grossos são retidos próximos às cabeceiras dos rios, predominando o transporte de par- tículas de granulação fina. Entretanto, mesmo em condições úmidas, onde pode ocorrer a remoção da cobertura vegetal – particularmente por ação antrópica – o fornecimento de carga de granulação grossa será favorecido. Em condições climáticas áridas, o len- çol freático é mais profundo, mas pode ser elevado rumo à superfície por ocasião de chuvas torrenciais. A alta permeabilidade dos sedimentos arenosos e conglomeráti- cos, predominantes em desertos áridos, fa- vorece a infiltração e percolação das águas superficiais, inibindo o escoamento superfi- cial. Com isso, os rios nessas regiões tendem a perder rapidamente a energia de transpor- te. Como consequência, haverá predomínio da deposição de sedimentos clásticos nas porções próximas às cabeceiras (proximais) e formação de crostas duras, especialmente calcretes, em porções distais ou marginais. Figura 11.13 – O rio Japurá (bacia do Amazonas) exibe padrão transicional entre anastomosado, com grandes ilhas cobertas por vegetação, meandrante de alta sinuosidade com canais aban- donados, e trechos retilíneos provavelmente controlados por estruturas do embasamento. Fonte: imagem do radar orbital SIR-A, obtida em 1981, reproduzida de Short Sr., N. M. & Blair Jr., R. W. Geomorphology from space. Houston: National Aeronautics and Space Administration, 1986, 273 plates - NASA/Divulgação. Assim, embora seja óbvia a distinção entre um canal retilíneo e um tipicamente meandrante, nem sempre os termos ex- tremos estão representados na natureza. Os padrões descritos são comuns, mas existem muitas gradações entre eles. Ao longo de um mesmo rio, pode-se obser- var a passagem gradativa de característi- cas próprias de um determinado padrão para outro (Figuras 11.13 e 11.14), com variações em função da descarga do rio nas épocas de cheia e de estiagem. Com a mudança do aporte ao longo do tem- po geológico, em função de variações na cobertura vegetal, condições climáticas e tectônicas, diferentes padrões de rios poderão ser superpostos. Meandrante Re ti lín eo Entrelaçado 1,0 1,1 1,2 1,3 0 0,4 0,8 1,2 1,6 2,0 Si n uo si d ad e Declividade (%) Figura 11.12 – Variação na morfologia de canais fluviais em função dos parâmetros sinuo- sidade e declividade. Fonte: Schumm, S. A. & Khan, H. R. Experimental studies of channel patterns. Geological Society of America Bulletin, 1972; 83:1755-70. Carga de fundo 1 2 3 4 5 Carga em suspensão 11 12 13 14 Carga mista 6 7 8 9 10 Figura 11.14 – Variações nos padrões de canais fluviais em função do tipo de car- ga. Fonte: Schumm, S. A. Evolution and response of the fluvial system: sedimen- tological implications, in: Ethridge, F. G. & Flores, R. (eds.). Recent and ancient non- marine depositional environments: models for exploration. Tulsa, Society of Economic Paleontologists and Mineralogists, Special Publication, 1991; v. 31, p. 19-29. Ilha Macuapanim Rio Japurá 15 km 315 Leques aluviais e deltaicos Leques aluviais são sistemas alu-viais nos quais geralmente se pode reconhecer um canal prin- 11.3 Leques aluviais desenvolvem-se em locais de grande declividade e abundante suprimento de detritos, requerendo descargas muito fortes para seu início. Já os leques deltaicos são exemplos particulares dos sistemas aluviais. do megaleques como o do rio Kosi, na Índia, e o do rio Taquari, no Panta- nal Mato-grossense. No leque do rio Kosi (Figura 11.16), a sedimentação ocorre em canais fluviais entrelaça- dos, principalmente nas porções pro- ximais. O leque do rio Taquari (Figura 11.17), com cerca de 250 km de diâ- metro, é provavelmente o mais ex- tenso do mundo. Ele é composto por uma sucessão de lobos deposicionais arenosos construídos por rios mean- drantes de baixa sinuosidade, tendo como nível de base o rio Paraguai. Os leques deltaicos são casos par- ticulares de leques aluviais que pro- gradam diretamente para o interior de um corpo de água – lago ou mar. Não devem ser confundidos com os verdadeiros deltas, que são protube- râncias na linha de costa formadas nos locais onde os rios adentram os oceanos (ver figura 11.11), mares inte- riores ou lagos. Os deltas são consti- tuídos por sedimentos transportados pelos rios que os alimentam. A de- signação provém da semelhança das feições com a letra grega delta (∆), maiúscula, reconhecida por Heródo- to, em 4 a.C., nos depósitos da desem- bocadura do rio Nilo. cipal e numerosos distributários. Essa morfologia aparente na superfície dos leques aluviais por vezes refle- te apenas o escoamento superficial dos períodos em que o leque está pouco ativo. Em leques aluviais de climas áridos, o transporte principal de sedimentos ocorre durante as ra- ras chuvas torrenciais e dá-se sob a forma de enchentes em lençol (não confinadas a canais) e fluxos gravi- tacionais, permitindo a dispersão de sedimentos sobre a superfície do leque a partir de seu ponto de saída (ápice). Em leques aluviais de climas úmidos, o transporte de sedimentos ocorre nos canais distributários, mas poucos canais são ativos ao mesmo tempo. Uma característica comum aos leques, independentemente das condições climáticas, é a existência de um degrau de relevo (comumente de origem tectônica) no local onde o rio deixa de ser confinado e passa a construir o leque. Além dos processos de transporte sedimentar, outras características dis- tinguem os leques aluviais de climas áridos dos leques de climas úmidos. Os de climas áridos, comuns em re- giões desérticas (Figura 11.15), geral- mente estão associados a escarpasde falhas e têm raios normalmente menores do que uma dezena de qui- lômetros. Leques de climas úmidos podem ter raios superiores a uma centena de quilômetros, constituin- Figura 11.15 – Leques aluviais em região desértica, Death Valley, EUA. Fonte: Google Earth. 316 Capítulo 11 - Processos fluviais e lacustres e seus registros CORUMBÁ COXIM RIO VERDE Rio Ta qu ar i Rio Taquari Rio Negro Rio Aquidau na Rio Miranda Rio Pa ra gu ai Rio Pa rag ua i Rio Cu iab á Rio Piquiri R io I tic ara Morrinho Rio São Lou renç o 100 120 140 160 180 Quaternário indiferenciado Paleozoico Lobo atual Estações fluviométricas Curva de nível Paleocanais Pré-Cambriano Escarpa Planície meandrante Lobos antigos 20 km CORUMBÁ COXIM RIO VERDE Rio Ta qu ar i Rio Taquari Rio Negro Rio Aquidau na Rio Miranda Rio Pa ra gu ai Rio Pa rag ua i Rio Cu iab á Rio Piquiri R io I tic ara Morrinho Rio São Lou renç o 100 120 140 160 180 Quaternário indiferenciado Paleozoico Lobo atual Estações fluviométricas Curva de nível Paleocanais Pré-Cambriano Escarpa Planície meandrante Lobos antigos 20 km Figura 11.17 – O megaleque do rio Taquari, no Pantanal Mato-grossense, provavelmente o mais extenso do mundo, apresenta vários lobos depo- sicionais arenosos construídos por rios meandrantes de baixa sinuosidade, tendo como nível de base o rio Paraguai. Fonte: Assine 2003, Tese de Livre-Docência, Universidade Estadual Paulista. 40 km 40 km Nepal Índia R i o K os i R io G a n g e s H i m a l a i a s K o s i 19 49 19 33 19 26 18 40 -1 87 3 18 07 -1 83 9 18 73 -1 89 2 17 70 1736 Pré-1736 19 22 -1 92 1 18 93 -1 92 1 19 38 -1 94 0 K o s iTa m u r Ar un S u n Purnea R io K os i ( fe ito e m 1 97 7) Rio Ganges a b Figura 11.16 – a) O leque do rio Kosi tem seu ponto de origem (ápice) nos Himalaias, na região fronteiriça entre a Índia e o Nepal. Os sedimentos gradam de cascalhos (até blocos e matacões), nas porções proximais, a lamas nas porções distais. b) Este rio apresentou acentuada migração dos canais distributários para oeste nas últimas centenas de anos. Fontes: a) Imagem Landsat obtida em fevereiro de 1977, reproduzida de Short Sr., N. M. & Blair Jr., R.W. Geomorphology from space. Houston: National Aeronautics and Space Administration, 1986. 273 plates - NASA/ Divulgação; b) modificado de Holmes, A. Principles of Physical Geology. Nova York: The Ronald Press, 1965. p. 1288. 317 Depósitos aluviais no registro geológico O estudo dos depósitos aluviais, fundamentado em modelos estabelecidos a partir da ob- servação de depósitos recentes, permite a caracterização dos processos hidrodi- nâmicos e a compreensão da evolução sedimentar dos depósitos antigos. Os depósitos aluviais apresentam grande importância econômica como hos- pedeiros de recursos minerais (como urânio e depósitos de placer com dia- 11.4.1 Como se analisam fácies em depósitos aluviais? A análise de fácies é efetuada com o levantamento e a descrição de seções, visando caracterizar um corpo rochoso a partir da combinação particular de lito- 11.4 Os depósitos aluviais são um importante componente da história geológica e ocorrem em contextos geotectônicos distintos e em vários períodos. Em função disso, podem constituir indicadores sen- síveis dos controles exercidos pelo tectonismo e pelas variações do nível do mar na sedimentação. mantes, cassiterita e ouro - ver capítulo 19), energéticos (carvão, petróleo e gás - ver capítulo 18) e hídricos (água subter- rânea - ver capítulo 17). Para a análise e interpretação dos depósitos aluviais e seus processos gera- dores, os geólogos valem-se do conceito de fácies, entendido como o conjunto de características descritivas de um cor- po sedimentar que permitem interpretá- -lo como o produto de um determinado tipo de processo deposicional. O método da análise de fácies baseia-se na com- paração de perfis verticais e seções em afloramentos com modelos, sucessões e associações de fácies (Quadro 11.1). Os modelos são elaborados para repre- sentar, em sua essência, a combinação de feições de depósitos sedimentares recentes e antigos e permitir a caracteri- zação dos diferentes sistemas deposicio- nais envolvidos. logias e estruturas físicas e biológicas que permitam discriminá-lo dos corpos ro- chosos adjacentes. Este corpo então indi- vidualizado corresponde a uma fácies. As diferentes fácies reconhecidas podem ser agrupadas em associações ou sucessões de fácies, com o intuito de generalizar, ca- tegorizar e simplificar as observações da variabilidade litológica de um modelo ou de uma bacia. Para a análise de fácies, pode ser em- pregada uma classificação formulada por Fácies podem ser definidas como corpo rochoso caracterizado por uma combinação particular de litologia, estruturas físicas e biológicas, as quais lhe conferem aspecto diferente dos corpos de rocha adjacentes. As fácies podem ser reunidas em associações ou sucessões. Uma associação de fácies compreende um grupo ge- neticamente relacionado entre si e que possui significado ambien- tal. A sucessão de fácies refere-se à mudança vertical progressiva em um ou mais parâmetros, como a granulação e estruturas sedi- mentares, entre outros. Um sistema deposicional corresponde à assembleia tridimensional de litofácies (fácies definidas com base em seus atributos litológicos) geneticamente relacionadas em ter- mos de processos e ambientes. O trato de sistemas representa a interligação entre sistemas deposicionais contemporâneos. Os modelos de fácies representam o sumário do sistema deposi- cional em particular e envolvem vários exemplos de sedimentos recentes e rochas sedimentares antigas. Roger G. Walker, sedi- mentólogo canadense e um dos formuladores desses conceitos, considera que os modelos de fácies devem reunir informações provenientes de diferentes exemplos de um sistema deposicional específico, o qual, além de ser utilizado como ponto de referência para interpretação de novos casos estudados, deve permitir infe- rências a partir de um número limitado de dados obtidos nestes novos casos como ilustrado no fluxograma da figura 11.18. Figura 11.18 – Relações entre fácies, ambientes deposi cio nais, sistemas deposicionais e tratos de sistemas deposicionais Fonte: modificado de Walker, R. G. Facies, facies models and modern stratigraphic concepts, in.: Walker, R. G. & James, N. P. (eds.) Facies models: response to sea level change. St. John’s, Geological Association of Canada, 1992, p.1-14. Quadro 11.1 – Modelos de fácies 318 Capítulo 11 - Processos fluviais e lacustres e seus registros Figura 11.19 – Método de descrição de um depósito fluvial, com a identificação de superfícies limitantes (tracejado), caracterização das litofá- cies (códigos representados por letras, conforme a tabela 11.3) e determinação de atributos vetoriais, como paleocorrentes (setas, indicando o rumo do mergulho de camadas frontais de estratos cruzados em relação ao norte geográfico). Formação Itaquaquecetuba, Cenozoico, bacia de São Paulo. Fonte: painéis elaborados por P. A. Neto. Andrew D. Miall, sedimentólogo inglês, que utiliza códigos de litofácies, compos- tos por uma letra inicial maiúscula, que representa a granulação do material, se- guida por uma ou duas letras minúsculas, que indicam as estruturas sedimentares presentes. Dessa forma, pode-se inter- pretar cada litofácies em termos de sua origem hidrodinâmica e posição nas di- ferentes fácies do sistema fluvial (Tabela 11.3). Atualmente, este método é muito difundido entre os sedimentólogos, sen- do empregado também para outros ti- pos de sistemas deposicionais, tanto para registros modernos quanto antigos. No estudo dos depósitos aluviais, emprega-se o método da aproxima- ção sucessiva, ou zoom, partindo-se da observação mais geral, em escala de afloramento,onde são identificadas su- perfícies limitantes, de corpos maiores, suas geometrias internas e externas, suas relações com os corpos adjacentes, até a observação de mais detalhe, quan- do porções do depósito são estudadas individualmente, correspondente à aná- lise de fácies (Figura 11.19). Esses procedimentos e classificações podem ser relativamente bem aplica- dos para sistemas fluviais atuais, onde é possível a observação direta da morfo- logia dos canais, dos processos erosivos e sedimentares atuantes, bem como da distribuição tridimensional dos depósi- tos. Entretanto, a definição e distinção de tipos de padrões para sistemas flu- viais antigos, a partir de afloramentos, em geral, alterados e descontínuos, po- dem ser confusas e de difícil execução. O método de análise de fácies em seções verticais pode não ser suficiente para re- presentar adequadamente as variações laterais e tridimensionais da composição e geometria dos depósitos sedimentares. Assim, existem métodos complemen- tares, com base nos denominados ele- mentos arquitetônicos (ver leitura reco- mendada no final deste capítulo). Programas computacionais específi- cos vêm sendo desenvolvidos e aprimo- rados para auxiliar nesses procedimentos, nas diferentes escalas, desde a simulação de formas deposicionais até o estabeleci- mento do arranjo tridimensional de fácies em depósitos de diferentes naturezas. Tais aplicações são particularmente relevan- tes ao estudo de meios porosos como reservatórios de fluidos – água, petróleo e gás – uma vez que o volume armazena- do depende das variações litológicas, da forma e do tamanho do reservatório. 11.4.2 Modelos deposicionais Dada a grande variabilidade dos fato- res que controlam os diferentes tipos de rios e leques aluviais, é possível elaborar uma infinidade de modelos deposicio- nais. Leques aluviais de climas áridos e 319 Tabela 11.3 – Litofácies associadas a depósitos aluviais. Fontes: Riccomini, C. & Coimbra, A. M., Sedimentação em rios anastomosados e entrelaçados. Boletim do Instituto de Geociências, USP, Série Didática, 1993. 6:44p.; Miall, A. D. Lithofacies types and vertical profile models in braided river deposits: a summary, in: Miall, A. D. (ed.). Fluvial Sedimentology. Calgary, Canadian Society of Petroleum Geologists, Memoir 5, 1978, p. 597-604. Litofácies Classificação litológica Estruturas sedimentares Interpretação Gms OAAS, ortoconglomerados arenosos susten- tados por areia e PLS, paraconglomerados sustentados por lama Maciços Depósitos de fluxo de detritos Gm O, ortoconglomerados e OACS, ortoconglo- merados arenosos, ambos sustentados por clastos Maciços ou grosseiramente estratifi- cados (acamamento horizontal, imbricação de clastos) Barras longitudinais, depósitos residuais de canais, depósitos de peneiramento com estrutura gradacional inversa Gt AC, arenitos conglomeráticos e OAAS, orto- conglomerados arenosos sustentados por areia Estratificação cruzada acanalada Preenchimento de canais Gp AC, arenitos conglomeráticos e OAAS, ortocon-glomerados arenosos sustentados por areia Estratificação cruzada planar Barras linguoides St A, arenitos, a AC, arenitos médios a muito grossos, conglomeráticos, podendo conter grânulos e seixos Estratificações cruzadas acanaladas isoladas (θ) ou agrupadas (π) Dunas (regime de fluxo inferior) Sp A, arenitos, a AC, arenitos médios a muito grossos, conglomeráticos, podendo conter grânulos e seixos Estratificações cruzadas acanaladas isoladas (α) ou agrupadas (ο) Barras linguoides transversais e ondas de areia (regime de fluxo inferior) Sr A, arenitos muito finos a grossos Marcas onduladas de todos os tipos Ondulações (regime de fluxo inferior) Sh A, arenitos muito finos a muito grossos, podendo conter grânulos Laminação horizontal, lineação de partição ou de fluxo Fluxo acamado planar (regimes de fluxo superior e inferior) Sl A, arenitos finos Estratificação cruzada de baixo ângulo (< 10o) Preenchimento de sulcos, rom- pimento de diques marginais, antidunas Se A, arenitos com intraclastos Sulcos erosivos com estratificação cruzada incipiente Preenchimento de sulcos Ss A, arenitos finos a grossos, podendo incluir grânulos) Sulcos amplos e rasos incluindo estratificações cruzadas tipo η Preenchimento de sulcos Sse, She e Spe A, arenitos Análogos a Ss, Sh e Sp Depósitos eólicos Fl AP, arenitos pelíticos, PA, pelitos arenosos e P, pelitos Laminação fina, ondulações de amplitude muito pequena Depósitos de transbordamento ou de decantação de enchentes Fsc P, pelitos Laminada a maciça Depósitos de áreas pantanosas ou planície de inundação Fcf P, pelitos, localmente com moluscos de água doce Maciça Depósitos de pântanos alagadiços Fm P, pelitos Maciça, com gretas de contração (ressecação) Depósitos de transbordamento Fr P, pelitos Marcas de raízes Camadas pelíticas sotopostas a camadas de carvão (underclay) C Carvão, pelitos carbonosos Restos vegetais, filmes de lama Depósitos de pântano P Carbonatos (calcretes) Feições pedogenéticas Solos úmidos, assim como rios entrelaçados, meandrantes e anastomosados, entendi- dos como termos extremos das propos- tas de classificação, possuem elementos característicos que podem ser utilizados para finalidades didáticas. Sistema de leques aluviais Os modelos deposicionais para leques aluviais foram originalmente elaborados considerando as feições como distributários do sistema flu- vial. Os estudos já desenvolvidos são praticamente restritos às regiões de clima árido, com forte escoamento superficial e transporte de clastos de granulação grossa resultantes da desagregação mecânica das rochas. Assim, com frequência, os leques alu- 320 Capítulo 11 - Processos fluviais e lacustres e seus registros viais são tratados em conjunto com os rios entrelaçados. Em contraparti- da, só recentemente começaram a ser formulados modelos deposicionais mais robustos para leques aluviais de climas úmidos. Leques aluviais de clima árido As porções proximais dos leques aluviais são normalmente caracte- rizadas pela presença de depósi- tos com ampla variação litológica, contendo desde seixos até blocos. Nesses locais, durante os longos pe- ríodos secos, a desagregação mecâ- nica produz detritos em abundância, os quais são remobilizados durante as chuvas torrenciais que ocorrem de forma esporádica. Essa remobili- zação pode processar-se mediante dois tipos de eventos rápidos e ener- géticos, os fluxos de detritos coesivos e as enchentes em lençol. Os fluxos de detritos coesivos correspondem a corridas de lama contendo clastos de granulação grossa, enquanto que as enchentes em lençol são fluxos rasos de água corrente não confinadas em canais, portanto capazes de cobrir grandes áreas na superfície de leques aluviais ou planícies fluviais. Logo, o tipo de remobilização depende da disponibilidade de argila na fonte e durante a evolução do processo de transporte num mesmo sistema de leque. Os perfis típicos para os leques aluviais proximais compreendem basicamente uma sucessão de de- pósitos de fluxo de detritos (Figuras 11.20 e 11.21) ou enchente em len- çol, atingindo individualmente es- pessuras métricas, embora por vezes seja difícil a separação dos diferentes fluxos em afloramentos. Os depósitos de fluxo de detritos são constituídos por lamas seixosas a arenosas. Apre- sentam bases abruptas e aplainadas e padrão lobado, exceto quando alo- jados ao longo de canais. Em geral, os depósitos de enchente em lençol são tabulares e compostos por cas- calhos e areias com estratificação plano-paralela. Nos leques aluviais da posição intermediária a distal predominam depósitos de granulação mais fina, compostos principalmente por la- mas seixosas nas porções interme- diárias a arenosas e argilosas nas distais (dominadas por fluxos de de- tritos, em ciclos que mostram gros-seira diminuição da granulação das partículas sedimentares para o topo (ciclos granodecrescentes), podendo ocorrer calcretes nas terminações dos leques. Em leques dominados por enchente em lençol, as porções dis- tais são caracterizadas por areias finas laminadas, eventualmente in- tercaladas com depósitos lacustres. Leques aluviais de clima úmido Nos megaleques aluviais desen- volvidos em regiões de clima úmido, a sedimentação ocorre em canais fluviais. Estudos realizados por M. L. Assine e P. C. Soares, geólogos brasilei- ros, permitiram verificar que a morfo- logia do megaleque do rio Taquari (ver figura 11.17) é marcada pelos traços de uma grande quantidade de canais abandonados, em parte ativos duran- te as cheias. A sedimentação é carac- terizada por processos provavelmente cíclicos de construção e abandono de lobos deposicionais arenosos durante Figura 11.21 – No sopé do maciço alcalino de Itatiaia, estado do Rio de Janeiro, ocorrem intercalações de depósitos de fluxos de detritos, contendo blocos arredondados de rochas alcalinas, com depósitos de corridas de lama em antigo leque aluvial da formação Resende (Oligoceno). Foto: C. Riccomini. Figura 11.20 – Depósito de fluxo de detritos contendo blocos métri- cos de rochas do embasamento na porção proximal de leque aluvial da formação Resende (Oligoceno), junto à borda norte da bacia de Resende, estado do Rio de Janeiro. Foto: C. Riccomini. 321 o Quaternário. O lobo atual está sen- do construído por um rio meandrante, com vários locais de rápido abandono do canal e de formação de depósitos de rompimento de diques marginais. Sistema fluvial entrelaçado Rios entrelaçados são caracte- rizados pelo amplo predomínio da carga de fundo. Possuem razão lar- gura/profundidade do canal normal- mente maior que 40, comumente excedendo 300. A formação de ca- nais entrelaçados é favorecida pela presença de declividades médias a altas, abundância de carga de fundo de granulação grossa, grande va- riabilidade na descarga e facilidade de erosão das margens. Canais en- trelaçados são desenvolvidos pela seleção das partículas, com a depo- sição de material de frações granu- lométricas que o rio não consegue transportar. A diminuição progressi- va da declividade leva à menor gra- nulação do material que compõe a carga de fundo. A deposição da carga de fundo propicia o desenvol- vimento de barras que obstruem a corrente e ramificam-na, processo este facilitado nos casos em que as margens sejam facilmente erodi- das, com consequente aumento do Figura 11.22 – Bloco-diagrama com as principais feições constituintes de um rio entrelaçado distal. As setas indicam as direções de fluxo. 1) planícies de areia emersas recobertas com ondas de areia; 2) ilha coberta por vegetação; 3) núcleo emerso; 4) barra submersa cruzada ao canal; 5) dunas de cristas sinuosas; 6) depósitos residuais de canais. Fonte: modificado de Cant, D. J. & Walker, R. G. Fluvial processes and facies se- quences in the sandy braided South Saskatchewan River, Canadá. Sedimentology, 1978, v. 25, p. 625-648. a b Figura 11.23 – Depósito de barra longitudinal de cascalhos na porção proximal de um rio entrelaçado atual (a) e depósito antigo de natureza semelhante em terraço fluvial do mesmo rio (b), mostrando a persistência do processo no tempo geológico. Exposições ao longo do rio do Braço (município de Cruzeiro, estado de São Paulo. Fotos: a) C. Riccomini; b) F. Mancini. 5 4 3 3 1 1 2 6 322 Capítulo 11 - Processos fluviais e lacustres e seus registros suprimento de material detrítico. Também a variação na descarga de um rio afeta sua capacidade de transporte: a ocorrência de períodos nos quais o rio não possui energia para transportar toda sua carga de fundo conduz à formação de barras e à ramificação do fluxo. Especial atenção vem sendo dada à classificação dos diferentes tipos de depósitos nos rios entrelaçados e vários modelos básicos foram de- finidos (Figura 11.22). Entretanto, um mesmo rio pode apresentar modelos deposicionais distintos, conforme a posição de um determinado seg- mento do canal em relação à cabe- ceira, ou ainda como decorrência da variação de sua energia de trans- porte, por exemplo, na enchente e na vazante. Dessa maneira, os rios entrelaçados podem ser analisados em função de sua posição na bacia Figura 11.25 – Afloramento de areias e cascalhos da formação Itaquaquecetuba, Cenozoico da bacia de São Paulo, mos- trando a predominância de depósitos fluviais entrelaçados distais, na porção inferior, e proximais, na porção superior da exposição: 1. Troncos fósseis carboni- ficados; 2. Brechas com clastos de argila; 3. Conglomerados; 4. Lâminas e camadas com concentração de clastos milimétricos de lama arenosa ricos em matéria orgâni- ca; 5. Arenitos médios a grossos com es- tratificação cruzada. Foto: A. M. Coimbra. Figura 11.24 – Depósitos de barras longitudinais de cascalhos intercalados com areias (porção intermediária de um antigo rio entrelaçado) da formação Ponta Porã (Cenozoico), na região entre Bela Vista e Jardim, estado do Mato Grosso do Sul. Visão geral (a) da estratificação horizontal dos cascalhos e um detalhe (b) da imbricação dos clastos, indicando sentido de transporte para o lado direito da foto. Fotos: C. Riccomini. a b de drenagem, se proximais, interme- diários ou distais. Depósitos de rios entrelaçados proximais Os depósitos proximais de rios entrelaçados são normalmente cas- calhosos e dominados por depósitos rudáceos sustentados pelo cascalho, maciços ou grosseiramente estrati- ficados; neste último caso formam barras longitudinais (alongadas pa- ralelamente ao canal fluvial) cons- truídas durante as enchentes (Figura 11.23). De maneira subordinada, in- cluem depósitos rudáceos susten- tados pelo cascalho a areias com estratificações cruzadas, depositados durante as fases de enfraquecimento das inundações e redução da pro- fundidade. Podem constituir ainda ciclos granodecrescentes de peque- na escala, até métrica. As unidades arenosas são depositadas em canais abandonados ou em continuidade de barras de cascalhos, à medida que as barras emergem durante o rebaixamento do nível de água. Depósitos de rios entrelaçados intermediários Os rios entrelaçados intermediários podem incluir depósitos cíclicos gra- nodecrescentes desenvolvidos em ca- nais ativos e bem definidos, cuja carga de fundo é essencialmente constituí- da por areia e cascalho. O desnível do topo das barras em relação ao fundo dos canais chega a atingir dimensões métricas. Os sedimentos mais grossos ocorrem nas porções mais profundas dos canais, constituindo, por vezes, barras longitudinais de cascalhos ma- ciços com grosseira estratificação ho- 323 4m 1 2 3 rizontal e clastos imbricados (Figura 11.24). Ocorrem também em barras transversais de areias localmente cas- calhosas com estratificações cruzadas planares e barras lobadas de areias cascalhosas com estratificação cruzada planar. Segmentos parcialmente inati- vos podem receber sedimentação de areias e cascalhos durante as cheias. Depósitos de rios entrelaçados distais As porções distais de sistemas flu- viais entrelaçados correspondem a rios normalmente largos e rasos, sem diferenciação topográfica clara entre as porções ativas e inativas. Os depósitos raramente são cíclicos e correspondem predominantemente a barras arenosas ou megaondula- ções (depósitos gerados pela rápida desaceleração da carga sedimentar ao ser introduzida em um corpo de água), construindo sucessões de li- tofácies de areias com estratificação cruzada. Areias com laminações on- duladas e siltes podem ocorrer no topo das barras. Novamente vale lembrar a exis- tência de transições entre os tipos de depósitos; da alternância vertical de depósitos de diferentes porções no sistemafluvial entrelaçado (Figu- ra 11.25), bem como da intercalação de depósitos fluviais entrelaçados e de leques aluviais em virtude da va- riação na descarga e/ou existência de tectonismo durante a deposição (Figura 11.26). Sistema fluvial meandrante O sistema fluvial meandrante é caracterizado pela presença de canais com alta sinuosidade e ra- zão largura/profundidade do canal menor que 40, onde predomina o transporte de carga em suspensão. A migração lateral dos canais ocorre pela erosão progressiva das margens côncavas e pela sedimentação nos leitos convexos dos meandros. O modelo para o sistema fluvial meandrante compreende uma asso- ciação de fácies característica e que apresenta relações internas com- plexas durante a evolução do canal. A presença de barras de pontal com superfícies de acréscimo lateral, as planícies de inundação bem desen- volvidas e a decrescência ascenden- te da granulometria e do porte das estruturas sedimentares são consi- deradas características típicas dos depósitos sedimentares gerados nesse sistema (ver figuras 11.27 e 11.28). Em consequência, são diversos os tipos de depósitos encontrados em um rio meandrante, desde depósitos de canais, de barras de pontal, de atalho, de meandros abandonados, de diques marginais, de rompimen- to de diques marginais até planície de inundação. Depósitos de canais Os depósitos de canais englo- bam os sedimentos mais grossos de um sistema fluvial meandrante, situa- dos na parte mais profunda do leito (ver figuras 11.27 e 11.29). Litologi- camente, predominam cascalhos e areia grossa a média, com estratifi- cações cruzadas. No local, podem ocorrer intraclastos argilosos resul- tantes da queda de blocos erodidos das margens em virtude da migração do canal. Depósitos de barras de pontal Os depósitos de barras de pontal (point bar), de composição arenosa a cascalhenta, com diminuição de Figura 11.26 – Seção colunar mostrando intercalação entre depósitos de arenitos fluviais de rios entrelaçados e de lamitos da porção distal de leque aluvial: 1. arenito conglomerático a conglomerado com estra- tificações cruzadas; 2. lamito argiloarenoso; 3. lamito argiloso. Formação Resende, Oli- goceno da bacia de Resende, estado do Rio de Janeiro. Fonte: modificado de Melo, M. S.; Riccomini, C.; Almeida, F. F. M.; Hasui, Y., Sedimentação e tectônica da bacia de Resende - RJ. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 1985, v. 57, p. 467-479. 324 Capítulo 11 - Processos fluviais e lacustres e seus registros Figura 11.28 – O rio Paraíba do Sul ao atravessar os terrenos sedimentares da bacia de Taubaté apresenta marcante padrão meandrante. No trecho ilus- trado, a oeste de Caçapava, estado de São Paulo, são observados inúmeros meandros abandonados por atalhos em corredeira. As manchas brancas indicam áreas de extração de areia nas barras de pontal. Foto: Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, SP-31, obtida em julho de 1973. 500 m Meandros abandonados 8 5 4 3 3 1 2 6 6 7 8 8 9 Figura 11.27 – Bloco-diagrama com as principais feições constituintes de um rio meandrante. 1) canal fluvial; 2) barra de pontal; 3) dique marginal; 4) depósito de rompimento de dique marginal; 5) meandro abandonado; 6) atalho em corredeira; 7) atalho em colo; 8) planície de inundação; 9) bacia de inundação. Fonte: modificado de Walker, R. G. & Cant, D. J. Sandy fluvial systems, in: Walker, R.G., (ed.), Facies models. Ontario: Geological Association of Canada, 1984. p.71-89. granulação para cima, formam-se pela erosão dos sedimentos das mar- gens côncavas, os quais são deposi- tados pelo processo de acréscimo lateral nas margens convexas dos meandros seguintes. O acréscimo lateral é responsável pela migração do canal e depende de vários fato- res, dentre os quais a sinuosidade do canal e o tipo e a quantidade de carga transportada. No acréscimo lateral as superfícies deposicionais não são horizontais, mas mergulham no sentido do talvegue do meandro, formando estruturas sigmoidais para o interior do canal (Figura 11.30). Depósitos de atalho e meandros abandonados Um meandro pode ser abando- nado gradualmente por atalho em corredeira (chute cutoff), quando o 325 Figura 11.29 – Depósito de canal de rio meandrante da Formação São Paulo, Oligoceno - Mioceno da bacia de São Paulo, nos arredores de Santa Isabel, estado de São Paulo. Foto: A. M. Coimbra. Figura 11.30 – Exposição de seção transversal de um rio meandrante da Formação São Paulo na região de Guararema, estado de São Paulo, mostrando estratificação cruzada sig- moidal, na parte centro-esquerda da foto, e depósito de meandro abandonado (oxbow lake), na porção central e centro-direita da foto. Foto: C. Riccomini. canal passa a ocupar antigos locais de sedimentação e o fluxo diminui aos poucos (ver figura 11.27), por atalho em colo (neck cutoff), quando ocorre abertura de um novo canal entre dois meandros ou ainda por avulsão (rápida mudança do curso do canal fluvial, normalmente du- rante eventos de inundação) de vá- rios meandros concomitantemente. Com a avulsão, forma-se um lago de meandro abandonado (oxbow lake), com depósitos predominan- temente pelíticos (Figura 11.30), por vezes com turfa. Quando cortam as barras de pontal, os canais de atalho em corredeira podem ser reconhe- cidos pela presença de cascalhos e estratificações cruzadas acanaladas interrompendo a sequência grano- decrescente ascendente da barra de pontal; situação análoga pode tam- bém ser observada em depósitos da planície de inundação. Pode ocorrer ainda o abandono de um segmento do canal pela captura por outro canal ou por avulsão, em geral relacionado à atividade tectônica. Nestes casos, com a diminuição repentina do aflu- xo de sedimentos de carga de fundo, o canal é vagarosamente preenchido por material em suspensão da planí- cie de inundação, formando corpos de argilas restritos e alongados sobre depósitos cascalhosos e arenosos tí- picos de canal. Depósitos de diques marginais Os corpos elevados, alongados em faixas sinuosas junto às bordas do canal, denominados de diques marginais (natural levees), formam-se em períodos de inundação. Quando ocorre a invasão da planície de inun- dação, por causa do extravasamen- to das águas do canal, a velocidade de transporte diminui bruscamente; com isso, depositam-se areias finas próximo às margens sob a forma de feição com seção triangular. Os depósitos associados são caracteri- zados pela presença de camadas de areias médias a finas, com estratifica- ções onduladas de pequeno porte (centimétricas), associadas a argi- las laminadas. Por constituir feição elevada na planície de inundação, o dique marginal frequentemente é coberto por vegetação, podendo preservar marcas de raízes, fragmen- tos orgânicos, paleossolos e gretas de contração. 326 Capítulo 11 - Processos fluviais e lacustres e seus registros Depósitos de rompimento de diques marginais Durante enchentes de grande porte (ver quadro 11.2), a energia do fluxo do rio pode romper o di- que marginal, formando canais efêmeros e pouco definidos que se espalham sobre os depósitos de planície de inundação, geralmente com extensão de poucos metros, em casos excepcionais atingindo algumas centenas de metros. Cons- tituem os depósitos de rompimento de diques marginais (crevasse splay) e são compostos de areias e argi- las que podem se misturar com os depósitos do dique marginal e da planície de inundação, formando muitas vezes brechas com intra- clastos de argila erodida da própria planície de inundação. Ocorrem es- truturas sedimentares como estrati- ficação cruzada de pequeno porte, laminações cruzadas de ondulações cavalgantes (climbing-ripples), lami- nação plano-paralela e estruturas de corte-e-preenchimento. Depósitos de planíciede inundação A planície de inundação (flood plain) é a área relativamente plana e alongada adjacente a um rio, cober- ta por água nas épocas de enchente. Nela predominam os processos de suspensão, gerando coberturas cen- timétricas de silte e argila laminadas de forma uniforme (Figura 11.31). A planície de inundação apresenta-se intensamente vegetada, podendo formar significativos depósitos de restos vegetais e horizontes de solos, além de outras feições como biotur- bações, marcas de raízes, gretas de contração e depósitos de turfa. O ter- mo bacia de inundação (flood basin) é reservado às partes mais baixas dessa planície, constantemente inundadas. Sistema fluvial anastomosado Os sistemas fluviais anastomo- sados consistem um complexo de canais de baixa energia, interconec- tados, desenvolvidos, sobretudo, em regiões úmidas e alagadas, e for- mando várias ilhas alongadas reco- bertas por vegetação (Figura 11.32). Entretanto há exceções, permitindo que esse tipo de sistema possa ocor- rer sob condições climáticas áridas. Os rios entrelaçados caracterizam-se pela baixa razão largura/profundida- de do canal, a qual pode ser inferior a 10, e pela alta sinuosidade, superior a 2. Normalmente, os detritos são trans- portados como carga em suspensão ou mista, embora esses rios possam transportar sedimentos grossos em abundância por ocasião das chuvas. A baixa declividade dos canais e sua sinuosidade provocam frequen- temente o extravasamento do canal e a deposição de siltes e argilas. As áreas de acumulação de turfa, áreas pantanosas e lagoas de inundação ocupam mais de dois terços da área de um sistema fluvial anastomosado em terrenos úmidos. Os rios anastomosados são carac- terizados pela presença de dois ou mais canais estáveis e ocorrem em regiões de subsidência em relação ao nível de base regional. Observações de campo e estudos experimentais demonstraram que a estabilidade dos canais é fortemente condicio- nada pela presença de vegetação; a resistência à erosão de margens com vegetação, especialmente raízes, pode ser 20 mil vezes maior do que para margens sem vegetação. Climas úmidos, propícios ao desenvolvimen- to de vegetação, são mais favoráveis para a implantação desse tipo de sistema. Tais condições, todavia, po- dem conduzir também à formação de rios meandrantes. Entretanto, os rios anastomosados apresentam pou- ca migração dos canais e ausência de barras de pontal, o que os diferencia, portanto, dos rios meandrantes. Figura 11.31 – Camadas horizontais de siltitos e argilitos intercalados, de depósitos de planície de inundação da formação Fonseca, Cenozoico da bacia de Fonseca, estado de Minas Gerais Foto: L. G. Sant’Anna. 327 6 3 8 9 7 5 4 1, 2 10 11 87 11 Figura 11.32 – Bloco-diagrama com as principais feições constituintes de um rio anastomosado. 1) área de acumulação de turfa; 2) pântano; 3) lagoa de inundação; 4) dique marginal; 5) depósito de rompimento de dique marginal; 6) canal fluvial; 7) cascalho; 8) areia; 9) turfa; 10) silte arenoso; 11) lama. Fonte: modificado de Smith, D. G. & Smith, N. D., Sedimentation in anastomosed river systems: example from alluvial valleys near Banff, Alberta. Journal of Sedimentary Petrology, 1980; v. 50. p. 157-164. Estudos realizados com sonda- gens permitiram a verificação de taxas altas de acréscimo vertical do canal. A migração lateral, no entanto, seria baixa, em virtude da contenção pela vegetação. Consequentemente, a ca- racterística diagnóstica deste sistema fluvial é o contato subvertical entre as diferentes fácies, o que torna difícil sua identificação em afloramentos e a correlação lateral entre os poços. O reconhecimento desses depósitos em subsuperfície exige uma malha muito densa de sondagens. A persistência do cenário, aliada à agradação vertical por influência da elevação do nível de base regional em relação ao do rio, é a responsável pela predominância de depósitos de transbordamento em rios anastomosados. Assim, em rios anastomosados, os principais tipos de depósitos estão re- lacionados ao canal e ao transborda- mento do canal fluvial. Depósitos relacionados ao canal fluvial Os depósitos de canal compre- endem cascalhos e areias grossas, os quais podem ser diferenciados dos depósitos de rompimento de diques marginais por apresentarem bases côncavas erosivas. Geralmente, a cons- tituição dos diques marginais é siltosa, contendo de 10% a 20% de raízes ve- getais em volume. Passam, lateralmen- te, para turfeiras, pântanos ou la goas de inundação. Depósitos de transbordamento do canal fluvial Os depósitos de rompimento de diques marginais constituem camadas pouco espessas, centimétricas a deci- métricas, de areia, grânulos e peque- nos seixos. Tendem a formar corpos de geometria sigmoidal, com bases planas e sem erosão dos corpos sub- jacentes. Os depósitos de turfa com- preendem camadas compostas quase que exclusivamente por matéria orgâ- nica particulada e/ou coloidal, com es- pessuras centimétricas a decimétricas. Os depósitos de pântano são repre- sentados por argilas siltosas a siltitos argilosos com conteúdo variável de detritos orgânicos, localmente exibin- do empilhamento de camadas cen- timétricas e estruturas de gradação. Constituem-se de depósitos de inunda- ções sucessivas. Esses depósitos e os de turfeiras ocupam posições em co- mum no sistema, sendo diferenciáveis por suas características sedimentares e pelo conteúdo em matéria orgâni- ca. As lagoas de inundação encerram argilas siltosas laminadas com matéria orgânica vegetal esparsa, alcançando espessuras métricas. São conectadas com os canais anastomosados por canais estreitos e profundos, os quais controlam o nível de água do lago. 328 Capítulo 11 - Processos fluviais e lacustres e seus registros Historicamente as populações que se concentram às margens dos rios estão, invariavelmente, sujeitas às inundações. Os prejuízos anuais acumulados pelas inundações atingem cifras astronômicas. As inundações constituem um dos principais e mais destrutivos tipos de acidentes geológicos e ocorrem quando a descarga do rio torna-se elevada e excede a capacidade do canal, extravasando suas margens e alagando as planícies adjacentes. Elas podem ser con- troladas por fatores naturais ou antrópicos. Entre os fatores naturais encontram-se normalmente as chuvas excepcionais e o degelo (Figura 11.33). Períodos anômalos de chuva sobre as bacias de drenagem podem ocasionar a súbita elevação do nível de água dos cur- sos fluviais, os quais, além de inundar áreas cultivadas e reduzir a disponibilidade de água potável, acarretam a destruição de constru- ções e podem redundar na perda de vidas humanas e dos animais (Figura 11.34). Por outro lado, a ação antrópica pode ser responsável por grandes enchentes, como nos casos de rupturas de barragens e diques artificiais. Importantes obras de engenharia, como diques marginais artificiais, barragens de contenção e canalização de rios são construídas para mi- nimizar os efeitos das enchentes, com resultados positivos, mas que também apresentam seus inconvenientes. Diques marginais artificiais provocam o assoreamento do canal em virtude do incremento da acumulação de sedimentos que normalmente seriam depositados nas planícies de inundação. Barragens de contenção, que de um lado podem ser aproveitadas para geração de energia hidroelétrica e irrigação, de outro retêm sedimentos e por vezes, em sua construção, acabam por alagar áreas cultiváveis, núcleos urbanos, reservas florestais, monu- mentos históricos, sítios arqueológicos e geológicos. A canalização significa a alteração do padrão do canal de um rio, em casos extremos por sua retificação, de modo a aumentar a velocidade de fluxo das águas e evitar que estas atinjam o nível de inundação; pode envolver a simples desobstrução do canalou até seus alargamento e aprofundamento. Reduzindo-se o comprimento do canal, aumenta-se seu gradiente e, portanto, a velocidade de fluxo. Assim, a grande descarga associada às enchentes pode ser rapidamente dissipada. Entretanto, a canalização não impede a tendência de um rio meandrar e retornar ao seu curso prévio. Um exemplo, que quase todos os anos causa grande como- ção à população paulistana, é o das enchentes ao longo das antigas várzeas do rio Tietê e de seus tributários. As inundações ocorrem em função da redução da área de infiltração das águas pluviais pelas construções e pavimentações de vias públicas, levando a um rápido escoa- mento superficial rumo a um rio originalmente meandrante e atualmente retificado, com sua planície de inundação densamente ocupada. Apesar dos altos custos das obras de contenção de enchentes na cidade de São Paulo – barragens de contenção (popularmente conhecidas como “piscinões”), canalização de rios e córregos, construção de diques marginais – uma solução para o problema está muito distante. A alternativa mais racional para minimizar o efeito das enchentes é o adequado planejamento da ocupação territorial, particularmente das áreas inundáveis, mediante a identificação de áreas de risco e o estabelecimento de regras específicas para seu uso. Figura 11.34 – A região da confluência dos rios Mississippi e Missouri, nas proximidades de St. Louis, Missouri (EUA), foi palco de uma grande inundação em julho e agosto de 1993, que provocou a evacuação de mais de 50 mil pessoas, além de alagar grande extensão de terras cultivadas. A figura é uma combinação de duas imagens. A área azulada indica a extensão da inundação e foi delineada a partir de imagem de radar ERS-1, sobreposta a uma imagem SPOT que exibe os canais dos rios sob condições normais. Fonte: imagens produzidas pelo Institu- te of Technology Development/Space Remote Sensing Center, divulgadas pela NASA/Divulgação. Quadro 11.2 – Inundações Figura 11.33 – A bacia do rio Potomac sofreu grande inundação entre 6 e 9 de setembro de 1996, alguns trechos do rio se aproximaram ou excederam os níveis registrados durante a inundação de janeiro desse mesmo ano causada por extensas nevascas seguidas de fortes chuvas e temperaturas mais amenas. Para comparação: a) foto tomada durante a inundação. b) foto com o nível normal do rio mostrando rochas em seu leito. Fonte: NASA. a b Rio Mississippi Rio M iss ou ri 329 Lagos Contudo, a grande diversidade de processos formadores de lagos faz com que ocorram nas mais dife- rentes regiões do planeta, incluindo áreas polares (por exemplo, o lago Vostok, na An- tártica figura 11.35), temperadas (Grandes lagos, na fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá), desérticas (Salar de Atacama, no Chile) e tropicais úmidas (lago Victória, na fronteira entre Uganda, Quênia e Tanzâ- nia, na África). Essas situações incluem de- pressões tectônicas, ambientes marginais em relação a geleiras, planícies de inunda- ção de rios, planícies costeiras, depressões entre dunas eólicas, crateras de vulcões e estruturas de impacto de corpos celestes (astroblemas). Cerca da metade dos lagos conhecidos é de origem glacial e um é ter- ço formado por processos tectônicos, par- ticularmente em riftes (ver capítulo 16). A grande variedade de processos formadores de lagos resulta em diferen- tes morfologias, que vão desde lagoas de centenas de metros quadrados, em planícies de inundação de rios, até o mar Cáspio, com seus 440.000 km2 de área; e desde lagos salinos de deserto, que po- dem ter profundidade máxima de alguns decímetros, até o enorme lago Baikal, (Sibéria) com mais de 1.600 metros de profundidade (ver figura 11.36). A flutuação da lâmina de água de um lago é função do balanço hidrológico, que compreende sua interação com a atmos- fera (precipitação e evaporação), com as águas superficiais e com as águas subter- râneas, incluindo as hidrotermais. Esses fa- tores controlam a composição das águas, que podem ser doces ou salinas. 11.5.1 Classificação de lagos Diferentes critérios podem ser utili- zados para a classificação de lagos. Existe uma classificação baseada na origem e na história geológica do lago (ver tabela 11.4). Outra classificação usual é a basea- da na distribuição e na modificação de temperaturas nos lagos. Essa classifica- ção tem grande utilidade para estudos sedimentológicos, pois a distribuição de temperaturas controla a dispersão dos sedimentos que chegam pelo aporte flu- vial. Como a densidade da água varia com sua temperatura, normalmente os lagos são estratificados, com uma camada de água mais fria no fundo (ou hipolímnio), uma camada de transição (metalímnio) e uma camada de água mais quente na su- perfície (epilímnio). Como regra, a estrati- ficação de temperaturas em lagos tende a evitar a circulação das águas, causando o consumo do oxigênio das águas do fundo pela oxidação da matéria orgânica que decanta da superfície. A estratificação normal por tempe- ratura pode sofrer modificações, muitas vezes pela variação sazonal de tempera- turas na superfície do lago, provocando assim a circulação das águas e a oxigena- ção do fundo. A ação do vento na super- fície do lago é outro fator capaz de induzir circulação, assim como o próprio aporte de águas fluviais. A relação entre a temperatura da água dos rios e a dos lagos é que determina a forma como ocorre o aporte de águas fluviais nos lagos. No caso de águas flu- 11.5 Lagos podem se formar em um grande número de situações em que se desenvolva uma depressão topográfica sem conexão com o oceano ou ocorra barramento de uma ou mais drenagens da bacia hidrográfica. Figura 11.35 – O lago Vostok, com cerca de 14.000 km2 de superfície e 510 m de profundidade máxima, é o maior lago de água doce do mundo sob o gelo. Está situado na porção centro-leste da Antártica. Na estação de Vostok, localizada sobre a extremidade sul do lago, foi registrada a temperatura mais baixa do planeta (-89,3 ºC), em julho de 1983. A superfície do lago está sob uma camada de gelo com cerca de 3.750 m de espessura e presume- -se que ocorram sedimentos em seu fundo. Uma perfuração no gelo que recobre o lago, efetuada em 1998, atingiu pouco mais de 3.620 m de profundidade, fornecendo um re- gistro de aproximadamente 500 mil anos de dados paleoclimáticos. Micro-organismos isolados pelo gelo durante o último milhão de anos poderão ser encontrados nos sedimentos e nas águas do lago. Fonte: Kapitsa, A. P. et al. A large deep freshwater lake beneath the ice of central East Antarctica. Natu- re, 1996, v. 381, p. 684-686. 105 oE 77 oS Estação Vostok Vostok 1500 km ANTÁRTICA Lago Vostok 25 km 330 Capítulo 11 - Processos fluviais e lacustres e seus registros Tipo de lago Origem Lago tectônico (Figura 11.36) Deformação da crosta Lago vulcânico Em crateras ou represas causadas por derrames Lago de deslizamento Represamento de drenagens por fluxos gravitacionais derivados de escarpas Lago glacial Erosão glacial, represamento por geleiras ou diferentes processos de formação de depressões por derretimento e deposição de sedimentos glaciais (Figura 11.36) Lago de dissolução Dissolução de rochas (como calcários, evaporitos ou até arenitos) por percolação de água Lago fluvial Erosão fluvial, represamento de drenagens por depósitos sedimentares ou modificação do trajeto do canal deixando meandros abandonados Lago eólico Erosão eólica com exposição do freático ou represamento em interdunas e áreas de deposição de loess Lago costeiros Represamento por sedimentos transportados por correntes litorâneas Lago orgânico Represamento de origem animal ou vegetal (represas fitogências, lagos de coral ou represas de castores, por exemplo) Lago antropogênico Represas e escavações humanas Lago de astroblema Formado em crateras de impacto de corpos celestes Tabela 11.4 – Classificação
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