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1 
 
 
 
 
 
 
 
PREFEITURA DE SÃO GONÇALO 
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO 
 
HISTORIANDO AS ARTES IX 
 
ARTE MAIA 
 
 O dia 17 de novembro de 1839 assinala o nascimento da arqueologia 
americana. Nessa data, o aventureiro americano John Lloyd Stephens e o pintor britânico 
Frederick Catherwood, depois de abrir caminho pela selva quase impenetrável, 
começaram a desobstruir o misterioso local da antiga cidade maia de Copán, encravada 
nas montanhas da Honduras ocidental. 
 Após um século de pesquisa, os estudiosos haviam decifrado somente 
alguns hieróglifos, na maioria símbolos de datas e calendários, e apenas arranhando a 
superfície dos significados simbólicos de algumas das imagens gravadas e pintadas. 
 Entretanto, na década de 1970, o minucioso trabalho de décadas obteve um 
notável avanço. Em uma série de encontros nas ruínas de Palenque e em suas 
proximidades, denominados conferências Mesa Redonda, estudiosos dos maias de 
diversas disciplinas, reuniram-se para fazer uma investida coordenada à obstinada escrita 
dos antigos maias. Baseando-se no trabalho de estudiosos precedentes, finalmente 
conseguiu-se revelar o código hieroglífico. Subitamente, a intricada iconografia começou a 
fazer sentido. Imagens podiam, então ser ligadas a outras imagens, e principiaram a 
surgir vastos padrões. 
 
REDESCOBRINDO UM MUNDO PERDIDO 
 
 Enquanto trabalhava no antigo sítio de Palenque, encravado na floresta 
tropical úmida do Sudeste do México, na primavera de 1949, o arqueólogo mexicano 
Alberto Ruz Lhuillier fez uma descoberta que revolucionaria nossa compreensão da 
natureza das pirâmides maias. A descoberta de Ruz, o Templo das Inscrições com a 
câmara mortuária de Pacal, levou à recuperação de uma parte central das antigas 
instruções maias para preservar a essência do espírito após a morte e, em seguida, 
ressuscitá-lo para a vida eterna. Do mesmo modo que os antigos egípcios, os maias 
codificaram cuidadosamente as instruções para conquistar a vida eterna em sua 
arquitetura, nas pinturas, inscrições hieroglíficas e nos sepulcros. 
 Na época da assombrosa descoberta de Ruz, os estudiosos julgavam que 
as pirâmides maias eram apenas templos, e que, ao contrário de suas contrapartidas 
egípcias, não teriam sido construídas para ser sepulturas de homens-deuses. Entretanto, 
desde a abertura da sepultura de Pacal, os arqueólogos descobriram uma outra visão. Os 
maias acreditavam que os reis divinos eram a fonte de fartura para as suas cidades e que 
eles podiam manipular as forças da vida e da morte para garantir a fertilidade da 
natureza, o comércio e as colheitas – sobretudo de milho. O que esses homens foram em 
vida eram-no ainda mais na morte, admitindo-se que alcançaram a ressurreição no Outro 
Mundo. De sua apoteose divina, conseguida com dificuldade no além-túmulo, os mortos 
ancestrais ouviam as preces de seus descendentes, orientavam-nos e aconselhavam-
nos, e intercediam por eles junto aos deuses. A pirâmide de Pacal estava até equipada 
2 
 
com um “tubo espiritual”, que se estendia da câmara mortuária até a Câmara da Visão, no 
alto do templo, de modo que a alma do rei pudesse ascender quando chamada pela visão 
extática de seus descendentes. 
 Na época pré-histórica, os maias aprenderam a cultivar feijão, abóbora, 
pimenta, cacau, tabaco e – acima de tudo – milho. Eles também colhiam as fontes 
silvestres de drogas alucinógenas, que os auxiliavam em suas viagens de visão 
transcendental. Criaram um sistema de agricultura em terrenos elevados, em que 
cavavam intricadas redes de canais e empilhavam a lama orgânica fértil entre os canais, 
para constituir terrenos prodigiosamente produtivos. 
 A primeira civilização a surgir nas Américas foi a dos olmecas, que viviam ao 
longo da costa do golfo do México, onde ficam os estados de Veracruz e Tabasco. Os 
maias herdaram muito da espiritualidade desses povos mais antigos. 
 No séc. II a.C., muitas das cidades maias já haviam emergido das florestas e 
selvas da região de Peten, na Península de Yucatán. A primeira dentre elas era a 
gigantesca cidade de Tikal, cujo nome maia era Yax Balam – “Primeiro Jaguar”. 
 Por volta dessa mesma época, no México Central, Teotihuacan, a primeira 
cidade verdadeiramente metropolitana nas Américas, tomou forma. Os reis sagrados de 
Teotihuacan, a sexta cidade do mundo da época, reuniram exércitos gigantescos e 
criaram um império, que se estendia ao Sul e a Leste, até Tikal. 
 No final do século VIII, contudo, as grandes cidades do período clássico 
começaram a declinar e, no início do século IX, elas haviam, uma a uma, deixado de ser 
geradoras de poder espiritual e desapareceram. Não sabemos por que isso ocorreu, 
embora diversos fatores possam ter contribuído para esse súbito e misterioso colapso de 
uma grande civilização. A intensificação da guerra, o uso excessivo dos recursos naturais, 
a seca e a desnutrição podem ter finalmente corroído a confiança dos maias em seus 
reis-xamãs. Existem indicações de revoltas populares, e é fácil imaginar massacres dos 
nobres que haviam sido os governantes, sacerdotes e artistas. Sabemos que povos não 
maias ou maias de Tabasco e do México Central invadiram essas terras e que esses 
novos povos prosperaram por certo tempo em grandes centros urbanos, como Chichén-
Itzá. Entretanto, na década de 1540, quando os espanhóis conquistaram a maioria das 
terras maias, mal restava um traço da grande civilização de outrora com sua profunda e 
antiga espiritualidade. 
 O que os próprios maias não destruíram da sua sabedoria oculta, os 
espanhóis liquidaram. Diego de Landa, o primeiro bispo de Yucatán, recolheu os livros 
maias remanescentes e queimou-os em uma enorme fogueira pública. Ele também impôs 
as leis da Igreja tão severamente que, em 1568, foi chamado de volta à Espanha pela 
Inquisição, devido ao tratamento cruel a seu rebanho maia. Os conquistadores espanhóis 
reuniram os maias das cidades das planícies e levaram-nos, em marcha forçada, para as 
montanhas ao sul. Os que ficaram tornaram-se escravos dos vencedores. Com a queima 
dos livros e a destruição das últimas cidades maias, o que restava da sabedoria secreta 
maia se perdeu. 
 Quase. Ao longo dos séculos que se seguiram, quatro livros, ou códices, que 
sobreviveram às devastações do bispo Landa e dos camponeses maias, vieram à luz, 
juntamente com tentativas de Landa de traduzir alguns dos hieróglifos e registrar a vida e 
os rituais da civilização que destruíra. Um quinto códex, do período pós-clássico, que fora 
traduzido para o espanhol durante o período colonial, também surgiu. Esse era o hoje 
famoso Popol Vuh, ou “Livro do Conselho”. Esse códex traduzido reflete as crenças dos 
maias-quichés mexicanizados e representa uma minúscula fração de um antigo vasto 
mundo de mitos e ensinamentos sobre a ressurreição que constituíram a espiritualidade 
do período clássico maia. Apesar de todas as suas limitações, o Popol Vuh ainda nos 
proporciona alguns importantes vislumbres desse mundo perdido e nos ajuda a interpretar 
3 
 
as imagens religiosas dos túmulos, templos antigos, da cerâmica funerária e dos textos 
hieroglíficos. 
 O Popol Vuh narra a história das quatro criações do mundo e dos seres 
humanos. Cada criação era um aperfeiçoamento da anterior, já que os deuses criadores, 
reunindo-se em conselho, esforçavam-se por se recriar em forma humana. Na aurora da 
presente era, que começou em 13 de agosto de 3114 a.C., segundo os textos maias do 
período clássico, os deuses finalmente foram bem-sucedidos – porém excessivamente. 
Criaram seres humanos que sabiam tanto quanto eles e, como afirma o Popol Vuh “(...) 
então eles viam tudo sob o céu com perfeição. (...) Eles compreendiam tudo com 
perfeição (...) e isso não pareceu bom ao Construtor e Escultor (os deuses criadores) 
(...)”. 
 Os criadores divinos ficaram alarmados com o seu êxito. Então, eles 
atacaram o primeiro homem e prejudicaram a sua “visão”, para que ele não pudesse mais 
ter o conhecimentodos deuses. Os maias acreditavam que a linguagem escrita, os livros 
e o aprendizado, de um lado, e a experiência espiritual extática, de outro, eram os dois 
meios complementares que os seres humanos haviam desenvolvido laboriosamente para 
recuperar sua visão divina original. 
 A preocupação maia com o restabelecimento da visão própria dos deuses e, 
por seu intermédio, a recuperação da beleza oculta da divina essência de sua alma 
expressam-se de muitas maneiras. Uma é a criação de máscaras e trajes esmerados, que 
eles acreditavam ser ajudas à capacitação sobrenatural. 
 Com exceção de algumas peças em mosaico de jade, nenhuma máscara 
maia antiga escapou a devastação do tempo. Mas sabemos de representações em pedra 
que eram primorosas obras-primas fantásticas de extraordinária beleza. Em geral, as 
máscaras eram presas a adornos de cabeça que tornavam seu simbolismo ainda mais 
complexo e contribuíam para seu poder sobrenatural. 
 Uma das cenas mais impressionantes e comoventes que ilustram 
um rei-xamã colocando uma máscara provém da cidade destruída de 
Yaxchilán. Em um painel bastante danificado, na lateral de um templo, 
vemos o rei Jaguar-Escudo e uma de suas esposas frente a frente, 
despedindo-se. O xale adornado escorregou do ombro dela. Ele, já 
vestido, com a couraça de algodão almofadado, pronto para a batalha. 
Ela entrega-lhe uma máscara mágica de jaguar – emblema de seu 
homônimo e uay. 
 Trajes fantásticos, em geral, acompanhavam as máscaras e 
adornos de cabeça. Uma parte importante de muitos desses trajes era 
armações posteriores em estrutura de vime, com frequência decorados com 
altos e majestosos arcos de plumas de quetzal. 
 Existem exemplos de trajes que representam os deuses, os 
monstros do Mundo Inferior em profusão na cerâmica funerária pintada e em 
monumentos de pedra esculpida. Alguns dos mais recorrentes são as estelas 
do rei Dezoito Coelhos, o mais importante rei de Copán. 
 Na tampa do seu sarcófago, Pacal é mostrado usando o saiote 
reticulado de Primeiro Pai – Senhor da Vida, com que ele apareceu ao 
renascer na aurora do novo universo. O significado dessa imagem cifrada era 
que, já no momento da morte, o processo de ressurreição poderia começar. 
Essa escultura era para os olhos da alma de Pacal, a fim de que ela pudesse 
lembrar que a ressurreição está escondida na morte, que a morte usa o traje 
da vida e que ele – Pacal – podia reviver. 
 Os reis-xamãs, sacerdotes, guerreiros e outros maias também usavam 
pintura corporal. Os arranjos cromáticos da pintura continham significados simbólicos. 
4 
 
 As máscaras, os trajes e a pintura corporal dos maias destinavam-se a 
trazer a este mundo o poder invisível dos deuses por intermédio da pessoa que usava os 
símbolos mágicos. 
 O fascínio maia pela beleza escondida sob a superfície do mundo aparece 
igualmente na construção das pirâmides. Escavando a profundidade dos templos dos 
períodos clássico e pós-clássico, os arqueólogos encontraram estruturas ainda mais 
antigas, enterradas sob as fachadas mais recentes. Essas pirâmides mais antigas são 
frequentemente cobertas por gigantescas máscaras de deuses, moldadas em argamassa 
e pintadas de vermelho-sangue. Hoje sabemos que 
os maias não destruíam suas pirâmides anteriores. 
Em vez disso, eles construíam sucessivas gerações 
de templos por cima das existentes. Assim, 
concentravam e ampliavam a energia divina que 
forçava para cima através do centro das pirâmides, 
proveniente do Mundo Inferior, cada vez mais 
adelgaçava a membrana entre este mundo e o 
Outro Mundo, e tornava a abertura do portal no 
interior dos templos progressivamente mais fácil. 
 Os antigos xamãs e artistas seguiram à frente no caminho para a 
imortalidade e foram as suas percepções e visões extáticas que moldaram a arte e a 
espiritualidade maias. Os xamãs eram conhecidos como geradores de itz (substância sagrada) – 
aqueles que podiam produzir a substância divina e orientá-la para criar fartura e vida. 
Pintar, esculpir, escrever e confeccionar máscaras eram formas de gerar itz. 
 Os famosos murais de Bonampak, encravada nas selvas da bacia de 
Usamacinta, são os mais bem preservados de todas as pinturas de parede maias. 
Quando foram descobertos, em 1946, eles estavam completamente encerrados em 
camadas escurecidas de calcita, devido a séculos de água da chuva escorrendo nas 
câmaras em que as pinturas haviam sido feitas e dissolvendo o calcário do teto e das 
paredes. 
 Nestas condições os arqueólogos não perceberam muitos pormenores. 
Recentemente, o governo mexicano removeu a calcita e uma equipe de historiadores da 
arte, com o auxílio de técnicas de realce 
computadorizadas, criou imagens em cores 
perfeitas das pinturas, como originalmente se 
mostravam. O que surgiu é surpreendente. 
Os antropólogos então perceberam no azul 
do fundo do mural as águas de Xibalba e 
toda a cena ocorrida no Mundo Inferior. 
Prisioneiros torturados, de cujas pontas dos 
dedos pingava sangue devido às unhas 
terem sido arrancadas, se punham diante de 
chefes maias prestes a enviá-los para a 
morte sacrificial. 
 Na antiga crença maia, todos são exortados pelos deuses a fundir-se com 
eles e viver eternamente. A salvação da alma morta é paga com o derramamento do 
próprio sangue – literal e figuradamente. 
 Os maias utilizavam muitos objetos e lugares como 
instrumentos para ajudá-los a abrir os portais para a realidade 
divina. Eles utilizavam características físicas, como cavernas e 
cenotes, colinas e montanhas – qualquer lugar em que pudesse 
encontrar configurações que lhes lembrassem o centro divino. 
Também criaram as suas superfícies fracionadas de fabricação 
5 
 
humana. Dentre elas, achavam-se as pirâmides-templos. Elas eram, com frequência, 
construídas sobre cavernas com água estagnada. Onde não havia cavernas, eles 
construíram as pirâmides sobre “lugares de 
sonho” subterrâneos e as câmaras 
mortuárias de reis-xamãs ancestrais, como 
Pacal. Frequentemente, os arquitetos e 
artistas maias criavam cadeias inteiras de 
montanhas vivas, completas, com seus 
próprios planaltos e vales fendidos. Todas 
as pirâmides maias eram providas com 
aberturas artificiais de caverna nos templos 
em seu topo: pátios de jogos com paredes 
inclinadas, destinados a oferecer 
vislumbres dos acontecimentos míticos, 
também criavam portais fendidos. 
 Simultaneamente com esse permanente mecanismo de portais, os maias 
também utilizavam meios portáteis, como os pratos de oferendas que ofereciam um mapa 
para as destinações do Outro Mundo. 
 
 Os xamãs maias viam nos misteriosos e suaves 
movimentos das constelações e da Via Láctea, sobretudo 
em determinadas noites importantes, o desenrolar anual 
da aterradora e assombrosa luta entre os deuses da vida 
e os demônios da morte. Nessas datas sagradas, os reis-
xamãs consagravam seus campos de bola na calada da 
noite, enquanto as estrelas mudavam de posição em 
silencioso esplendor. 
 Os xamãs maias criaram dois calendários 
diferentes que, uma vez que interagiam entre si, revelavam 
as ligações ocultas entre todos os acontecimentos terrenos 
e do Outro Mundo. Um calendário era particularmente 
sagrado. Ele expressava diretamente o drama divino, que 
se demarcava sob a forma de ciclos sempre recorrentes de 
260 dias, divididos em treze meses. O outro calendário, 
como o nosso calendário moderno, era composto de 365 
dias. 
 Uma vez que os dias dos dois calendários encaixavam-se como as 
engrenagens de uma vasta máquina, eles produziam um ciclo sacro de 52 anos. 
 Segundo os xamãs, os acontecimentos humanos eram mais oportunos se 
ressoassem com as sutis vibrações assim como com os grandes arroubos do poder 
divino, quando os deuses criavam, destruíam e recriavam os padrões de tempo. Os 
videntes maias recomendavam as datas mais carregadas de ch’ulel (essência vital) para ações 
humanas específicas, como plantar e colher, casar, dar nome às crianças, consagrar 
campos de bola, ritualmente ativar ou desativaras pirâmides-montanhas vivas, erigir 
monumentos de pedra e seguir para a guerra. 
 As ruínas de Copán são frequentadas por um sentido de 
tempo – e seu fim catastrófico. No alto de um montículo na 
extremidade setentrional da antiga entrada do campo de bola 
para o Mundo Inferior, acha-se um misterioso monumento que 
os arqueólogos chamam de Altar L. O Altar L é uma estranha 
testemunha da calamidade desconhecida que surpreendeu a 
cidade. No lado sul, defrontando-se com o campo de jogo de 
6 
 
bola, a escultura está completa. Podemos ver uma representação de U-Cit Tok (o último 
rei) e de Yax Pac (seu importante antepassado), sentados frente a frente, envolvidos em 
uma espécie de ritual. Mas, no lado norte, o artista começou o trabalho, esboçou as 
figuras, e em seguida, praticamente em meio a um gesto, largou as ferramentas e 
abandonou o local – para sempre. A data do Altar L – a última data registrada em Copán 
– é 10 de fevereiro de 822 d.C. 
 
 
SANGUE E ÊXTASE 
 
 Seis deuses nus agacham-se simultaneamente 
sobre tigelas abarrotadas com tiras de papel, no intemporal 
Vácuo do Outro Mundo. Sob seus pés, juntam-se palavras, para 
criar um ondulante chão de hieróglifos. Erguem os instrumentos 
de auto-sacrifício e, simultaneamente, enterram os cravos 
afiados e primorosamente entalhados nos pênis. Seu sangue 
sacro salpica o Vácuo. A criação do mundo começou! 
 Essa é a cena em um vaso hoje famoso do período 
clássico, de Huehuetenango, na Guatemala. Ela representa uma 
das várias versões dos primeiros momentos da criação, como os 
maias a imaginavam. Nela, a descrição primordial, o universo 
irrompe na existência das imaginações carregadas de ch’ulel 
(essência vital) dos deuses criadores, em meio às visões extáticas 
que provocaram mediante o rito de sangria. 
 Segundo os maias, esse temível auto-sacrifício do Ser Divino fornecera a 
força vital que criou, sustentou e eternamente recriou o universo e os seres humanos. De 
sua parte, os seres humanos eram obrigados a participar desse sacrifício divino original, 
repetindo-o em seus rituais de auto-sacrifício, mantendo assim a energia criadora do Ser 
Divino circulando por todos os níveis da realidade. No processo, a alma era autorizada a 
se envolver em atos sagrados de co-criação e a alcançar uma unidade com o Ser Divino 
que lhe garantiria a sobrevivência após a morte. 
 Essas cerimônias de sangria assumiam diferentes formas e tinham diversos 
propósitos. Os maias faziam sangria em muitas ocasiões de menor importância – o 
nascimento de uma criança, a consagração de uma nova casa, o primeiro plantio da 
estação. Mas eles guardavam as formas mais impressionantes de sangria para 
acontecimentos públicos, importantes festas religiosas e a criação de obras de arte. 
Preparavam-se para atingir os estados alterados de consciência, que eram fundamentais 
para esses rituais, isolando-se, jejuando, abstendo-se do contato sexual e ingerindo 
drogas alucinógenas, como balché, peiote, cogumelos tóxicos e sementes de ipoméia. 
Perfuravam-se com cravos de obsidiana ou sílex, ou com espinhas de arraia-lixa, 
profusamente ornamentados, que eram rematados com tremeluzentes adornos de 
pequeninas plumas de quetzal. 
 Depois de abrirem uma ferida com o sangrador, 
os maias passavam grossas cordas de cânhamo, 
frequentemente com espinhos entrançados, pelos membros 
que sangravam. Eles inclinavam-se sobre pratos de oferendas 
cheios de tiras de papel. Quando ficava impregnado de itz, o 
papel era incendiado. A fumaça sagrada que se desprendia 
desses pratos de oferendas formava nuvens de ch’ulel 
materializado, à imitação das nuvens de tempestade que 
carregavam a chuva, do Mundo Superior. Em geral, a coluna 
ascendente estirava-se na Serpente da Visão posterior, de cuja 
7 
 
boca aberta surgia uma Realidade divina para pronunciar palavras de sabedoria, habilitar 
com sua energia sobrenatural e inspirar com elevadas imagens de verdade e beleza – 
imagens de vida, de criação e do Ser. 
 O sangue podia ser tirado de diversas partes do corpo, 
inclusive braços, coxas e mãos. Quando era tirado das mãos, no que os 
pesquisadores denominam “ritos de espargimento”, era espargido sobre 
pratos de oferendas que simbolizavam a terra, à imitação do plantio de 
grãos de milho. Os ritos de espargimento eram atos de magia simpática, 
destinados a estimular o milho a produzir uma colheita farta. 
 As fontes mais sagradas de itz (substância sagrada) humano eram as orelhas, a 
língua e o pênis. Os reis xamãs, escribas, artistas e outros maias abriam as orelhas a fim 
de ouvir os oráculos e revelações dos deuses. Eles abriam a língua para conseguirem 
dizer o que haviam escutado. E abriam o pênis para recriar as próprias vidas e as vidas 
de seus reinos e de seu povo. 
 Essa sangria se constituía como expressão de um contrato emotivo. Uma 
vez que os deuses haviam demonstrado seu amor por suas criaturas com intensidade 
esmagadora, pela ferocidade de seu auto-sacrifício original e contínuo, os seres humanos 
tinham de retribuir-lhes na mesma moeda. Além desse esquema de retribuição, os maias 
também faziam sangria para solicitar ajuda e conselho aos deuses e antepassados 
divinizados para invocar as energias de que necessitavam para suas tarefas de formação 
do mundo e para alcançar seu objetivo criador máximo – e unidade extática com o grande 
Mistério. 
 Quando faziam sangria para pedir ajuda, os maias estavam 
buscando uma visão concreta e uma esmagadora experiência emocional 
com o Ser Divino. Em um lintel entalhado de Yaxchilán, uma rainha, a 
senhora Xoc, ainda segurando os instrumentos de sangria que acabou 
de utilizar, contempla o guerreiro antepassado que invocou da boca com 
presas de uma aterrorizadora Serpente da Visão. O guerreiro surge 
inteiramente armado, brandindo um escudo feito de um rosto humano 
esfolado e a lança de guerra de Tlaloc. A senhora Xoc buscou e recebeu 
a temível energia de um ameaçador deus-guerreiro. 
 Esse lintel de Yaxchilán, e outros como ele, indicam, além dos atos de 
súplica, a sangria como um método para invocar forças sobrenaturais. Embora a súplica e 
a invocação sejam estreitamente relacionadas, a invocação exige mais envolvimento ativo 
por parte do suplicante. Requer de quem busca a visão ousada e imaginação para 
penetrar profundamente no interior da alma e se concentrar na visão que ele/ela está 
tentando concretizar. Esse envolvimento com o mundo interior era certamente a força 
dinâmica central nos rituais de sangria. 
 O objetivo supremo da sangria, para os antigos maias, era alcançar 
enlevada unidade com o Deus da criação. 
 
 
AS CRIAÇÕES DA SERPENTE-RELÂMPAGO 
 
 
 No final da estação arqueológica de 1989 em Copán, William Fash e Ricardo 
Agurcia fizeram uma descoberta quando abriam um túnel no interior de uma pirâmide do 
período clássico, a que os arqueólogos deram o nome de Estrutura 16. Eles toparam com 
as ruínas de um templo muito mais antigo, enterrado dentro da construção mais recente. 
Essa pirâmide anterior era profusamente decorada com máscaras em estuque da 
Principal Divindade-Pássaro, vomitando a cabeça de Itzam-na. 
8 
 
 O templo antigo fora originalmente pintado de 
vermelho-vivo e sustentara um telhado circular de um branco 
brilhante. Antes de a nova pirâmide ser construída sobre ele, 
o velho templo fora ritualmente desativado e recebera uma 
espessa camada de argamassa, para encerrar lá dentro sua 
força acumulada. A descoberta de Fash e Agurcia dessa 
pirâmide escondida foi um acontecimento notável. Porém, 
havia mais por vir. 
 Durante a estação de 1990, os arqueólogos estavam cavando junto à parede 
oeste do templo antigo, apressando-se para completar o levantamento antes do início da 
estação das chuvas. Em 30 de maio, véspera do último dia de trabalho, eles subitamente 
ultrapassaram um vão de porta obstruído por pedregulhos comprimidos, no lado da 
pirâmide interna, e acharam-se em uma sala pintada de um fantástico vermelho-sangue. 
Eles souberam imediatamenteque estavam em um extraordinário espaço ritualístico. 
 Em 1º de junho, fizeram uma descoberta espetacular, abriram o coração da 
“montanha viva” e puderam vislumbrar o âmago do seu poder sobrenatural. Em um 
pequeno nicho na sala vermelha, eles acharam um esconderijo de instrumentos 
sacrificiais: facas de sílex, uma conta de jade, uma espinha 
de arraia-lixa, conchas de ostras cobertas de espinhos e 
vértebras de tubarão. Porém, muito mais significativo do que 
esse equipamento para sangria, eles se depararam com nove 
dos chamados sílex excêntricos mais fascinantes já 
descobertos, cada um com mais de 45 cm de comprimento. 
Fragmentos do tecido verde-azulado em que haviam sido 
envoltos ainda aderiam aos misteriosos objetos. 
 Em toda a área maia encontram-se sílex 
excêntricos. São grandes pedaços chatos de pedra, 
entalhados com imagens de deuses e demônios. Mas as 
pedras que Fash e Agurcia descobriram são particularmente 
poderosas e evocativas. Criadas para se assemelhar a 
relâmpagos em ziguezague congelados, as formas projetam-
se com entalhes afiados e bordas pontiagudas, semelhantes 
a escamas. 
 Antes de desativar a pirâmide antiga, os sacerdotes-xamãs envolveram 
cuidadosamente essas peças em tecido da cor do oceano do Outro Mundo. Depois, 
colocaram no centro vermelho da pirâmide, “mumificaram” o templo e encerraram essas 
criações de raios em si mesmas. 
 Outra descoberta feita por arqueólogos de um notável 
monumento foi em Quirigua, a antiga rival de Copán nas montanhas da 
Guatemala. Denominado Estela C, esse te-tun, ou “pedra-árvore”, como 
os maias chamavam essas lajes entalhadas, apresenta um dos raros 
relatos hieróglifos subsistentes dos primeiros momentos da criação. Ele 
tem início com a palavra hal, que significa “falar”, “fazer aparecer” e 
“manifestar”. 
 Como a narrativa hebraica do Livro do Gênesis e no posterior Evangelho de 
São João, a criação maia começou quando o aspecto criador de Deus “falou” em meio ao 
nevoeiro carregado de relâmpagos de seu êxtase de sangue. O que ele falou “apareceu” 
ou “manifestou-se”. 
 A inscrição de Quirigua afirma que o Ser Divino imaginou e exprimiu uma 
cena em que três deuses criadores – os Remadores Jaguar e Arraia-Lixa e o “Deus 
Vermelho Casa Negra”, colocaram as três pedras da lareira primordiais da nova criação 
no centro do “Céu Deitado, Lugar das Primeiras Três Pedras”. Sabemos, por outras 
9 
 
inscrições e esculturas, que o “Lugar das Primeiras Três Pedras” ficava no centro do 
oceano do Outro Mundo, “Céu Deitado”, quando este ainda cobria a Terra. 
 Outra fonte para nosso crescente conhecimento dos antigos mitos da 
criação maia é o chamado Vaso dos Sete Deuses. Essa cerâmica funerária, do período 
clássico, apresenta sete deuses criadores, reunidos em conselho para planejar a 
ressurreição do universo. Os deuses têm uma cor intensa contra o fundo negro do Mundo 
Inferior. Seis deles estão sentados defronte do 
sétimo, chamado Deus L, Itzam-na, o rei do Mundo 
Inferior, que se recosta em um trono coberto por 
uma pele de jaguar. 
 As figuras divinas representadas 
nesse vaso são, simultaneamente, os demônios de 
Xibalba e os deuses da vida do Mundo Superior. 
Nessa época remota, antes e depois do espaço 
terreno, os deuses e demônios eram e serão um 
só, e o Mundo Superior, o Mundo Inferior e o plano 
da Terra são idênticos. 
 O Popol Vuh descreve a criação como a obra de Primeiro Pai e Primeira 
Mãe e denomina-os “O Artífice” e “A Modeladora”. Eles conferenciam com um conselho 
de deuses semelhante àquele do Vaso dos Sete Deuses. Surpreendentemente, a 
exposição do Popol Vuh, como a da moderna teoria da evolução, pinta a criação como 
uma série de épocas cósmicas, em que diversas criaturas vivas se desenvolvem e depois 
desaparecem em extinções em massa, apenas para serem seguidas por formas de vida 
novas e mais evoluídas, em um progressivo florescimento do Ser no tempo e no espaço. 
Os seres humanos chegam a ser mostrados como evolução de um passado primata. 
 Ainda não sabemos o suficiente para conformar essas diferentes narrativas 
da criação em um todo coerente. Entretanto, talvez exista um problema mais básico do 
que a nossa falta de conhecimento. Parece cada vez mais provável que os maias não 
estivessem interessados em coerência lógica. Em vez de teologia sistemática, eles 
criaram uma vívida, vigorosa e caleidoscópica mitologia. 
 Podemos perceber cinco dinâmicas básicas do processo de criação que os 
maias acreditavam serem usadas pelo Ser Divino para manifestar o mundo. Implícita nos 
textos da criação do período clássico e do Popol Vuh, bem como evidenciada no vaso de 
Huehuetenango e em muitas outras cerâmicas funerárias, a primeira dinâmica era a visão 
extasiada do Ser Divino. Essa visão, como a dos escribas-xamãs e dos artistas, era 
poderosamente extática em vez de lógica. 
 A segunda dinâmica, tal como registrado na Estela C de Quirigua, era o ato 
de o Ser Divino pronunciar a Palavra criadora. Muitas narrativas da criação de diversas 
épocas e lugares começam com essa Palavra sagrada. Elas fazem-no porque, ao nomear 
as coisas, as palavras definem objetos e acontecimentos, tornando-os reais. A linguagem 
oral e, posteriormente, escrita – torna as imagens concretas. Os antigos maias 
compreendiam o poder das palavras e acreditavam que a linguagem era um dom dos 
deuses e uma faculdade que partilhavam com eles. 
 A terceira dinâmica do processo de criação era a da expressão artística. 
Os deuses criadores eram itz’atob – “sábios” e “artistas celestes” que pintaram as fases 
iniciais do novo mundo que desabrochava. Primeira Mãe era também uma pintora que 
coloriu a Terra, determinadas árvores e flores e outros objetos especiais com sua 
tonalidade preferida – o vermelho de seu sangue menstrual e teceu o cosmo para a 
existência em seu tear celestial. Primeiro Pai e Primeira Mãe eram ambos escultores. 
 A quarta dinâmica da criação era sexual. Ela foi mostrada, no vaso de 
Huehuetenango e em outras fontes, como as ejaculações sanguíneas dos deuses 
criadores em rituais de sangria fálicos. 
10 
 
 Entretanto, a expressão mais impressionante dessa energia da 
criação sexual é a gigantesca Árvore do Mundo/Falo Cósmico, 
esculpida em um único bloco de pedra imenso, que se projeta do solo 
no extenso terraço diante da construção que os arqueólogos 
denominam Palácio do Governador, em Uxmal. 
 A quinta maneira que os maias tinham de descrever o processo da criação 
era o de dar à luz. 
 
DEUS 
 
 Como os xamãs e místicos de todas as religiões, os maias acreditavam que 
todas as coisas nasciam, viviam e morriam dentro do Ser Divino, como expressões de 
Sua essência clara-escura. Os deuses eram manifestações fragmentadas do grande 
Mistério, que se comprazia em multiplicar-se e dividir-se em incontáveis seres vivos, cada 
um com um diferente – mas não tão diferente – conjunto de qualidade. Essa celebração 
da diversidade na unidade é verdadeira para todas as doutrinas politeístas ou de muitos 
deuses. 
 As espiritualidades politeístas enfatizam as muitas faces do Ser Divino, ao 
passo que as religiões monoteístas enfatizam Sua unidade. 
 
A ALMA 
 
 Em um vale remoto na extrema orla sudoeste da área maia, situam-se as 
ruínas de Toniná. No período clássico, essa cidade isolada, cercada por todos os lados de 
montanhas da exuberante floresta úmida, dominava a fronteira extrema do reino maia. 
Além desse remoto posto avançado da civilização, as tribos bárbaras dos mixtecas e 
outros povos belicosos corriam as colinas enevoadas. 
 Toniná, como todas as cidades maias, imaginava-se como o centro do universo. 
Para reforçar a circulação de ch’ulel que sua localização mitologicamente centralizada 
proporcionava, os construtores de Toniná haviam talhado a cidade em uma montanha, no 
topo do vale. Os habitantes de Toniná haviam erigido seus palácios e pirâmides-templos, 
praças e campos de bola em uma série de terraços e plataformas talhados nas vertentes 
das montanhas. Ao fazê-lo,eles haviam transformado a montanha natural em uma 
enorme pirâmide artificial e, desse modo, proclamavam que toda a cidade era uma 
montanha viva – na verdade, a “Primeira 
Montanha Verdadeira”, de que principiara 
a criação. Na época antiga, a cidade 
inteira foi pintada de branco e vermelho. 
Ela assentava como uma sobrenatural 
pedra preciosa, cintilando na vastidão 
verde que rolava como as ondas do 
oceano do Outro Mundo em direção ao 
aterrador reino dos deuses e demônios. 
Segundo seus habitantes, os bárbaros que 
vivam além dos limites do minúsculo 
estado eram os próprios demônios do 
Mundo Inferior. 
 Pelos padrões dos antigos maias, Toniná era uma cidade 
pequena, mas era invulgarmente belicosa. Mais do que muitos centros 
maias, sua arte pública celebrava a tortura e o sacrifício da decapitação 
de cativos nobres. O famoso ‘Muro de estuque de Toniná’ retrata o 
temível cadafalso em que ocorriam essas torturas e degolamentos. O 
11 
 
cadafalso (estrutura provisória de madeira sobre a qual os condenados à morte eram executados.) apresenta-se 
decorado com as cabeças de chefes inimigos e um gigantesco demônio-esqueleto dança 
em meio aos suportes de vime, balançando a cabeça recém-decepada de um cativo 
famoso. A cabeça aperta os olhos fechados e está engasgada com a língua. 
 Um outro monumento de Toniná é o grande campo de jogo de bola do rei-
xamã Baknal-Chac. As inscrições revelam-nos que Baknal-Chac, como a personificação 
da árvore do Mundo e do Sol, consagrou esse campo de jogo de bola em 7 de julho de 
696 e denominou-o “Sete Campo de Bola Três Conquistas Lugar Amarelo Preto”. Os 
estudiosos julgam que “Sete Lugar Amarelo Preto” pode ter sido outro nome para a fenda 
de que nasceu Primeiro Pai. “Três Conquistas” referia-se tanto aos degraus sacrificiais do 
ritual – os “degraus da morte”, pelos quais as vítimas sacrificiais eram roladas para baixo 
– quanto às três descidas mitológicas ao 
Mundo Inferior. Baknal-Chac considerava seu 
campo de bola um gerador de ressurreição 
cósmica, uma réplica terrena do lugar do 
Outro Mundo onde a morte se transformava 
em vida. 
 Sob a vegetação emaranhada do piso do campo 
de bola, os arqueólogos fizeram uma descoberta 
estarrecedora, que alteraria nossa compreensão das antigas 
crenças maias acerca da origem e do destino potencial da 
alma humana. Enquanto removiam os séculos de terra e mato 
do marcador central do “Sete Lugar Amarelo Preto”, eles aos 
poucos revelaram a imagem de um jovem embalando um 
estranho objeto nos braços. Especialistas em questões maias 
nunca haviam visto esse objeto antes e não sabiam como 
interpretá-lo. 
 Esse misterioso marcador central apresentava-se sob a forma de um disco de 
calcário esculpido, fixado no chão de terra do campo de 
bola. Por baixo dele, havia um cilindro de pedra oco, com 
vários pés de profundidade, que simbolizava o portal para 
o Mundo Inferior. O marcador-tampa desse portal para a 
dimensão oculta sob a terra mostrava um homem, 
identificado pelos hieróglifos que orlavam o disco como 
Fumaça de Seis Céus, sentado sobre uma plataforma. A 
inscrição indicava que Fumaça de Seis Céus morrera em 
5 de setembro de 775 e fora sepultado em 22 de maio de 
776. 
 Os marcadores dos campos de bola maias, como os visores de barcos com 
fundo de vidro, eram “transparentes”. Eles ofereciam uma visão dos acontecimentos que 
ocorriam no eterno agora do Mundo Inferior-Outro Mundo. Por causa disso e pela 
inscrição hieroglífica, os arqueólogos sabiam que Fumaça de Seis Céus, em sua imagem 
no campo de bola, estava vivo em algum lugar no Outro Mundo, além dos portões da 
morte. Eles viam-no sob o chão de campo de jogo de bola, virtualmente. 
 Enquanto prosseguia a decodificação do marcador do campo de jogo de 
bola de Toniná, em Yaxchilán os estudiosos estavam tentando decifrar a misteriosa 
expressão ch’ay saknik-nal. Pelo resto da inscrição, eles sabiam que era uma espécie de 
expressão de morte. Experimentaram-se diversas interpretações, mas nenhuma parecia 
adequar-se, até que Nikolai Grube e David Stewart, dois dos mais criativos decifradores 
de hieróglifos antigos, fizeram um progresso surpreendente. Descobriu-se que a palavra 
ch’ay era um verbo que significava “perdeu energia”, “diminuiu”, ou “expirou”. E sak-nik-
nal podia ser traduzido como o substantivo a “Criatura Flor Alva”. Essa expressão, 
12 
 
portanto, dizia: “A Criatura Flor Alva perdeu energia” ou “A Criatura Flor Alva expirou”. 
Uma vez que esse texto se referia a uma pessoa, e não a uma flor especificamente, os 
estudiosos compreenderam que, nessa expressão de morte, eles haviam deparado com o 
ideograma maia central para a alma humana. 
 A imagem do Mundo Inferior de Fumaça de Seis Céus podia, então, ser 
decodificada. Fumaça de Seis Céus fizera uma descida bem-sucedida à terra da morte e 
estava sentado no Mundo Inferior-Outro Mundo, apertando enlevado ao peito a própria 
alma. O resultado final era a invocação do eu, da própria essência. Lá estava esse 
homem há muito morto, ainda visível no Mundo Inferior, segurando nos braços a própria 
alma, uma alma que por casualidade era o próprio Ser Divino! 
 Uma das maias vigorosas representações da alma 
maia em sua plenitude madura é a imponente estátua de 
Primeiro Pai após sua ressurreição como o deus-milho. Essa 
elegante escultura de Copán é notavelmente semelhante a 
estátuas do Buda Sakyamuni. Primeiro Pai acha-se de pé, em 
uma atitude de tranquilidade energizada. O cabelo comprido 
espalha-se em torno do rosto como os raios do sol. Em torno do 
pescoço, ele exibe um crânio pendente, para proclamar seu 
triunfo sobre a morte. Ele mantém a mão esquerda na posição 
de palma aberta, exatamente como a de Buda em seu gesto de 
“concessão de dádivas”. Ele ergue a mão direita, com a palma 
para a frente, exatamente na mesma posição que a de Buda em 
seu gesto de “sem temor”. 
 Mesmo os pormenores da expressão no rosto de 
Primeiro Pai são praticamente idênticos aos do Buda Sakyamuni. 
Ambos apresentam uma paz que transcende o mundo. Ambos olham 
para baixo – ou para dentro, com olhos de grossas pálpebras. Em 
ambas as imagens, as testas são altas, representando inteligência 
extraordinária; as faces são serenas, mas firmes; os lábios estão 
levemente separados, indicando que eles estão prestes a pronunciar 
palavras de confiança. 
 Para os maias a alma podia dar sua colaboração à contínua criação de 
muitas maneiras, governando, guerreando, curando, lavrando, gerando filhos, educando e 
criando objetos verdadeiros e belos. Fundamentalmente, ela contribuía para o contínuo 
triunfo da expansão de ch’ulel (essência vital) ao desenvolver a si mesma pela educação e 
vínculo extático com os deuses. 
 
 
O SEGREDO DO XAMÃ 
 
 Uma série de grandiosos lintéis esculpidos das selvas de Chiapas retrata os 
rituais de sangria xamânicos da família real de Yaxchilán. As cenas apresentam diversas 
cerimônias que ocorreram ao longo de um período de anos, muitas delas realizadas pelas 
esposas do grande rei Jaguar-Pássaro. Grande quantidade delas foi esculpida pelo 
artista-xamã conhecido como o Artista Cortador de Biscoitos, devido à profundidade dos 
seus cortes e às bordas bem acabadas. Essas esculturas mostram os bonitos detalhes 
das técnicas de tecelagem maias e os delicados motivos decorados de seus trajes. 
13 
 
 Uma das cenas mais extraordinárias desenrola-se no Lintel 15. Ali vemos a 
senhora Seis Tonéis fascinada pela visão que invocou, com seu recém-terminado rito de 
sangria. Ela está ajoelhada em uma sala escurecida, aninhando nos braços uma cesta 
trançada. A cesta contém os seus instrumentos de sangria, juntamente com tiras de papel 
ensanguentado. A corda que ela, 
momentos antes, passou através da língua 
pende-lhe do antebraço. Ela está usando 
um elegante huipil – uma longa túnica 
solta, com motivos cruzados, brincos, um 
pingente, pulseiras de jade 
primorosamente trabalhadas e a 
gargantilha especial, usada para rituais de 
sangria.Seu cabelo negro e liso está 
atado atrás com tiras de papel respingadas 
de sangue – com exceção de três cachos 
altivos, dois dos quais formam um arco 
sobre a testa, mantidos no lugar por 
enfeites tubulares. O desalinhado mas 
altivo penteado da senhora Seis Tonéis 
transmite uma combinação de cuidadosa 
sofisticação e frenético abandono – sem 
dúvida, o resultado do ritual que ela 
acabou de terminar. 
 Seu rosto é uma imagem da beleza maia. Ela inclina a cabeça levemente 
para cima, exibindo o grande, carnudo e aristocrático nariz índio e o comprido queixo 
levemente retraído. Os olhos amendoados erguem-se para a visão que se materializou à 
sua frente. O vigoroso maxilar pende sem energia, devido à exaustão e talvez para 
proteger a língua ferida. Os lábios cheios estão ligeiramente entreabertos, mostrando os 
salientes dentes incisivos – um indicador de beleza feminina, aos olhos dos antigos 
maias. 
 À sua frente, no chão, acha-se um prato de oferendas, transbordante de tiras 
de papel impregnadas de sangue. Ela já ateou fogo ao papel e nuvens de fumaça 
avolumam-se para o alto. Acopladas às ondas de fumaça, as espirais de uma enorme 
Serpente da Visão erguem-se para o teto. A cobra imensa apresenta as marcas em 
losango da cascavel e está salpicada com as gotas de sangue da senhora Seis Tonéis, 
que a trouxeram de sua toca no Outro Mundo até o plano da Terra. Ela joga a cabeça 
para trás engasgada com a visão que a rainha havia buscado. 
 A visão em si é uma enorme figura masculina, cuja cabeça e a mão direita 
estão emergindo dos maxilares da serpente. Seu cabelo está preso e ondula acima da 
cabeça como as penas da cauda de um pássaro tropical. Ele usa compridos brincos 
pendentes que se lançam para frente. Seus olhos fitam a senhora Seis Tonéis, muito 
abaixo, e o grosso lábio inferior tomba enquanto ele abre a boca para falar. A mão 
gesticula com indiferente autoridade, com o dedo indicador apontando, como que para 
explicar algo. 
 A natureza oracular da visão revela-nos que o objetivo da sangria de 
senhora Seis Tonéis era convocar um antepassado do Outro Mundo, para trazer-lhe 
conhecimento sobrenatural. Os traços da visão são de tal modo semelhantes aos seus, 
que poderíamos facilmente imaginá-lo como seu pai. 
 Essa cena impressionante é a representação mais naturalista de uma 
Serpente Visão que chegou até nós. É também a imagem mais vigorosa da função 
oracular de muitos dos ritos de sangria. Sabemos que uma das mais importantes 
14 
 
responsabilidades das almas que haviam conquistado a ressurreição por meio das 
aterrorizantes provas nas mãos dos Senhores da Morte era voltar a este mundo quando 
os seus descendentes chamavam, e conceder-lhes o privilégio de seu conselho e 
sabedoria, como almas eternas que haviam se tornado deuses. Como os bodhisattvas 
budistas, as almas maias que sobreviveram à morte aparentemente não podiam passar 
completamente ao reino da bem-aventurança até haverem salvado outras. Essa 
responsabilidade de aconselhamento por parte dos antepassados divinizados era o 
motivo por que os xamãs de Palenque haviam equipado o túmulo de Pacal com o tubo 
espiritual. 
 Podemos apenas esperar que a senhora Seis Tonéis tenha recebido a 
sabedoria que estava buscando em seu ritual xamânico e que o seu “pai” ressuscitado, 
como um Senhor da Vida tenha considerado agradável o seu realçado papel criador. 
 O xamanismo – o poderoso processo psicológico e espiritual para 
transformar a morte em vida em todas as dimensões da Realidade – era a força motriz 
por trás de todos os aspectos da antiga vida maia. 
 Duas descobertas arqueológicas, ambas em Copán, evidenciaram o 
influente papel do xamanismo na antiga religião maia. 
 A primeira descoberta concentrou-se no conjunto Sepulturas, 
localizado a certa distância do centro da antiga cidade. Ali, vastos 
quadriláteros interligados de quartos, casas de banho e cozinhas ao ar livre 
constituíam a habitação de extensos clãs familiares da nobreza de Copán. A 
principal construção do conjunto possui uma sala de audiências no topo de uma escada 
de grande altura, que foi construída para imitar a escadaria das grandes pirâmides-
templos da Acrópole de Copán. Curiosamente, a fachada da construção é esculpida com 
cenas de escribas segurando tinteiros de conchas e pincéis de calígrafo. No topo, achava-
se um banco esculpido, em que os estudiosos pensavam que os patriarcas escribas 
conduziam audiências semi-reais. Dessa plataforma, esculpida com figuras de deuses-
escribas, esses poderosos ah tz’ibob (“escribas”) principais emitiam julgamentos sobre rixas 
interfamiliares, elaboravam e aplicavam as normas da comunidade e realizavam rituais de 
sangria públicos. Sabemos até o nome de um desses influentes escribas – Mac Chaanal. 
 Outra descoberta que confirmou 
a posição dos escribas na sociedade maia foi 
a de um túmulo no interior da principal 
pirâmide na Grande Praça de Copán. A 
escada e a balaustrada desse templo são 
esmeradamente esculpidas nas figuras de 
Serpentes da Visão, mostrando os mais 
poderosos reis da dinastia de Copán. Essas 
esculturas celebram a impressionante 
revelação da Presença Divina ao longo da 
história da cidade. Os degraus que circulam 
essas espectrais “hierofanias” de pedra são 
cobertos por hieróglifos. 
O túmulo no interior desse templo, erguido ao milagre da escrita, continha o 
corpo de um homem importante. A princípio, os arqueólogos pensaram que ele devia ter 
sido rei; foi até acompanhado na morte por uma criança sacrificada. Entretanto, quando 
examinaram com mais atenção os objetos enterrados com ele – dez recipientes com tinta, 
um código deteriorado e uma tigela representando um escriba-xamã, chegaram a uma 
impressionante conclusão: esse homem fora sepultado no interior de uma montanha viva 
como os grandes reis maias, mas não era um rei – era um escriba! Os estudiosos 
atualmente supõem que fosse o irmão de um dos reis-xamãs de Copán. Não por acaso, 
15 
 
ele foi enterrado precisamente no interior da pirâmide que celebrava o divino poder da 
escrita. 
 
A MORTE 
 
 A morte é o princípio e fim de todos os nossos mitos e religiões. O momento 
preciso da morte física foi o tema de algumas das mais vigorosas criações artísticas que 
os maias produziram. Uma imagem vigorosa deste momento é uma que aparece 
entalhada em quatro ossos descobertos no túmulo do chamado Soberano A, em Tikal, e, 
novamente em um sílex excêntrico de um 
desconhecido sítio do período clássico. Essa 
imagem pinta a morte como o súbito afundamento 
da Canoa da Vida. Nessas imagens, a vida 
humana é uma viagem de canoa pela superfície 
das profundezas abissais do oceano do Outro 
Mundo. Modelada de acordo com as naves de 
alto-mar dos mercadores maias, a Canoa e seus 
passageiros simbolizam a noção maia de que 
todos nós somos mercadores de vida, dando e 
recebendo todos os nossos dias. Nesse caso, 
nossos parceiros de comércio são os deuses. 
 A Canoa da Vida é movida pelos dois Remadores, aspectos dos Deuses 
Gêmeos. Os primeiros dois ossos mostram a Canoa da Vida movendo-se rapidamente 
pelas águas, conduzindo o Soberano A em sua viagem de vida. Na Canoa, com ele, 
acham-se um iguana, um macaco-aranha, um papagaio e um cachorro. Na proa, o 
envelhecido Remador Jaguar fustiga a água com o remo, arfante com o esforço. Na popa, 
o velho Remador Arraia-lixa está também concentrado no trabalho. O rei, no centro da 
Canoa, usa o adorno de cabeça de seu posto, inclusive uma folha que o proclama a 
encarnação da Árvore do Mundo. Ele e o que talvez sejam seus gênios familiares animais 
comprimem o pulso contra a testa – na arte maia, um gesto de desespero. Os hieróglifos 
que acompanham essa cena de viagem dizem: “Soberano A viajou de canoa quatro 
Katunob (oitenta anos) até seu passamento.” 
 Outra imagem da morte é o já citado sílex excêntrico. 
O magistral itz’at “sábio artista” que preparou esse sílex 
entalhou a Canoa da Vida. A proa é a cabeça de crocodilo 
de Primeiro Senhor/Vênus.A popa representa o aspecto 
semelhante ao humano de Primeiro Jaguar. Esses símbolos 
dos Deuses Gêmeos são repetidos sob a forma dos 
Remadores, que ali servem de guias espirituais à alma do 
senhor desconhecido. Não aparecem os remos, e a Canoa 
parece ser autopropulsora. O rei, no centro, usa um adorno 
de cabeça com penas de quetzal, cujas plumas rodopiam ao 
vento da súbita arremetida para baixo da Canoa. 
 O paralelo que o artista traçou entre a imagem de Primeiro Jaguar e a do rei 
moribundo revela a esperança maia de que, ao se fundir com Primeiro Pai no momento 
da morte, eles poderiam repetir-lhe a “paixão” como ele, e, assim, garantir a ressurreição 
– semelhante à dele. 
 O artista retratou as terríveis forças da gravidade sobre a Canoa e seus 
ocupantes, enquanto eles mergulham abaixo da superfície. A quilha da Canoa arqueia-se, 
curvando-se como um arco, e o rei e seus companheiros Remadores são arremessados 
para trás, quando o mergulho da nave acelera. O observador acompanha fascinado, 
16 
 
enquanto a Canoa da Vida se torna a Canoa da Morte arrojando-se no insondável mar do 
Outro Mundo. 
 
OS JULGAMENTOS DE XIBALBA 
 
 Segundo os maias, o sofrimento é uma parte inevitável da vida e a crueldade 
é um aspecto inerente a toda alma. 
 Uma das mais vigorosas representações tanto de sofrimento como de 
crueldade dos antigos maias que chegou até nós é uma estatueta do período clássico, 
proveniente de Campeche, no Yucatán ocidental. Essa estatueta era originalmente um 
relicário, que outrora conteve uma espécie de troféu de guerra. Ela é confeccionada sob a 
forma de um prisioneiro horrendamente torturado. O outrora nobre guerreiro acocora-se, 
com os braços torcidos para trás, à altura dos 
cotovelos, e os joelhos bem afastados. O peito foi 
forçado para a frente e uma fiada de gravetos foi-
lhe atada de um lado a outro das costas. O rosto 
está sovado e inchado. O couro cabeludo foi 
removido – mas não completamente; está 
pendurado por um retalho de pele na nuca. As 
mãos e os pés foram retorcidos até se 
desarticularem. Como ato final de selvageria, ele 
foi pouco antes eviscerado, havendo o estômago 
sido arrancado junto com os intestinos. A cabeça 
do prisioneiro estica-se para trás, sua boca 
escancara-se em um berro de agonia. O homem 
que serviu de modelo para essa aterrorizante 
imagem da dor provavelmente não viveu bastante 
para sentir as chamas queimarem-lhe as costas, 
quando a madeira foi incendiada. 
 Os maias encaravam esses atos humanos de brutalidade como formas 
especializadas da crueldade natural que suportavam todos os dias da sua vida terrena. 
 Dados provenientes dos ossos de cidadãos maias comuns revelam que a 
desnutrição crônica predominava entre as classes mais pobres de diversas cidades, 
sobretudo perto do fim do período clássico. Rio Azul e Kalak’mul são impressionantes 
exemplos disso. E, nos túmulos da Copán do século VIII, os pesquisadores descobriram 
esqueletos – tanto de ricos como de pobres – que revelam sinais de fome e doença em 
escala maciça. 
 Originalmente muitíssimo bem-sucedidos com sua localização no fértil vale 
de Copán, os milharais dessa cidade estendiam-se por quilômetros em todas as direções, 
junto com vastas plantações de abóbora, pimenta e feijão. As montanhas circundantes 
eram cobertas por florestas compactas de carvalhos e pinheiros e, no próprio vale, 
floresciam sumaúmas e outras árvores tropicais. Mas, à medida que a população crescia, 
devido em parte a uma enorme afluência de imigrantes do Leste não-maia, a cidade 
ampliou-se em um processo que denominaríamos atualmente de expansão urbana. Ela 
começou tragando fecundas terras agrícolas, à medida que as subdivisões de todas as 
classes, mas sobretudo as abastadas, se deslocavam da área da acrópole. Além da 
usurpação de valiosos terrenos agrícolas, a proliferante população começou a despojar as 
montanhas de suas árvores. Quantidades imensas de madeira eram necessárias para 
cozinhar, assim como para os fornos de cal em que se preparava a argamassa para 
projetos de construção sempre crescentes. 
 No final do século VIII, as consequências dessa expansão urbana eram 
demasiadamente evidentes. As doenças, inclusive as relacionadas com a subnutrição, de 
17 
 
que sofriam os habitantes de Copán e outros maias em circunstâncias semelhantes, 
aparecem na arte como os demônios do Mundo Inferior. Doenças pulmonares, causadas 
pela fumaça do fogo para cozinhar, são representadas como jorros de sangue escorrendo 
de peitos emagrecidos; parasitos intestinais são mostrados em visões radiográficas de 
abdomes inchados, em torrentes de diarréia sanguinolenta e gases líquidos. 
 Os maias do período clássico convivam com um sistema de classes cada 
vez mais opressor, feiticeiros malévolos e operações militares intensificadas. As classes 
mais altas expandiam-se muito mais rapidamente do que os camponeses. Essa crescente 
multidão de nobres exigia demais dos agricultores e trabalhadores, exatamente no 
momento em que as reservas estavam minguando, como resultado tanto da seca 
prolongada quanto de catástrofes ecológicas produzidas pelo homem, como a de Copán. 
A nobreza alimentava-se melhor, ampliava-se e vivia mais do que os camponeses, cada 
vez mais pressionados, que a sustentavam. 
 Os maciços projetos de construção dos períodos clássico e pós-clássico 
sobrecarregaram ainda mais os maias comuns. Tinham de ser erigidos cada vez mais 
palácios, pirâmides e pátios de jogo de bola para o prazer e a utilização ritual. 
 Para os maias do período clássico, a guerra tornou-se cada vez mais uma 
questão de conquista territorial e material. No século IX, a disputa entre cidades reduzira 
antigas grandes cidades de saber elevado e elegante arte a conjuntos de fortalezas e 
cada vez mais bárbaras. Quando os espanhóis chegaram, no início do século XVI, só 
restavam algumas cidades de tamanho razoável e os mais estavam encerrados em um 
pesadelo de mútua destruição assegurada. 
 Naqueles mesmos murais em Bonampak, com o Mundo Inferior Azul como 
fundo, observamos algumas das mais horripilantemente realistas representações de 
guerra já criadas. O rei Chaan Muan, de Bonampak, conduz seus guerreiros à batalha 
contra uma tribo da selva. Situada na exaltada Xibalba local de todas as atrocidades 
humanas, a cena está impregnada da desesperada energia de homens que sabem que, 
se forem derrotados ou capturados, um destino pior do que a morte os aguarda. Nessa 
pintura vivamente colorida, vemos imagens de brutalidade executadas com cuidadosa 
atenção aos detalhes: cabeças e mãos decepadas, sangue esguichando e as expressões 
transtornadas de guerreiros surpreendidos em um exasperante frenesi de batalha, com os 
brancos dos olhos faiscando ferozmente contra o castanho-escuro dos seus rostos. 
 O rei Chaan Muan investe para a frente, agarrando um chefe inimigo pelo 
cabelo – o gesto ritual maia de captura formal, reconhecido tanto pelo vencedor como 
pela vítima. O chefe inimigo já foi despojado de seus ornamentos e vestido com uma saia 
de tiras de papel ou pano, para indicar a sua condição de prisioneiro de guerra, bem como 
a mutilação e o sacrifício que serão a sua sorte. 
 Chaan Muan usa uma blusa 
sem mangas, de pele de jaguar, um 
gigantesco adorno de cabeça com uma 
máscara de jaguar, braceletes e gargantilhas 
de jade. Um de seus capitães acha-se a seu 
lado, usando um adorno de cabeça com um 
filhote de jaguar rosnando e uma cabeça 
recém-decepada em torno do pescoço. A 
batalha desenrola-se tumultuadamente em 
torno dessas figuras centrais, enquanto os 
senhores de Bonampak, com trajes 
extravagantes, abrem caminho em meio às 
fileiras inimigas. Um guerreiro vestido como 
um crocodilo brande a lança enquanto salta 
para a refrega, do lado direito. Abaixo da 
18 
 
cena de captura, um ahau, usando uma máscara de Monstro Cósmico-cabeça de veado, 
golpeia, com a lança, um adversário na testa. A boca da vítima escancara-se em um 
arquejo de dor e incredulidade.Sabemos muitíssimo bem o que aconteceu com os 
guerreiros aprisionados nessa cena por suas imagens de dor no 
mural do “Juízo”, em Bonampak. Seus dedos foram torcidos até 
se desarticularem e as unhas foram arrancadas. Eles foram 
espancados e cortados com afiadas facas de sílex ou obsidiana. 
Por fim, foram sacrificados. 
 Eles não estavam sozinhos. As fachadas das construções 
cercadas, no pátio do jogo de bola, em Toniná, são decoradas com 
prisioneiros de guerra amarrados e torturados, e são muitas as cerâmicas 
funerárias que retratam os destinos a se tornar findados. 
Em toda área maia, estelas e painéis esculpidos apresentam 
cenas desta mesma natureza. Em Dos Pilas, na Guatemala, vemos a 
imagem do chamado Soberano Três, vestido com seu suntuoso traje de 
guerra de Tlaloc (Vênus), de pé sobre uma plataforma e sustentando o peso 
tanto do Soberano Três como da plataforma, um prisioneiro de guerra faz 
uma careta, sob a tensão da carga. 
Em Piedras Negras, também na Guatemala, um ahau 
desconhecido senta-se em um estrado, bem acima de dois 
criados em pé. O imponente adorno de cabeça, em forma 
de pássaro quetzal, forma um arco acima de sua cabeça. 
Com uma das mãos ele segura a lança de batalha e, com a 
outra, aperta o joelho. Está sentado com uma das pernas 
dobrada sobre o estrado e a outra balançando sobre a 
lateral, em uma postura descontraída. Como ornamento, ele 
usa sobre o peito um corpo humano reduzido. A seus pés, 
oito prisioneiros estão firmemente amarrados juntos. Todos 
mostram sinais de haverem sido torturados. Um prisioneiro 
bem vestido agacha-se na base da plataforma, exatamente 
abaixo do senhor, com o pescoço esticado para trás, a fim 
de fitar nos olhos o seu algoz. Em contraste com o 
desespero e a dor dos prisioneiros, o soberano e seus 
criados parecem destituídos de emoção. Pela postura no 
estrado e o rosto impassível enquanto contempla os seus 
troféus de guerra, o próprio soberano demonstra displicente 
indiferença para com a difícil situação de suas vítimas. 
 Após a tortura e o sacrifício, as cabeças das vítimas eram frequentemente 
espetadas em tzompantlis ou “armações de crânios”, onde se juntavam aos crânios 
putrefatos de vítimas anteriores. Enquanto o nome de cada um dos findados era 
registrado e comemorado, a colocação da cabeça na armação de crânios, ao lado de 
tantos outros, sublinhava a natureza impessoal da humilhação, sofrimento e crueldade 
que a tortura de prisioneiros e o sacrifício humano encarnavam. 
 As almas mais amadurecidas dentre os torturados – aqueles que se haviam 
fortalecido mediante anos de sangria, privação e visões extáticas, e que também haviam 
aceitado e praticado as próprias crueldades em outros – suportavam os tormentos, 
acreditando que o seu sacrifício era o necessário reverso da fortuna que todo ser humano 
tinha, cedo ou tarde, de sofrer. Mediante o atordoamento da dor, os prisioneiros 
torturados buscavam o transformador golpe do machado e o fogo no sangue que os 
libertaria para a eternidade. 
19 
 
 A dignidade e transcendência que os maias buscavam 
no sofrimento – e na tortura – manifestam-se no rosto de muitos dos 
prisioneiros retratados em painéis e estelas esculpidos, murais e 
cerâmicas pintados e em estatuetas. Uma estatueta em especial é 
extraordinariamente vigorosa. Recuperada em Jaina, a antiga ilha-
cemitério maia, ao largo do litoral oeste de Campeche, no Yucatán, 
os estudiosos acreditam que essa estatueta seja a imagem de um 
homem verdadeiro. Os traços de seu rosto são tratados com 
sensibilidade, e a barriga avantajada, com um umbigo realista, foi 
executada com uma naturalidade que só poderia advir de uma 
experiência de observação pessoal do homem. O artista apresentou-
o completamente despido, com os braços amarrados às costas, à 
altura dos cotovelos, mas orgulhosamente de pé. O contorno recuado 
do couro cabeludo, as bochechas macilentas, o cavanhaque e a 
barriga revelam que ele alcançou a meia-idade avançada. 
 O que impressiona nele é o seu porte. Ele foi espancado até ficar 
ensanguentado. O nariz está inchado onde os captores o quebraram. 
Ele faz uma ligeira careta e seus lábios entreabrem-se, no que parece 
ser um esforço para evitar o nariz ferido e respirar pela boca. As 
sobrancelhas estão ligeiramente franzidas e há bolsas de exaustão sob 
os olhos. No entanto, no momento de humilhação total, ele encara o 
artista que o está esboçando. Ele irradia vigor. Pode até estar 
conversando com o artista enquanto aguarda, provavelmente com um 
grupo de outros prisioneiros, a etapa seguinte e mais dolorosa de sua 
provação. Privado da família, dos amigos e de sua amada cidade natal, 
ele enfrenta uma morte solitária e terrível. Decaiu de uma elevada 
posição de riqueza e privilégio para a condição de um “findado”. 
 
 
O JOGO DE BOLA E O SACRIFÍCIO HUMANO 
 
 O jogo de bola era tão fundamental na determinação não só da sorte do 
universo como, ainda mais importante, da sorte da alma individual, que os maias 
enterravam o equipamento e os troféus do jogo de bola com os mortos. Junto com o 
“Livro dos Mortos” em cerâmica funerária, praticamente as únicas outras coisas que os 
falecidos levavam consigo eram os tacos, as fibras de palmeira, e os protetores de joelhos 
e antebraços. 
 Das ruínas úmidas e sombreadas pela floresta do pátio de jogo de bola de 
Coba, com seus muros cavernosos e cobertos de musgo, aos pátios nos cumes varridos 
pelo vento da região montanhosa da Guatemala e à imperial arena cheia de luz de 
Chichén-Itzá, todos os pátios de jogo de bola maias seguiam o mesmo modelo básico. 
Embora houvesse variações locais em detalhes arquitetônicos, todos os pátios de jogo de 
bola maia refletiam as estruturas do universo e do corpo humano. 
 Os pátios de jogo de bola eram, em geral, construídos ao longo de um eixo 
Norte-Sul, que conduzia ao Mundo Superior e ao 
Mundo Inferior. As paredes dos pátios continham 
marcadores esculpidos em série de ambos os 
lados – em Copán, cabeças de arara; em Toniná, 
prisioneiros amarrados; e no Yucatán setentrional, 
aros entalhados em forma de serpentes 
emplumadas enroscadas. Os pesquisadores 
ainda não compreenderam inteiramente o 
20 
 
simbolismo intricado da arquitetura dos pátios de jogo de bola nem o significado espiritual 
dos marcadores nas paredes. 
 Além das cangas, fibras de palmeira e protetores, o equipamento do jogo de 
bola incluía máscaras e trajes rebuscados, com que os jogadores assumiam a identidade 
dos deuses e demônios mais importantes. Nesses temíveis jogos – na maioria, se não 
todos, fraudados, os algozes-atletas reis em geral usavam os trajes dos Senhores da Vida 
e vestiam os adversários condenados com os ornamentos dos demônios do Mundo 
Inferior ou de Itzam-Yeh. Com frequência, junto com os trajes de demônios, os jogadores 
adversários usavam tiras de tecido para indicar sua condição de vítimas do sacrifício. Os 
vencedores, com frequência, pintavam o corpo, exceto o rosto, com tinta preta, para 
indicar que eles, haviam integrado as características dos Senhores da Morte. 
 Em um painel esculpido, proveniente de uma cidade desconhecida, 
possivelmente Kalak’mul, na área de Peten do que hoje é a Guatemala moderna, vemos o 
rei vitorioso vestido como Primeiro Jaguar, com adornos de guerra de Tlaloc. Ele usa um 
turbante-balão de pele de jaguar, um pingente com crânio, joelheiras com o rosto de 
Tlaloc e um protetor no antebraço direito com garras de jaguar incrustadas. Ele lança a 
bola em direção ao seu prisioneiro que, 
exausto, cai ao chão. O que em breve 
será findado está usando um adorno de 
cabeça de Itzam-Yeh e tiras de tecido com 
buracos, para indicar que seu fim está se 
aproximando depressa. Os painéis 
esculpidos do grande pátio de jogo de bola 
de Chichen-Itzá apresentam essa mesma 
luta entre Primeiro Jaguar e Itzam-Yeh. Os 
jogadores vestidos como Itzam-Yeh estão 
fadados a morrer. 
 Uma sequência menos óbvia de vencedor e perdedor, no jogo cósmico entre 
os Deuses Gêmeose os demônios de Xibalba, aparece em 
uma série de três painéis esculpidos, proveniente de um 
sítio desconhecido. Ali vemos jogadores vestidos como 
Primeiro Senhor e Primeiro Jaguar em suntuosos atavios – 
imponentes punhos e gargantilhas de jade, peles de jaguar 
e reluzentes adornos de cabeça com penas de quetzal, 
enfrentando um adversário, trajado como o Deus L/Itzam-
na. O jogador que representa Primeiro Jaguar ajoelha-se, a 
fim de aparar a bola nos quadris e arremessá-la 
violentamente em direção ao “rei-demônio”, que espera 
para recebê-la no seu taco. O personificador do Deus L é 
uma figura volumosa, com um adorno de cabeça com um 
pássaro. O resultado desse jogo, pelo menos, parece ser 
incerto, embora também fosse seguramente 
preestabelecido. 
 Além dos jogos humanos, também subsistiram 
representações, do período clássico, dos jogos de bola divinos 
entre Primeiro Senhor e Primeiro Jaguar e os habitantes de 
Xibalba. No marcador do pátio de jogo de bola da cidade em 
ruínas de La Esperanza, vemos um ávido Demônio Zero 
ajoelhando-se sobre uma joelheira ricamente ornamentada, 
para fazer uma jogada com os quadris, com a cabeça de 
Primeiro Senhor como bola. 
21 
 
 Lamentavelmente, não sabemos de fato como o pitz (jogo de bola) era jogado. 
Muitos dos ensinamentos específicos da tecnologia da ressurreição, codificados em seu 
complexo simbolismo, estão perdidos para sempre. Entretanto, pelos indícios 
fragmentários que ainda existem, os pesquisadores conseguiram reunir as linhas gerais 
do antigo jogo. Sabemos que a bola tinha de 30 a 45 cm de diâmetro, e era com 
frequência – se não sempre – formada em torno do crânio de uma vítima sacrificada. Era 
feita de chicle proveniente dos seringais do litoral de Veracruz e pesava cerca de 3,5 kg. 
Também sabemos que os xamãs, às vezes mulheres, realizavam as cerimônias iniciais. 
 O jogo principiava de uma das seguintes maneiras: uma rainha, um anão ou 
o capitão de uma das equipes arremessava a bola na direção dos jogadores adversários; 
ou a bola, suspensa de um andaime que simbolizava os caibros do telhado da casa dos 
Deuses Gêmeos, era derrubada e colocada em jogo entre os capitães adversários. 
Semelhante ao arremesso da bola ao alto no basquetebol moderno, esses capitães 
deviam, então, disputar a posse. 
 Refletindo os mitos de descida de Primeiro Pai e dos Deuses Gêmeos, as 
equipes terrenas eram constituídas de um único jogador cada uma, ou de dois jogadores 
de cada lado. Pelo exame da iconografia maia e comparação de formas posteriores de 
jogo de bola, sobretudo tal como era disputado pelos astecas, os pesquisadores supõem 
que não se permitia aos ah pitzlawalob (jogador de bola) maias usar as mãos. Somente os 
ombros, antebraços, quadris e joelhos podiam entrar em contato com a bola. Sempre que 
possível, os jogadores tentavam acertar a bola nos marcadores fixados nas paredes das 
construções do recinto. Mas não fazemos ideia de como os maias contavam os pontos. 
 Alguns jogos não eram jogos de forma alguma. Em Yaxchilán e em outros 
locais, a “bola” é representada como um prisioneiro, firmemente amarrado em posição 
esférica. A vítima é apresentada despencando por um lance de escada para ser golpeada 
pelo rei, que está aguardando embaixo para arremessar a bola humana com o quadril ou 
o ombro. Nessas cenas, vemos os falsos pátios de jogo de bola da Escada de Três 
Conquistas e Lugar das Seis Escadas em ação. Alguns estudiosos supõem que, às 
vezes, atirar um prisioneiro amarrado pela escada do sacrifício abaixo tornava o lugar do 
sacrifício da decapitação, como lance final do jogo. 
 Pelas máscaras e trajes que os jogadores usavam e pelo que sabemos 
acerca da tortura de prisioneiros, com a ingestão coagida de drogas alucinógenas, os 
pesquisadores supõem que muitos dos jogos – se não todos – eram disputados em um 
estado alterado de consciência. Assim que o portal do hom (abismo do Mundo Inferior) se 
houvesse aberto, os maias podiam sentir o pátio de jogo de bola terreno como o Pátio 
Cósmico. 
 Parte de uma tradição ameríndia quase universal, que se estendia do que é 
hoje o sudoeste dos Estados Unidos ao centro da América do Sul, os xamãs e videntes 
de diferentes povos indígenas imaginaram uma diversidade de significados para o jogo. O 
próprio jogo de bola maia expressava pelo menos três níveis de significado. 
 O mais antigo deles era agrícola-astronômico. Originando-se desse nível 
mais básico de simbolismo, dois grandes jogos eram disputados todo ano. Eles eram 
calculados para refletir as complexas relações entre as posições das estrelas, dos 
planetas e do Sol, as estações seca e chuvosa, assim como os ciclos de desenvolvimento 
das colheitas, sobretudo do milho. O primeiro jogo ocorria no equinócio da primavera, 
durante a estação seca, quando os agricultores maias plantavam os milharais. O segundo 
jogo era disputado no equinócio do outono no início da estação chuvosa, quando o milho 
estava amadurecendo pouco antes da colheita. 
 Além desse sistema de símbolos baseado na natureza, a segunda camada 
de significados que os maias discerniam era política. Os reis maias converteram a ênfase 
agrícola-astronômica em uma triunfante celebração de seu poder sobre os ahauob (reis-
xamãs) inimigos das cidades vizinhas. 
22 
 
 Entretanto, os xamãs do período clássico, mesmo os reis-xamãs com seus 
planos políticos, viam um terceiro significado nessa mais sagrada de todas as 
encenações rituais, um significado bem mais absorvente do que os outros. Para aqueles 
que tinham olhos para enxergar, o significado mais profundo do pitz era a sua 
concretização do Juízo Final e o esperado triunfo da alma individual em sua busca pela 
imortalidade. Ao fraudar os jogos, de modo que suas vitórias estivessem garantidas, os 
reis-xamãs e senhores menos importantes esperavam obter a experiência de que 
necessitariam a fim de vencer o jogo final além-túmulo. 
 No período clássico, as vítimas maias eram quase sempre senhores nobres 
e guerreiros de fora das cidades vitoriosas. Às vezes, como no caso do desventurado 
Dezoito Coelhos, eram reis-xamãs inimigos. Como vemos representado em um vaso de 
cerâmica da área de Peten, no Yucatán, as crianças eram também, ocasionalmente, 
sacrificadas. No final da época pós-clássica, os maias haviam começado a sacrificar 
igualmente as mulheres. 
 A forma mais comum e mais importante que o sacrifício humano assumia no 
período clássico era a decapitação, mas a remoção dos maxilares e o evisceramento 
eram também praticados. 
 No final do período clássico e no período pós-
clássico, outras formas de sacrifício tornaram-se importantes. O 
sacrifício do coração é um deles. O exemplo mais intenso desse 
tipo é o da Estela 11, de Piedras Negras, Guatemala, o qual 
mostra a etapa final do ritual de elevação do chamado Soberano 
Quatro. Os hieróglifos que a acompanham informam-nos que 
esse acontecimento ocorreu em 13 de novembro de 729. Ali 
vemos o rei sentado no nicho cósmico da plataforma. 
 O rei usa um imponente adorno de cabeça com 
penas de quetzal, que cintilam como os raios do sol e emolduram 
uma máscara que representa Primeiro Senhor/Chac-Xib-Chac. O 
Soberano Quatro senta-se de pernas cruzadas, com as mãos 
sobre as pernas, proclamando-se o ressuscitado Primeiro 
Pai/Primeiro Senhor, a nova Principal Divindade-Pássaro, 
feiticeiro cósmico e o governante do universo. 
 Uma vítima sacrificada jaz na base do tablado, 
sobre uma tigela de oferendas cheia de tiras de papel. A tigela 
simboliza o universo. O “findado” foi submetido pouco antes ao 
sacrifício do coração. Um pequeno fardo enrolado com plumas 
de quetzal, representando um pé de milho germinando, foi 
colocado na cavidade ensanguentada do peito. Esse pé de milho 
com plumas de quetzal é uma versão em miniatura da Árvore do 
Mundo em seu aspecto de Pé de Milho Cósmico. Sua colocação 
na cavidade no peito da vítima significa que o desventurado 
homem deu a sua essência vital – o centro do seu Ser – paradar 
origem à Árvore da Vida e ressuscitar o universo. 
 Sabemos, pela própria iconografia, que os ahauob (Senhores) maias 
experimentavam exatamente essa relação de geminação com seus prisioneiros. 
Sacrificavam reis inimigos e nobres tornavam-se os “irmãos” dos senhores vitoriosos e, 
por extensão, de todos os cidadãos das cidades vencedoras. Havendo dado a vida para 
aumentar o fluxo de ch’ulel (essência vital) nos reinos vitoriosos, os findados ficavam 
eternamente ligados como protetores divinos àqueles que os haviam enviado ao Mundo 
Superior. 
 Os antigos xamãs afirmavam que somente aqueles que conseguem aceitar 
o êxtase sombrio e brilhante das próprias mortes conseguem viver vidas terrenas plenas. 
23 
 
A RESSURREIÇÃO 
 
 Os maias acreditavam que realmente há existência contínua além-túmulo. 
Em sua cerâmica funerária, os maias retrataram o momento miraculoso – cósmico e 
individual – em que, contra todas as probabilidades, o sak-nik-nal (alma humana) como 
Primeiro Pai/Milho irrompeu da Região da Morte e ascendeu à glória no infinito Outro 
Mundo. Vemos essa ressurreição assombrosa em uma cena em um prato de oferendas 
do período clássico. A imagem nesse prato é lembrar à alma morta o renascimento que 
poderia conquistar para si mesma se derrotasse os Senhores de Xibalba. 
 Nesse prato de oferendas, vemos 
Primeiro Pai comprimindo-se para cima pela 
rachadura no Casco da Tartaruga Cósmica. Ele já 
está livre da cintura para cima, quando acena uma 
saudação para Primeiro Senhor. 
 O casco da tartaruga está lenta e 
dolorosamente abrindo-se. A face da Tartaruga 
está contorcida enquanto ela dá à luz o deus 
transfigurado. No lado direito do casco da 
Tartaruga, vemos Primeiro Jaguar com um grande 
jarro nas mãos, derramando itz (substância sagrada) na 
rachadura que se alarga. À esquerda, vemos 
Primeiro Senhor recitando um encantamento 
mágico para acelerar a passagem do Primeiro Pai 
da morte eterna para a vida eterna. 
 O Casco da Tartaruga Cósmica, simbolicamente, é o corpo físico que 
fulminado pelo raio da morte, racha-se em decomposição e libera a alma. 
 O Popol Vuh nada diz acerca do paraíso do Mundo Superior-Outro Mundo. 
Entretanto, pelos dados que subsistiram do período clássico, parece indiscutível que o 
mais importante dos locais do Mundo Superior-Outro Mundo, para onde as almas 
deificadas viajavam após a morte, era Metawil, a morada de Primeiro Pai, Primeira Mãe e 
de seus três filhos. 
 
 
Referência bibliográfica: 
 
 
GILLETTE, Douglas. O SEGREDO DO XAMÃ. Os ensinamentos perdidos dos antigos 
maias. Editora Rocco. Rio de Janeiro, 2001.

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