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RACISMO E DEMOCRACIA NO BRASIL: expressões a partir da participação das mulheres negras nas eleições legislativas 2014 e 2018

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Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
Centro de Filosofia e Ciências Sociais - CFCH 
Escola de Serviço Social - ESS 
 
 
 
 
ERIKA RODRIGUES SILVA 
 
 
RACISMO E DEMOCRACIA NO BRASIL: expressões a partir da participação das mulheres 
negras nas eleições legislativas 2014 e 2018 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2020 
 
 
ERIKA RODRIGUES SILVA 
 
 
 
 
 
RACISMO E DEMOCRACIA NO BRASIL: expressões a partir da participação das 
mulheres negras nas eleições legislativas 2014 e 2018 
 
 
 
 
Trabalho de conclusão apresentado ao 
curso de Graduação de Serviço Social da 
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
como requisito para obtenção do grau de 
bacharel em Serviço Social. 
 
 
Orientadora: Prof. Dra. Mirella Farias Rocha. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2020 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Silva, Erika Rodrigues 
 
Racismo e democracia no brasil: expressões a partir da 
participação das mulheres negras nas eleições legislativas 2014 e 2018/ 
Erika Rodrigues Silva. Rio de Janeiro, 2020. 
63 f.: 
 
Orientadora: Prof Dra Mirella Farias Rocha 
Monografia (Bacharelado em Serviço social) – Universidade 
Federal do Rio de Janeiro – (UFRJ) 
 
1. Racismo. 2. Democracia 3. Formação social brasileira. I. 
Rocha, M. F., orient. II. Título. 
 
 
 
 
 
ERIKA RODRIGUES SILVA 
 
 
 
 
RACISMO E DEMOCRACIA NO BRASIL: expressões a partir da participação das mulheres 
negras nas eleições legislativas 2014 e 2018 
 
 
Trabalho de conclusão apresentado ao curso de 
Graduação de Serviço Social da Universidade 
Federal do Rio de Janeiro como requisito para 
obtenção do grau de bacharel em Serviço Social. 
 
Rio de Janeiro, 17, de julho de 2020. 
__________________________________________________ 
Profª. Drª. Mirella Farias Rocha (Orientadora) 
Escola de Serviço Social - Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ 
 
__________________________________________________ 
Profª. Me. Carmen Ferreira Corato Costa (Examinadora) 
Escola de Serviço Social - Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ 
 
__________________________________________________ 
Profª. Drª Gracyelle Costa Ferreira (Examinadora) 
Escola de Serviço Social - Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho à minha mãe Iraci Rodrigues, 
à minha irmã Francini Rodrigues e à memória do 
meu pai Raimundo Amaral e dos meus padrinhos 
queridos Edna Maria e Edésio da Costa, e a todas as 
mulheres negras que sustentam essa nação. 
AGRADECIMENTOS 
 
Isso é mais que um agradecimento, é uma carta de amor e gratidão! São 28 anos 
contrariando as estatísticas, e ninguém chega tão longe nadando contra o sistema sozinho. 
Agradeço a Deus e os orixás que me mantiveram firme, mesmo quando eu já tinha 
esquecido o que era ter força. Agradeço aos meus ancestrais que derramaram sangue e suor para 
que aqui eu estivesse. 
Agradeço a minha mãe, que mesmo com todas as limitações que a vida lhe impôs deu o 
máximo que podia, muitas das vezes abrindo mão de si. Eu te amo muito e essa conquista é sua 
também. 
Agradeço a minha irmã Francini, pois muito do que eu sou é graças a ter tido ela na 
minha vida. Obrigada por ter cuidado de mim por toda a minha vida, pelos puxões de orelha, 
pelos conselhos, por acreditar em mim e me apoiar. Obrigada pelos trabalhos revisados, pelos 
almoços e jantas, as tortas de limão e tabules. Obrigada por se preocupar comigo e por me 
ajudar nesse momento, mesmo que de longe. 
Agradeço a minha noiva, Amanda, por me apoiar nos sorrisos, nas lágrimas, nas crises. 
Obrigada por me incentivar durante todo esse tempo! 
Agradeço a minha orientadora, confidente, grande inspiração Mirella, você sem dúvida 
foi a melhor escolha que eu poderia ter feito. Obrigada por seu carinho, afeto, paciência, 
cuidado, por acreditar em mim e me fazer crer que era possível, nos meus momentos de 
desistência. Não foi fácil chegar até aqui, mas ter você como orientadora fez ser mais leve. 
 Agradeço as minhas amigas e amigos queridos por ter tornado todos esses anos mais 
leves, mesmo nos momentos de desespero e fim de semestre. Obrigada pelas risadas, pelos 
conselhos, abraços, pelas moedas pra comer na bandejão ou tomarmos uma cerveja no sujinho 
ou Ximeninho.Sou eternamente grata por compartilhar esse tempo com pessoas tão 
maravilhosas e gentis. 
Agradeço aos amigos e companheiros do Coletivo de Negros e Negras do Serviço Social 
da UFRJ Dona Ivone Lara por me manter firme na caminhada. 
Agradeço as professoras e professores que participaram direta e indiretamente da minha 
formação, obrigada por todo conhecimento passado. 
Agradeço as minhas supervisoras de estágio Erida, Marilza e Wanilsa por tudo o que 
me ensinaram e por me fazer reconhecer a profissional que eu vou ser. Obrigada por tudo, pelos 
abraços, carinho, ensinamentos, paciência e principalmente por serem um exemplo que guardo 
no meu coração. 
Gostaria também de agradecer algumas pessoas em especial, a Deanna por ter me 
incentivado durante todo o período da faculdade, a Angelina pelas centenas de horas ao 
telefone, por me ajudar nos momentos de crise, pelas risadas ao telefone, pelas mini festas por 
chamada de vídeo. Obrigada amiga, por ser tão gentil e carinhosa. Agradecer a Andressa por 
ter me aguentado surtando durante essa semana, Isabel por simplesmente ter salvado a minha 
vida com todo amor e carinho do mundo e por fim, mas não menos amado, Ilson. Obrigada pelo 
afeto, apoio e indicações bibliográficas. 
 
Chegar para agradecer e louvar. Louvar o ventre 
que me gerou. O orixá que me tomou e a mão da 
doçura de Oxum que consagrou. Louvar a água de 
minha terra, o chão que me sustenta, o palco, o 
massapê, a beira do abismo, o punhal do susto de 
cada dia. Agradecer as nuvens que logo são chuva, 
sereniza os sentidos e ensina a vida a reviver. 
Agradecer os amigos que fiz e que mantém a 
coragem de gostar de mim, apesar de mim. 
Agradecer a alegria das crianças, as borboletas 
que brincam em meus quintais, reais ou não. 
Agradecer a cada folha, a toda raiz, as pedras 
majestosas e as pequeninas como eu, em Aruanda. 
Agradecer o sol que raia o dia, a lua que como o 
menino Deus espraia luz e vira os meus sonhos de 
pernas pro ar. (Maria Bethânia, 2016). 
 
[...] Quanto a mim, considero-me parte da matéria 
investigada. Somente da minha própria 
experiência e situação no grupo étnico-cultural 
que pertenço, interagindo no contexto global da 
sociedade brasileira, e que posso surpreender a 
realidade que condiciona o meu ser e o define. 
Situação que me envolve qual um cinturão 
histórico de onde não posso escapar 
conscientemente sem praticar a mentira, a traição, 
ou a distorção da minha personalidade. (Abdias 
Nascimento, 1978). 
RESUMO 
A pesquisa aborda questões sobre as estruturas sociais que afastam mulheres negras da esfera 
legislativa do poder. A escolha por este tema surge por entender que em um país de formação 
social escravocrata, onde o racismo é velado atrás de um discurso de miscigenação e democracia 
racial, a composição das casas legislativas evidencia que mesmo após 132 anos da formalização 
da abolição da escravidão, os resultados da discriminação racial ainda podem ser percebidos na 
sociedade, além do interesse profissional e pessoal da autora. O objetivo deste estudo é fomentar 
o debate crítico acerca da democracia no Brasil, a partir de um recorte histórico racializado da 
análise, tendo como referencial a participação das mulheres negras nas eleições para a Câmara 
Federal nos anos de 2010, 2014 e 2018. Desenvolvemos a análise a partir das seguintes 
categorias: Racismo, democracia e formação social brasileira além de contextualizar 
brevemente a história dos movimentos negros. Trata-se de um estudo bibliográfico com 
natureza descritiva.O campo empírico da pesquisa foi composto a partir das estatísticas dos 
processos eleitorais do poder legislativo disponibilizados no site do Tribunal Superior Eleitoral 
- TSE, nos períodos de 2010, 2014 e 2018. Como resultado foi possível verificar que a as 
eleições legislativas e a composição da Câmara Federal da última década (2010, 2014 e 2018) 
não refletem a composição da população brasileira, formada majoritariamente por negros e 
negras. Ao longo deste estudo foi possível observar que o padrão colonial e racista de poder, 
entranhado em todas as esferas da sociedade brasileira, exclui a população negra, 
principalmente as mulheres das esferas de poder e decisão. 
Palavras-chaves: Racismo. Democracia. Formação social brasileira. 
 
ABSTRACT 
 
This study addresses issues related to the social structures that drive black women out of the 
legislative sphere of power. Choosing this subject came from the understanding that in a country 
socially formed by slavery, where racism is hidden behind the speech of miscegenation and racial 
democracy, the legislative houses' composition shows that even after 132 years of the enslavement 
of black men and women, the results of racial discrimination can still be perceived in society, in 
addition to the professional and personal interest of the author. This study aims to foster critical 
debate about democracy in Brazil, based on a racialized historical approach of this analysis, having 
as framework the participation of black women in the elections for the Federal Chamber in the years 
2010, 2014 and 2018. The main concepts covered are: Racism, Democracy, Brazilian social 
formation, besides the history of Black movements. It is a bibliographic study with a descriptive 
nature. The empirical field of research was composed by the statistics of the election processes of 
the legislature available on the Superior Electoral Court website (Tribunal Superior Eleitoral - 
TSE), in the period 2010, 2014 and 2018. As a result, it was possible to verify that the legislative 
elections and the composition of the Federal Chamber of the last decade (2010, 2014 and 2018) do 
not reflect the Brazilian population's composition, formed mainly by black men and women. 
Throughout this study we observed that the colonial and racist pattern of power ingrained in all 
spheres of Brazilian society excludes black population, especially women, from the spheres of 
power and decision. 
 Keywords: Racism. Democracy. Brazilian social formation. 
 
RÉSUMÉ 
 
Cette recherche aborde des questions sur les structures sociales qui chassent les femmes noires 
de la sphère législative du pouvoir. Le choix de ce thème se pose en estimant que dans un pays 
de formation socialement esclavocrate où le racisme est voilé par un discours de métissage et 
de démocratie raciale, la composition des législatures montre que même après 132 ans de 
formalisation de l’abolition de l’esclavage, les résultats de la discrimination raciale sont encore 
visibles dans la société, outre l’intérêt professionnel et personnel de l’auteure. L’objectif de 
cette étude est d’encourager le débat critique sur la démocratie au Brésil, à partir d ’une analyse 
historique racialisée, compte tenue la participation des femmes noires aux élections de la 
Chambre fédérale dans les années 2010, 2014 et 2018. Nous avons développé l’analyse depuis 
les catégories suivantes : Racisme, démocratie et formation sociale brésilienne, en plus de 
contextualiser brièvement l’histoire des mouvements noirs. Il s’agit d’une étude 
bibliographique à caractère descriptif. Le champ empirique de la recherche a été composé à 
partir des statistiques des processus électoraux du pouvoir législatif mis à disposition sur le site 
Internet du Tribunal Electoral Supérieur (Tribunal Superior Eleitoral - TSE), sur les périodes 
2010, 2014 et 2018. Il a ainsi été possible de vérifier que les élections législatives et la 
composition de la Chambre fédérale de la dernière décennie (2010, 2014 et 2018) ne reflète pas 
la composition de la population brésilienne, formée principalement d ’hommes et de femmes 
noirs. Tout au long de cette étude, il a été possible d’observer que le modèle de pouvoir colonial 
et raciste, enraciné dans toutes les sphères de la société brésilienne, exclut la population noire, 
en particulier les femmes, des sphères de pouvoir et de décision. 
 
Motsclés : Racisme. Démocratie. Formation sociale brésilienne. 
LISTA DE GRÁFICOS 
 
Gráfico 1 - Eleições 2010 - Distribuição por sexo das candidaturas a deputado/a federal aptas 
 ................................................................................................................................................. 52 
Gráfico 2- Eleições 2014 – Distribuição por sexo e raça/cor das candidaturas totais, 
considerando as categorias branco (a) e negro (a) .................................................................. 53 
Gráfico 3 - Eleições 2014 – Distribuição por raça/cor das candidaturas a deputado/a federal 
aptas ........................................................................................................................................ 54 
Gráfico 04: Eleições 2018 – Distribuição por raça/cor das candidaturas a deputado/a federal 
aptas ........................................................................................................................................ 55 
 
SUMÁRIO 
 
PRIMEIRA SEÇÃO 13 
1.1 INTRODUÇÃO 13 
1.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 16 
SEGUNDA SEÇÃO 19 
2.1 DOMÍNIO COLONIAL, RACISMO E FORMAÇÃO DO ESTADO 19 
2.2 RACISMO, CORONELISMO E DEMOCRACIA NA FORMAÇÃO SOCIAL 
BRASILEIRA 25 
TERCEIRA SEÇÃO 37 
3.1 O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL E A HISTÓRIA (NEGRA) NEGADA DO 
BRASIL 37 
3.2 QUILOMBOS, INSURREIÇÕES, GUERRILHAS E MOVIMENTOS: 
APONTAMENTOS SOBRE O MOVIMENTOS NEGROS 44 
3.3 ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO DE MULHERES NEGRAS NAS ELEIÇÕES 
LEGISLATIVAS 2010,2014 e 2018 51 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 58 
REFERÊNCIAS 60 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
 
PRIMEIRA SEÇÃO 
1.1 INTRODUÇÃO 
[...]Mulher negra 
[...]Poderiam estar nos terreiros 
Em quilombos 
Nas universidades 
Mas indago 
Me pergunto, onde estão 
As outras? 
Aquelas vozes 
que não foram habilitadas. 
(Mulher Negra - Cristiane Mare) 
 
Democracia em seu conceito mais difundido representa o governo exercido pelo povo 
ou pela maioria, sendo este vinculado à experiência grega desenvolvida no século V em Atenas. 
Sua realização é diretamente associada à ampla participação de diferentes sujeitos nos espaços 
de poder, como nos aponta Bobbio (2004). No entanto, ao analisarmos a democracia brasileira 
percebemos um modelo político marcado pelas relações oligárquicas e coronelistas de poder 
(LEAL, 2012), oriundas do escravismo tardio (MOURA, 2014), de caráter autocrático-burguês 
(FERNANDES, 2005), organizado sob valores racistas, patriarcais e voltados a atender os 
interesses da burguesia interna e estrangeira, quando da consolidação do capitalismo 
dependente. 
Esse modelo expresso na formação das instituições de poder, se reflete na composição 
das casas legislativas. De acordo com os dados do Tribunal Superior Eleitoral – TSE 
relacionados as eleições legislativas federais dos anos de 2010, 2014 e 2018, com uma média 
de aproximadamente 18 mil candidaturas, 73,32% são homens e 26,68% são mulheres1. Quando 
analisamos as candidaturas com recorte de gênero e raça, vemos que mulheres negras2 ainda 
representam o pior índice no que se refere as candidaturas e as posições quando eleitas. Se 
considerarmos somente as candidatas que se autodeclararam pretas, a disparidade fica mais 
evidente. 
 
1 Dados referente a média de candidatos a deputadas/os federais aptos nas eleições de 2010,2014 e 2018. De acordo 
com o Tribunal Superior Eleitoral – TSE (2020) das 4904 candidaturas a deputada federal em 2010, 19,06% eram 
mulheres, em 2014 há um pequeno aumento, das 5876 candidaturasaptas 29,34% eram mulheres, e em 2018 das 
7658, 31,64% eram mulheres 
2 Seguindo os padrões do IBGE (2020), considera -se negra a somatória das variáveis pretas e pardas. 
14 
 
Apesar dos dados eleitorais apresentarem um crescimento na participação das mulheres 
negras nas últimas eleições, os dados não expõem a realidade desses sujeitos, impedindo uma 
reflexão aprofundada sobre os limites da democracia representativa no Brasil frente às 
estruturas sociais que constroem a nossa sociedade. O racismo, instrumento político-ideológico 
de dominação enraizado em todas as esferas da vida social, é negado sob o discurso falacioso 
da democracia racial (MUNANGA, 2007), a dominação patriarcal que se reproduz nas esferas 
das relações sociais (trabalhistas, midiáticas, políticas, etc.) e as desigualdades de classe. No 
caso das mulheres negras, as opressões atuam de maneira combinada, intensificando sua 
condição de subalternidade. 
Este trabalho de conclusão de curso surge a partir das inquietações e reflexões trazidas 
durante a militância partidária. Mesmo inserida num partido de esquerda e militando 
ativamente, muitas vezes olhava ao redor e via poucas ou nenhuma mulher negra em espaço de 
protagonismo político, estas sempre foram colocadas em segundo plano e na maioria das vezes 
silenciadas. 
Não vivemos nós numa democracia? O que impede esses sujeitos de estarem nesses 
espaços como sujeitos políticos? Buscando responder tais questões e aprofundar o 
entendimento sobre as estruturas sociais que afastam mulheres negras da esfera legislativa do 
poder, esse trabalho tem como objetivo fomentar o debate crítico acerca da democracia no 
Brasil a partir de uma análise racializada, tendo como referencial a participação das mulheres 
negras nas eleições legislativas para Câmara Federal nos anos de 2010, 2014 e 2018. 
E porque esse tema é importante? 
De partida cabe referenciar alguns apontamentos fundamentais, a começar pela 
formação social escravocrata que se esconde atrás de um discurso de miscigenação e 
democracia racial. O Brasil nega o racismo entranhado em todas as esferas, principalmente nas 
instituições de poder. Após 131 anos de escravização, ainda hoje, vemos o resultado desse 
processo. Basta observarmos a composição das casas legislativas, formadas por uma grande 
massa de homens brancos. 
Os dados apresentados acima demonstram que apesar de representarem grande parte da 
população3, esses sujeitos ainda não acessam os espaços de poder e visibilidade. Essa 
 
3 Segundo dados do IBGE (2010), 49,7% das mulheres se autodeclararam pretos ou pardas. 
15 
 
contradição é fruto de um país que, ao propor a construção de uma democracia representativa, 
não construiu mudanças estruturais para que de fato houvesse alguma transformação. 
Ao contrário das esferas e espaços de poder, a população negra é a que mais aparece nos 
dados de violência. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), no 
período de 2007 a 2017, a taxa de negros vítimas de homicídio cresceu 33,1% enquanto a de 
não negros apresentou um aumento de 3,3%. No ano de 2017, 75,5% das vítimas de homicídio 
no Brasil eram pretas ou pardas, e segundo o Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN 
(2017), a população carcerária do Brasil é de aproximadamente 700 mil pessoas, destas 61,7% 
são negros (pretos e pardos). 
Ao compararmos os dados populacionais com a realidade, percebemos o lugar social 
destinado às mulheres negras na sociedade brasileira. Segundo dados do IPEA (2016), as 
mulheres negras têm uma renda média de R$ 946,00 enquanto homens brancos ganham 
aproximadamente R$ 2.393,00. Num país onde as profissões têm cor, as mulheres negras 
ocupam a maioria dos cargos mal remunerados. A lógica patriarcal e racista que permeia as 
relações sociais no Brasil impõe às mulheres negras uma realidade precária, de subalternidade, 
marcada pela pobreza, e distante dos espaços públicos e de poder. 
As desigualdades expostas, nos trazem o questionamento sobre a construção da 
representação política no Brasil. Sem acesso aos espaços de poder, esses sujeitos dificilmente 
possuem voz para expor suas demandas, e as raras exceções conseguem ser eleitas, enfrentam 
desafios cotidianos. Não sendo vistas como sujeitos políticos, são a todo instante reconhecidas 
como a “tia do café”4, a auxiliar de serviços gerais, a empregada doméstica5, nunca como 
deputadas e/ou vereadoras. 
Pensar a democracia sob a perspectiva da participação das mulheres negras nas eleições, 
é questionar se de fato vivemos num modelo democrático representativo. É questionar se as 
estruturas e instituições de poder são abertas a todas e todos os sujeitos. Além disso, é 
problematizar como os valores de uma sociedade capitalista, patriarcal e racista como a nossa, 
interferem nos limites e lugares sociopolíticos destinados aos sujeitos. 
 
4 No ano de 2016 durante o discurso da senadora Regina de Sousa (PT- PI) no processo de impeachment da 
presidente Dilma Rousseff no senado, Danilo Gentili refere-se, por meio das suas redes sociais, a senadora Regina 
como “tia do café”. 
5 Posições reconhecidas socialmente e financeiramente como subalternas, onde a mulher n egra desempenha o 
papel de servir 
16 
 
Objetivando uma maior compreensão do tema, este trabalho está dividido em 3 partes, sendo a 
primeira uma análise e contextualização da democracia no Brasil, trazendo referências do 
coronelismo e das relações eleitorais, além de apresentar as algumas determinações do 
colonialismo baseado na escravização, primeiramente plena e depois tardia (MOURA, 2014) 
no que se apresenta hoje como democracia. 
O segundo capítulo percorrerá a construção do mito da democracia racial , e história das 
revoltas e lutas populares que contribuíram para uma maior participação dos sujeitos nas esferas 
de poder. Além disso será apresentado um diagnóstico da população negra no Brasil, buscando 
evidenciar as marcas do racismo e sexismo legadas de nossa particular formação social. Por 
fim, traremos os dados eleitorais das últimas eleições legislativas federais, como amostra desse 
processo estudado. 
 
1.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e de natureza descritiva 
As pesquisas deste tipo têm como objetivo primordial a descrição das 
características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento 
de relações entre variáveis. São inúmeros os estudos que podem ser 
classificados sob este título e uma de suas características mais significativas 
está na utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados (GIL, 2008, p. 
28). 
De cunho qualitativo, tem por objetivo analisar os dados que refletem os impactos do 
racismo na formação social brasileira e na realidade de representação de mulheres negras nas 
casas legislativas. 
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se 
preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser 
quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, 
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais 
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser 
reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 2007, p. 22). 
Cabe ressaltar que o campo empírico da pesquisa inicialmente é formado a partir das 
estatísticas dos processos eleitorais para o legislativo disponibilizados no site do Tribunal 
Superior Eleitoral - TSE, especificamente os períodos de 2010; 2014 e 2018, considerando 
apenas as candidatas e candidatos aptos. 
Assim, a análise de cada processo eleitoral será realizada a partir do cruzamento de 
dados das candidaturas de cada ano, referentes aos cargos, gênero e raça. Após esse 
17 
 
levantamento, busquei junto aos dados do TSE o número de eleitos e a composição da casa 
legislativa, objetivando assim, o mapeamento das candidaturas de mulheres negras para o 
congressofederal. 
No entanto, é importante destacar que o critério raça/cor foi incluído nos dados apenas 
no ano de 2014, sendo resultado de uma luta histórica dos movimentos negros brasileiros. 
Segundo o TSE, a inclusão foi feita a partir da demanda da Secretaria de Políticas de Promoção 
da Igualdade Racial da Presidência da República – SEPPIR/PR que, visando a construção de 
ações de promoção de igualdade racial, põe como central a construção democrática dos 
indicadores. 
Segundo a Resolução nº 23.405, no artigo 26, inciso IV, o formulário de Requerimento 
de Registro de Candidatura (RRC) deverá conter: 
[...] dados pessoais: título de eleitor, nome completo, data de nascimento, 
Unidade da Federação e Município de nascimento, nacionalidade, sexo, cor 
ou raça, estado civil, ocupação, número da carteira de identidade com o órgão 
expedidor e a Unidade da Federação, número de registro no Cadastro de 
Pessoa Física (CPF), endereço completo e números de telefone (BRASIL, 
2010, [s.n.]). 
Desse modo, durante o processo de cruzamento dos dados, foram encontradas 
dificuldades em construir os indicadores eleitorais devido à falta de informações raciais nas 
bases de dados do Tribunal Superior Eleitoral - TSE e na biblioteca da Câmara Federal. Esse 
processo nos colocou a necessidade de reconfiguração do processo metodológico planejado. 
Não sendo possível mapear as candidaturas de mulheres autodeclaradas negras (somatória 
pretas e pardas) ao legislativo federal devido à ausência de dados que fizessem o cruzamento 
de cruzando raça e gênero, limitamos a pesquisa quantificando apenas as mulheres 
autodeclaradas negras eleitas. 
Concluído o processo de construção desses indicadores foi realizado um levantamento 
bibliográfico e de coleta documental (em meio digital) de dados e estatísticas disponibilizadas 
pelo Tribunal Superior Eleitoral -TSE, ONU Mulheres, Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA), 
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Departamento Intersindical de 
Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), traçando um estudo dos dados populacionais 
disponibilizados para traçar um comparativo com os dados de representação legislativa na 
Câmara Federal. 
18 
 
Ao fim deste levantamento, por meio da revisão das bibliografias apresentadas, 
pretende-se entender os diferentes fatores históricos sociais que sustentam as relações de 
desigualdade e contribuem para a baixa participação das mulheres negras na Câmara Federal. 
O presente trabalho é estruturado a partir de dois capítulos, no primeiro (segunda seção) 
- Domínio colonial, racismo e formação do Estado é apresentado as origens do padrão colonial 
de poder (QUIJANO,2005) que se estrutura a partir da divisão e hierarquização racial do 
mundo. Faremos também um breve debate sobre as contradições do Estado moderno 
(OSORIO,2014), e por fim analisaremos a transição da escravização para o capitalismo 
dependente (MOURA, 2014) e a influência do coronelismo e das relações oligárquicas na 
construção política do Brasil (LEAL,2012). 
Já o segundo (terceira seção) - O mito da democracia racial e a história (negra) negada 
do Brasil - será dedicado à compreensão histórica das relações raciais no Brasil e a influência 
do mito da democracia racial na construção da imagem do negro. Também abordaremos o 
apagamento da história contra hegemônica dos movimentos negros existentes deste o período 
escravocrata, passando pela sua inserção e organização na arena política. Por fim, concluiremos 
com uma análise da participação eleitoral das mulheres negras no Congresso Nacional nos 
processos eleitorais de 2010,2014 e 2018, buscando analisar o impacto do racismo e sexismo 
na composição das estruturas de decisão do Brasil. 
 
19 
 
SEGUNDA SEÇÃO 
2.1 DOMÍNIO COLONIAL, RACISMO E FORMAÇÃO DO ESTADO - ANTESALA 
DA ACUMULAÇAO CAPITALISTA 
 Para pensarmos a ampliação da democracia e da participação dos sujeitos é necessário 
debater as origens do padrão de poder que ainda atua nos dias de hoje, onde este, mesmo 
assumindo novas faces, mantém as características centrais (divisão racial e controle do 
trabalho). 
O poder constituído como instrumento de dominação e determinação de lugares dos 
sujeitos segue um padrão eurocêntrico, que a partir da racialização das relações, designou 
espaços que podem ou não ser ocupados por sujeitos a partir da sua cor e fenótipo. Percebemos 
as reverberações deste até os dias atuais, seja através das negações e violências que a população 
negra sofre, seja nas afirmações de igualdade centradas na manutenção de uma hegemonia 
branca e masculina. 
 Esse padrão não é algo particular do Brasil, ele é vivenciado em todo o globo, e a partir 
da invasão das Américas constitui-se num sistema de mundo centrado na divisão racial e no 
controle das relações de trabalho e seu processo de produção. Para iniciarmos o debate sobre a 
democracia brasileira tal qual conhecemos hoje, é necessário que nos debrucemos sobre a 
origem desta e sobre as relações e instituições que a mantém, faremos isso sob luz do 
pensamento de Quijano (2005) e Osório (2014), onde analisaremos o caráter colonial das 
relações de poder e a reprodução destes traços em nossa estrutura política por meio do Estado 
moderno. 
A perspectiva de pensamento colonial, têm o surgimento marcado na Europa do século 
XV, sua universalização desenvolveu-se a partir dos processos de acumulação primitiva de 
capital, os quais demandaram a racialização e a distribuição de lugares na estrutura de poder, 
sendo assim o mais antigo e eficaz instrumento de acumulação de capital e dominação política. 
Além desta, o padrão colonial de organização do poder tinha como característica fundante o 
controle e exploração do trabalho e suas relações de produção no período. 
As novas identidades históricas produzidas sobre a ideia de raça foram 
associadas à natureza dos papéis e lugares na nova estrutura global de controle 
do trabalho. Assim, ambos os elementos, raça e divisão do trabalho, foram 
estruturalmente associados e reforçando-se mutuamente, apesar de que 
nenhum dos dois era necessariamente dependente do outro para existir ou para 
transformar-se (QUIJANO, 2005, p. 118). 
 
20 
 
A divisão racial, eixo fundante da colonialidade, se sustenta a partir de uma concepção 
moderna de raça que surge com a necessidade de classificação dos sujeitos. Raça em seu 
conceito etimológico significa “sorte, categoria, espécie”. Segundo Munanga (2004), o termo 
surge como método de classificação da diversidade humana. Com o advento da modernidade 
e a necessidade da racionalização das relações, este passa a ser utilizado como instrumento de 
hierarquização entre os sujeitos e classes, centrados na sua cor de pele e diferenças fenotípicas, 
assumindo assim, a conotação que funda esse novo padrão de poder – o qual obedece a uma 
necessidade da acumulação capitalista em escala global. 
[...] Assim, os indivíduos da raça “branca”, foram decretados coletivamente 
superiores aos da raça “negra” e “amarela”, em função de suas características 
físicas hereditárias, tais como a cor clara da pele, o formato do crânio 
(dolicocefalia), a forma dos lábios, do nariz, do queixo, etc. que segundo 
pensavam, os tornam mais bonitos, mais inteligentes, mais honestos, mais 
inventivos, etc. e consequentemente mais aptos para dirigir e dominar as 
outras raças, principalmente a negra mais escura de todas e consequentemente 
considerada como a mais estúpida, mais emocional, menos honesta, menos 
inteligente e portanto a mais sujeita à escravidão e a todas as formas de 
dominação. (MUNANGA, 2004, s/n) 
A expansão mundial da dominação colonial por parte da raça socialmente construída 
como dominante - brancos (europeus) - impôs o critério racial de classificação social em escala 
global, criando assim novas identidades. Assim como na América, a distribuição racista da 
população combinada as maneiras de exploraçãodo capitalismo colonial (QUIJANO,2005), foi 
exitosa e se expressou na organização da branquitude social e na organização do trabalho. Nas 
regiões europeias e não europeias o trabalho assalariado concentrava-se majoritariamente na 
mão de brancos, enquanto que o trabalho não assalariado era destinado a raças dominadas 
(negros e indígenas), sob a justificativa de serem inferiores. Quijano (2005) nos descreve os 
primeiros séculos da colonização ibérica: 
A reorganização política do colonialismo ibérico que se seguiu implicou uma 
nova política de reorganização populacional dos índios e de suas relações com 
os colonizadores. Mas nem por isso os índios foram daí em diante 
trabalhadores livres e assalariados. Daí em diante foram adscritos à servidão 
não remunerada. A servidão dos índios na América não pode ser, por outro 
lado, simplesmente equiparada à servidão no feudalismo europeu, já que não 
incluía a suposta proteção de nenhum senhor feudal, nem sempre, nem 
necessariamente, a posse de uma porção de terra para cultivar, no lugar de 
salário. Sobretudo antes da Independência, a reprodução da força de trabalho 
do servo índio se fazia nas comunidades. Mas mesmo mais de cem anos depois 
da Independência, uma parte ampla da servidão indígena era obrigada a 
reproduzir sua força de trabalho por sua própria conta. E a outra forma de 
trabalho não-assalariado, o não pago simplesmente, o trabalho escravo, foi 
restrita, exclusivamente, à população trazida da futura África e chamada de 
negra (QUIJANO, 2005, p. 120). 
21 
 
Os colonizadores estabeleceram instrumentos de classificação da população e criação 
de novas identidades, e através destes, desenvolveram uma lógica onde apenas o trabalho do 
branco é pago, aos outros (tomados desde essa construção social de raças inferiores), o trabalho 
não é digno de ser remunerado. Esse pensamento perdura até hoje, basta analisarmos a divisão 
salarial da população, no mundo e no Brasil. Ainda hoje a força de trabalho de negras, negros 
é menos remunerada que de homens brancos. Segundo os dados do IBGE (2010) mesmo sendo 
a maioria da população brasileira composta por pretos e pardas, estes ainda recebem menos que 
homens brancos, independentemente do nível de escolaridade6 e representam 75,2% da camada 
mais pobre. Quando observamos os dados sobre realidade das mulheres negras, percebemos 
que as opressões de raça, gênero e classe agravam a desigualdade, estas permanecem na base 
da desigualdade de renda, recebendo menos da metade dos salários dos homens brancos 
(44,4%). 
A universalização do controle do trabalho e das relações de assalariamento e não 
assalariamento baseadas na colonialidade do poder, onde o padrão de exploração perpassa a 
divisão racial dos sujeitos constituiu um novo padrão de poder mundial, determinando não só a 
condição de assalariamento dos sujeitos, mas também a divisão geográfica, econômica e 
criando outras identidades para maior classificação dos sujeitos na Europa e fora dela. 
Essa colonialidade do controle do trabalho determinou a distribuição 
geográfica de cada uma das formas integradas no capitalismo mundial. Em 
outras palavras, determinou a geografia social do capitalismo: o capital, na 
relação social de controle do trabalho assalariado, era o eixo em torno do qual 
se articulavam todas as demais formas de controle do trabalho, de seus 
recursos e de seus produtos. Isso o tornava dominante sobre todas elas e dava 
caráter capitalista ao conjunto de tal estrutura de controle do trabalho. Mas ao 
mesmo tempo, essa relação social específica foi geograficamente concentrada 
na Europa, sobretudo, e socialmente entre os europeus em todo o mundo do 
capitalismo. E nessa medida e dessa maneira, a Europa e o europeu se 
constituíram no centro do mundo capitalista (QUIJANO, 2005, p. 120). 
O capitalismo surge com traços tangentes a este padrão moderno, colonial e 
eurocêntrico, por meio do estabelecimento do sistema mundo, sistema de poder criado 
alicerçado sob o padrão europeu, a partir deste, a Europa não só se estabeleceu como hegemonia 
mundial, mas impôs o domínio colonial sobre todos os países do globo, implicando assim, na 
redefinição histórica da identidade dos sujeitos. 
 
6 No ano de 2018, o rendimento médio mensal das pessoas ocupadas brancas (2.796 reais) foi 73,9% superior ao 
das pretas ou pardas (1.608 reais). Os brancos com nível superior completo ganhavam por hora 45% a mais do que 
os pretos ou pardos com o mesmo nível de instrução. 
22 
 
A incorporação de tão diversas e heterogêneas histórias culturais a um único 
mundo dominado pela Europa, significou para esse mundo uma configuração 
cultural, intelectual, em suma intersubjetiva, equivalente à articulação de todas 
as formas de controle do trabalho em torno do capital, para estabelecer o 
capitalismo mundial. Com efeito, todas as experiências, históricas, recursos e 
produtos culturais terminaram também articulados numa só ordem cultural 
global em torno da hegemonia europeia ou ocidental. Em outras palavras, 
como parte do novo padrão de poder mundial, a Europa também concentrou 
sob sua hegemonia o controle de todas as formas de controle da subjetividade, 
da cultura, e em especial do conhecimento, da produção do conhecimento 
(QUIJANO, 2005, p. 121). 
 
As condições em que a Europa se instituiu como hegemônica são marcadas por 
violências e pela repressão dos sujeitos, de seus padrões de conhecimento nativo, da cultura 
nativa, etc. Os colonizadores forçaram estes a apreender e aderir ao conhecimento de bases 
europeias, além do modo de produzir e de organização em sociedade. Por meio deste processo 
e disseminação desta concepção etnocentrista de mundo, os europeus redefiniram o tempo 
histórico deste, colocando-se naturalmente como superiores e mais evoluídos, enquanto que os 
povos colonizados eram tidos como inferiores e anteriores aos europeus. Um dos diálogos que 
embasaram esse pensamento era o discurso moderno centrado na racionalidade, onde o padrão 
Europeu era o detentor da racionalidade, enquanto que os povos colonizados eram primitivos, 
irracionais e sem conhecimento. Como consequência disso, a Europa define o outro a partir da 
negação de si, ou seja, tudo aquilo que não segue um padrão europeu, criando assim uma 
dicotomia Europa - não Europa, a exemplo do Oriente. 
Partindo do princípio que o conceito de modernidade refere-se ao novo, racional 
científico e secular, percebemos que apesar de passível em diferentes momentos históricos e 
territórios, o modelo eurocêntrico determina o surgimento e difusão da modernidade como algo 
europeu, sendo as características desta ligados a seu padrão de organização social. 
A pretensão eurocêntrica de ser a exclusiva produtora e protagonista da 
modernidade, e de que toda modernização de populações não-europeias é, 
portanto, uma europeização, é uma pretensão etnocentrista e além de tudo 
provinciana. (QUIJANO, 2005, p. 123) 
Essa presunção é baseada em diferentes eixos, que juntos compõem o ethos da 
colonialidade europeia 
Um, é o primeiro em que cada um dos âmbitos da existência social estão 
articuladas todas as formas historicamente conhecidas de controle das relações 
sociais correspondentes, configurando em cada área um única estrutura com 
relações sistemáticas entre seus componentes e do mesmo modo em seu 
conjunto. Dois, é o primeiro em que cada uma dessas estruturas de cada âmbito 
23 
 
de existência social, está sob a hegemonia de uma instituição produzida dentro 
do processo de formação e desenvolvimento deste mesmo padrão de poder. 
Assim, no controle do trabalho, de seus recursos e de seus produtos, está a 
empresa capitalista; no controle do sexo, de seus recursos e produtos, a família 
burguesa; no controle da autoridade, seus recursos e produtos, o Estado-nação; 
no controle da intersubjetividade, o eurocentrismo. Três, cada uma dessas 
instituições existe em relações de interdependência com cada uma dasoutras. 
Por isso o padrão de poder está configurado como um sistema. Quatro, 
finalmente, este padrão de poder mundial é o primeiro que cobre a totalidade 
da população do planeta. (QUIJANO, 2005, p. 123) 
O conjunto estabelecido a partir deste modelo de organização atravessa a vida social, 
construindo uma subjetividade coletiva e instituições que instauram novas relações sociais. Esse 
padrão de modernidade eurocêntrico se estabeleceu como hegemônico, articulando todas as 
esferas da vida social, atravessando a fundação do Estado moderno. Quijano (2005) destaca 
que, apesar da constituição de nações e/ou Estados não serem algo exclusivo deste padrão de 
poder, é a partir deste período que se dá início a organização nacionalizada da sociedade, a 
criação de instituições modernas e a democracia política. Segundo o autor, “o Estado-nação é 
uma estrutura de poder, do mesmo modo que é produto do poder.” (QUIJANO, 2005, p. 130) 
que tem como expressão o poder político concentrado e centralizado em sua figura. 
[...] Geralmente, a conformação dos Estados - nação pressupôs na verdade, o 
predomínio de alguma nacionalidade sobre outras que foram submetidas, 
enquanto vencedores tratavam de estabelecer um imaginário de 
homogeneidade (normalmente através de uma ideologia “nacionalista") sobre 
uma base real heterogênea, gerando uma identidade comum e uma consciência 
coletiva que favorece a coesão interna. (OSÓRIO, 2014, p. 31) 
Para Osório (2014) a sociedade capitalista tem como característica central a 
fragmentação dos aspectos econômicos e políticos da vida social, negando a totalidade das 
relações de domínio e poder. Fazendo com que: 
[...] A compra e venda da força de trabalho, sua utilização e exploração 
apareçam como processos regidos por uma lógica alheia a coerções 
extraeconomicas, isto é, ao Estado. Uma vez estabelecida historicamente a 
separação entre os trabalhadores e seus meios de subsistência - processo 
realizado de forma massiva por mecanismos políticos violentos -, esta 
separação parece se reproduzir regida por sua própria lógica sem a ingerência 
dos fatores políticos. Os operários se apresentam nas fábricas sem a 
necessidade de uma coerção política. A necessidade de subsistência os leva a 
isso, na medida em que não contam com nada mais do que com sua força de 
trabalho para subsistir. (OSÓRIO, 2014, p. 22) 
Assim, cada uma destas esferas é exposta como se fosse independente da outra, negando 
as relações entre a exploração e o exercício do poder e seu papel na organização da vida em 
24 
 
comum. Sendo assim, o Estado capitalista fragmenta os aspectos da exploração e reprodução 
das classes. 
Desse modo, Osório (2014) analisa que o moderno Estado capitalista é algo complexo 
e contraditório, tendo em vista que se trata de um Estado de classe, o qual na periferia do sistema 
de acumulação em escala global incorpora de forma contraditória as condições sócio-históricas 
estruturais de sua emergência no período colonial. Ao ocultar as relações capitalistas de poder 
e dominação de classe7 que o permeia e constitui, o Estado se manifesta como se fosse voltado 
aos interesses coletivos. 
Para o autor, as sociedades latino-americanas (incluindo aí o Brasil) com seu particular 
processo de transição da escravização para o capitalismo dependente, tendem a somar 
contradições típicas do colonianismo - assentadas sobre esse padrão de poder (eurocêntrico e 
colonial) – às novas contradições, tendo em vista um rearranjo no sentido de se alinhar com as 
classes dominantes locais e estrangeiras. 
Assim, o Estado moderno aparece como ocupante dessa posição de instrumento 
regulador da vida comum por meio das instituições que o compõem, fazendo com que os 
sujeitos executem suas funções em seus lugares estabelecidos dentro desse modelo de 
sociedade. Isto se dá de diversas maneiras, seja por meio da força coercitiva que opera a 
violência concentrada, seja através do discurso imaginário de igualdade entre os sujeitos, 
estabelecendo a crença da cidadania e da democracia. 
De acordo com Osório (2017), podemos afirmar que a fetichização do Estado fortalece 
a noção de comunidade ilusória, onde o mesmo se manifesta como um espaço político 
democrático a cidadania se expressa como “cada cabeça um voto, igualdade política, tomada 
de decisões sobre a vida comum” (OSÓRIO, 2017, p. 30), desvencilhando-se das relações de 
classe, onde perdura as condições de desigualdade. 
[...] para o capital é fundamental romper com a unidade entre economia e 
política, para que qualquer coisa que se dê na economia (como a desigualdade 
social, a concentração dos meios de produção, etc.) apareça como um assunto 
não político e qualquer coisa que se dê na política (quem manda, quem 
obedece, os projetos de quem organiza a vida comum) apareça como não 
econômico (mas como assuntos de cidadãos, indivíduos iguais em termos 
políticos e não como assuntos de grupos econômicos ou de classes que 
dominam).O Estado e a política não são epifenômenos da economia. Mas 
tampouco constituem esferas independentes e autônomas, tal como prefere 
 
7 Osório (2014) diferencia poder e dominação, entendendo que o primeiro é um aspecto genérico em que se 
incorpora a segunda, que tem como particularidade o consentimento dos sujeitos dominados. 
25 
 
afirmar o pensamento dominante. São dimensões de uma unidade 
diferenciada. (OSÓRIO, 2014, p. 25) 
 
2.2 RACISMO, CORONELISMO E DEMOCRACIA NA FORMAÇÃO SOCIAL 
BRASILEIRA 
Tendo abrangência mundial, o modelo colonial de poder se instaura no Brasil como 
hegemônico, influenciando diretamente o processo de transição da escravização para o 
capitalismo dependente no Brasil. Sendo uma sociedade constituída a partir da escravização e 
da acumulação de riquezas promovida pela exploração de africanas/os escravizados, sendo 
todos os níveis de organização societária, particularizando também as revoluções burguesas, 
que ocorrerão no período seguinte no Brasil formados a partir destas contradições 
De acordo com Moura (2014) a transição para o escravismo tardio, sucedeu um longo 
período a partir de 1850, esta aconteceu de maneira lenta e gradual, sendo impulsionada por 
medidas importantes, dentre as quais destacamos: a impetração do capital estrangeiro inglês, a 
Guerra do Paraguai, a Lei de Terras e a Lei Eusébio de Queirós (1850), que proibiu o tráfico 
internacional de escravizadas/os, contribuindo para a ruína do sistema escravista e ascensão do 
trabalho livre8. 
Segundo Moura (2014) o modo de produção escravista, pode ser dividido em duas fases: 
o escravismo pleno que tem seu início em 1550 e fim na ascensão do escravismo tardio (1850), 
que construiu a base para o capitalismo brasileiro. Faremos uma breve análise desses momentos 
históricos e seus reflexos a fim de compreendermos a configuração das relações sociais que 
permeiam a sociedade brasileira até os dias atuais. 
Para se compreender a racionalidade que se desenvolve através da dominação 
econômica e extra econômica no modo de produção escravista temos de dirigir 
a nossa ótica não para o comportamento bom ou mau dos seus agentes 
principais - senhores e escravos - mas para a totalidade do comportamento dos 
componentes da sua estrutura [...]. (MOURA, 2014, p. 46) 
Seguindo o pensamento do autor, entende-se o escravismo pleno como um momento 
histórico que teve início no século XVI e seu gradativo fim no século. XIX, abrangendo assim, 
todo o período colonial. Esses trezentos anos configuraram e definiram modo de produção que 
 
8 Além das medidas oficiais feitas a partir das leis, os sujeitos escravizados contribuíram diretamente para o fim 
deste sistema, através das lutas assíduas e das fugas, que se tornaram constantes. 
26 
 
tinha como características basilares o trabalho escravo e o latifúndio, além das classes centrais: 
senhores e escravizados. 
Com relações econômicas fundamentadas sob o sistema colonial, o modo de produção 
nesseperíodo era voltado à exportação e sustentado pelo trabalho escravo. 
[...] somente a escravidão era a forma de trabalho adequada ao sistema colonial 
porque somente ela, através da exploração econômica e extraeconômica do 
trabalhador, com um nível de coerção despótico e constante, poderia extrair o 
volume da produção que fizesse com que o empreendimento fosse 
compensador. O montante de investimentos e a sustentação de uma camada 
improdutiva (inclusive escravos) levaram a que somente com o trabalho 
escravo existe a possibilidade de lucros compensatórios para o vendedor e 
comprador [...] (MOURA, 2014, p. 67-68). 
Sob a luz do pensamento de Moura (2014) podemos afirmar que esse modelo de relação 
tem seu desenvolvimento diretamente vinculado ao tráfico internacional de africanas/os 
escravizadas/os, pois este era força de trabalho imprescindível para a dinâmica de acumulação 
que se instaurava no país. Por outro lado, o controle da comercialização e preço não era 
realizada pelos senhores de escravos, e sim pela metrópole, reforçando a subordinação à 
metrópole. As relações de trabalho eram regidas através de leis que promoviam a exploração 
de todo o sobretrabalho através da coerção do trabalhador, esta que se utilizava da mais brutal 
violência para sustentar o equilíbrio desse sistema. “O tronco, a gargalheira, o anjinho, o açoite, 
a prostituição forçada, a desarticulação familiar, a homossexualidade impostam, a tortura nas 
suas diversas modalidades [...]” (MOURA, 2014, p. 46). 
Quando pensamos nas mulheres negras, a coerção ultrapassa os níveis destes 
instrumentos de tortura, sendo muitas vezes estendidas aos estupros e outras maneiras de 
violência sexual. 
A escravização atravessava todas as dimensões da vida social, inclusive as práticas 
simbólicas e o Estado. A este cabia como função central a manutenção dos interesses e 
privilégios dos senhores de escravos, e o controle das revoltas e resistências promovidas pelos 
negros escravizados. 
Apesar da chegada da família real portuguesa no Brasil(1808) e a promulgação da 
independência (1822), as relações culturais políticas e econômicas sustentadas no escravismo 
patriarcal pouco se alteraram. A modernização promovida nesse padrão aconteceu de forma a 
preservar as estruturas, uma modernização conservadora (MOURA, 2014). 
[...] Cria-se uma contradição na estrutura que começa a produzir choques, 
assimetrias, conflitos como reflexos e reduções dessa diferença. Essas 
27 
 
contradições e/ou desestruturação manifestam-se [...] quer na área do trabalho, 
onde são mais agudas, quer no nível ideológico, gerando ideias em grupos e 
organizações que passam a reproduzir o que tem de moderno, isto é, ciência e 
tecnologia avançadas. Mas, por outro lado, ao serem aplicados eles irão servir 
aos detentores do poder, às suas instituições [...] o moderno passa a servir o 
arcaico [...] (MOURA, 2014, p. 85-86). 
Essa modernização conservadora, como nos salienta o autor, gerou o desenvolvimento 
de novas tecnologias e refletiu nas esferas política, econômica e cultural, no entanto isso pouco 
alterou suas relações de produção, mantendo assim o regime escravista como base de 
acumulação, ou seja, apesar das transformações e avanços produzidos pelo “progresso”, estes 
ainda eram utilizados como instrumentos de manutenção do poder pelas classes dominantes e 
suas instituições. O autor (MOURA, 2014) caracteriza esse período como escravismo tardio. 
O escravismo tardio acentua o processo de dependência política econômica brasileira, 
evidenciando o capital estrangeiro como regente das relações capitalistas, padrão que se refletiu 
nas diferentes esferas da vida social. Esse processo gerou a impossibilidade de existência de 
uma classe burguesa vinculada aos interesses nacionais. 
[...] não houve a possibilidade de formar uma classe burguesa nacional nas 
condições de assumir o comando desse desenvolvimento, mas as suas capas 
médias - inclusive políticas - foram prestar serviços auxiliares aos grandes 
incorporadores estrangeiros, investidores e filiais de bancos ou empresas que 
se instalaram aqui transformando-nos em um simples entreposto mercantil e 
bancário dos seus negócios. (MOURA, 2014, p. 87) 
Para Moura (2014), as classes dominantes prevendo a anunciada decomposição do 
escravismo e a surgimento do trabalho livre, estabeleceram alguns marcos, sendo a Lei Eusébio 
de Queirós (1850) o de maior impacto na deterioração dessa estrutura; a Tarifa Alves Branco 
(1844) que foi construída no intuito de aumentar a receita do país protegendo a indústria 
nascente, e conservando as forças internas que apresentavam como necessidade o trabalhador 
livre. É importante destacarmos que os postos de trabalho remunerados foram ocupados 
majoritariamente por imigrantes europeus, excluindo assim, negros e negras, que ao saírem das 
senzalas não seriam incorporados nesses postos da nascente ordem econômica. 
Era como se estivéssemos em uma sociedade de economia livre. Não se 
computava a realidade de sermos uma sociedade escravista, e por isto mesmo, 
para conseguirmos ser uma sociedade industrial teríamos de abolir o trabalho 
escravo. Nisto a tarefa é omissa. O aceno à industrialização não levava em 
consideração nem o fato de termos uma grande massa de trabalhadores ainda 
considerada coisa e por isto, incapaz de poder participar desse modelo de 
modernização, nem uma superestrutura jurídica e política que legaliza esse 
status quo, brecando qualquer possibilidade de mudança social nesse sentido 
[...] O modelo de industrialização nos quadros do escravismo era mais um 
28 
 
proposta ideológica de se modernizar o Brasil sem se considerar nossa 
realidade estrutural [...]. (MOURA, 2014, p. 107) 
Seguindo a mesma premissa, em 1850 foi aprovada a Lei da Terra que, com a 
possibilidade iminente do fim da escravização, tinha como objetivo impedir o acesso à terra 
pelo negro escravizado. Esta estabelece a terra como mercadoria comercializada pelo Estado, 
impossibilitando assim, a indenização aos egressos das senzalas e a possibilidade de se tornarem 
pequenos proprietários. Outra também promulgada em 1850 foi a Lei Eusébio de Queirós, que 
proibia o tráfico internacional de africanos, que visava impedir a dinâmica demográfica que 
mantinha a escravidão. Porém alguns estudos apontam que a partir da proibição do tráfico 
internacional de escravizados, a partir de 1850, o tráfico interno foi uma alternativa utilizada 
pelo Estado brasileiro em conjunto com os comerciantes dos chamados “mercados de carne 
humana” (MOURA,2014). 
Segundo Moura (2014) outro marco desse período foi a Guerra do Paraguai (1865-
1870), onde o exército era formado em sua maioria por homens negros, que foram mandados 
por seus senhores ou vendidos ao governo para permanecerem compulsoriamente na linha de 
frente do combate. A guerra resultou um grande endividamento do Brasil, o que intensificou a 
deterioração do sistema escravista. Além de produzir uma nova socialização aos sujeitos 
escravizados. 
O escravo negro mobilizado compulsoriamente, que irá participar das 
operações militares, não terá mais a área de interação (restrita) que teria se 
continuasse no eito, no campo, ou como escravo de ganho nas cidades. O seu 
relacionamento será outro, a sua individualidade será diferente daquela que 
seria se ele fizesse parte dos escravos produtivos das fazendas [...]. (MOURA, 
2014, p. 144) 
Além destas medidas, o Brasil aderiu uma política imigrantista como medida para suprir 
a suposta necessidade de trabalhadores que surgia, incentivando a importação de imigrantes e 
reforçando a divisão racial do trabalho (QUIJANO, 2005) e a marginalização dos negros e 
negras na sociedade. 
Com o avanço do trabalho livre em detrimento do escravismo e, avaliando a possível 
abolição, a classe hegemônica colonial - governo imperial, políticos, intelectuais orgânicos e 
religiosos (MOURA, 2014) constrói diversas medidas no intuitode frear a ascensão da 
população negra na sociedade, distanciando-os do mercado de trabalho remunerado e 
conservando nas mãos da elite latifundiária os privilégios sob a terra e na sociedade. Além 
disso, estabelece o branqueamento da população, que era composta majoritariamente por negros 
e negras (NASCIMENTO, 1978) através da importação da força de trabalho de imigrantes 
29 
 
brancos, sob a justificativa da inaptidão dos trabalhadores negros/as para essa nova indústria 
que surgia. Juntamente a essas medidas, essa classe se apropria do discurso racista como 
justificativa da marginalização dos negros e negras na sociedade brasileira em sua nova fase do 
trabalho. 
Partindo do pensamento do autor, podemos afirmar que a conjuntura das relações de 
poder da sociedade brasileira pouco se alterou, mesmo após a promulgação da abolição. Os 
espaços que antes eram dos senhores de escravos passam a ser dos barões e fazendeiros do café, 
que mantiveram o monopólio da terra através das oligarquias regionais, enquanto que negras e 
negros escravizados saíram das senzalas sem a liberdade de fato, pois ainda eram tidos como 
cidadãos de segunda classe. Além disso, sofreram e ainda sofrem com as barreiras construídas 
pela elite branca, que no intuito de manter seus privilégios, estabelecem instrumentos que 
impedem a mobilidade social de negras e negros na sociedade. Sendo assim, podemos afirmar 
que a formalização da abolição não trouxe e nem produziu condições para uma liberdade 
efetiva, está, sob o discurso de igualdade jurídica, cria uma falsa realidade de igualdade entre 
os sujeitos na tentativa de silenciar as lutas e feridas do período escravista, impedindo 
socialmente a sua superação e o debate responsável das suas consequências. 
O mito da democracia racial9, peça central para analisarmos as relações raciais no Brasil, 
se constitui através de uma narrativa de harmonia social e igualdade, que objetiva a negação da 
divisão racial da população enquanto que estabelece os padrões e lugares sociais dos sujeitos 
tendo base sua cor da pele e diferenças fenotípicas. “O ideal tipo das elites brasileiras, como a 
ideologia de prolongamento do colonizador, continuou e continua simbolicamente sendo o 
branco. O antimodelo étnico e estético, como símbolo nacional continua sendo o negro.” 
(MOURA, 2014, p. 206) 
Gonzalez (1983) expõe esse padrão de divisão colonial e evidencia a naturalização 
engendrada no ethos racista e sexista da sociedade brasileira. Enquanto que aos brancos é 
natural seu lugar de privilégio e dominação na sociedade, aos sujeitos negros é naturalizada a 
posição de subalternidade, a infantilização. Se inserirmos o recorte de gênero, percebemos que 
mulheres negras, além da posição naturalizada de subalternidade, foram e ainda são coisificadas 
 
9Segundo Guimarães (2002), a expressão democracia racial surge no Brasil nos anos 1950 como uma metáfora 
política das relações raciais. Antes havia termos como “sociedade multirrac ial de classes” e “relações raciais 
harmoniosas”. Já “democracia racial”, foi usada pela primeira vez por Roger Bastide, em um artigo publicado no 
Diário de São Paulo, em 31 de março de 1944, reportando-se a uma visita que fizera a Gilberto Freyre, que já havia 
usado o termo “democracia étnica”, no mesmo ano . 
30 
 
e hipersexualizadas. Mesmo as poucas exceções que conseguem romper com o ciclo de pobreza 
e alcançam algum lugar de destaque na sociedade ainda são assimiladas a espaços inferiores. 
Os espaços de poder sempre foram majoritariamente representados por sujeitos de uma 
classe, raça e gênero, mesmo com o fim da escravização e após a instituição do sufrágio temos 
uma democracia de homens brancos, que mantém como padrão dos espaços de poder os 
herdeiros das oligarquias e coronéis que se mantiveram hegemônicos, mesmo após o fim da 
escravização. Retrato desta configuração é a posse da terra, sinônimo de poder e prestígio, na 
mão de uma elite oligárquica. 
Desse modo, podemos afirmar que com o fim da escravismo aqueles que foram 
escravizados durante mais de 300 anos, ao saírem das senzalas, encontraram a ausência de 
posses e direitos, além do racismo que os bestializava. Sem medidas que promovessem 
melhores condições econômicas e sociais, negros e negras recém libertos migraram para as 
nascentes cidades e/ou voltavam para as fazendas em busca de trabalho. Já os senhores de 
escravos, beneficiados pelas indenizações e posse da terra - sinônimo de poder e prestígio da 
época - converteram-se em grandes latifundiários, podendo explorar o trabalho dos ex-
escravizados e dos recentes imigrantes que eram cada vez mais abundantes no país devido a 
política de embranquecimento. 
Essa base estrutural colonial e a peculiar transição da força de trabalho – da escravização 
para o capitalismo dependente – também determinou a forma política da república. Segundo 
Leal (2012) a estrutura agrária do país construiu bases para o surgimento dos coronéis, figuras 
de poder centrais nessa sociedade. Em seu livro o autor afirma que coronéis são agentes 
políticos e econômicos que após enfraquecimento do seu poder político com a decadência da 
sociedade colonial, procuram manter sua posição como classe dominante, recorrendo às 
relações com o Estado, expandindo a sua influência. Essa relação pode ser caracterizada como 
“um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, 
e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras”. (LEAL, 
2012, p. [23]). 
Essa relação promíscua ultrapassa os aspectos financeiros e jurídicos, alcançando a 
organização da vida política e as relações de poder do Brasil na Primeira República. A partir 
disso, podemos entender o “coronelismo” como sistema político nacional baseado na troca entre 
governo e coronéis, onde, o Estado apoia e preserva o comando das instituições locais na mão 
31 
 
do coronel, e em troca este oferece os votos que controla. Isto posto, afirmamos o coronelismo 
como 
resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo 
a uma estrutura econômica e social inadequada. Não é, pois, mera 
sobrevivência do poder privado, cuja hipertrofia constituiu fenômeno típico 
de nossa história colonial. É antes uma forma peculiar de manifestação do 
poder privado, ou seja, uma adaptação em virtude da qual os resíduos do nosso 
antigo e exorbitante poder privado têm conseguido coexistir com um regime 
político de extensa base representativa. (LEAL, 2012, p.[23]) 
O voto de cabresto10 é reflexo de uma realidade extremamente desigual do período. 
Mesmo após a promulgação da isonomia, onde todos somos iguais e possuímos os mesmos 
direitos, e do sufrágio, a cidadania no Brasil ainda é um sonho decadente para a maior parte da 
população daquele período. Analfabetos, explorados e com pouco ou nenhum conhecimento 
sobre os seus direitos, homens e mulheres foram coagidos a seguir o direcionamento de voto 
do coronel/patrão, representante da autoridade. Vale destacar que a posição de “coronel” não 
se limita apenas a donos da terra, fazendeiros. 
Os chefes políticos municipais nem sempre são autênticos “coronéis”. A 
maior difusão do ensino superior no Brasil espalhou por toda parte médicos e 
advogados, cuja ilustração relativa, se reunida a qualidades de comando e 
dedicação, os habilita à chefia. Mas esses mesmos doutores, ou são parentes, 
ou afins, ou aliados políticos dos “coronéis”. (LEAL ,2012, p[.23]) 
Apesar do autor (LEAL, 2012) datar a decadência do coronelismo a partir do início da 
década de 30, observamos que as características dessa relação de poder se mantêm vivas nos 
dias atuais. Mesmo utilizando uma nova roupagem, os herdeiros dessa classe perpetuam-se 
como como representantes de uma maioria nas instituições “democráticas”, enquanto uma 
parcela considerável da população - composta por negros e negras - são empurradas pra“margem” da sociedade, que, sob o ideário racista, estabelece uma representação estereotipada 
desses sujeitos como sujeitos infantilizados, hiperssexualizados, bestializados, objetificados 
que devem manter uma postura dócil, servil e submissa. 
A construção da representação do negro no Brasil foi referenciada a partir do padrão 
escravocrata e pensamento da classe dominante, que elabora um arcabouço teórico legitimando 
as práticas e comportamentos que organizavam a sociedade. Este pensamento tem no branco o 
padrão ideal, enquanto o negro é posto como anomalia social, que precisaria ser superada 
 
10 Sob ameaças e/ou relações paternalistas, os coronéis coagiam os sujeitos da região de sua influência (curral 
eleitoral) a votarem em seus candidatos indicados, utilizando-se do regime de voto aberto para controle e 
averiguação. 
32 
 
através do branqueamento da nação. Com o objetivo de entender essa estrutura racial e construir 
uma identidade nacional e partindo de diversas linhas teóricas, sociólogos e antropólogos 
centraram sua pesquisa na temática, sendo estes estudos, muitas das vezes, feito a partir de 
valores europeus e americanos, e construídos alienados dos fatores históricos, sociais, políticos 
e econômicos que atravessam a vida social destes sujeitos, a análise dificilmente possuía a 
possibilidade de compreensão da totalidade. 
as categorias de nossa antropologia têm sido literalmente transplantadas de 
países europeus e dos Estados Unidos. Ora, de todas as chamadas ciências 
sociais, a antropologia, naqueles centros, é a que se tem menos depurado de 
ingredientes ideológicos. De modo geral, a antropologia europeia e norte-
americana tem sido, em larga margem, uma racionalização ou despistamento 
da espoliação colonial. Este fato marca nitidamente o seu início, pois ela 
começou fazendo dos povos "primitivos" o seu material de estudo. Entre 
outras, a noção de raça assinalou, durante muito tempo, as implicações 
imperialistas da antropologia. (RAMOS, 1981, p.191) 
Sendo a maioria dos estudiosos influenciada pela teoria do determinismo biológico do 
séc. XIX, estes buscavam compreender e transformar a vasta pluralidade de raças que aqui 
habitavam, suas culturas, valores e identidades tão distintas em uma nação. 
Conforme Munanga (1999) nos aponta, um dos pioneiros nessa temática foi o sociólogo 
Sylvio Romero (1851-1914), que através de uma teoria crítico-assimilativa estrangeira centrou 
seus estudos em compreender a construção da imagem e características do povo brasileiro a 
partir da miscigenação. Para o autor, o processo deveria ocorrer a modo que garantisse a 
decomposição da diversidade racial e cultural, eliminando aquilo que se enquadra como não 
branco e mantendo elementos culturais e biológicos brancos. Em seus estudos aponta a 
mestiçagem como um processo de transição que lentamente produziria uma nação branca., 
eliminando assim, as características e cultura de negros e índios. 
Discordando deste pensamento e partindo de uma outra linha teórica, Raimundo Nina 
Rodrigues (1862-1906) aponta a mistura das raças como algo degradante que produziria um 
problema moral e penal, tendo em vista que o mestiço tende a reproduzir o mesmo 
comportamento das raças originais, além de ser mais suscetível a problemas morais e com 
grande tendência a criminalidade. A partir disso aponta como solução a construção de diferentes 
leis para brancos e não brancos, aumentando assim, a responsabilidade penal de negros e índios 
33 
 
e aos mestiços, este último era avaliado a partir dos aspectos que apresentava podendo ser mais 
próximo ou distante do padrão11. 
Retomando o tema da construção de uma identidade nacional e a mestiçagem, os 
resultados dos estudos de Euclides da Cunha (1866-1909) apontavam esta última como um 
desequilíbrio, e o "mestiço — mulato, mameluco ou cafuz - menos que um intermediário, é um 
decaído, sem a energia física dos ascendentes selvagens, sem a altitude intelectual dos 
ancestrais", ou ainda, é "um desequilibrado" ou um "histérico". (RAMOS, 1981, p.197). No 
entanto entendia que a superação da sua condição se daria a partir do processo civilizatório a 
depender da região do país que este se encontra. 
Além do debate sobre a mistura das raças, a “arianização” da nação gerava um grande 
debate entre os estudiosos, sendo Oliveira Vianna (1883-1951) um dos porta voz dessa teoria. 
De acordo com seu pensamento 
os mestiços são produtos históricos dos latifúndios e, portanto, uma força nova 
na história colonial. Neles nota-se a tendência a expungir de si, por todos os 
meios, os sinais da sua bastardia originária. Mameluco se faz inimigo do índio 
e o mulato desdenha e evita o negro. Ambos foram utilizados para combater e 
destruir os quilombos. Mameluco, capitão sanguinário e truculento a serviço 
dos bandeirantes e o mulato, capitão-do-mato e terrível perseguidor dos 
escravos foragidos. Essa tentativa do mestiço em ter uma posição específica 
na sociedade é provisória e ilusória, porque o branco superior, de classe alta, 
o repele. E como por sua vez ele foge dos negros e índios das classes 
inferiores, acaba numa situação social indefinida e torna-se um desclassificado 
permanente na sociedade colonial (MUNANGA, 1999, p. 65) 
Tendo negros como a raiz da inferioridade da nação, Viana apresenta como solução dos 
problemas raciais do país um processo de branqueamento em massa da população, e com isso 
o surgimento de um modelo nacional caracterizado a partir do fenótipo. Fazendo assim, com 
que a situação de inferioridade estivesse diretamente vinculada a suas capacidades individuais, 
já que vivemos numa “democracia racial”, onde todos possuem as mesmas condições políticas 
e econômicas (MUNANGA,1999). 
todos os mestiços "superiores" e "inferiores", de acordo com sua classificação, 
são definidos a partir de características físicas aparentes (o f enótipo) do que 
pelo genótipo. Ou seja, as qualidades morais e intelectuais dos mestiços são 
definidas por sua aparência física mais ou menos negróide, mais ou menos 
 
11 De acordo com Munanga (1999), Raimundo Nina Rodrigues baseou sua análise a partir da classificação dos 
mestiços, construída, segundo ele, para avaliar a responsabilidade penal e dividir os mestiços em três categorias: 
o mestiço tipo superior, inteiramente responsável; o mestiço degenerado, parcial e totalmente irresponsável; o 
mestiço instável, igual ao negro e ao índio, a quem se poderia atribuir apenas responsabilidade atenuada. 
34 
 
caucasóide, isto é, a partir de seu grau de arianização. (MUNANGA, 1999, 
p.70) 
Com a intenção de suprir uma demanda nacional que vinha sendo colocada na década 
de 1930, Gilberto Freyre apresenta em sua tese um estudo sobre a identidade nacional a 
representação cultural das raças, que segundo ele viviam em harmonia e numa grande 
democracia racial, tendo a família patriarcal como símbolo de autoridade. Segundo Freyre 
(2003) a mistura entre as raças se deu a partir das relações sexuais entre senhores brancos e 
escravizadas (negras e índias). 
Foi assim que surgiram as misturas. As três raças trouxeram também suas 
heranças culturais paralelamente aos cruzamentos raciais, o que deu origem a 
uma outra mestiçagem no campo cultural. Da ideia dessa dupla mistura, 
brotou lentamente o mito de democracia racial; "somos uma democracia 
porque a mistura gerou um povo sem barreira, sem preconceito". 
(MUNANGA 1999, p. 79) 
A objetificação do negro e os comportamentos eugenistas12 construídos a partir destas 
teorias, serviram de base teórica para reforçar o racismo estrutural e as políticas de 
branqueamento existentes no Brasil. As diferentes violências e anulações de identidade que o 
corpo negro sofreu e sofre, contribuíram diretamente para que este sujeito não fosse associado 
aos espaços de destaque, e muitas das vezes internalizassem o ego branco (SOUZA, 1983). 
[...] Abolição da escravatura quer dizer libertação.Mas será que acabamos 
mesmo com a injustiça, com a humilhação e com o desrespeito com que o 
conjunto da sociedade brasileira ainda nos trata? Será que acabamos com a 
falta de amor-próprio que nos foi transmitido desde muito cedo nas nossas 
vidas? Será que já nos libertamos do sentimento de que somos menores, 
cidadãos de segunda categoria? Será que gostamos mesmo da nossa pele, do 
nosso cabelo, do nosso nariz, da nossa boca, do nosso corpo, do nosso jeito de 
ser? Será que nesses 120 de abolição conquistamos o direito de entrar e sair 
dos lugares como qualquer cidadão digno que somos? Ou estamos quase 
sempre preocupados com o olhar de desconfiança e reprovação que vem dos 
outros? [...]. (SOUZA, 2008, [p.2]) 
Sendo o processo de construção da identidade negado a este sujeito, e os padrões sociais, 
conceitos de cidadania e espaços de destaque brancos, buscando sair da marginalidade, o 
 
12 No Brasil, a partir da década de 30, esse projeto atuou como política de Estado visando a exclusão de negros e 
negras através do branqueamento, da esterilização compulsória de mulheres negras, dentre outras violências. Esse 
projeto é baseado no trabalho do inglês Francis Galton, que a partir da teoria darwinista de seleção natural, 
utilizada também para seres humanos, elabora uma justificativa biológica para a discriminação de negros, 
imigrantes, deficientes e asiáticos, propagava a ideia de que não só t raços físicos, mas como também os 
intelectuais, eram provenientes de carga genética. 
35 
 
racismo faz com que negros e negras neguem sua história étnica e pessoal, e desejem - mesmo 
conhecendo todas as falhas do sujeito branco - a brancura. 
O processo de europeização do mundo tem abalado os alicerces das culturas 
que alcança. A superioridade prática e material da cultura ocidental face as 
culturas não europeias promove, nestas últimas, manifestações patológicas. 
Existe uma patologia cultural que consiste, precisamente, sobretudo no campo 
da estética social, na adoção pelos indivíduos de determinada sociedade, de 
padrão estético exógeno, não induzido diretamente da circunstância natural e 
historicamente vivida. É, por exemplo, este fenômeno patológico o 
responsável pela ambivalência de certos nativos na avaliação estética. O 
desejo de ser branco afeta, fortemente os nativos governados por europeus. 
Entre negros, R. R. Moton registrou o emprego do termo “branco” como 
designativo de excelência e o hábito de dizer-se de um homem bom que tem 
um coração “branco”. Este “desvio existencial” tem sido observado 
tecnicamente nos EUA, no Brasil e em toda a parte em que populações negras 
estão sendo europeizadas. O negro europeizado, via de regra, detesta mesmo 
referências a sua condição racial. Ele tende a negar-se como negro… 
(RAMOS, 1955, p. 194-195) 
O mecanismo de vinculação da imagem do negro e a sua cultura a algo degradante foi 
executado pelos colonizadores sobre os sujeitos não brancos com objetivo de implantar seus 
valores linguísticos, religiosos, estéticos e culturais e assim perpetuar o domínio de classe, o 
domínio sobre os corpos e o trabalho do povo preto. Almejando romper com esse pensamento 
introjetado e com a alienação da identidade do negro no Brasil, Abdias Nascimento constrói o 
Teatro Experimental do Negro -T. E.N13, objetivando a construção de uma outra identidade e 
representação dos homens e mulheres de cor brasileiros. A partir da formulação e prática de 
atividades criativas, que tinham como base as vivências desses sujeitos, esse espaço tinha a 
intenção de compreender e observar a partir de uma ótica que tivesse negras e negros como 
sujeitos da ação, que fossem entendidos como “negro vida” (RAMOS, 1955) 
Há o tema do negro e há a vida do negro. Como tema, o negro tem sido, entre 
nós, objeto de escalpelação perpetrada por literatos e pelos chamados 
“antropólogos” e “sociólogos”. Como vida ou realidade efetiva, o negro vem 
assumindo o seu destino, vem se fazendo a si próprio, segundo lhe tem 
permitido às condições particulares da sociedade brasileira. Mas uma coisa é 
negro tema; outra coisa é negro-vida. O negro tema é uma coisa examinada, 
olhada, vista, ora como ser mumificado, ora como ser curioso ou de qualquer 
modo como um risco, um traço da realidade nacional que chama a atenção. O 
negro-vida é, entretanto, algo que não se deixa imobilizar; é despistador, 
protéico, multiforme, do qual na verdade, não se pode dar versão definitiva, 
 
13O Teatro Experimental do Negro foi criado em 1944 no Rio de Janeiro, como iniciativa do ator e militante 
Abdias Nascimento. A proposta surge a partir da necessidade de construção de um espaço onde negros e negras 
fossem protagonistas de suas histórias, sendo um espaço de valorização social do negro e da cultura afro-brasileira 
por meio da educação e arte, além da possibilidade de construir um novo estilo dramatúrgico 
36 
 
pois é hoje o que não era ontem e será amanhã o que não é hoje. (RAMOS, 
1955, p. 171). 
A experiência do T.E.N, apesar de datada em 1944 tem como antecedente movimentos 
e ideias construídas por negros e negras, como por exemplo 
as confrarias, os fundos de emancipação, as caixas de empréstimo, irmandades 
e juntas, instituições que recolhiam contribuições de homens de cor destinadas 
à compra de cartas de alforrias, as, insurreições de negros muçulmanos no 
Estado da Bahia; os chamados quilombos, aldeamentos de negros fugidos, 
como a famosa República dos Palmares, em Alagoas, verdadeiro Estado de 
negros; o movimento abolicionista em que sobressaíram Luiz da Gama e José 
do Patrocínio, intelectuais negros, e outras iniciativas e associações como o 
Clube do Cupim em Recife, as Frentes Negras de São Paulo e da Bahia. 
(RAMOS, 1981, p.212) 
Além dos pensadores e intelectuais Joaquim Nabuco e Álvaro Bomilcar, que já 
anunciavam a necessidade do protagonismo negro frente a suas histórias, denunciando a 
branquitude enraizada na sociedade brasileira. 
 
37 
 
TERCEIRA SEÇÃO 
3.1 O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL E A HISTÓRIA (NEGRA) NEGADA DO 
BRASIL 
Brasil, meu dengo/A Mangueira chegou/Com versos que o livro 
apagou/Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento/Tem 
sangue retinto pisado/Atrás do herói emoldurado/Mulheres, tamoios, 
mulatos/Eu quero um país que não está no retrato (G.R.E.S. Estação 
Primeira de Mangueira, 2019) 
 
Compreendendo as diferentes perspectivas históricas sobre a formação social brasileira, 
este capítulo tem o objetivo de trazer a reflexão sobre os aspectos que consolidam as relações 
raciais no Brasil. Iniciando com uma reflexão sobre a democracia racial em suas diferentes 
concepções, perpassando a construção da identidade nacional como “homem cordial”14 
(HOLANDA, 1995) e por fim, na intenção de ilustrar as consequências desse processo e as 
desigualdades e violências ainda existentes na nossa sociedade, apresentaremos os dados da 
realidade dos negros e negras no Brasil. 
A ideia de democracia racial tem como marco de difusão a publicação da obra de 
Gilberto Freyre, Casa-Grande e Senzala, foi publicado na década de 1930 na intenção de pensar 
a formação social brasileira a partir da família patriarcal e das relações estabelecidas entre o 
microcosmo existente entre a casa grande, lugar do senhor de engenho, homem, branco europeu 
e as senzalas onde viviam negros e negras. O autor trabalha a construção da identidade nacional 
a partir da ideia de harmonização dos conflitos sociais entre essas classes antagônicas, tendo 
por base a relação sexualizada entre os homens dessa elite branca e as mulheres negras. Essa 
relação dá origem a miscigenação, defendida por Freyre (2003) como patrimônio cultural, e 
como imagem deste apaziguamento de discrepâncias sociais e étnicas do Brasil em seu período 
colonial. 
O mito de democracia racial e a valorização da miscigenação contrapõe a ideia e 
existência do racismo na sociedade brasileira, sob o argumento de que aqui, diferentemente de 
outros

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