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DISLIPIDEMIA Classificação e composição das lipoproteínas As lipoproteínas são grandes complexos macromoleculares, compostos por lipídeos e proteínas, que transportam lipídeos pouco solúveis (principalmente triglicerídeos, colesterol e vitaminas lipossolúveis) pelos líquidos corporais (plasma, líquido intersticial e linfa) para os tecidos e a partir deles. Desempenham função essencial na absorção do colesterol, dos ácidos graxos de cadeia longa e das vitaminas lipossolúveis da dieta; no transporte de triglicerídeos , colesterol e vitaminas para o fígado e intestino. Contêm um cerne de lipídeos hidrofóbicos, circundados por uma camada de lipídeos hidrofílicos e proteínas (denominadas apolipoproteínas), que interagem com os líquidos corporais. São divididas em cinco grandes classes, com base em sua densidade relativa: ➔ Os quilomícrons; ➔ As lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDLs); ➔ As lipoproteínas de densidade intermediária (IDLs); ➔ As lipoproteínas de baixa densidade (LDLs); e ➔ As lipoproteínas de alta densidade (HDLs). Os quilomícrons são as partículas de lipoproteína mais ricas em lipídeos em portanto, menos densas, enquanto as HDLs têm menos lipídeos e, portanto, constituem as lipoproteínas mais densas. As proteínas associadas às lipoproteínas são denominadas apolipoproteínas (Apo), e são necessárias para a montagem, a estrutura, a função e o metabolismo das lipoproteínas. As apolipoproteínas ativam enzimas importantes no metabolismo das lipoproteínas e atuam como ligantes de receptores de superfície celular. A ApoB é uma proteína muito grande e constitui a principal proteína estrutural de quilomícrons, VLDLs, IDLs e LDLs; existe uma molécula de ApoB, na forma de ApoB-48 (quilomícrons) ou de ApoB-100 (VLDL, IDL ou LDL), em cada partícula de lipoproteína. O fígado humano sintetiza a ApoB-100, enquanto o intestino produz a ApoB-48, que deriva do mesmo gene por edição do RNA mensageiro. As HDLs apresentam apolipoproteínas diferentes, que definem essa classe de lipoproteínas, principalmente a ApoA-I, que é sintetizada no fígado e no intestino e encontrada em praticamente todas as partículas de HDL. A ApoA-II é a segunda apolipoproteína mais abundante das HDLs, sendo encontrada em dois terços das partículas de HDL. A ApoC-I, a ApoC-II e ApoC-III participam no metabolismo das lipoproteínas ricas em triglicerídeos. A ApoE também desempenha um papel de importância crítica no metabolismo e na depuração das partículas ricas em triglicerídeos. A maioria das apolipoproteínas, excluindo a ApoB, apresenta uma troca ativa entre as partículas de lipoproteínas no sangue. Transporte dos lipídeos da dieta derivados do intestino pelos quilomícrons Um papel importante das lipoproteínas é o transporte dos lipídeos da dieta do intestino para os tecidos que necessitam de ácidos graxos para a energia ou o armazenamento e o metabolismo de lipídeos. Os triglicerídeos provenientes dos alimentos são hidrolisados por lipases no lúmen intestinal e emulsificados com ácidos biliares , formando micelas. O colesterol, os ácidos graxos e as vitaminas lipossolúveis da dieta são absorvidos na parte proximal do intestino delgado. O colesterol e o retinol são esterificados nos enterócitos, formando ésteres de colesteril e ésteres de retinil. Os ácidos graxos de cadeia mais longa (>12 carbonos) são incorporados em triglicerídeos e acondicionados com ApoB-48, ésteres de colesteril, ésteres de retinil, fosfolipídios e colesterol para formar quilomícrons. Os quilomícrons nascentes são secretados na linfa intestinal e transportados pelo ducto torácico diretamente para a circulação sistêmica, onde sofrem extenso processamento pelos tecidos periféricos antes de alcançar o fígado. As partículas entram em contato com a lipoproteína lipase (LPL), a qual está ancorada a uma proteína ancorada a glicosilfosfatilinositol, que está ligada às superfícies endoteliais dos capilares no tecido adiposo, no coração e no músculo esquelético. Os triglicerídeos dos quilomícrons são hidrolisados pela LPL, e os ácidos graxos livres são liberados. A ApoC- II, que é transferida para os quilomícrons circulantes a partir das HDLs, atua como cofator necessário para a LPL nessa reação. Os ácidos graxos livres são captados por miócitos ou adipócitos adjacentes e são oxidados para produzir energia ou reesterificados e armazenados na forma de triglicerídeos. Alguns dos ácidos graxos livres liberados ligam-se à albumina antes de penetrar nas células e são transportados para outros tecidos, em especial para o fígado. A partícula de quilomícron diminui progressivamente de tamanho, à medida que o cerne hidrofóbico é hidrolisado, e os lipídeos hidrofílicos (colesterol e fosfolipídios) e as apolipoproteínas sobre a superfície da partícula são transferidos para as HDLs, criando os remanescentes de quilomícrons. Os remanescentes de quilomícrons são rapidamente removidos da circulação pelo fígado por meio de um processo que requer a ApoE como ligante para os receptores no fígado. Em consequência, poucos quilomícrons ou remanescentes de quilomícrons, ou até mesmo nenhum, em geral estão presentes no sangue depois de um jejum de 12 horas, exceto em pacientes com certos distúrbios do metabolismo das lipoproteínas. Transporte dos lipídeos hepáticos pelas lipoproteínas de densidade muito baixa e lipoproteínas de baixa densidade Outro papel das lipoproteínas é o transporte dos lipídeos hepáticos do fígado para a periferia. As partículas de VLDL assemelham-se aos quilomícrons quanto à sua composição proteica, mas contêm ApoB- 100, em lugar de ApoB-48, e apresentam uma maior razão entre colesterol e triglicerídeos (cerca de 1mg de colesterol para cada 5mg de triglicerídeos). Os triglicerídeos das VLDLs derivam predominantemente da esterificação de ácidos graxos de cadeia longa no fígado. O acondicionamento dos triglicerídeos hepáticos com os outros componentes principais da partícula de VLDL nascente (ApoB-100, ésteres de colesteril, fosfolipídios e vitamina E) exige a ação da enzima proteína de transferência microssômica de triglicerídeos. Após sua secreção no plasma, a VLDL adquire múltiplas cópias de ApoE e de apolipoproteínas da série C por meio de transferência das HDLs. A exemplo dos quilomícrons, os triglicerídeos das VLDLs são hidrolisados pela LPL, em particular no músculo, no coração e no tecido adiposo. Após sua dissociação da LPL, os remanescentes de VLDL são designados com IDLs, que contêm quantidades aproximadamente semelhantes de colesterol e de triglicerídeos. O fígado remove cerca de 40 a 60% de IDL por endocitose mediada pelo receptor de LDL por sua ligação à ApoE. O restante da IDL é remodelado pela lipase hepática (HL), formando LDL. Durante esse processo, os fosfolipídios e triglicerídeos na partícula são hidrolisados, e todas as apolipoproteínas, exceto a ApoB-100, são transferidas para outras lipoproteínas. Cerca de 70% das LDLs são removidas da circulação pelo fígado de modo semelhante às IDLs; todavia, nesse caso, a ApoB, em vez da ApoE, liga-se ao receptor de LDL. A lipoproteína A é uma proteína semelhante à LDL em sua composição de lipídeos e proteínas, porém contém uma proteína adicional, denominada apolipoproteína. A ApoA é sintetizada no fígado e fixada à ApoB-100 por uma ligação de dissulfeto. O principal local de depuração da Lp é o fígado, porém sua via de captação não é conhecida. Metabolismo das lipoproteínas de alta densidade e transporte reverso do colesterol Todas as células nucleadas sintetizam colesterol, porém apenas os hepatócitos e os enterócitos são capazes de excretar efetivamente colesterol do corpo na bile ou no lúmen do intestino. No fígado, o colesterol é secretado na bile, diretamente ou após a conversão em ácidos biliares. O colesterol nas células periféricas é transportado das membranas plasmáticas das células periféricas para o fígado e o intestinopor um processo denominado “transporte reverso do colesterol”, que é facilitado pelas HDLs. As partículas de HDL nascentes são sintetizadas pelo intestino e pelo fígado. A ApoA-I recém secretada adquire rapidamente fosfolipídios e colesterol não esterificado de seu local de síntese (intestino ou fígado) por meio do refluxo promovido pela proteína de membrana, a proteína A1 de ligação ao cassete de trifosfato de adenosina. Esse processo resulta na formação de partículas discoides de HDL, que, a seguir, recrutam colesterol não esterificado adicional a partir das células ou lipoproteínas circulantes. No interior da partícula de HDL, o colesterol é esterificado pela lecitina-colesterol-aciltransferase, uma enzima plasmática associada às HDLs, e o éster de colesteril mais hidrofóbico move-se para o cerne da partícula de HDL. À medida que a HDL adquire maiores quantidades de éster de colesteril, a partícula torna-se esférica, e as apolipoproteínas e os lipídeos adicionais são transferidos para as partículas a partir das superfícies dos quilomícrons e das VLDLs durante o processo de lipólise. O colesterol-HDL é transportado até os hepatócitos por via indireta e direta. Os ésteres de colesteril-HDL podem ser transferidos para lipoproteínas que contêm ApoB em troca de triglicerídeo pela proteína de transferência de ésteres de colesteril. A seguir, os ésteres de colesteril são removidos da circulação por endocitose mediada pelo receptor de LDL. O colesterol-HDL também pode ser captado diretamente pelos hepatócitos por meio do receptor de depuração da classe B1, um receptor de superfície celular que medeia a transferência seletiva de lipídios para as células. As partículas de HDL sofrem extensa remodelagem dentro do compartimento plasmático por uma variedade de proteínas de transferência de lipídeos e lipases. A proteína de transferência de fosfolipídios transfere os fosfolipídios de outras lipoproteínas para as HDLs ou entre diferentes classes de partículas de HDL. Distúrbios do colesterol e triglicerídeos elevados Os distúrbios do metabolismo das lipoproteínas são designados como “dislipidemias”. Caracterizam- se clinicamente por níveis plasmáticos elevados de colesterol, triglicerídeos ou ambos, acompanhados de modo variável por níveis reduzidos de colesterol-HDL. Os pontos centrais distintos que regulam o metabolismo das lipoproteínas são: 1- A montagem e a secreção de VLDLs ricas em triglicerídeos pelo fígado; 2- A lipólise de lipoproteínas ricas em triglicerídeos pela LPL; 3- A captação de lipoproteínas contendo ApoB mediada por receptor pelo fígado; 4- O metabolismo do colesterol celular no hepatócito e no enterócito; 5- A transferência de lipídios neutros e a hidrólise de fosfolipídios no plasma. Dislipidemia causada pela secreção hepática excessiva de lipoproteína de densidade muito baixa A produção excessiva de VLDL pelo fígado constitui uma das causas mais comuns de dislipidemia. Os indivíduos com produção hepática excessiva de VLDL costumam apresentar níveis elevados de triglicerídeos em jejum e baixos níveis de HDL-colesterol, com elevações variáveis do LDL, porém em geral com níveis plasmáticos elevados de ApoB. Um conjunto de outros fatores de risco metabólicos com frequência é encontrado em associação com a produção excessiva de VLDL, incluindo obesidade, intolerância à glicose, resistência à insulina e hipertensão (a denominada síndrome metabólica). Alguns dos principais fatores que estimulam a secreção hepática de VLDL incluem obesidade, resistência à insulina, dieta rica em carboidratos, consumo de álcool, estrogênios exógenos e predisposição genética. Causas secundárias de produção excessiva de lipoproteína de densidade muito baixa ➔ Dieta rica em carboidratos: os carboidratos da dieta são convertidos em ácidos graxos no fígado. Alguns dos ácidos graxos recém-sintetizados são esterificados, formando triglicerídeos e secretados como constituintes das VLDLs. Por conseguinte, o aporte excessivo de calorias na forma de carboidratos, que é frequente na sociedade ocidental, leva à secreção hepática aumentada de VLDL-TG. ➔ Álcool: o consumo regular de álcool inibe a oxidação hepática dos ácidos graxos livres, promovendo, assim, a síntese hepática de TG e a secreção de VLDL. O consumo regular de álcool também eleva os níveis plasmáticos de HDL e deve ser considerado em pacientes com a combinação incomum de níveis elevados de TG e de HDL. ➔ Obesidade e resistência à insulina: com frequência são acompanhadas de dislipidemia, que se caracteriza por níveis plasmáticos elevados de TG, baixos níveis de HDL, níveis variáveis de LDL e níveis aumentados de LDL densas pequenas. O aumento na massa de adipócitos e a diminuição concomitante da sensibilidade à insulina associada à obesidade têm múltiplos efeitos sobre o metabolismo dos lipídios, dos quais um dos principais efeitos consiste na produção hepática excessiva de VLDL. Ocorre liberação de maiores quantidades de ácidos graxos livres do tecido adiposo expandido e resistente à insulina para o fígado, onde são reesterificados nos hepatócitos para formar TGs, que são acondicionados nas VLDLs para secreção na circulação. Além disso, os níveis elevados de insulina promovem a síntese aumentada de ácidos graxos no fígado. Em pacientes com resistência à insulina que progridem para o diabetes melito tipo 2, a dislipidemia é comum , mesmo quando o paciente se encontra sob controle glicêmico relativamente satisfatório. Além da produção aumentada de VLDL, a resistência à insulina também pode resultar em diminuição da atividade da LPL, com consequente redução do catabolismo dos quilomícrons e das VLDLs e hipertrigliceridemia mais grave. ➔ Síndrome nefrótica: constitui uma causa clássica de produção excessiva de VLDL. Essa produção excessiva de VLDL foi atribuído aos efeitos da hipoalbuminemia, levando a uma síntese hepática aumentada de proteína. O tratamento efetivo da doença renal subjacente com frequência normaliza o perfil lipídico, porém a maioria dos pacientes com síndrome nefrótica crônica necessita de tratamento com fármacos hipolipêmicos. ➔ Síndrome de Cushing: o excesso de glicocorticoides endógenos ou exógenos está associado a um aumento na síntese e na secreção de VLDL e hipertrigliceridemia. Com frequência, os pacientes com síndrome de Cushing apresentam dislipidemia, que se caracteriza particularmente por hipertrigliceridemia e baixos níveis de HDL, embora também se possa observar uma elevação nos níveis plasmáticos de LDL. Causas primárias (genéticas) de produção excessiva de lipoproteína de densidade muito baixa A variação genética influencia a produção hepática de VLDL. Foram identificados diversos genes em que variantes comuns e de baixa frequência provavelmente contribuem para a produção aumentada de VLDL, envolvendo, provavelmente, interações com dieta e outros fatores ambientais. A condição hereditária mais bem conhecida associada à produção excessiva de VLDL é a hiperlipidemia combinada familiar. ➔ Hiperlipidemia combinada familiar: em geral, caracteriza-se por elevações nos níveis plasmáticos de TGs (VLDL) e de LDL e por níveis plasmáticos reduzidos de HDL. Estima-se que a HLCF acomete cerca de 1 em cada 100 a 200 indivíduos. Constitui uma importante causa de doença arterial coronariana (DAC) prematura, cerca de 20% dos pacientes que desenvolvem DAC com menos de 60 anos apresentam HLCF. A HLCF pode manifestar-se na infância; todavia, em geral só se expressa totalmente na idade adulta. A doença ocorre em famílias, e os familiares afetados em geral apresentam um dos três fenótipos possíveis: o Níveis plasmáticos elevados de LDL; o Níveis plasmáticos elevados de TGs, devido a um aumento das VLDLs, ou o Níveis plasmáticos elevados de LDL e TGs. Os pacientes com HLCF quase sempre apresentam níveis plasmáticos de ApoB significativamente elevados. Esses níveis estão desproporcionalmenteelevados em relação à concentração plasmática de LDL, indicando a presença de pequenas partículas densa de LDL, que são características dessa síndrome. Em geral, os indivíduos com esse fenótipo compartilham o mesmo defeito metabólico, que consiste na produção excessiva de VLDL pelo fígado. É provável que defeitos em uma combinação de genes possam produzir o distúrbio, sugerindo que um termo mais adequado poderia ser hiperlipidemia combinada poligênica. Os indivíduos com esse fenótipo devem ser tratados de modo agressivo devido a um risco significativamente aumentado de DAC prematura. Uma diminuição no aporte dietético de carboidratos simples, a prática de exercício aeróbio e a perda de peso podem ter efeitos benéficos sobre o perfil lipídico. A maioria dos pacientes com HLCF necessita de tratamento com fármacos hipolipêmicos, começando com estatinas, para reduzir os níveis de lipoproteínas e diminuir o risco de doença cardiovascular. ➔ Lipodistrofia: é uma condição em que a formação de tecido adiposo está comprometida de maneira generalizada ou em determinados depósitos de gordura. A Lipodistrofia com frequência está associada a uma resistência à insulina e a níveis plasmáticos elevados de VLDL e quilomícrons, devido a um aumento na síntese de ácidos graxos e na produção de VLDL, bem como redução da depuração de partículas ricas em TG. O controle desse distúrbio pode ser particularmente difícil. Os pacientes com Lipodistrofia generalizada congênita são muito raros e apresentam ausência quase completa de gordura subcutânea, acompanhada de acentuada resistência à insulina e deficiência de leptina, bem como acúmulo de TGs em múltiplos tecidos, incluindo o fígado. Alguns pacientes com Lipodistrofia generalizada têm sido tratados com sucesso com leptina. A Lipodistrofia parcial é ligeiramente mais comum e pode ser causada por mutações em vários genes diferentes, mais notavelmente laminina A. Em geral, esses pacientes apresentam resistência à insulina, que com frequência é muito grave, acompanhada de diabetes melito tipo 2, esteatose hepática e dislipidemia. A dislipidemia costuma se caracterizar por níveis elevados de TGs e colesterol, e seu controle clínico pode ser difícil. Os pacientes com Lipodistrofia parcial correm risco substancialmente aumentado de doença vascular aterosclerótica, de modo que a dislipidemia deve ser tratada de modo agressivo com estatinas e, se necessário, com fármacos hipolipêmicos adicionais. Dislipidemia causada por comprometimento da lipólise das lipoproteínas ricas em triglicerídeos O comprometimento da lipólise dos TGs nas lipoproteínas ricas em TG também contribui comumente para a dislipidemia. A LPL é a enzima essencial responsável pela hidrólise dos TGs nos quilomícrons e nas VLDLs. A LPL é sintetizada e secretada no espaço extracelular a partir dos adipócitos, miócitos e cardiomiócitos. Em seguida, é transportada da superfície subendotelial para a superfície endotelial vascular pela GPIHPB1. A LPL também é sintetizada nos macrófagos. Os indivíduos com comprometimento na atividade da LPL, seja secundário ou em consequência de um distúrbio genético primário, apresentam níveis elevados de TGs em jejum e baixos níveis de HDL, em geral sem elevação do LDL ou da ApoB. A resistência à insulina, além de causar a produção excessiva de VLDL, também pode provocar comprometimento na atividade da LPL e lipólise. Foram descritas diversas variantes genéticas comuns e de baixa frequência que influenciam a atividade da LPL, e foram também descritos distúrbios mendelianos de um único gene que reduzem a atividade da LPL. Causas secundárias de comprometimento da lipólise das lipoproteínas ricas em triglicerídeos ➔ Obesidade e resistência à insulina: há uma associação da obesidade, da resistência à insulina e do diabetes melito tipo 2 a uma redução variável na atividade da LPL. Isso pode ser devido, em parte, aos efeitos da resistência dos tecidos à insulina, levando a uma transcrição diminuída da LPL no músculo esquelético e no tecido adiposo, bem como à produção aumentada do inibidor da LPL ApoC-III pelo fígado. Essa diminuição na atividade da LPL com frequência contribui para a dislipidemia observada nesses pacientes. Causas primárias (genéticas) e predisposição genética ao comprometimento da lipólise das lipoproteínas ricas em triglicerídeos ➔ Síndrome de Quilimicronemia Familiar: a LPL é necessária para a hidrólise dos TGs nos quilomícrons e nas VLDLs, enquanto a ApoC-II é um cofator da LPL. A deficiência genética ou a inatividade de uma dessas proteínas resulta em comprometimento da lipólise e em elevações pronunciadas dos níveis plasmáticos de quilomícrons. Esses pacientes também podem apresentar níveis plasmáticos elevados de VLDL, porém a quilomicronemia predomina. Os níveis de TG em jejum quase invariavelmente são > 1.000 mg/dl. Os níveis de colesterol em jejum também estão elevados, porém em menor grau. Essas doenças são causadas por múltiplas mutações diferentes nos genes da LPL e ApoC-II. Em geral, tanto a deficiência de LPL quanto a deficiência de ApoC-II se manifestam na infância com episódios recorrentes de dor abdominal intensa causada por pancreatite aguda. O diagnóstico das deficiências de LPL e ApoC-II é estabelecido enzimaticamente em laboratórios especializados pelo ensaio da atividade de lipólise do TGs no plasma após a administração de heparina. A principal intervenção terapêutica na síndrome de quilomicronemia familiar consiste em restrição da gordura na dieta (para apenas 15g/dia), com suplemento de vitaminas lipossolúveis. ➔ Deficiência de ApoA-V: facilita a associação das VLDLs e dos quilomícrons com a LPL e promove sua hidrólise. Os indivíduos portadores de mutações com perda de função em ambos os alelos APOA5 desenvolvem hiperquilomicronemia. ➔ Deficiência de GPIHBP1: provoca hipertrigliceridemia grave ao comprometer o transporte da LPL para o endotélio vascular. ➔ Hipertrigliceridemia Familiar (HTGF): caracteriza-se por níveis elevados de TGs em jejum sem causa secundária bem definida, níveis médios abaixo dos níveis médios de LDL-C, baixos níveis de HDL e história familiar de hipertrigliceridemia. Com frequência, os níveis plasmáticos de LDL estão reduzidos devido à conversão deficiente das partículas ricas em TG em LDL. Diferentemente da HLCF, os níveis de ApoB não estão elevados. A identificação de outros parentes de primeiro grau com hipertrigliceridemia é útil no estabelecimento do diagnóstico. Dislipidemia causada pelo comprometimento da captação hepática de lipoproteínas contendo APOB A captação reduzida de LDL e lipoproteínas remanescentes pelo fígado constitui outra causa comum de dislipidemia. O receptor de LDL constitui o principal receptor responsável pela captação de LDL e partículas remanescentes pelo fígado. A infrarregulação da atividade dos receptores de LDL ou a variação genética que diminui a atividade da via do receptor de LDL, levam a elevações do LDL. Um importante fator que diminui a atividade dos receptores de LDL consiste em uma dieta rica em gorduras saturadas e trans. Outras condições clínicas que reduzem a atividade dos receptores de LDL incluem hipotireoidismo e deficiência de estrogênio. Além disso, a variação genética no número de genes influencia a depuração das LDLs, e mutações em alguns desses genes provocam vários distúrbios mendelianos distintos de elevação do LDL. Causas secundárias de comprometimento na captação hepática de lipoproteínas ➔ Hipotireoidismo: está associado a níveis plasmáticos elevados de LDL devido, principalmente, a uma redução da função do receptor de LDL hepático e depuração tardia das LDLs. O hormônio tireoidiano aumenta a expressão hepática do receptor de LDL. Com frequência, os pacientes hipotireóideos também apresentam níveis aumentados de IDLs circulantes, e alguns pacientes com hipotireoidismo também exibem hipertrigliceridemialeve. Como o hipotireoidismo com frequência é sútil e, portanto, passa facilmente despercebido, deve-se efetuar uma triagem para o hipotireoidismo em todos os pacientes que apresentam níveis plasmáticos elevados de LDL, em particular se houve um aumento inexplicado do LDL. A terapia de reposição com hormônio da tireoide em geral melhora a hipercolesterolemia. ➔ Doença Renal Crônica: com frequência está associada a hipertrigliceridemia leve (< 300 mg/dl) devido ao acúmulo de VLDL e de lipoproteínas remanescentes na circulação. A lipólise dos TGs e a depuração dos remanescentes estão reduzidas em pacientes com insuficiência renal. Como o risco de DCVAS está aumentado em pacientes com doença renal em estágio terminal que apresentam hiperlipidemia, eles em geral devem ser tratados de modo agressivo com agentes hipolipêmicos Causas primárias (genéticas) de comprometimento da captação hepática de lipoproteínas A variação genética contribui substancialmente para os níveis elevados de LDL na população geral. Muitos pacientes com níveis elevados de LDL apresentam hipercolesterolemia poligênica, caracterizada por hipercolesterolemia na ausência de causas secundárias de hipercolesterolemia (além dos fatores dietéticos) e distúrbio mendeliano primário. Em pacientes com predisposição genética a níveis mais elevados de LDL, a dieta desempenha um papel fundamental; com efeito, o aumento das gorduras saturadas e trans na dieta da população desloca toda a distribuição dos níveis de LDL para a direita. A herança de diversas variantes que, em conjunto, elevam os níveis de LDL, associada à dieta, em geral constitui a causa dessa condição; <10% dos parentes de primeiro grau apresentam hipercolesterolemia. ➔ Hipercolesterolemia Familiar (HF): também conhecida como hipercolesterolemia autossômica dominante tipo 1, é um distúrbio autossômico codominante caracterizado por níveis plasmáticos elevados de LDL na ausência de hipertrigliceridemia. A HF é causada por mutações com perda de função no gene que codifica o receptor das LDLs. A redução na atividade do receptor de LDL no fígado resulta em taxa reduzida de depuração das LDLs na circulação. A HF heterozigota é causada pela herança de um alelo mutante do receptor de LDL. Os pacientes com HF heterozigota devem ser tratados de modo agressivo para reduzir os níveis plasmáticos de LDL, devendo o tratamento ser iniciado na infância. Recomenda-se iniciar uma dieta com baixo conteúdo de gorduras saturadas e trans, porém os pacientes com HF quase sempre necessitam de tratamento com agentes hipolipêmicos para o controle efetivo dos níveis de LDL. ➔ Defeito familiar da ApoB-100: também conhecido como hipercolesterolemia autossômica dominante tipo 2, é um distúrbio de herança dominante que se assemelha clinicamente à HF heterozigota, com níveis elevados de LDL e níveis normais de TGs. O DFB é causado por mutações do gene que codifica a ApoB-100, especificamente no domínio de ligação do receptor de LDL da ApoB-100. O DFB caracteriza-se por níveis plasmáticos elevados de LDL, com TGs normais; pode-se observar a presença de xantomas tendíneos, embora não tão frequentemente quanto na HF, e verifica-se um aumento associado no risco de DAC. Outras causas secundárias de dislipidemia ➔ Doenças hepáticas: como o fígado é o principal local de formação e de depuração das lipoproteínas, as doenças hepáticas podem afetar os níveis plasmáticos de lipídios de diversas maneiras. A hepatite causada por infecção, fármacos ou álcool com frequência está associada a um aumento da síntese de VLDL e ao desenvolvimento de hipertrigliceridemia leve a moderada. A hepatite e a insuficiência hepática graves estão associadas a reduções proeminentes dos níveis plasmáticos de colesterol e triglicerídeos, devido a uma redução na capacidade de biossíntese das lipoproteínas. A colestase está associada a hipercolesterolemia, que pode ser muito grave. Uma importante via de excreção de colesterol do corpo é sua secreção na bile, diretamente ou após conversão em ácidos biliares, e a presença de colestase bloqueia essa importante via de excreção. Na colestase, ocorre secreção de colesterol livre, acoplado a fosfolipídios, no plasma como constituinte de uma partícula lamelar denominada LPX. Essas partículas podem depositar-se em pregas cutâneas, produzindo lesões que se assemelham àquelas observadas em pacientes com DBLF (xantomas estriados palmares). Além disso, podem-se observar xantomas planares e eruptivos em pacientes com colestase. ➔ Fármacos: muitos fármacos possuem impacto sobre o metabolismo dos lipídios e podem resultar em alterações significativas no perfil das lipoproteínas. A administração de estrogênio está associada a um aumento na síntese de VLDL e HDL, resultando em níveis plasmáticos elevados de TGs e HDL. Esse padrão de lipoproteínas é distinto, visto que os níveis plasmáticos de TG e HDL em geral exibem uma relação inversa. Os níveis plasmáticos de TG devem ser monitorados quando se inicia o uso de contraceptivos orais ou quando se administra terapia com estrogênio após a menopausa para assegurar que o aumento na produção de VLDL não irá resultar em hipertrigliceridemia grave. O uso de preparações de estrogênio em baixa dose ou adesivo de estrogênio pode reduzir ao máximo o efeito dos estrogênios sexógenos. Distúrbios de redução do HDL É muito comum encontrar baixos níveis de HDL na prática clínica. A presença de baixos níveis de HDL é um importante preditor independente de risco cardiovascular aumentado e tem sido usado regularmente em cálculos padronizados de risco. Todavia, ainda existe muita incerteza sobre a possibilidade de um baixo nível de HDL constituir diretamente a causa do desenvolvimento de DCVAS. O metabolismo das HDLs é altamente influenciado pelas LRTs, pela resistência à insulina e pela inflamação, entre outros fatores ambientais e clínicos. Por conseguinte, a determinação do HDL integra vários fatores de risco cardiovasculares, o que explica provavelmente sua forte associação inversa com a DCVAS. A maioria dos pacientes com baixos níveis de HDL apresentam alguma combinação de predisposição genética e fatores secundários. Foi constatado que variantes em dezenas de genes influenciam os níveis de HDL. Ainda mais importante do ponto de vista quantitativo, a obesidade e a resistência à insulina possuem um forte efeito supressor sobre o HDL, e observa-se amplamente a presença de baixos níveis de HDL nessas condições. Além disso, a grande maioria dos pacientes com níveis elevados de TGs apresentam níveis reduzidos de HDL. Distúrbios do metabolismo das lipoproteínas ➔ Triagem: os níveis plasmáticos de lipídios e lipoproteínas devem ser determinados em todos os adultos, de preferência depois de uma noite de jejum de 12 horas. Na maioria dos laboratórios clínicos, o colesterol total e os TGs no plasma são medidos enzimaticamente, e, a seguir, o colesterol no sobrenadante é determinado após a precipitação das lipoproteínas contendo ApoB para medir HDL. O LDL é então calculado utilizando a seguinte equação: Essa fórmula (fórmula de Friedewald) é razoavelmente acurada se os resultados do teste forem obtidos a partir de uma amostra de plasma em jejum e se os níveis de TG não ultrapassarem cerca de 200mg/dl; por convenção, não pode ser utilizada se o nível de TG for >400 mg/dl. O LDL pode ser medido diretamente por vários métodos. A avaliação adicional e o tratamento baseiam-se principalmente na avaliação clínica do risco cardiovascular absoluto usando calculadores de risco, como o calculador de risco da AHA/ACC com base em uma grande quantidade de dados observacionais. ➔ Diagnóstico: a primeira etapa fundamental no manejo de um distúrbio das lipoproteínas consiste em tentar determinar a classe ou as classes de lipoproteínas que estão aumentadas ou diminuídas no paciente. Após a classificação acurada dahiperlipidemia, os esforços devem ser direcionados para excluir qualquer causa secundária possível de hiperlipidemia. Embora muitos pacientes com hiperlipidemia tenham uma causa primária (genética) para o distúrbio dos lipídios, os fatores secundários com frequência contribuem para a hiperlipidemia. Deve-se obter uma cuidadosa história social, médica e familiar. Deve-se determinar o nível de glicose em jejum na avaliação inicial de todos os indivíduos com níveis elevados de TG. A síndrome nefrótica e a insuficiência renal crônica devem ser excluídas por meio da determinação das proteínas urinárias e da creatinina sérica. Devem-se efetuar provas de função hepática para excluir a possibilidade de hepatite e colestase. O hipotireoidismo também deve ser excluído pela determinação do nível sérico de hormônio tireoestimulante. Uma vez excluídas as causas secundárias, deve-se procurar estabelecer o diagnóstico do distúrbio primário dos lipídios, visto que o defeito genético subjacente pode fornecer informações prognósticas importantes sobre o risco de desenvolvimento de DAC, sobre a resposta ao tratamento farmacológico e sobre o manejo de outros membros da família. o Hipertrigliceridemia grave: se os níveis plasmáticos de TG em jejum forem >1000mg/dl, o paciente apresenta quilomicronemia. Se a razão colesterol: TG for.10 , deve-se considerar a síndrome de quilomicronemia familiar, e a atividade da LPL medida no plasma após a administração de heparina pode ajudar a estabelecer esse diagnóstico. A maioria dos adultos com quilomicronemia também apresentam níveis elevados de VLDL. Esses indivíduos em geral não apresentam distúrbio mendeliano, porém estão geneticamente predispostos e apresentam fatores secundários (dieta, obesidade, intolerância à glicose, consumo de álcool, terapia com estrogênio) que contribuem para a hiperlipidemia. Esses pacientes correm risco de pancreatite aguda e devem ser tratados para reduzir os níveis de TG e, portanto, o risco de pancreatite. o Hipercolesterolemia grave: se os níveis de LDL estiverem muito altos (mais do que um percentil de 95 para a idade e o sexo), é provável que o paciente tenha uma causa genética de hipercolesterolemia. Os pacientes com hipercolesterolemia mais moderada que não segrega em famílias como traço monogênico tendem a apresentar hipercolesterolemia ´poligênica. o Hiperlipidemia combinada: os erros mais comuns no diagnóstico dos distúrbios dos lipídios envolvem pacientes com hiperlipidemia combinada. São observadas elevações nos níveis plasmáticos de colesterol e TGs em pacientes com aumento dos níveis plasmáticos de VLDL e LDL ou lipoproteínas remanescentes. A determinação dos níveis plasmáticos de ApoB pode ajudar a identificar pacientes com HLCF que podem necessitar de tratamento mais agressivo.
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