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Bianca Cardoso e Santos HIPOGLICEMIA DEFINIÇÃO Hipoglicemia é definida pela tríade de Whipple: 1. Valor de glicemia diminuído (glicemia < 45 mg/dL, em diabéticos considerar valores < 70 mg/dL); 2. Sintomas adrenérgicos (palpitação, tremor, sudorese, parestesias, fome, taquicardia, ansiedade) ou neuroglicopênicos (cefaleia, tontura, ataxia, astenia, dificuldade de concentração, lentificação, confusão mental, irritabilidade, distúrbios do comportamento, déficits neurológicos focais, sonolência convulsões, coma). 3. Resolução dos sintomas com a correção da hipoglicemia. A hipoglicemia é potencialmente fatal, pode causar graves sequelas e deve ser prontamente corrigida. Hipoglicemia é um evento relativamente raro, exceto em pacientes com diabetes mellitus (DM). FISIOPATOLOGIA A glicemia é mantida estável mesmo em jejum. Inicialmente a glicogenólise (hepática e muscular) é o principal processo de manutenção da homeostase da glicemia. Após jejum de 12 horas, mais de 50% da glicose sérica proveniente da neoglicogênese já foi utilizada e em 48 horas todo o processo da glicogenólise é esgotado. A manutenção da glicemia em uma faixa de normalidade (60-100 mg/dL) ocorre por meio da ação de diferentes hormônios hipoglicemiantes e hiperglicemiantes. A insulina é o principal hormônio hipoglicemiante e sua secreção é regulada conforme os níveis de glicemia plasmática. Durante o jejum, a liberação aumentada de epinefrina, glucagon e, em menor grau, de GH e cortisol fazem a resposta contrarregulatória que impede hipoglicemias sintomáticas. Os mecanismos para prevenir a hipoglicemia sequencialmente incluem: 1. Diminuição da secreção de insulina com os níveis de glicose no limite inferior da normalidade. 2. Aumento da secreção de glucagon; ou, em sua ausência. 3. Aumento da secreção de adrenalina. Bianca Cardoso e Santos As hipoglicemias podem ser divididas em duas classificações principais, a depender se for relacionada ao jejum ou pós-prandial. Essa classificação não é perfeita, e pacientes com insulinoma, que normalmente apresentam hipoglicemia de jejum, podem apresentar hipoglicemia pós-prandial. Nessa classificação, temos: 1. Hipoglicemia em jejum: secundária a doenças orgânicas, manifestadas primordialmente por sintomas neuroglicopênicos. 2. Hipoglicemia pós-prandial: normalmente ocorre por distúrbios funcionais que provocam sintomas autonômicos. Uma classificação de maior utilidade é a de hipoglicemia, que ocorre em pacientes aparentemente saudáveis ou hipoglicemia que ocorre em pacientes aparentemente doentes. *insulinoma: tumor que produz insulina. *Hipoglicemia factícia: o paciente, deliberadamente, manipula seus níveis glicêmicos por meio do uso de insulina ou de seus secretagogos (sulfoniluréias e metiglinidas). A hipoglicemia em pacientes com DM está frequentemente associada a fatores como: 1. Doses altas de insulina. 2. Perda ou atraso de refeições. 3. Falta de compensação de carboidratos antes de atividade física. 4. Ingestão de álcool. 5. Insuficiência renal. 6. Perda da contrarregulação hormonal (episódios mais graves). QUADRO CLÍNICO As manifestações incluem: Manifestações adrenérgicas: palpitações, taquicardia, ansiedade, tremores, sudorese, fome e parestesias. Manifestações neuroglicopênicos: cefaleia, sonolência, tonturas, ataxia, astenia, dificuldade de concentração, lentificação, confusão mental, irritabilidade, distúrbios do comportamento, déficits neurológicos focais, convulsões e coma. Pacientes idosos, em uso de betabloqueadores ou diabéticos de longa data podem não apresentar sintomas adrenérgicos e manifestar apenas sintomas de neuroglicopenia que são tardios. Bianca Cardoso e Santos A história clínica, achados físicos e medicações utilizadas pelo paciente podem ajudar no diagnóstico etiológico da hipoglicemia. Dessa forma, em pacientes com doença psiquiátrica deve-se levantar a hipótese de hipoglicemia factícia. Medicamentos como quinino e intoxicação aguda por salicilatos podem causar hipoglicemia. EXAMES COMLEMENTARES O DM é a causa mais comum de hipoglicemia em pacientes no Departamento de Emergência (DE). Nesses pacientes é importante estabelecer o fator causal da hipoglicemia, sendo recomendada a dosagem de função renal, eletrólitos e considerar outros exames, dependendo de fatores associados. Em pacientes não diabéticos, uma investigação mais aprofundada é necessária. Se os pacientes forem aparentemente doentes, os exames são dependentes da etiologia suspeitada, mas devem incluir função hepática e renal, eletrólitos, cortisol, peptídeo C e insulina. Em pacientes com suspeita de insulinoma, pode-se realizar o teste de jejum prolongado. Se o paciente chega ao DE com hipoglicemia, não é necessário, e deve-se colher insulina e peptídeo C. Na suspeita de hipoglicemia factícia, a dosagem de sulfonilureias pode descartar hipoglicemia por uso de hipoglicemiantes. A hipoglicemia secundária a insulina exógena cursa com peptídeo C suprimido, ao contrário do insulinoma e hipoglicemia secundária a sulfonilureias. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Todos os pacientes com alteração do nível de consciência têm como diagnóstico diferencial a hipoglicemia, que deve ser descartada prontamente com a realização de glicemia capilar. Em pacientes com hipoglicemia sem DM ou uma etiologia clara, deve-se realizar uma investigação maior. As causas podem ser divididas em associadas ao jejum ou pós-prandiais. Hipoglicemias pós-prandiais Nessas situações a hipoglicemia ocorre de 1 a 5 horas após ingestão alimentar, usualmente por causas funcionais: Bianca Cardoso e Santos Álcool: a hipoglicemia induzida pelo álcool é observada em estados de depleção de glicogênio (jejum prolongado). O álcool inibe a neoglicogênese por reduzir a resposta contrarreguladora, inibe a captação de precursores da neoglicogênese pelo hepatócito. Ocorre apenas em ingestão prolongada ou em pacientes desnutridos. Hipoglicemia hiperinsulinêmica pancreatógena não insulinoma cursa principalmente com hipoglicemia depois de uma refeição. Usualmente apresenta a nesidioblastose, que é um processo de hipertrofia das ilhotas, às vezes com hiperplasia. Na investigação bioquímica, o teste do jejum prolongado costuma ser negativo. Testes pós-alimentares demonstram hipoglicemias graves com hiperinsulinemia concomitante. Os exames de imagem são negativos. O cateterismo arterial seletivo com infusão de cálcio é capaz de identificar a(s) área(s) com hiperfunção das células β, e essa informação servirá para guiar a extensão da pancreatectomia distal. Após cirurgia bariátrica em Y de Roux é descrita hipoglicemia, por mecanismo semelhante a hipoglicemia hipersinsulinêmica pancreatógena não insulinoma. Hipoglicemia funcional: não é encontrada uma patologia específica causadora da hipoglicemia. Usualmente associada a distúrbios psiquiátricos como depressão e ansiedade. Podem ocorrer sintomas com glicemia > 50 mg/dL, o que torna a correlação de sintomas e hipoglicemia pobre. Diabetes mellitus: no diabetes oculto já comentado. Alterações funcionais de esvaziamento gástrico: pode ocorrer em piloroplastia, cirurgias gástricas etc. Erros inatos do metabolismo: são causas raras de hipoglicemia pós-prandial. A galactosemia caracteriza-se por hipoglicemia pós-prandial após ingestão de alimentos que contenham galactose, retardo mental, cirrose e catarata. Já na intolerância hereditária à frutose ocorrem hipoglicemia e vômitos após ingesta de frutose, hepatomegalia e déficit de crescimento. Em ambos os casos o tratamento consiste na retirada da substância envolvida da dieta, com ótimos resultados. Hipoglicemias de jejum Pacientes aparentemente doentes A principal causa é a sepse. Pode ocorrer na malária por consumo de glicose, em disfunção hepática grave, em doença renal, nas neoplasias mesenquimais ou avançadas, e na insuficiênciaadrenal. Além disso, pode-se citar: Medicamentos: os pacientes podem se apresentar aparentemente saudáveis ou aparentemente doentes. As sulfonilureias são a principal causa de hipoglicemia medicamentosa não insulina, mas outros hipoglicemiantes e medicações também são causas potenciais. Glicogenoses: doença de armazenamento do glicogênio por defeitos enzimáticos. Bianca Cardoso e Santos Insuficiência adrenal: pode acontecer tanto na insuficiência adrenal, mas principalmente na secundária. Podem ainda ocorrer hipercalemia, hiponatremia, anorexia, adinamia e alterações gastrointestinais. Feocromocitoma: ocorre importante consumo de glicose associado a hipertensão e sintomas adrenérgicos. Pacientes aparentemente saudáveis Hipoglicemia factícia: ocorre principalmente em pacientes com doenças psiquiátricas ou profissionais de saúde. Deve-se dosar peptídeo C, insulina e se possível hipoglicemiantes. Insulinomas: após o diagnóstico é preciso buscar sua localização, sendo cerca de 99% dos casos no pâncreas. O tumor é único em 90% dos pacientes, e em 5 a 10% dos casos malignos. Laboratorialmente caracterizam-se por hipoglicemia com níveis elevados de insulina, peptídeo C e pró-insulina. A localização pode ser feita por tomografia, ressonância, palpação intraoperatória (padrão-ouro se cirurgião experiente), ultrassom endoscópico ou ultrassom intraoperatório. Cirurgia é o tratamento de escolha, o tratamento medicamentoso (diazóxido, octreotide, hidroclorotiazida) é reservado para pacientes com contraindicação, recusa à cirurgia ou tumores refratários. TRATAMENTO Em pacientes sintomáticos com hipoglicemia confirmada deve-se infundir 15 a 20 g de glicose (considerar infusão de até 50 g de glicose a 50%). Em pacientes sem acesso venoso pode-se utilizar glucagon IM 1 a 2 mg, o efeito é fugaz e esgota todas as reservas hepáticas de glicose, não sendo possível repetir a dose. Em pacientes pouco sintomáticos e com nível de consciência preservado pode-se realizar alimentação com carboidratos ou glicose por via oral. Em pacientes desnutridos, hepatopatas ou etilistas, deve-se prescrever tiamina junto com a glicose, para prevenir encefalopatia de Wernicke-Korsakoff com dose de 100 a 300 mg de tiamina, IV ou IM, juntamente com a glicose. INDICAÇÕES DE INTERNAÇÃO, TERAPIA INTENSIVA E SEGUIMENTO Pacientes diabéticos com alto risco de desenvolver novos episódios de hipoglicemia (como portadores de insuficiência renal crônica, p. ex.) devem ser observados por 12 a 24 horas com glicemia capilar 1/1 hora, e regime de insulina ou medicações hipoglicemiantes ajustadas para evitar novos episódios de hipoglicemia. Pacientes com hipoglicemia aparentemente doentes devem ser internados. Raramente são necessários recursos de UTI, exceto em rebaixamento persistente do nível de consciência. O seguimento ambulatorial é dependente da etiologia da hipoglicemia, mas quase sempre é necessário. Bianca Cardoso e Santos
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