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MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS - IPEMIG

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1 
 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS 
HUMANOS 
BELO HORIZONTE / MG 
 
 
 
 2 
 
SUMÁRIO 
 
GLOBALIZAÇÃO E SOCIEDADES MULTICULTURAIS ...................................................................... 4 
CENÁRIO PÓS-COLONIAL ................................................................................................................... 5 
CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E DIFERENÇA ................................................................. 7 
IGUALDADE E DIFERENÇA ................................................................................................................ 10 
UNIVERSALISMO E RELATIVISMO ................................................................................................... 12 
QUESTÕES E TENSÕES NO COTIDIANO: GÊNERO, RAÇA, ORIENTAÇÃO ................................ 15 
SEXUAL E RELIGIÃO .......................................................................................................................... 15 
ETNOCENTRISMO, ESTEREÓTIPO E PRECONCEITO .................................................................... 17 
EDUCAÇÃO MULTICULTURAL .......................................................................................................... 25 
CURRÍCULO E INTERCULTURALIDADE ........................................................................................... 26 
ORIGEM DA ATENÇÃO À MULTICULTURALIDADE ........................................................................ 27 
A EDUCAÇÃO INTERCULTURAL NA RENOVAÇÃO DE UM CURRÍCULO QUE CONCRETIZE O 
PRINCÍPIO DA “ESCOLA PARA TODOS” ......................................................................................... 28 
A EDUCAÇÃO NAS RESPOSTAS AO MULTICULTURALISMO ....................................................... 29 
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS E PERSPECTIVA INTERCULTURAL ........................................... 32 
DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E DEMOCRACIA ...................................................................... 35 
CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS E SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO ESCOLAR
 ............................................................................................................................................................... 38 
PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS (PNEDH)...................................... 41 
OS DIREITOS HUMANOS NA HISTÓRIA ........................................................................................... 43 
Antiguidade .......................................................................................................................................... 43 
Conquista da Babilônia ...................................................................................................................... 44 
O Império Romano .............................................................................................................................. 45 
IDADE MÉDIA ....................................................................................................................................... 47 
Contexto histórico ............................................................................................................................... 47 
A Justiça na Idade Média .................................................................................................................... 48 
IDADE MODERNA ................................................................................................................................ 49 
Revolução Gloriosa e a Petition of Rights ........................................................................................ 50 
Declaração dos Povos da Virgínea ................................................................................................... 50 
Declaração de Independência dos EUA ............................................................................................ 51 
Revolução Francesa ........................................................................................................................... 53 
IDADE CONTEMPORÂNEA ................................................................................................................. 53 
Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar ......................................................... 54 
Liga das Nações e a Criação da ONU ............................................................................................... 54 
A Declaração Universal dos Direitos Humanos ............................................................................... 55 
Preâmbulo ............................................................................................................................................ 56 
Carta da ONU ....................................................................................................................................... 61 
 
 
 
 3 
 
Guia prático ‘Campo de ação da sociedade civil e o Sistema dos Direitos Humanos das Nações 
Unidas. .................................................................................................................................................. 62 
Guia de orientação das Nações Unidas no Brasil para denúncias de discriminação étnico-racial
 ............................................................................................................................................................... 62 
Mapa do Encarceramento – Os jovens do Brasil ............................................................................. 62 
Relatório do Subcomitê de Prevenção da Tortura (SPT) sobre o Brasil ....................................... 62 
Declaração de Durban (2001) ............................................................................................................. 63 
A organização das Nações Unidas (ONU) ........................................................................................ 63 
Quais os princípios da ONU? ............................................................................................................. 63 
Por que a ONU foi criada? .................................................................................................................. 64 
Como é a estrutura da ONU ............................................................................................................... 64 
Onde a ONU está sediada ................................................................................................................... 65 
Como são as reuniões da ONU?........................................................................................................ 65 
A Assembleia-Geral da ONU .............................................................................................................. 65 
O Conselho de Segurança da ONU ................................................................................................... 67 
Conselho Econômico E Social ........................................................................................................... 68 
Corte Internacional De Justiça........................................................................................................... 70 
Secretariado ......................................................................................................................................... 70 
BIBLIOGRAFIA BÁSICA ...................................................................................................................... 72MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 4 
 
GLOBALIZAÇÃO E SOCIEDADES MULTICULTURAIS 
 
 
Fonte: www.diegobrandao.jusbrasil.com.br 
 
O multiculturalismo é conhecido como um fenômeno que estabelece a coexistência de 
várias culturas em um mesmo espaço territorial e nacional. Ele é muito comum em nossa 
época, pois graças aos importantes avanços tecnológicos, ao desenvolvimento das 
comunicações e da interligação de diferentes partes do mundo, todas as sociedades podem 
receber informação sobre outras. Ao mesmo tempo, o crescimento das migrações e a 
travessia legal das fronteiras colaboram com a mistura de culturas e sociedades. 
As relações entre esses ‘’grupos’’ podem ser aceitação e tolerância ou de conflito e 
rejeição. Isso vai depender da história da sociedade em questão, das políticas públicas 
propostas pelo Estado e, principalmente, do modo específico como a cultura dominante do 
território é imposta ou se impõem para todas as outras. A convivência entre culturas diferentes 
não é uma questão nova, mas que se se intensificou nos últimos anos devido a 
acontecimentos marcantes. 
Não é possível entender o multiculturalismo fora do contexto do fenômeno da 
globalização. O desenvolvimento acelerado dos meios de transporte e das tecnologias de 
comunicação aproximaram diferentes regiões do mundo, criando redes industriais e 
financeiras complexas e uma economia multinacional, interdependente e insubmissa às 
fronteiras nacionais. Com o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos passam a hegemonizar 
culturalmente todo o planeta. Seus produtos, filmes, músicas e formas de ver as coisas se 
espalham globalmente gerando o que se chama de “americanização” do mundo. 
Frente a esse fenômeno de hegemonização dos padrões culturais globais, as culturas 
tradicionais se fortaleceram, reagindo contra a massificação dos modos de ser. Por outro lado, 
apesar da massificação, vemos que essas comunidades culturais locais são capazes de se 
http://www.diegobrandao.jusbrasil.com.br/
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 5 
 
apropriar de partes da cultura americana, transformando-as em uma algo novo e diferente do 
original. No Brasil, o funk e rap são um exemplo claro dessa possibilidade. 
Outros processos importantes que influenciam no surgimento das sociedades 
multiculturais, são as lutas pela independência que ocorrem nas colônias europeias da 
segunda metade do século XX, especialmente na África e na Ásia. 
 
CENÁRIO PÓS-COLONIAL 
 
Fonte: www.cartacapital.com.br 
 
O cenário pós-colonial gera um processo de resgate das culturas tradicionais locais e, 
ao mesmo tempo, pela ligação histórica, desencadeia um movimento migratório para os 
países colonizadores. Também os conflitos de ordem étnica, religiosa e política, além das 
deficiências econômicas, são fatores que aumentam o fluxo migratório. Incentivado por tudo 
isso e pelo próprio cenário criado pela globalização, esse movimento migratório transforma 
de modo profundo as nações que receberam os imigrantes, colocando em cheque a 
capacidade dos estados modernos de gerirem sua nova configuração multicultural. 
Alguns países democráticos têm buscado promover a aceitação e incorporação de 
culturas diferentes em seus territórios, valorizando a possibilidade de se constituírem 
enquanto nações pluriétnicas. No entanto, em outros países, a negação de direitos sociais e 
a perseguição de minorias culturais são práticas oficiais. Muitas vezes, ainda que exista uma 
política multiculturalista oficial, a perseguição é praticada por pessoas comuns, inflamadas 
por um sentimento de nacionalismo e rejeição ao outro. Os ataques violentos organizados por 
civis aos abrigos de refugiados de origem árabe na Alemanha são um exemplo disso. O 
multiculturalismo emerge a partir das reivindicações de minorias étnicas que sofrem de 
opressão histórica em seus territórios, como os negros e as populações indígenas por todo 
continente americano, incluindo o Brasil. O debate em torno desse tema é muito importante e 
traz à tona a forma como lidamos, enquanto sociedade, com as diferenças étnicas, culturais 
e religiosas que nos cercam. 
http://www.cartacapital.com.br/
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 6 
 
 De um modo genérico o multiculturalismo pode ser entendido como a gestão 
de um fenômeno social assentado na refração das culturas postas em maior contato a 
partir da segunda metade do século XX. O cerne político da questão está na luta por 
mais justiça social. O ponto de inflexão é posto na democracia. Portanto, uma luta por 
oportunidades, mais respeito à diferença e menos desigualdade. Enfim, é um 
fenômeno adensado pela conquista dos direitos civis. Como resultado prático buscam-
se melhorias em termos legais, econômicos, políticos sociais e culturais para as 
denominadas minorias. 
O multiculturalismo configura-se como política de gestão da multiculturalidade 
e/ou movimentos culturais demandados pela valorização da diferença como fator de 
expressão de identidade (s). Este, enquanto movimento de ideias, resulta de um tipo 
de consciência coletiva para a qual as orientações do agir humano se oporiam a toda 
forma de centrismos (SEMPRINI, 1999). Assim, esta política afronta as concepções 
monoculturais das sociedades etnocêntricas. 
Os Estados Unidos da América, Canadá, Austrália, Inglaterra, Espanha e 
outros mais são exemplos de países onde as sociedades passaram a assumir 
formalmente a multiculturalidade. Deste feito, tais países engendraram políticas 
públicas como formas de gestão da pluralidade cultural. A América Latina, e nesta o 
Brasil, também se pôs diante da necessidade de valorizar a diversidade cultural 
(UNESCO, 2002). Valorização esta, situada na legislação e na formatação de políticas 
públicas específicas. 
Coroando esta política pública encontram-se programas antirracistas. Um lado 
prático destes consiste em levar professores/as e alunos/as a intervir em casos de 
“constrangimento racial e cultural”. A dimensão pedagógica do programa tem como 
finalidade a identificação das práticas racistas sistêmicas implicadas na definição de 
políticas e práticas de imigração, moradia, emprego e educação. 
No Brasil é disputado o reconhecimento da diferença através de políticas 
compensatórias (índios, negros, portadores de necessidades especiais, mulheres, 
jovens, idosos, gays, etc.). Não obstante, este reconhecimento é marcado por 
contradições próprias da formação política e cultural expressa em desigualdades 
sociais. 
O Estado brasileiro assumiu a multiculturalidade como um condicionante da 
estruturação social. Por isso, pôs no corpo da Lei Maior (BRASIL, 1988) este feito 
cultural como marca da formação social do país. A Lei de Diretrizes e Bases da 
Educação Nacional – LDBEN, Lei 9394/96, (BRASIL, 1996) trouxe uma concepção de 
educação para a diversidade cultural. Este processo de reforma estabeleceu as 
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (BRASIL, 1998). 
Em outros âmbitos legais foram implantadas políticas públicas na forma de 
ações afirmativas nas universidades. A Lei nº 12.711/2012 foi sancionada em agosto 
de 2012. Ela garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 
universidades federais e institutosfederais de educação, ciência e tecnologia a alunos 
oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação 
de jovens e adultos. O restante (50%) das vagas permanece no processo de seleção 
universal. A reforma universitária está atravessada por este eixo transversal. Neste 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 7 
 
processo reformista foi criada a Secretaria de Promoção de Políticas de Igualdades Raciais – 
SEPPIR e A Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – 
SECADI. Outras reformulações hão sido desenvolvidas para o fortalecimento de grupos 
sociais discriminados ou postos à margem da sociedade. São políticas encorajadoras das 
questões multiculturais. Estas, portanto, constroem-se mediante desafios. Porque a 
expressão das mesmas desloca poderes. O que tenciona relações antes mantidas em uma 
aura de naturalização. 
 
CONCEITOS DE CULTURA, IDENTIDADE E DIFERENÇA 
 
Fonte: www.portalmie.com 
Nos últimos tempos a cultura tem sido o foco das discussões antropológicas devido ao 
estudo de sua evolução ser essencial à compreensão da diversidade cultural da espécie 
humana. Conforme Laraia (1996), o termo “cultura” foi definido pela primeira vez, no final do 
século XVIII, por Edward Tylor que através do termo germânico “Kultur”, que significava os 
aspectos espirituais de uma comunidade, com a palavra francesa “Civilization”, que significava 
as realizações materiais de um povo. 
Ao tratar do conceito de cultura, a sociologia se ocupa em entender os aspectos 
aprendidos que o ser humano, em contato social, adquire ao longo de sua convivência. Esses 
aspectos, compartilhados entre os indivíduos que fazem parte deste grupo de convívio 
específico, refletem especificamente a realidade social desses sujeitos. Características como 
a linguagem, modo de se vestir em ocasiões específicas são algumas características que 
podem ser determinadas por uma cultura que acaba por ter como função possibilitar a 
cooperação e a comunicação entre aqueles que dela fazem parte. 
A cultura possui tanto aspectos tangíveis - objetos ou símbolos que fazem parte do 
seu contexto, quanto intangíveis - ideias, normas que regulam o comportamento, formas de 
religiosidade. Esses aspectos constroem a realidade social dividida por aqueles que a 
integram, dando forma a relações e estabelecendo valores e normas. 
Esses valores são características que são consideradas desejáveis ou indesejáveis no 
comportamento dos indivíduos que fazem parte de uma cultura, como por exemplo o princípio 
da honestidade que é visto como característica extremamente desejável em nossa sociedade. 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 8 
 
As normas são um conjunto de regras formadas a partir dos valores de uma 
cultura, que servem para regular o comportamento daqueles que dela fazem parte. O 
valor do princípio da honestidade faz com que a desonestidade seja condenada dentro 
dos limites convencionados pelos integrantes dessa cultura, compelindo os demais 
integrantes a agir dentro do que é estipulado como “honesto”. As normas e os valores 
possuem grandes variações nas diferentes culturas que observamos. Em algumas 
culturas, como no Japão, o valor da educação é tão forte que falhar em exames 
escolares é visto como uma vergonha tremenda para a família do estudante. Existe, 
então, a norma de que estudar e ter bom desempenho acadêmico é uma das mais 
importantes tarefas de um jovem japonês e a pressão social que esse valor exerce 
sobre ele é tão forte que há um grande número de suicídios relacionados a falhas 
escolares. Para nós, no entanto, a ideia do suicídio motivado por uma falha escolar 
parece ser loucura. 
Mesmo dentro de uma mesma sociedade podem existir divergências culturais. 
Alguns grupos, ou pessoas, podem ter fortes valores baseados em crenças religiosas, 
enquanto outras prefiram a lógica do progresso científico para compreender o mundo. 
A diversidade cultural é um fato em nossa realidade globalizada, onde o contato entre 
o que consideramos familiar e o que consideramos estranho é comum. Ideias 
diferentes, comportamento, contato com línguas estrangeiras ou com a culinária de 
outras culturas tornou-se tão corriqueiro em nosso dia a dia que mal paramos para 
pensar no impacto que sofremos diariamente, seja na adoção de expressões de 
línguas estrangeiras ou na incorporação de alimentos exóticos em nossa rotina 
alimentar. 
Uma cultura não é estática, ela está em constante mudança de acordo com os 
acontecimentos vividos por seus integrantes. Valores que possuíam força no passado 
se enfraquecem no novo contexto vivido pelas novas gerações, a depender das novas 
necessidades que surgem, já que o mundo social também não é estático. Movimentos 
contra culturais, como o punk ou o rock, são exemplos claros do processo de mudança 
de valores culturais que algumas sociedades viveram de forma generalizada. 
O contato com culturas diferentes também modifica alguns aspectos de nossa 
cultura. O processo de aculturação, onde uma cultura absorve ou adota certos 
aspectos de outra a partir do seu convívio, é comum em nossa realidade globalizada, 
onde temos contato quase perpétuo com culturas de todas as formas e lugares 
possíveis. 
 
IDENTIDADE CULTURAL 
 
A identidade cultural ainda é bastante discutida dentro dos círculos teóricos das 
Ciências Sociais em face de sua complexidade. Entre as possíveis formas de 
entendimento da ideia de identidade cultural, existem duas concepções distintas que 
devemos destacar dentro dos estudos sociológicos mais recentes. Essas concepções 
de identidade são brevemente explicadas por Anthony Giddens, sociólogo britânico, e 
nos ajudarão a entender melhor esse conceito. 
 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 9 
 
 
Fonte: www.pt.slideshare.net 
 
O conceito de identidade refere-se a uma parte mais individual do sujeito social, mas 
que ainda assim é totalmente dependente do âmbito comum e da convivência social. De forma 
geral, entende-se por identidade aquilo que se relaciona com o conjunto de entendimentos 
que uma pessoa possui sobre si mesma e sobre tudo aquilo que lhe é significativo. Esse 
entendimento é construído a partir de determinadas fontes de significado que são construídas 
socialmente, como o gênero, nacionalidade ou classe social, e que passam a ser usadas pelos 
indivíduos como plataforma de construção de sua identidade. 
Dentro desse conceito de identidade, há duas distinções importantes que devemos 
entender antes de prosseguirmos. A teoria sociológica distingue duas apreensões: a 
identidade social e a auto identidade. 
A identidade social refere-se às características atribuídas a um indivíduo pelos outros, 
o que serve como uma espécie de categorização realizada pelos demais indivíduos para 
identificar o que uma pessoa em particular é, portanto, o título profissional de médico, por 
exemplo, quando atribuído a um sujeito, possui uma série de qualidades predefinidas no 
contexto social que são atribuídas aos indivíduos que exercem essa profissão. A partir disso, 
o sujeito posiciona-se e é posicionado em seu âmbito social em relação a outros indivíduos 
que partilham dos mesmos atributos. 
O conceito de autoidentidade (ou a identidade pessoal) refere-se à formulação de um 
sentido único que atribuímos a nós mesmos e à nossa relação individual que desenvolvemos 
com o restante do mundo. A escola teórica do “interacionismo simbólico” é o principal ponto 
de apoio para essa ideia, já que parte da noção de que é diante da interação entre o indivíduo 
e o mundo exterior que surge a formação de um sentido de “si mesmo”. Esse diálogo entre 
mundo interior do indivíduo e mundo exterior da sociedade molda a identidade do sujeito que 
se forma a partir de suas escolhas no decorrer de sua vida. 
Diante do que já foi esclarecido, que o conceito de identidade cultural faz alusão à 
construção identitária de cada indivíduo em seu contexto cultural. Em outras palavras, a 
identidade cultural está relacionada com a forma como vemos o mundo exterior e como nos 
posicionamos em relação a ele. Esse processo é continuo e perpétuo, o que significa que a 
identidade de um sujeito está sempre sujeita a mudanças. Nesse sentido, a identidade cultural 
http://www.pt.slideshare.net/
http://www.pt.slideshare.net/
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 10 
 
preenche os espaços de mediação entre o mundo “interior” e o mundo “exterior”, entre 
o mundo pessoal e o mundo público. Nesse processo, ao mesmo tempo que 
projetamos nossas particularidades sobre o mundo exterior (ações individuais de 
vontade ou desejo particular), também internalizamos o mundo exterior (normas, 
valores, língua...). É nessa relação que construímos nossas identidades. 
Algumas pessoas consideram a globalização um perigo para a preservação da 
diversidade cultural, pois acreditam na perda de costumes tradicionais e típicos de 
cada sociedade, dando lugar às características globais e "impessoais". 
Com o intuito de tentar preservar a riqueza da diversidade cultural dos países, 
a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) 
criou a "Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural". 
A Declaração da UNESCO sobre Diversidade Cultural reconhece as múltiplas 
culturas como uma "herança comum da humanidade", e é considerada o primeiro 
instrumento que promove e protege a diversidade cultural e o diálogo intercultural entre 
as nações. 
Já o Brasil, é um país incrivelmente rico em diversidade cultural, devido a sua 
extensão territorial e a pluralidade de colonizações e influências que sofreu ao longo 
do processo de construção da sociedade brasileira. As diferenças são bastante visíveis 
mesmo entre as diferentes regiões do país: norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e 
sul. 
Nas regiões norte e nordeste, a predominância é das tradições indígenas e 
africanas, sincretizadas com os costumes dos povos europeus, que colonizaram o 
país. Na região centro-oeste, onde predomina o Pantanal, existe ainda uma grande 
presença da diversidade cultural indígena, com forte influência da culinária mineira e 
paulista. No sudeste e sul destacam-se costumes de origem europeia, com colônias 
portuguesas, germânicas, italianas e espanholas que, ainda hoje, mantêm a cultura 
típica de seus países de origem. 
 
IGUALDADE E DIFERENÇA 
 
Igualdade e diferença são temas velhos a despeito de sua permanência no 
debate atual. Esses temas estiveram enlaçados com os processos históricos 
emergentes e alcançaram várias formas de aparição histórico-discursiva que nem 
sempre combinavam a igualdade como oposto a uma desigualdade naturalizada, que 
demandava busca de soluções, exemplo disso era na Antiguidade Clássica, cuja 
igualdade não era universalizável aos “não cidadãos”, aos “bárbaros”, mas sim, 
apenas aos cidadãos. 
 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 11 
 
 
Fonte: www.aee2013cristina.blogspot.com.br 
 
Os responsáveis pela dignidade do conceito de igualdade de forma mais universal 
foram as filosofias humanistas dos séculos XVI e XVII, a ética cristã, os Iluminismos do século 
XVIII e o marxismo do século XIX. Entretanto, a noção de igualdade persistente na cultura 
ocidental está indissociavelmente ligada ao Cristianismo, o qual enxerga cada homem 
individualmente, como uma pessoa singular, diferente, mas igual perante Deus e dotado da 
mesma origem. 
Assim, a noção de igualdade para o Cristianismo está intimamente ligada à noção de 
diferença: igualdade porque pela origem comum não há homem superior e nem inferior, e 
diferença porque na relação entre homem e Deus existe desigualdade entre criatura e Criador. 
E essa ideia de uma igualdade perante Deus foi ao longo do tempo sendo aperfeiçoada e 
codificada como igualdade perante a lei. 
Partindo desse suposto, o princípio de isonomia ou de igualdade, legalmente 
reconhecido e garantido pelos textos constitucionais dos países com regime político 
democrático, como é o caso do Brasil, afirma que todos são iguais sem distinção de qualquer 
natureza, porém a estrutura concreta das sociedades, revela as diversidades de ordem 
cultural, social, de gênero, étnico-racial e as interferências das mesmas nas condições de vida 
e de história dessas sociedades e a necessidade da busca de uma igualdade material, 
substantiva, que perpassa pelo reconhecimento do direito a diferença. Em outras palavras, 
existem dois tipos de igualdade: a legal – àquela que está presente em dispositivos jurídicos; 
e a material – àquela que se consubstancia na vida cotidiana, garantindo que todos os sujeitos 
usufruam os mesmos direitos e oportunidades. 
Entretanto, o direito a igualdade material, real, só se legitima quando o direito as 
diferenças são respeitadas. Com efeito, nas sociedades pluriétnicas, a noção de neutralidade 
do Estado, nas esferas econômica e social, se traduz na crença de que a mera introdução de 
dispositivos legais é o suficiente para garantir a existência de uma sociedade harmônica, onde 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 12 
 
independentemente da diversidade, seria assegurado a todos a efetiva igualdade de 
acesso aos bens produzidos pela humanidade, mas a discriminação se dá exatamente 
quando indivíduos são tratados iguais em situações diferentes, e quando diferentes, 
em situações iguais. 
Nesse contexto, a discussão de igualdade tem trazido à cena as várias 
coletividades, as diversas demandas específicas dos grupos excluídos histórica e 
culturalmente, como as mulheres, os índios, os negros, os homossexuais, os 
deficientes, etc., que lutam pelo direito às diferenças como pressuposto ao direito à 
igualdade, ou seja, uma discriminação positiva. 
 
UNIVERSALISMO E RELATIVISMO 
 
Com o processo de internacionalização dos direitos humanos, compreendido 
como um fenômeno do pós-guerra de 1945 em diante houve a necessidade premente 
de se formalizar, em diversas cartas, declarações e pactos internacionais, um rol 
mínimo de direitos, individuais e coletivos, que os Estados e as Organizações 
Internacionais se comprometem a respeitar, manter e promover. 
O objetivo era fomentar o reconhecimento e a valorização da dignidade da 
pessoa humana, independentemente, das diversidades culturais e do regime jurídico 
adotado por cada Estado. 
 
 
Fonte:www.pulpitocristao.com 
 
Nesse ínterim, foi idealizado um complexo sistema de proteção dos direitos 
humanos, o qual, num contextoglobal é exercido pela ONU, e, nas perspectivas 
regionais, pelas organizações internacionais. Destacam-se os sistemas: europeu, 
africano, asiático e interamericano. Acredita-se que parte das monstruosas violações 
aos direitos humanos da era Hitler poderiam ter sido evitadas, caso tais sistemas 
existissem. 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 13 
 
Pela adoção do novo paradigma, o qual situa a tutela dos direitos humanos como tema 
de legítimo interesse internacional, foi necessário restringir o conceito de soberania estatal, a 
qual se caracterizava, até então, por sua natureza ilimitada. Assim, a proteção dos direitos 
humanos não deve mais, reduzir-se ao âmbito interno de cada Estado, visto que a violação 
dos direitos humanos não é um problema doméstico, mas sim, uma questão que afeta toda a 
comunidade internacional. 
A concepção universalista, notadamente demarcada a partir da Declaração Universal 
dos Direitos Humanos de 1948, oferece como contra-argumentos à crítica relativista, os 
seguintes: 
 
a) No que pertence ao argumento filosófico, os universalistas refutam as visões 
antropocêntricas e cosmoteleológicas, afirmando que os direitos expressos nas 
declarações de direitos humanos não têm o condão de abranger todas as nuanças da vida 
em sociedade. 
 
Ainda nesse sentido, os universalistas argumentam que é possível identificar traços 
comuns em qualquer sociedade, como, por exemplo, a valorização da dignidade da pessoa 
humana e a proteção contra opressão ou arbítrio. Nessa esteira, afirma-se a ideia de um 
núcleo mínimo de direitos os quais merecem a salvaguarda em nível global. 
 
b) Contra a crítica da imposição da cultura ocidental aos demais povos, como expressão 
imperialista, os universalistas reagem à postura relativista afirmando que vários Estados 
promovem graves e generalizadas violações aos direitos humanos, sob a justificativa da 
manutenção da identidade cultural. O discurso relativista, nesses termos, estaria 
impregnado de conveniência e segundas intenções, haja vista valer-se como ideologia para 
oprimir as populações subjugadas por essas práticas vis e inexpugnáveis, e, ao mesmo 
tempo, para impedir a interferência da sociedade internacional na seara dos direitos 
humanos. 
 
Para reforçar essa crítica, ainda, era imprescindível refutar o argumento da falta de 
representatividade dos Estados na adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 
1948, o que para os relativistas era um sinal da arrogância dos países ocidentais. Assim, em 
1993, foi adotada a Declaração e Programa de Ação de Viena. Neste acordo internacional 
houve a tentativa, via normativa, de se afirmar a universalidade como característica intrínseca 
aos direitos humanos. Para tanto o fórum de Viena contou com a participação de 171 Estados, 
os quais de forma livre e consensual acordaram que, resguardadas as particularidades 
culturais, os direitos humanos devem possuir um caráter protetivo de cunho universal, 
conforme dispõe o seguinte dispositivo: 
“Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes 
e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos 
humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a 
mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser 
levadas em consideração, assim como diversos contexto histórico, cultural 
e religioso, é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 14 
 
humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus sistemas 
políticos, econômicos e culturais”. 
 
Desta forma, pode-se inferir que, se a Declaração de 1948 consagrou a perspectiva 
ocidental da definição dos direitos humanos, foi em Viena, em 1993, que se efetivou a 
tese da universalidade, haja vista os amplos debates que se travaram, em uma arena 
política mais numerosa e representativa das diversas perspectivas regionais e 
culturais, os quais repercutiram, inclusive, na modificação de algumas tradições 
ocidentais. 
 
c) No que concerne à crítica da supervalorização dos direitos humanos, na perspectiva 
individual, os universalistas explicam que, em face da fragilidade do indivíduo frente ao 
Estado, ao capital privado e, até mesmo, à comunidade, era necessário elencar um rol 
mínimo de direitos que resguardassem a dignidade humana, minimizando os aspectos 
negativos, inerentes a vulnerabilidade individual, em situações de opressão e 
desigualdade extrema. Soma-se a isso a inexistência de impedimentos normativos para 
assunção de deveres, isto é, os direitos consagrados nas declarações de direitos humanos 
podem ser implementados à luz dos deveres correlatos. Esta interpenetração, direitos-
deveres, é salutar e deve ser fomentada para possibilitar uma aproximação entre as 
culturas, num contexto de aprendizado recíproco. 
 
d) Para refutar o argumento do direcionamento geopolítico dos direitos humanos, os 
universalistas reconhecem a existência desse tipo de prática instrumentalização-interesse, 
entretanto acentuam que tal assertiva não é, de forma alguma, exclusiva da seara 
humanista. Em outros termos, essa censura pode ser estendida a qualquer tema do Direito 
Internacional, visto que, na Sociedade internacional a correlação de forças não é 
isonômica, tão pouco homogênea, o que facilita a seletividade das normas internacionais 
de acordo com a influência política. 
 
Assim, a crítica deve recair não sobre o Direito Internacional dos Direitos Humanos, 
mas sim sobre as próprias características da sociedade internacional, cujos atores principais, 
Estados, são, ao mesmo tempo, produtores, destinatários e aplicadores da norma 
internacional, podendo então interpretá-la de modo unilateral para atingir seus fins”. 
Por derradeiro, rebate-se a crítica “desenvolvimentista” à perspectiva universalista dos 
direitos humanos, afirmando-se que a inexistência de recursos econômico-financeiros não 
deve servir de mote a permitir uma postergação ad infinitum do gozo destes direitos. Ademais 
é preciso lembrar que os direitos previstos nas declarações de direitos humanos são 
denominados de mínimo ético irredutível ou mínimo existencial, ou seja, compõe o rol mínimo 
de direitos e garantias que devem ser asseguradas para possibilitar a existência de uma vida 
digna. 
Nesse sentido, vislumbra-se que as políticas de Estado devem ser orientadas, prima 
facie, para a implementação fático-jurídica dos direitos humanos, os quais, em muitos casos, 
também são direitos fundamentais, por estarem também previstos nas diversas Constituições 
estatais. Além disso, é falacioso o argumento de que a existência de riquezas fomenta a 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 15 
 
implementação dos Direitos Humanos, em especial, os econômicos, sociais e culturais. A 
realidade dos Estados é demarcada por grandes desigualdades econômicas internas, as 
quais alijam a grande população do acesso a tais direitos, mantendo o status quo de seletas 
elites locais. 
 
QUESTÕES E TENSÕES NO COTIDIANO: GÊNERO, RAÇA, ORIENTAÇÃO SEXUAL E 
RELIGIÃO 
 
Fonte: www.radiocidadecaratinga.com.br 
 
Nos diversos contextos culturais existem fronteiras simbólicas que delimitam, de formasemipermeável, as diferenças entre os indivíduos e grupos sociais. Quando tais fronteiras se 
tornam rígidas, não permeáveis, e passam a qualificar alguns grupos a partir da 
desqualificação constante e difusa de outros grupos, percebemos o preconceito em ação, ou 
seja, a discriminação. Quando estas fronteiras rígidas são alvos de transgressão, percebemos 
a violência e a intolerância, subjacentes às práticas discriminatórias, em relação aos supostos 
'transgressores'. Para a manutenção das desigualdades sociais é fundamental que tais 
fronteiras sejam respeitadas, não importando o preço pago em termos de sofrimento psíquico. 
Afinal, sentir-se inferiorizado ou desqualificado por defeitos pressupostos não é, certamente, 
uma experiência agradável. 
Apesar dessa fragmentação, gênero, raça, etnia, religião e sexualidade estão 
intimamente imbricados na vida social e na história das sociedades ocidentais e, portanto, 
necessitam de uma abordagem conjunta. Para trabalhar estes temas de forma transversal, é 
fundamental manter uma perspectiva não essencialista em relação às diferenças. A adoção 
dessa perspectiva justifica-se eticamente, uma vez que o processo de naturalização das 
diferenças étnico-raciais, de gênero ou de orientação sexual, que marcou os séculos XIX e 
XX, vinculou-se à restrição do acesso à cidadania a negros, indígenas, mulheres e 
homossexuais. 
Lembremos, por exemplo, que até o início do século XX uma das justificativas para a 
não extensão às mulheres do direito ao voto baseava-se na ideia de que elas possuíam um 
cérebro menor e menos desenvolvido que o dos homens. Este imperativo de encontrar no 
corpo as razões de tais diferenças, ou seja, de essencializá-las ou naturalizá-las, explica-se 
pela preponderância formal dos princípios políticos do Iluminismo, muito especialmente do 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 16 
 
princípio da igualdade. Depois da Revolução Francesa, nas democracias liberais 
modernas, apenas desigualdades naturais, inscritas nos corpos, podiam justificar o 
não acesso pleno à cidadania. 
Alguns autores vêm mostrando como discursos homofóbicos, misóginos ou 
sexistas e racistas estão profundamente articulados. Um dos exemplos mais 
interessantes diz respeito ao modo pelo qual, na Alemanha nazista, a ascensão do 
discurso racista afetou não apenas as mulheres judias ou ciganas, consideradas 
racialmente inferiores. Como se tratava de “proteger” a chamada raça ariana, 
considerada superior às demais, passou a ser atribuído às mulheres “arianas” o 
ambíguo estatuto de “mães da raça”. E para cumprir esse papel deveriam ficar fora do 
espaço público, permanecendo em casa e ocupando-se apenas da tarefa de criar 
filhos “racialmente puros”. Vê-se aqui como a adoção do racismo como política de 
Estado acabou implicando a reclusão das mulheres ao espaço doméstico. Vale 
lembrar que, ainda na Alemanha nazista, o racismo anti-semita articulou-se também à 
discriminação de homossexuais. Vistos, como os judeus, como ameaças à raça ariana, 
acabaram igualmente sendo enviados a campos de concentração. 
Além de relações históricas, há em situações bem cotidianas uma espécie de 
sinergia entre atitudes e discursos racistas, sexistas e homofóbicos. Um exemplo 
talvez banal: se um adolescente ou aluno manifesta qualquer sinal de 
homossexualidade, logo aparece alguém o chamando de “mulherzinha” ou 
“mariquinha”. O que poucos se perguntam é por que ser chamado de mulher pode ser 
ofensivo. Em que sentido ser feminino é mau? Aqui pode ser visto o modo como a 
misoginia e a homofobia se misturam e se reforçam. A discriminação em relação às 
mulheres ou ao feminino articula-se à discriminação dos sexualmente diferentes, 
daqueles que são sexualmente atraídos por pessoas do mesmo sexo. 
O sofrimento que emerge dessa situação para adolescentes de ambos os 
sexos talvez só possa ser realmente avaliado por aqueles que foram submetidos/as a 
tais processos de estigmatização e marginalização. Além disso, frequentemente o 
discurso racista utiliza características atribuídas às mulheres para inferiorizar 
negros/as, indígenas ou outros grupos considerados inferiores: “São mais 
impressionáveis, mais imprevidentes, mais descontrolados, mais impulsivos” etc. e, 
como as mulheres, estariam mais próximos da natureza, devendo ser tutelados, ou 
seja, tratados como crianças, incapazes de exercer plenamente seus direitos políticos. 
Assim, diferentes desigualdades se sobrepõem e se reforçam. Faz todo o 
sentido, portanto, discuti-las em conjunto, pois aquele que é considerado como 
cidadão, o sujeito político por excelência, é homem, branco e heterossexual. Em torno 
dele constrói-se todo um universo de diferenças desvalorizadas, de subcidadãos e 
subcidadãs. 
Precisamos, portanto, ir além da promoção de uma atitude apenas tolerante 
para com a diferença, o que em si já é uma grande tarefa, sem dúvida. Afinal, as 
sociedades fazem parte do fluxo mais geral da vida e a vida só persevera, só se 
renova, só resiste às forças que podem destruí-la através da produção contínua e 
incansável de diferenças, de infinitas variações. As sociedades também estão em fluxo 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 17 
 
contínuo, produzindo a cada geração novas ideias, novos estilos, novas identidades, novos 
valores e novas práticas sociais. 
Não precisamos recuar tanto no tempo para encontrar diferentes formas de 
organização social e manifestações culturais: nossos antepassados agiam e 
pensavam de forma muito diversa da nossa. Num passado não muito distante, a 
situação da mulher no Brasil, por exemplo, era bastante distinta da atual. Os costumes de 
muitas famílias da nossa oligarquia rural exigiam que os pais escolhessem aquele que 
desposaria sua filha. Uma série de fatores influía na decisão dos pais e mães: desde alianças 
antigas entre as famílias, obrigações recíprocas, promessas feitas, às vezes, antes do 
nascimento dos filhos e filhas, até mesmo questões como o dote e os interesses econômicos, 
contando muito pouco o desejo dos filhos e das filhas. Hoje as coisas são bem diferentes e, 
embora uma série de elementos de diversas ordens interfira na escolha do parceiro (a), o 
desejo individual é representado pela coletividade como decisivo. 
A diversidade das manifestações culturais se estende não só no tempo, mas também 
no espaço. Se dirigirmos o olhar para os diferentes continentes, encontraremos costumes que 
nos parecerão, à luz dos nossos, curiosos ou aberrantes. Do mesmo modo que os povos 
falam diferentes línguas, eles expressam das formas mais variadas os seus valores culturais. 
O nascimento de uma criança será festejado de forma variada se estivermos em São Paulo, 
na Guiné-Bissau ou no norte da Suécia: a um mesmo fato aparente – o nascimento – 
diferentes culturas atribuem significados distintos que são perceptíveis por meio de suas 
manifestações. 
 
ETNOCENTRISMO, ESTEREÓTIPO E PRECONCEITO 
 
Etnocentrismo, estereótipo, preconceito e discriminação são ideias e comportamentos 
que negam humanidade àqueles e àquelas que são suas vítimas. A situação tem melhorado 
graças à atuação dos movimentos sociais e de políticas públicas específicas. E você? Como 
pode contribuir para a mudança? 
 
 
Fonte: megaarquivo.files.wordpress.com 
 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS18 
 
A reação diante da alteridade faz parte da própria natureza das sociedades. Em 
diferentes épocas, sociedades particulares reagiram de formas específicas diante do 
contato com uma cultura diversa à sua. Um fenômeno, porém, caracteriza todas as 
sociedades humanas: o estranhamento diante de costumes de outros povos e a avaliação 
de formas de vida distintas a partir dos elementos da sua própria cultura. A este 
estranhamento chamamos etnocentrismo. 
Por exemplo, todas as culturas definem o que as pessoas devem levar como 
vestimenta e adorno. Muitas vezes, a cultura ocidental se negou a ver nas pinturas corporais 
ou em diferentes adornos e adereços dos grupos indígenas sul-americanos os 
correspondentes às nossas roupas, e criou-se a ideia de que o “índio” andaria pelado, 
avaliando tal comportamento como “errado”. Recentemente, com a onda ecológica, o que 
no passado fora condenado, passou a ser valorizado, ou seja, a nudez de “índios e índias” 
os colocaria de forma mais salutar em maior contato com a natureza. Nada mais equivocado 
do que falar do “índio” de forma indiscriminada: o etnocentrismo não permite ver, por um 
lado, que o “índio” não existe como algo genérico, mas nas manifestações específicas de 
cada cultura – Bororo, Nhambiquara, 
Guarani, Cinta-Larga, Pataxó etc. – e por outro, que o “índio” nem anda “pelado” nem está 
mais próximo da natureza, pela simples ausência de vestimentas ocidentais. Os Zoé, índios 
Tupi do rio Cuminapanema (PA), por exemplo, utilizam botoques labiais; os homens, estojos 
penianos e as mulheres, tiaras e outros adornos sem os quais jamais apareceriam em 
público. São elementos que os diferenciam definitivamente dos animais e que marcam a 
sua vida em sociedade, da mesma forma que o uso de roupas na nossa cultura. 
Vê-se, com naturalidade, que mulheres, e atualmente também os homens, furem 
suas orelhas e usem brincos. Ninguém vê no ato de furar as orelhas um signo de barbárie 
e o uso de brincos é sinônimo de coqueteria para homens e mulheres. Há pouco tempo, 
homens que usassem brincos eram tidos como homossexuais ou afeminados. O uso de 
botoques labiais por diversos grupos indígenas do Brasil não foi, porém, incorporado da 
mesma forma. Os brincos que as indianas usam no nariz eram vistos com estranheza, pois 
o nariz não era considerado o lugar “certo” para colocar brincos, segundo o padrão de 
beleza ocidental predominante no país, até chegarem os piercings, cada vez mais adotados 
pelos jovens. 
O etnocentrismo consiste em julgar, a partir de padrões culturais próprios, como 
“certo” ou “errado”, “feio” ou “bonito”, “normal” ou “anormal” os comportamentos e as formas 
de ver o mundo dos outros povos, desqualificando suas práticas e até negando sua 
humanidade. Assim, percebemos como o etnocentrismo se relaciona com o conceito de 
estereótipo, que consiste na generalização e atribuição de valor (na maioria das vezes 
negativo) a algumas características de um grupo, reduzindo-o a essas características e 
definindo os “lugares de poder” a serem ocupados. É uma generalização de julgamentos 
subjetivos feitos em relação a um determinado grupo, impondo-lhes o lugar de inferior e o 
lugar de incapaz no caso dos estereótipos negativos. No cotidiano, temos expressões que 
reforçam os estereótipos: “tudo farinha do mesmo saco”; “tal pai, tal filho”; “só podia ser 
mulher”; “nordestino é preguiçoso”; “serviço de negro”; e uma série de outras expressões e 
ditados populares específicos de cada região do país. 
Os estereótipos são uma maneira de “biologizar” as características de um grupo, 
isto é, considerá-las como fruto exclusivo da biologia, da anatomia. O processo de 
naturalização ou biologização das diferenças étnico-raciais, de gênero ou de orientação 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 19 
 
sexual, que marcou os séculos XIX e XX, vinculou-se à restrição da cidadania a negros, 
mulheres e homossexuais. 
Uma das justificativas até o início do século XX para a não extensão às mulheres 
do direito de voto baseava-se na ideia de que possuíam um cérebro menor e menos 
desenvolvido que o dos homens. A homossexualidade, por sua vez, era tida como uma 
espécie de anomalia da natureza. Nas democracias modernas, apenas desigualdades 
naturais podiam justificar o não acesso pleno à cidadania. 
No interior de nossa sociedade, encontramos uma série de atitudes etnocêntricas 
e biologicistas. Muitos acreditaram que havia várias raças e sub-raças, que determinariam, 
geneticamente, as capacidades das pessoas. Da mesma forma, pesquisas foram realizadas 
para provar que o cérebro das mulheres funcionava de modo diferente do cérebro dos 
homens. Esses temas serão aprofundados nos Módulos Relações de Gênero e Relações 
Étnico-Raciais. 
Encontramos um exemplo de intolerância religiosa na relação com o candomblé e 
outras religiões de matriz africana. O sacrifício animal no candomblé e em outras religiões 
afro-brasileiras tem sido considerado como sinônimo de barbárie pelos praticantes de 
outros credos: trata-se, contudo, simplesmente, de uma forma específica para que homens 
e mulheres entrem em contato com o divino, com os deuses, neste caso, os orixás, cada 
qual com a sua preferência, no que diz respeito ao sacrifício. Outras religiões pregam 
formas diversas de contato com o divino e condenam as práticas do candomblé como 
“erradas” e “bárbaras”, ou como “feitiçaria”, a partir de seus próprios preceitos religiosos. O 
preconceito de alguns seguimentos religiosos tem levado seus seguidores a atacar, com 
pedras e paus, terreiros e roças. 
O espiritismo kardecista, hoje praticado nas mais diferentes partes do Brasil, foi 
durante muito tempo perseguido por aqueles que, adotando um ponto de vista católico ou 
médico, afirmavam serem as práticas espíritas próprias de charlatães. Se boa parte dos 
brasileiros se define como católica, a verdade é que somos um país cruzado por múltiplas 
crenças. Até mesmo no interior do próprio catolicismo há diferentes práticas religiosas: 
somos um país plural. A constituição garante a liberdade religiosa e de crença, e as 
instituições devem promover o respeito entre os praticantes de diferentes religiões, além de 
preservar o direito não adotam qualquer prática religiosa. No entanto, é bastante comum 
encontrarmos crianças e adolescentes que exibem com orgulho para seus/suas 
educadores/as os símbolos de sua primeira comunhão, enquanto famílias que cultuam 
religiões de matriz africana são pejorativamente chamadas de “macumbeiras”, sendo 
discriminadas por suas identidades religiosas. 
O estereótipo funciona como um carimbo que alimenta os preconceitos ao definir 
a priori quem são e como são as pessoas. Sendo assim, o etnocentrismo se aproxima 
também do preconceito, que, como diz a palavra, é algo que vem antes (pré) do 
conhecimento (conceito), ou seja, antes de conhecer já defino “o lugar” daquela pessoa ou 
grupo. Um outro significado da palavra “conceito” é “juízo” e, assim sendo, preconceito seria 
um “prejuízo” para quem o sofre, mas também para quem o exerce, pois não entra em 
contato com o outro. 
 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 20 
 
 
Fonte: www.empoderadasnagestao.wordpress.com 
 
O preconceito relativo às práticas religiosas afro-brasileiras está 
profundamente arraigado na sociedade brasileira por essas práticas estarem 
associadas a negros e negras, grupo historicamente estigmatizado e excluído. Oscultos afro-brasileiros seriam contrários ao “normal e natural” cristianismo europeu. 
Teremos um módulo dedicado ao estudo das relações étnico raciais e ao estudo 
histórico, cultural e pedagógico da presença dos negros no Brasil, assim como tratará 
das reivindicações e das conquistas dos movimentos negros. Para efeito desse 
exemplo, porém, vale lembrar que expressões culturais como o samba, a capoeira e o 
candomblé foram, durante décadas, proibidas e perseguidas pela polícia. Isso mostra 
que essas práticas foram incorporadas aos símbolos nacionais no interior de 
processos extremamente complexos. 
O caso mais evidente é o samba, que de “música de negros” passou a ser 
caracterizado como “música nacional”. As religiões afro-brasileiras, no entanto, ainda 
enfrentam um profundo preconceito por parte de amplos setores da sociedade: há 
quem considere o candomblé como uma “dança folclórica”, negando, como 
consequência, seu conteúdo religioso; há também quem o caracteriza como uma 
“prática atrasada”. Em ambos os casos, seu caráter religioso é negado e não é tomado 
em pé de igualdade com outras práticas e crenças. Ora, tanto o candomblé quanto a 
umbanda são religiões extremamente complexas, são práticos rituais sofisticados e 
fazem parte de um sistema místico que da mesma forma que a Bíblia explica a origem 
da humanidade, suas relações com o mundo natural e com o mundo sobrenatural. Os 
grupos que compõem as religiões afro-brasileiras possuem o conhecimento de um 
código que se expressa por intermédio da religião, desconhecido por outros setores 
da população. Enquanto códigos e expressões culturais de determinados grupos, as 
diferentes religiões afro-brasileiras devem ser olhadas com respeito. 
Além das práticas religiosas, em nossa sociedade, existem práticas que sofrem 
um profundo preconceito por parte dos setores hegemônicos, ou seja, por parte 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 21 
 
daqueles que se aproximam do que é considerado “correto” segundo os que detêm poder. 
Seguindo essa lógica, as práticas homossexuais e homo afetivas, são condenadas, vistas 
como transtorno, perturbação ou desvio à “normal e natural” heterossexualidade. Aqueles e 
aquelas que manifestavam desejos diferentes dos comportamentos heterossexuais, além de 
condenados por várias religiões, foram enquadrados/as no campo patológico e estudados/as 
pela medicina psiquiátrica que buscava a cura para aquele mal. Foi necessária a contribuição 
de outros campos do conhecimento para romper com a ideia de “homossexualismo” como 
doença e construir os conceitos de homossexualidade e de orientação sexual, incluindo a 
sexualidade como constitutiva da identidade de todas as pessoas. 
O preconceito contra pessoas com orientação sexual diferenciada vem sendo 
fortemente combatido pelo Movimento LGBT. Consideradas, no passado, um pecado pela 
religião (e por muitos até hoje), uma doença pela medicina, um desvio de conduta pela 
psicologia, as práticas homoeróticas, nas últimas décadas, têm contribuído para a superação 
do estigma que as reprova e persegue. Embora se trate de um grupo social ainda fortemente 
estigmatizado, é inegável que a atuação dos movimentos sociais tem provocado mudanças 
no imaginário e agregado conhecimentos sobre a homossexualidade, de maneira a tirá-la da 
“clandestinidade”. Há pouco mais de uma década, era impensável a “Parada do Orgulho Gay”, 
atualmente denominada Parada LGBT, por exemplo, que ocorre em boa parte das grandes 
cidades brasileiras. Cada vez mais vemos homossexuais ocupando a cena pública de 
diferentes formas. A atual luta pela parceria civil constitui uma das muitas bandeiras dos 
movimentos homossexuais com apoio de vários outros movimentos sociais. 
 
 
Fonte: pedrovallsfeurosa.com.br 
 
No conjunto das conquistas político-sociais da atuação do Movimento LGBT, se 
enquadra a sensibilização da população de modo geral para as formas de discriminação por 
orientação sexual, que tem levado estudantes a abandonarem a escola, por não suportarem 
o sofrimento causado pelas piadinhas e ameaças cotidianas dentro e fora dos muros 
escolares. Esses mesmos movimentos têm apontado a urgência de inclusão, no currículo 
escolar, da diversidade de orientação sexual, como forma de superação de preconceitos e 
enfrentamento da homofobia. 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 22 
 
Questões de gênero, religião, raça/etnia ou orientação sexual e sua 
combinação direcionam práticas preconceituosas e discriminatórias da sociedade 
contemporânea. Se o estereótipo e o preconceito estão no campo das ideias, a 
discriminação está no campo da ação, ou seja, é uma atitude. É a atitude de 
discriminar, de negar oportunidades, de negar acesso, de negar humanidade. Nessa 
perspectiva, a omissão e a invisibilidade também são consideradas atitudes, também 
se constituem em discriminação. 
O predomínio de livros didáticos e paradidáticos em que a figura da mulher é 
ausente ou caracterizada como menos qualificada que o homem contribui para uma 
imagem de inferioridade feminina, por um lado, e superioridade masculina, por outro. 
É o caso dos livros em que a mulher ocupa os lugares de menos prestígio, como, por 
exemplo, a organização e limpeza da casa, ou quando aparece como ajudante nas 
atividades masculinas, como enfermeiras e garçonetes. Silenciosamente, vão sendo 
demarcados, com uma linha nada imaginária, os lugares dos homens e os lugares das 
mulheres. E os homens e as mulheres que fugirem desse roteiro pré-definido terão 
seus valores humanos ameaçados ou violados. O grupo social, respaldado por um 
conjunto de ideias machistas, exercerá seu controle e fortalecerá os mecanismos de 
exclusão e negação de oportunidades iguais. 
É importante destacar que há mudanças acontecendo. No que se refere às 
mulheres, por exemplo, historicamente em situação de desigualdade com relação aos 
homens, sua entrada progressiva no mercado de trabalho, seu acesso a ambientes 
antes considerados “masculinos” e, inclusive, a predominância feminina em 
determinadas profissões liberais se deram em meio a um processo de transformação 
pautado, entre outros fatores, pelas demandas dos movimentos feministas, muito 
vigorosos em todos os países ocidentais, nas últimas décadas. Esse processo veio 
acompanhado de uma profunda discussão sobre a construção das feminilidades e 
masculinidades nos diferentes processos de educação e pela organização política das 
mulheres na luta contra o preconceito e as discriminações e pela construção da 
igualdade. 
A superação das discriminações implica a elaboração de políticas públicas 
específicas e articuladas. Os exemplos relativos às mulheres, aos homossexuais 
masculinos e femininos, às populações negra e indígena tiveram a intenção não 
apenas de explicitar que as práticas preconceituosas e discriminatórias – misoginia, 
homofobia e racismo – existem no interior da nossa sociedade, mas também que essas 
mesmas práticas vêm sofrendo profundas transformações em função da atuação dos 
próprios movimentos sociais, feministas, LGBT, negros e indígenas. Tais movimentos 
têm evidenciado o quanto as discriminações se dão de formas combinadas e 
sobrepostas, refletindo um modelo social e econômico que nega direitos e considera 
inferiores mulheres, gays, lésbicas, transexuais, travestis, negros, indígenas. A 
desnaturalização das desigualdades exige um olhar transdisciplinar, que, em vez de 
colocar cada seguimento numacaixinha isolada, convoca as diferentes ciências, 
disciplinas e saberes para compreender a correlação entre essas formas de 
discriminação e construir formas igualmente transdisciplinares de enfrentá-las e de 
promover a igualdade. 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
 23 
 
Daquilo que vimos refletindo até aqui, fica evidente que a escola é instituição parte da 
sociedade e por isso não poderia se isentar dos benefícios ou das mazelas produzidos por 
essa mesma sociedade. A escola é, portanto, influenciada pelos modos de pensar e de se 
relacionar da/na sociedade, ao mesmo tempo em que os influencia, contribuindo para suas 
transformações. Ao identificarmos o cenário de discriminações e preconceitos, vemos no 
espaço da escola as possibilidades de particular contribuição para alteração desse processo. 
A escola, por seus propósitos, pela obrigatoriedade legal e por abrigar distintas diversidades 
(de origem, de gênero, sexual, étnico-racial, cultural etc.), torna-se responsável juntamente 
com estudantes, familiares, comunidade, organizações governamentais e não 
governamentais, por construir caminhos para a eliminação de preconceitos e de práticas 
discriminatórias. Educar para a valorização da diversidade não é, portanto, tarefa apenas 
daqueles que fazem parte do cotidiano da escola; é responsabilidade de toda a sociedade e 
do Estado. 
Compreendemos que não se faz uma educação de qualidade sem uma educação 
cidadã, uma educação que valorize a diversidade. Reconhecemos, porém, que a escola tem 
uma antiga trajetória normalizadora e homogeneizadora que precisa ser revista. O ideal de 
homogeneização levava a crer que os estudantes negros, indígenas, transexuais, lésbicas, 
meninos e meninas deveriam se adaptar às normas e à normalidade. Com a repetição de 
imagens, linguagens, contos e repressão aos comportamentos “anormais” (ser canhoto, por 
exemplo) se levariam os “desviantes” à integração ao grupo, passando da minimização à 
eliminação das diferenças (defeitos). E o que seria normal? Ser homem-macho? Ser mulher 
feminina? Ser negro quase branco? Ser gay sem gestos “afetados”? Espera-se que o 
discriminado se esforce e adapte-se às regras para que ele, o diferente, seja tratado como 
“igual”. Nessa visão, “se o aluno for eliminando suas singularidades indesejáveis, será aceito 
em sua plenitude” (Castro, 2006). 
Essa concepção de educação justificou e justifica, ainda hoje, a fala de educadores e 
educadoras, os quais, ainda que reconheçam a existência de discriminações dentro e fora da 
escola, acreditam que é melhor “ficar em silêncio”. Falar do tema seria acordar preconceitos 
antes adormecidos, podendo provocar um efeito contrário: em vez de reduzir os preconceitos, 
aumentá-los. E, nos silêncios, no “Currículo explícito e oculto”, vão se reproduzindo 
desigualdades. Quando a escola não oferece possibilidades concretas de legitimação das 
diversidades (nas falas, nos textos escolhidos, nas imagens veiculadas na escola etc.) o que 
resta aos alunos e alunas, senão a luta cotidiana para adaptar-se ao que esperam deles/as 
ou conformarse com o status de “desviante” ou reagir aos xingamentos e piadinhas e 
configurar entre os indisciplinados? E, por último, abandonar a escola. 
A diversidade está presente em cada entrelinha, em cada imagem, em cada dado, nas 
diferentes áreas do conhecimento, valorizando-a ou negando-a. É no ambiente escolar que 
as diversidades podem ser respeitadas ou negadas. É da relação entre educadores, entre 
estes e os educandos e entre os educandos que nascerá a aprendizagem da convivência e 
do respeito à diversidade. “A diversidade, devidamente reconhecida, é um recurso social 
dotado de alta potencialidade pedagógica e libertadora. A sua valorização é indispensável 
para o desenvolvimento e a inclusão de todos os indivíduos. 
Políticas socioeducacionais e práticas pedagógicas inclusivas, voltadas a garantir a 
permanência, a formação de qualidade, a igualdade de oportunidades e o reconhecimento 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
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das diversas orientações sexuais e identidades de gênero [e étnicoraciais], contribuem 
para a melhoria do contexto educacional e apresentam um potencial transformador 
que ultrapassa os limites da escola, em favor da consolidação da democracia” (Texto-
base da Conferência Nacional de LGBT – Direitos Humanos e Políticas Públicas: o 
caminho para garantir a cidadania de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e 
transexuais, 2008) É no ambiente escolar que os/as estudantes podem construir suas 
identidades individuais e de grupo, podem exercitar o direito e o respeito à diferença. 
Faz-se necessário contextualizar o currículo, “cultivar uma cultura de abertura 
ao novo, para ser capaz de absorver e reconhecer a importância da afirmação da 
identidade, levando em conta os valores culturais” dos/as estudantes e seus familiares, 
favorecendo que estudantes e educadores/as respeitem os valores positivos que 
emergem do confronto dessas diferenças, possibilitando, ainda, desativar a carga 
negativa e eivada de preconceitos que marca a visão discriminatória de grupos sociais, 
com base em sua origem étnico-racial, suas crenças religiosas, suas práticas culturais, 
seu modo de viver a sexualidade. Trata-se, portanto, de tarefa transdisciplinar, pela 
qual todos os educadores e educadoras são responsáveis. Cada área do 
conhecimento pode e tem a contribuir para que as realidades de discriminação sejam 
desveladas, seja recuperando os processos históricos, seja analisando estatísticas, 
seja numa leitura crítica da literatura ou na inclusão de autores de grupos 
discriminados ou que abordem o tema. Seja, ainda, na análise das ciências biológicas 
e naturalização das desigualdades. 
Espera-se, portanto, que uma prática educativa de enfrentamento das 
desigualdades e valorização da diversidade vá além, seja capaz de promover diálogos, 
a convivência e o engajamento na promoção da igualdade. Não se trata, 
simplesmente, de desenvolver metodologias para trabalhar a diversidade e tampouco 
com “os diversos”. É, antes de tudo, rever as relações que se dão no ambiente escolar 
na perspectiva do respeito à diversidade e de construção da igualdade, contribuindo 
para a superação das assimetrias nas relações entre homens e mulheres, entre negros 
e brancos, entre brancos e indígenas entre homossexuais e heterossexuais e para a 
qualidade da educação para todos e todas. 
É no ambiente escolar que crianças e jovens podem se dar conta de que somos 
todos diferentes e que é a diferença, e não o temor ou a indiferença, que deve atiçar 
a nossa curiosidade. E mais: é na escola que crianças e jovens podem ser, juntamente 
com os professores e as professoras, promotores e promotoras da transformação do 
Brasil em um país respeitoso, orgulhoso e disseminador da sua diversidade. 
 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
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EDUCAÇÃO MULTICULTURAL 
 
Fonte: www.pt.dreamstime.com 
 
O debate acerca da educação multicultural tem proliferado ao longo das últimas 
décadas. Políticos, professores, educólogos, pais; enfim, os cidadãos em geral, têm omitido 
diversas opiniões, mais ou menos fundamentadas, acerca das reformas educativas que 
deveriamser implementadas no sistema educativo. Este fenómeno ocorreu em praticamente 
todos os países do denominado mundo ocidental, obrigando a diversas alterações nas 
práticas educativas. 
A diversidade cultural existente no nosso país é cada vez maior; contudo, as medidas 
tomadas no sentido de alargar o nosso sistema educativo às minorias existentes, não têm 
sortido o efeito esperado. Embora seja unânime a convicção da necessidade de uma resposta 
educativa adequada e equilibrada, que tenha em consideração o crescimento de uma 
sociedade cultural e etnicamente pluralista no nosso país e tendo em consideração que os 
debates, congressos e encontros sobre este tema são cada vez mais frequentes; no 
quotidiano educativo, a referência dominante continua a da maioria. 
O desafio que se nos coloca é consideravelmente complexo. O debate teórico acerca 
da definição mais correta, relativa à educação destinada a todos sem exceção, ser 
multicultural, intercultural ou pluricultural; demonstra, em parte, a dimensão do problema. Na 
comunidade, outros problemas se adensam, nomeadamente o racismo e a xenofobia, assim 
como as dificuldades inerentes ao elevado insucesso das populações imigrantes e das 
minorias éticas. 
A nível europeu, o problema do racismo e da xenofobia tem aumentado 
consideravelmente, quer relativamente ao número de incidentes, quer em relação à gravidade 
destes. É espantoso e assustador ver jovens de 12 ou 13 anos manifestarem-se contra 
determinadas pessoas utilizando argumentos como a sua proveniência, cor ou religião; ainda 
mais, quando esses mesmos jovens cometem atos de vandalismo justificados por esses 
ideais. No nosso país, felizmente, ainda não se atingiu semelhante dimensão; contudo, os 
atos de vandalismo têm aumentado consideravelmente nas grandes cidades. 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
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É evidente que o nosso sistema educativo não consegue dar resposta a estas 
questões. Os manuais têm sido progressivamente alterados e atualmente já possuem alguns 
exemplos de outras realidades que não a nossa; contudo, estas iniciativas são 
manifestamente insuficientes. 
É necessário fornecer oportunidades aos jovens que residem no nosso país, 
de forma contínua e individualizada; é necessário adaptar o ensino dos objetivos de 
cada grau de ensino às diversas realidades presentes em Portugal. Enquanto estas 
questões permanecerem no domínio dos debates teóricos, não será possível um 
verdadeiro avanço. 
Acima de tudo é necessário ter em conta que Educação engloba muito mais 
que ensino, não se restringindo por isso às salas de aula, aos manuais escolares e à 
dialética professor-aluno. Educação diz respeito a todos os cidadãos, à forma como 
nos relacionamos quotidianamente com as pessoas que conosco convivem. Afinal, 
independentemente do país de origem, da cor ou da religião é de pessoas que estamos 
a falar, de seres humanos com necessidades e desejos, com expectativas de uma vida 
melhor, que também cabe ao nosso país ajudar a concretizar. 
Se refletirmos ponderadamente, será fácil apercebermo-nos que num país tão 
pequeno como o nosso, os habitantes das diversas regiões possuem costumes 
diferentes, pronunciam algumas palavras de forma diferente, acreditam em coisas 
diferentes. Se convivemos todos em harmonia há tantos anos, qual é a justificação 
para não aceitarmos outras pessoas, quando a base desse argumento é a diferença, 
que afinal tanto nos une? 
 
CURRÍCULO E INTERCULTURALIDADE 
 
O cenário dos espaços escolares tem sofrido grandes alterações desde os fins 
do século XVIII, quando começaram a surgir, por toda a Europa, pequenas escolas 
para retirar da rua crianças filhas das classes trabalhadoras que eram obrigadas a 
abandonar os filhos enquanto trabalhavam. A escola, que tinha sido criada apenas 
para elites, foi, lentamente, alargando a sua base de recrutamento a clientelas sociais 
diversas que a foram transformando numa escola de massas e de contato entre grupos 
de diferentes culturas. 
 
 
Fonte: www.focussocial.eu 
Sofrendo o efeito da progressiva multiculturalidade da sociedade, a escola 
passou a confrontar-se com uma realidade desajustada dos currículos etnocêntricos e 
 
MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS 
 
 
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monoculturais que a caracterizavam. Esse desajuste, aliado aos ideais democráticos que 
passaram a orientar muitas das políticas educativas, foi instituindo o discurso de “uma escola 
para todos” e reclamando a necessidade de se repensar o currículo nas condições de sucesso 
que oferece aos diferentes alunos que passaram a frequentá-la. 
De fato, muitos dos debates do passado que olhavam a educação face à diferença, 
centrando-a nas questões individuais e, algumas vezes, analisando-a apenas numa 
perspectiva meramente psicológica passaram a dar lugar a outros que sustentam a 
importância do grupo e do contexto cultural. Quero, com isso, dizer que, atualmente, têm sido 
admitidas como explicações para os acontecimentos educativos posições que, em vez de se 
centrarem exclusivamente nos sujeitos e nos seus “dotes” individuais, têm em conta os 
contextos em que ocorrem esses acontecimentos, as representações que deles fazem os 
diferentes atores sociais e a complexidade que atravessa qualquer situação de formação. 
Mesmo sem recuarmos muito no tempo, e se nos centrarmos nestas últimas décadas, 
notamos, na verdade, bastantes diferenças no tipo de preocupações (e, portanto, também no 
tipo de discursos) que atravessam a educação escolar quando pretende refletir sobre o tipo 
de respostas que oferece aos seus clientes. Enquanto, nos anos 1980, a ênfase era colocada 
na igualdade de oportunidades individuais e na justificação da necessidade de uma reforma 
que se constituísse como um meio de combate ao insucesso escolar e de melhoria dos índices 
de desempenho dos alunos, nos anos 1990, reconhece-se a responsabilidade que tem, nesse 
sucesso ou insucesso, a organização do sistema escolar, e começa a ser expresso o 
imperativo de uma política da diferença para proporcionar quer uma real igualdade de 
oportunidade a todos os grupos, quer um enriquecimento pessoal e social que possa advir 
das interações entre esses diversos grupos. Mas qual a origem dessa atenção à 
multiculturalidade? 
 
ORIGEM DA ATENÇÃO À MULTICULTURALIDADE 
 
Fonte: www.dm.com.br 
 A origem da atenção da educação escolar ao multiculturalismo tem as suas raízes 
nos ideais de democracia instalados entre nós nos anos 1970. No fato de ser visível, numa 
escola que passou a ser de massas, a presença de alunos que não correspondem ao perfil 
do “cliente ideal” (H. Becker). Ou seja, daquela criança ou daquele jovem que facilmente 
 
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compreende ou aceita o ensino-padrão que caracteriza a escola tradicional e que 
responde de acordo com as regras valorizadas por esses modelos-padrão. 
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos (aprovada em 1948), que, entre nós, 
ganhou nova força com a Lei de Bases do Sistema Educativo (aprovada em 1986). No 
direito à diferença hoje instituído nos discursos políticos que rejeitam as teses 
monoculturalistas, as quais, pressupondo um modelo cultural único, o impõem a todos 
como forma de ascensão

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