Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
53 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 CRÍTICA LITERÁRIA CONTEMPORÂNEA: DIFERENTES ABORDAGENS EM CONTRAPONTO Unidade II 2 DA PSICANÁLISE AOS ESTUDOS CULTURAIS 2.1 Psicanálise 2.1.1 Apresentação da abordagem teórica Ross C. Murfin (1996, p. 502) aponta que associar a literatura com os sonhos parece natural; como os sonhos, as obras literárias têm um pé na realidade e outro na ficção. Ambos contam algum tipo de verdade, e em ambos há o desejo de alcançar ou entender algum tipo de verdade. Essa analogia entre sonhos e obras literárias foi muito explorada pelo psicanalista Sigmund Freud. Por sua vez, a crítica psicanalítica tem influenciado a maneira como também são lidas as narrativas literárias. Conforme apontam Rivkin e Ryan (2004, p. 389) a ideia da mente humana como uma unidade que tem plena consciência de si é central na cultura ocidental desde o século XVII. A ideia é que a capacidade de pensar define a nossa humanidade, a nossa diferença dos animais, que se relacionam por meio do instinto. Foi nos alvores do século XX que essa segurança foi alterada por Sigmund Freud com a publicação de The Interpretation of Dreams (1900), em que se apresenta um descobrimento que seria a base de uma nova disciplina chamada de psicanálise. Como é sabido, o descobrimento de Freud foi o de que a mente humana contém uma dimensão que é acessível só parcialmente à consciência e indiretamente por meio de sonhos ou sintomas neuróticos. Os autores explicam que, para Freud, o inconsciente (unconscious) se compõe de desejos reprimidos, sentimentos, memórias, instintos, muitos dos quais estão direitamente relacionados com a sexualidade e a violência. Em trabalhos subsequentes, Freud argumenta que nossas vidas mentais derivam de impulsos biológicos e que os ideais da nossa civilização são inseparáveis de impulsos instintivos de prazer, constância e da liberação de energias. Quando as crianças entram, em um primeiro momento, na família e logo na sociedade, elas aprendem a reprimir esses instintos e os desejos que eles instigam e assim amoldam impulsos sexuais e agressivos. Essa repressão, acrescentam Rivkin e Ryan (2004, p. 389), é essencial para a nossa civilização: refere‑se à conversão dos instintos animais em um comportamento gentil; contudo, essa repressão cria o que se conhece como um segundo ser (second self), o estranho que levamos dentro de nós, o local onde se coloca tudo o que, por uma razão ou outra, não pode ser liberado ou expressado. Isso explica, conforme Freud, por que as pessoas experimentam o que ele chama de uncanny feelings, ou seja, o sentimento de que aquilo que é mais familiar para nós sempre convive com o que é, para nós, “estranho”, como se tivéssemos uma dupla natureza. Por sua vez, isso explica por que repetimos compulsivamente determinados gestos, desejos e experiências que podem nos angustiar, mas que, ao mesmo tempo, não podemos evitar. 54 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 Unidade II Rivkin e Ryan (2004, p. 391) continuam dizendo que Freud passou a maior parte de sua vida estudando os limites entre o consciente e o subconsciente; mais tarde, ele chamou este último de ID. O ID é o local da energia da mente, energia que ele caracterizou como uma combinação da libido com outros instintos, por exemplo, a agressão, que impulsionam o organismo ao longo da vida, fazendo que ele cresça, se desenvolva e morra. Para Freud, o impulso do inconsciente, embora reprimido, nunca pode ser anulado completamente. Ele volta a surgir nos sonhos e, quando a parte racional da nossa mente não consegue controlá‑los, ele surge no comportamento aparentemente irracional que se manifesta nos sintomas da neurose. Quando não conseguimos controlar o inconsciente, estamos diante da psicose ou da esquizofrenia. Para Freud, a sexualidade está presente ao longo da vida e não é exclusivamente genital, mas também pode ser oral ou anal. Por sua vez, no centro da teoria freudiana está a Teoria do Complexo de Édipo; para Freud, todas as crianças experimentam esse complexo no seu rito de passagem para a idade adulta. Todos os meninos sentem uma atração sexual pela mãe, que será interrompida pela intervenção do pai, evitando assim o incesto; assim, os meninos aprendem a se identificar com o pai e a sentir desejo por outras mulheres. Eles se tornam adultos heterossexuais, a norma de Freud e da sociedade ocidental. Por sua vez, as meninas experimentam um desejo pelo pai e, simultaneamente, por tomar o lugar da mãe, ou seja, ser o objeto sexual do pai; porém, rapidamente, aprendem a se identificar com a mãe e a procurar pelo objeto do desejo fora da família. Murfin (1996, p. 504) explica que a abordagem psicanalítica da narrativa literária começa com Freud, que se interessava pelas obras literárias baseadas em símbolos. Esses escritores apresentam ideias por meio de figuras da linguagem que somente fazem sentido pela interpretação, da mesma maneira que o inconsciente de um neurótico oculta os pensamentos secretos em histórias de sonhos ou ações bizarras que precisam ser analisadas. Freud escreveu críticas literárias, como The Relation of a Poet to Daydreaming (1908) e The Uncanny (1919), e uma leitura do conto sobrenatural The Sandman, de E. T. A. Hoffman. A aplicação da psicanálise por Freud foi seguida por outros críticos. Por exemplo, Ernest Jones, um aluno de Freud, publicou um ensaio sobre Hamlet, de William Shakespeare, a partir do Complexo de Édipo; conforme sua leitura, Hamlet é vitima dos sentimentos pela sua mãe. Mais tarde, outros críticos de grande relevância no New Criticism, como I. A. Richards, Kenneth Burk e Edmund Wilson, se interessaram por essa nova abordagem. Murfin (1996, p. 505) destaca que nem todos os críticos seguiram o pensamento de Freud. Outros aplicaram as ideias de Carl Gustav Jung, que, diferentemente de Freud, em vez de enfatizar o sexo, desenvolveu a Teoria do Inconsciente Coletivo. Para ele, as grandes obras literárias não são uma expressão disfarçada dos desejos do autor; em vez disso, são uma manifestação dos desejos alguma vez almejados pela raça humana, mas que foram reprimidos pela civilização. Da mesma maneira, o autor aponta que, entre os seguidores de Freud, há críticos que também são poetas e romancistas. Por exemplo, poetas como Robert Graves e W. H. Auden aplicaram as teorias freudianas à sua poesia, enquanto escritores como William Faulkner, Henry James, James Joyce, D. H. Lawrence, Marcel Proust e Toni Marrison escreveram ensaios críticos inspirados em Freud ou romances nos quais as personagens e os conflitos são desenvolvidos a partir das teorias de Freud. 55 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 CRÍTICA LITERÁRIA CONTEMPORÂNEA: DIFERENTES ABORDAGENS EM CONTRAPONTO Livros sobre crítica psicanalítica começaram a aparecer, como Freudianism and the Literary Mind (1945), de Frederick J. Hoffman. Murfin (1996, p. 506) explica que essa abordagem crítica, antes de 1950, tendia a psicanalisar o autor. Assim, os poemas eram lidos como fantasias que permitiam ao autor liberar desejos reprimidos. Críticos da seguinte geração se interessavam antes pelas personagens de romances e obras de teatro. Ainda assim, essas personagens, boas e ruins, eram vistas como projeções dos autores. Então, os críticos psicanalistas empregam alguns dos termos e procedimentos desenvolvidos por Freud para analisar sonhos. Nesse tipo de análise, a superfície de uma obra é chamada de conteúdo manifesto, e tratada como um sonho manifesto (manifest dream) ou uma história de sonhos (dream story). Da mesma maneira que um psicanalista analisa a figura do sonho, contido na história, ou seja, o conteúdo escondido pelo sonho manifesto, o crítico literário dessa abordagem tenta expor o conteúdo profundo da estória. Conforme Murfin (1996, p. 507), Freud usa os termos condensação (condensation)e deslocamento (displacement) para explicar dois processos mentais por meio dos quais a mente disfarça seus desejos e temores na história de sonhos (dream stories). No caso da condensação, alguns pensamentos ou pessoas são condensados em uma imagem na história de sonhos; no deslocamento, uma ansiedade, um desejo ou uma pessoa são deslocados para uma imagem de outra pessoa ou desejo com o qual estão relacionados por meio de uma série de associações que somente o analista compreende. Nesse contexto, os críticos desta abordagem tratam as metáforas como se fossem sonhos condensados; tratam as metonímias como se fossem sonhos deslocados. Um dos nomes mais destacados da análise psicanalítica é o de Norman Holland, que fez a seguinte observação sobre esse tipo de análise literária: When one looks at a poem psychoanalytically one considers it as though it were a dream or as though some ideal patient were speaking from the couch in iambic pentameter [...] One looks for the general level or levels of fantasy associated with language. By level I mean the familiar stages of childhood development – oral [when desires for nourishment and infantile sexual desires overlap], anal [when infants receive their primary pleasure from defecation], rethral [when urinary functions are the locus of sexual pleasure], phallic [when the penis or, in girls, some penis substitute is of primary interest], oedipal (HOLLAND, 1970, p. 136‑139 apud MURFIN, 1996, p. 507‑8). Uma das diferenças na abordagem de Holland, explica Murfin (1996, p. 507), é que a crítica se foca na maneira como os autores criam obras que apelam para os desejos reprimidos e fantasias dos leitores. Então, mudaram o foco da psique do autor para a psicologia do leitor. É por isso que as teorias de Holland têm sido centrais para abordagens como a Teoria da Recepção. Conforme Rivkin e Ryan (2004, p. 392), a Teoria Psicanalítica após Freud se divide em duas linhas; uma chamada de Object Relations e a outra de neofreudianismo. A primeira, em vez de se interessar pelos instintos, leva em conta a maneira como o indivíduo se relaciona com a sociedade, especialmente a relação entre a criança e a mãe no período anterior ao Complexo de Édipo; essa relação, seja afetiva 56 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 Unidade II ou distante, molda a identidade. A habilidade da criança de se separar dessa unidade primária com a mãe, por meio da construção de seus limites e representações mentais do mundo exterior, determina o tipo de personalidade da criança. Diferentemente de Freud, eles acham que o ego é a maior parte da identidade. Alguns críticos consideram a separação da criança e da mãe como uma frustração que nunca será resolvida; outros, como Margaret Mahler, entendem a relação com a mãe como mais positiva, no sentido de permitir que a criança possa emergir do mundo da sua relação simbiótica com a mãe. Outros, como Melanie Klein, pensam que a criança constrói um mundo por meio de fantasias que lhe permitem distinguir os sentimentos destrutivos pela introjeção e projeção e a divisão entre bons e maus objetos internos. No final, a criança aprende a reparar os objetos e as relações que seus impulsos destrutivos dividiram durante o processo de separação, individuação e crescimento. Essa escola floresceu após a Segunda Guerra Mundial na Grã‑Bretanha e na América, e os nomes mais destacados são os de Melanie Klein, D. W. Winnicot e Margaret Mahler. Conforme Murfin (1996, p. 508), a obra de D. W. Winnicott foi significativa para a crítica literária. Eles entendem a relação entre o autor e sua obra não em termos de um ou outro, mas em termos de uma relação que acontece no que Winniccott chama de espaço transicional (transitional) ou espaço potencial (potential space), no qual termos como real ou ilusório e objetivo ou subjetivo não têm significado. Eles entendem um paralelismo entre leitor/texto, obra/audiência e paciente/psicanalista. Ainda mais, eles veem esse espaço como tendo características similares às do espaço entre a mãe e a criança: um espaço que se caracteriza pela confiança entre ambos, em que palavras como conhecer e sentir se misturam. A segunda linha teórica que desenvolve a teoria de Freud está baseada na pesquisa de Jacques Lacan; para ele, o impulso instintivo e o inconsciente são mais essências para o trabalho psicanalítico do que o ego. Lacan, por sua vez, também pertence ao grupo de críticos do estruturalismo. Por isso, diferentemente de Freud, ele entende os sonhos não como sintomas da repressão, mas como formas do discurso, já que ele está interessado em temas relacionados com a linguagem. Para ele, podemos estudar os sonhos a partir da psicanálise para saber mais sobre a literatura, da mesma maneira que podemos estudar a literatura para saber mais do inconsciente (MURFIN, 1996, p. 509). Ao acrescentar o elemento da linguagem à teoria de Freud, Lacan desenvolveu a teoria do Complexo de Édipo. Para Lacan, o estagio pré‑Édipo (pre‑oedipal), quando a criança não reconhece sua independência da mãe, pertence ao momento pré‑verbal, quando a criança se comunica sem a linguagem. Logo, no período do espelho, a criança enxerga a si mesma e à sua mãe como seres independentes. Esse é o momento em que a criança deseja o que está além do ser e começa a competir pelo mesmo objeto desejado. Também se identifica com a dor alheia, chorando quando o outro chora. Essas ações mostram a construção do ego (MURFIN, 1996, p. 510). No terceiro estágio do Édipo, a criança se enxerga e enxerga o pai e a mãe como seres independentes, assim como as diferenças de gênero entre ela e seus pais e também entre os pais. Por isso, os meninos enxergam o pai como o seu rival. É nesse momento que a criança percebe que o que antes formava uma unidade com ele (a mãe) pertence a outro (o pai): a mãe seria algo desejado, mas somente a distância, porque não é na forma de um substituto socialmente aceito. O fato de que esse estágio coincide com a entrada na linguagem é de grande importância para Lacan, porque a ordem Linguística é essencialmente figurativa ou simbólica: as palavras sempre representam ou são substitutos de coisas. Então, da mesma 57 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 CRÍTICA LITERÁRIA CONTEMPORÂNEA: DIFERENTES ABORDAGENS EM CONTRAPONTO maneira que o menino entra na Lei do Pai (proíbe o desejo pela mãe), também entra na ordem Simbólica da Linguagem. No caso das meninas, o processo é menos dolorido, já que elas nunca precisam renunciar ao proibido, ou seja, à mãe (MURFIN, 1996, p. 510). Para Lacan, o reconhecimento, pela criança, de seu próprio sexo coincide com o reconhecimento do sistema de nomear, associado com a linguagem. A criança não tem dúvida da mãe; porém, a identidade do pai depende da palavra da mãe, de que ele é o pai, ou seja, a relação com o pai se estabelece por meio da linguagem. O nome do pai envolve nada do pai, a não ser sua palavra ou seu nome (MURFIN, 1996, p. 511). As teorias de Lacan têm sido de importância em vários sentidos. Em primeiro lugar, têm levado as críticas feministas a estudar com atenção a relação entre linguagem e gênero, linguagem e desigualdade (veremos a seguir). Em segundo lugar, as teorias de Lacan têm sido de interesse para os desconstrucionistas e os pós‑estruturalistas, em parte porque consideram o Ego como um construto. O Ego, produzido na etapa do espelho, parece ser uma unidade, organizado ao redor de um centro fixo. Mas esse Ego unificado, para Lacan, é uma ficção. O processo de unir os fragmentos do Ego é caro de uma perspectiva psicanalítica; então, é a tarefa do psicanalista lacaniano mostrar suas continuidades e contradições (MURFIN, 1996, p. 511). 2.1.2 Análise literária In order to illustrate this approach, we will now focus on a reading of Charlotte Bronte´s novel Jane Eyre by Angela Marie Hall‑Godsey, who in her article significantlycalled “Jane Eyre Makes the Cut for Sexual Liberation” interprets Jane’s journey from the perspective of psychoanalysis. This article is part of Hall‑Godsey’s dissertation Female Agency through Self‑Castration in Nineteenth Century British Fiction (2008). This dissertation is available online (see below) and we recommend its reading. II. Jane Eyre Makes the Cut for Sexual Liberation Jane Eyre opens with a description of our narrator as a small child who has retreated into a window seat. Her isolation affords her a moment with Bewick’s History of British Birds while being “shrined in double retirement” (64). Clearly stated in the first sentence of the text, the reader is aware of the autodiegetic structure of the narrative: “There was no possibility of taking a walk that day” (63). The first chapters outline the violent nature of Jane’s childhood – her body being the locus of brutal punishment by all members of the household. John Reed’s punishment is continual and “every nerve [Jane] had feared him, and every morsel of flesh in [her] bones shrank when he came near” (66). Her body becomes the center of all meaning. It is with reference to her body that Aunt Reed makes class and moral distinctions by describing Jane’s countenance. It is on the body that John Reed employs his art of mastery by surveillance and punishment. The body is the very material that calls forth identity and, therefore, it is here that Jane experiences the erasure of identity by the removal of the body. The members of the household continually put Jane’s body out of sight: Jane narrates: 58 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 Unidade II Me, she had dispensed from joining the group; saying ‘She regretted to be under the necessity of keeping me at a distance; but that until she heard from Bessie and could discover by her own observation that I was endeavouring in good earnest to acquire a more social and childlike disposition […] she really must exclude me from the privileges intended only for contented, happy, little children (63). The servants and children at Gateshead are engaged in the constant removal of Jane’s body. But it is within this process of removal that Jane finds a sense of power and agency. Jane repeats this process during times when others focus on her body as a center for detection and surveillance in order to render judgment or assign punishment. At Thornfield Rochester entertains Blanche Ingram and other members outside of Jane’s class. Jane, summoned to the party by a Rochester demand, retreats to a shady corner where “the window‑curtain half hides me” (251). From the curtained window perch Jane can be the “gazer” and able to render judgment on those she watches while escaping their gaze by placing herself outside of it. Feminine subjectivity […] turns upon the obligatory acknowledgement of three things which are fundamental to all subjectivity, but whose disavowal and projection serve in large part to define masculinity: castration, subordination to the gaze of the cultural Other, and what I have been calling “discursive interiority” (i.e., insertion into a preexisting symbolic order). (SILVERMAN, p. 149) By placing herself outside of the gaze, Jane eschews one of the fundamental components of feminine subjectivity. As I will continue to argue, Jane averts the passive castration process by enacting it upon herself, which is another manner in which she prevents feminine subjectivity. Kaja Silverman’s notion that the formulation of female subjectivity completes itself once the subject participates in “discursive interiority” works within this argument in that Jane uses the power of narration to not only insert herself into the symbolic order but to also displace the power of the phallus – a phallic power she relocates on her own body by creating a bi‑gendered narrative. In another example of when Jane removes her body so as to avoid the assignation of pain and judgment comes after her realization of Rochester’s marital status. Jane claims “the more solitary, the more friendless, the more unsustained I am, the more I will respect myself” (408). and she flees Thornfield “with some fear – or hope – that here I should die: but I was soon up; crawling forwards on my hands and knees, and then again I raised to my feet – as eager and as determined as ever to reach to road” (413). Jane removes her body from the very place and person that would have made her the center of moral and lawful crimes. She weeps as she leaves her “master” and after lying on the ground “pressing [her] face to the wet turf” she scurries like an animal, even calling herself delirious. This passage illustrates Jane’s determination to not only remove her body from the purview of the gaze, but also to reduce the body to animal material – waste. 59 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 CRÍTICA LITERÁRIA CONTEMPORÂNEA: DIFERENTES ABORDAGENS EM CONTRAPONTO As a crawling, scratching, figure soiled by the turf, Jane reduces her body and, in doing so, castrates her own femininity. Furthermore, as John Kucich argues “in the struggles for power that saturate Brontë’s fiction, eroticized self‑negation can be an effective instrument of mastery over others, as well as a sign of social authority, and not simply a submission” (39). Jane’s flight mimics this erotic self‑negation. By reducing the body, Jane creates an image much like that of Bertha Mason, who is full of passion and unbridled sexual aggression. The removal of Jane’s body punishes Rochester (both figuratively and literally – Bertha lames Rochester and destroys Thornfield in a fire. But additionally, Rochester is unable to fulfill his erotic desire. Jane gains mastery over Rochester in that she creates a narrative pause in the story. Jane narrates the entire novel as the older wife of Rochester, so she could illuminate the audience to Rochester’s recuperative ending. However, she chooses to delay gratification, and Rochester’s story ceases to be the subject of the novel for close to the entire third volume. Using a sort of threat narrative, Jane punishes Rochester by exicing him from the text and delaying the ending of his story. Rochester is castrated by Jane’s (threat) narrative; however, his castration gives way to her own sexual liberation. The culmination of the novel reads quite differently than Rochester’s usual verbosity and gallantry. Jane narrates the end of his story. He doesn’t say a word. Jane’s processes of self‑castration resurrect the traditional reading of the story’s culmination: Jane as a wife because of her economic liberation. Instead of a reading based on feminine happiness because of an elevation of class and marital status, Jane commands the ending of her narrative by castrating all competing voices and figures (Bertha, Rochester, St. John, Aunt Reed, and the Reed children). Jane’s narration evolves out of the speaker’s desire to erase her body, for it is on the flesh that others can “punish her body to save her soul” (129). The most significant portion of the text in the development of Jane’s desire to erase her body by self‑castration reveals itself during the famous “red room” scene. Jane is “a discord in Gateshead‑hall” and is a “useless thing, incapable of serving their interests, or adding to their pleasure; a noxious thing, cherishing the germs of indignation at their treatment, of contempt of their judgment” (73). The useless “thing” recognizes that her very presence – material existence – creates the tension in the home. Because she is a germ of discord, the Reeds punish her by locking her in the third‑story “red room”. This imprisonment leads to Jane’s mental anxiety‑induced loss of consciousness. Child Jane thinks she sees the reflection of her dead uncle’s ghost, which produces the following reaction: “My heart beat thick, my head grew hot, a sound filled myears, which I deemed the rushing of wings: something seemed near me; I was oppressed, suffocated: endurance broke down – I uttered a wild, involuntary cry – I rushed to the door and shook the lock in a desperate effort” (74). The older narrator Jane reminds the reader of her control over the story by telling the reader “I can now conjecture readily that this streak of light was, in all likelihood, a gleam from a lantern […]” (74). This interjection illustrates the lengths the narrator goes to in order to maintain authorial control over her history. Most importantly, the moment of crisis brings the narrative to the edge, the place where the cut is made into the chain of signification. Jane evolves from a “thing” of discord to a description of bodily machinery. This corporeal apparatus, placed outside of the household’s gaze and surveillance (and, therefore avoiding 60 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 Unidade II their judgment and punishment) reduces itself to the bare material essence. The red of the room symbolizes blood and the thick beating heart illustrates the visual portrait of a labored circulatory system. Her flesh dampens as her body temperature rises – a bodily function aimed at producing sweat to aid in the body’s regulation of internal temperature. The rushing of wings in the ear indicates an increase in heart rhythm as the feeling of suffocation implies the body’s desire to conserve air by restricting its over usage. Jane’s time in the red room instructs her in the fruitful process of bodily reduction. Jane describes her body in terms of systems and organizations and functions. As a body, a material body, Jane sees herself as an equal. She castrates femininity (she is not a little girl in the red room, but a body) in order to harness a drive toward eventual rebellion. Jane becomes a mere body (an organism of flesh, blood, systems, and regulatory functions); and, as a body, the rebellion can’t be quashed on the basis of sex or class. Aunt Reed and the Gateshead household can only quiet the body’s rebellion by removing it – by pacing it out of sight. “Unjust! – Unjust!” cries Jane’s reason, which brings forth her new “Resolve”, a “transitory power […] instigat[ing] some strange expedient to achieve escape from insupportable oppression” (72). As Ivan Kreilkamp argues in “Unuttered: Withheld Speech and Female Authorship in Jane Eyre and Villette” Jane understands the impulse to cry out, but also understands the power of holding back and “remov[ing] the physical body from the scene of vocal excitement” (347). After the cataclysmic moment in the red room, Jane claims “Speak I must: I had been trodden on severely and must turn” (95). She proceeds with her vocal rebellion towards the oppressors of Gateshead by telling Aunt Reed “I am not deceitful: if I were, I should say I loved you; but I declare, I do not love you: I dislike you the worst of anybody in the world except John Reed[…]” (95). The rebellious vocal body goes on to tell Aunt Reed that her children are liars and that she is glad you are no relation of mine: I will never call you aunt again so long as I live. I will never come to see you when I am grown up; and if any one asks me how I liked you, and how you treated me, I will say the very thought of you makes me sick, and that you treated me with miserable cruelty. (95) It is this rebellion that ensures Jane’s removal from Gateshead to Lowood. This textual erasure of Gateshead is another important component of Jane’s threat‑narrative. Once Jane leaves Gateshead, the reader is left unaware of the continuance of this house. Jane returns to Gateshead once, to narrate the horrible death of her Aunt Reed and to serve a dish of sweet narrative revenge to the cousins. Jane narrates their social and mental declines, and the reader is told that the narrative will no longer refer to the Reeds again (326). Jane completes her narrative threat and powers of erasure by excising the Reeds from the text. Their narrative death liberates Jane and allows her to push her history forward without the Reeds as encumbrances. Jane’s stint at the Lowood School resembles her ability to hold back. The Lowood section reveals a Jane that understands the power given to those who repress their passions and desires. This type of repression “actually heightens interior life libidinally, by disrupting it” (Kucich 23). Jane comes to realize the static and repetitive life offered by the school (as a student and as a teacher) does not permit the indulgence in passion, which leads to rebellion 61 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 CRÍTICA LITERÁRIA CONTEMPORÂNEA: DIFERENTES ABORDAGENS EM CONTRAPONTO and growth. The narrative can only progress when Jane’s body moves. The narrative structure must liberate the body through the exercise of the passions in order to erase the body and repress the passions. This exercise is extremely significant in the construction of a castration narrative. The constant telling of the story, the spilling out onto the page, as Barthes puts it, grants access to the textual space where narrator creates the body and encounters the body (and sexuality) only to castrate it. The oscillation between the “regulated feelings [that] had become the inmates of my mind” and the “stirring of old emotions” and “impatient impulses” (150, 145) motivates Jane to further her story, which “is not to be a regular autobiography” (my emphasis 149). The prompting of Jane’s movement from Lowood to Thornfield arises out of her desire for liberty: “and now I felt that it was not enough: I tired of the routine of eight years in one afternoon. I desired liberty; for liberty I gasped; for liberty I uttered a prayer” (151). But this liberty Jane cannot grasp (although, the older narrating Jane knows she will have liberty) and so, she “abandoned it, and framed a humbler supplication; for change, stimulus: that petition, too, seemed swept off into a vague space; ‘Then,’ I cried, half desperate, ‘Grant me at least a new servitude’!” (151). By narrating the interior monologue, Jane grants visual (readerly) access to the internal process of self‑castration. The narrative structure must have the body move in order to further its agenda (the encountering of the body, the castration of the body etc.). However, the narrative need not articulate Jane’s inner combat. The narrator knows Jane “wins” in the end, so the articulation of this inner tension must serve a greater purpose. Perhaps, as Shuttleworth explains [...] woman’s ‘mission’ is to try and suppress all mental life so that the self‑regulating processes of her animal economy can proceed in peace. Female thought and passion, like government intervention in the Spencerian model of the economy, created blockages and interference, throwing the whole organism into a state of disease. (91) If Victorian programmed woman to suppress mental life as a way to foster the regulations of her physical body, then my argument that Jane creates a narrative in which she stimulates the interior through narrative articulation shows her aim to be a disruption of the orderly body. The interior split allows Jane to bring her interiority forward. The greater purpose is to give the interior form and to “[throw] the whole organism into a state of disease” or disease. Jane’s interiority is no longer amorphous, it has a material existence because it is part of the text – it gains form through textual expression. In narrating the mental space, Jane threatens her own body with disease. This is the project of self‑castration: the creation of a bodily uneasiness or disruption. In another moment of giving form to interior space, Jane reprimands herself: “You”, I said, “a favourite with Mr. Rochester? You gifted with the power of pleasing him? You of importance to him in any way? Go! your folly sickensme. And you have derived pleasure from occasional tokens of preference – 62 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 Unidade II equivocal tokens, shown by a gentleman of family, and a man of the world, to a dependent and a novice. How dared you? Poor stupid dupe!” (237) As in the quote I highlighted before, Jane uses direct quotations here. This indicates a dialogue. Jane gives form to interior space through articulation and through voice. Furthermore, the voice replicates the same judgments that Aunt Reed, her children, Mr. Brocklehurst, Blanche Ingram, or the Victorian reader might levy upon her. The narrative interior voice tells Jane to “cover your face and be ashamed” (237) and, in doing so, locates the source of her punishment on the body. In a simultaneous moment, the directive you calls forth Jane’s physical existence while attributing corporeal form to the inner voice. Jane’s narrative structure affords her the opportunity to split herself for the purpose of castrating herself. She makes the mark, feels the pain, is subjected to judgment and the signifying chain by a voice she endows with power. Just like the oscillation between presence and absence of the body, the movement between inner and outer existence provides the tension required for self‑castration. Jane becomes an agent of this castration because she narratively conjures the split. Jane Eyre represents the textual production of a desire to narrate one’s own castration. This narrative presents the author with a unique manner in which to experience castration through the writing process and to enact castration through the creation of characters that are themselves castrated by the author’s direction. Brontë seems to understand that “power resides in the figure who can unveil the hidden secrets of the other whilst preserving the self unread” (Shuttleworth, 10). As an author, Charlotte Brontë creates a world that, in its textual reproduction, becomes a history of female self‑castration. It is within the text that the author finds the most pleasure in the cut. She can experience the trauma of her own lack at her own hand and, therefore be an agent of her own sexual development. Mary Jacobus in Reading Woman avers “there is no literal referent to start with, no identity or essence, the production of sexual difference can be viewed as textual, like the production of meaning” (4). So, if sexual difference can be or is a textual production, then the process of castration can also be viewed in this light. Jane is successful at the end of her narrative because she has maintained narrative voice and power. Her triumph lies in her ability to narrate a text that forces her to confront castration and take on the process as a mode toward sexual liberation. Jane hopes the castrative narrative opens the door to material signification – not sexual signification: “I am not talking to you now through the medium of custom, conventionalities, nor even of mortal flesh: – it is my spirit that addresses your spirit; just as if both had passed through the grave, and we stood at God’s feet, equal – as we are” (338). Jane is the power behind her own narrative. The mortal flesh of which she speaks is a medium governed by custom and conventionalities. She claims that her spirit addresses Rochester’s. This address is a narrative, and by giving the spirit a narrative, by making it speak and by creating a textual reproduction of the exchange, Jane materializes it. Fonte: Hall‑Godsey (2008, p. 36‑45). 63 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 CRÍTICA LITERÁRIA CONTEMPORÂNEA: DIFERENTES ABORDAGENS EM CONTRAPONTO Leituras sugeridas FREUD, S. The Interpretation of Dreams. In: RIVKIN, J.; RYAN, M. Literary Theory: An Anthology. Malden; Oxford: Blackwell Publishing, 2004. p. 397. ___. The Uncanny. In: RIVKIN, J.; RYAN, M. Literary Theory: An Anthology. Malden; Oxford: Blackwell Publishing, 2004. p. 418. HOLLAND, N. The Unconscious of Literature: The Psychoanalytic Approach. In: BRADBURY, M.; PALMER, D. J. (Ed.). Contemporary Criticism. New York: St. Martin’s, 1971. p. 130‑53. LACAN, J. The Mirror Stage as Formative of the I Function: as revealed in Psychoanalytic Experience. In: ___. Ecrits: The First Complete Edition in English. Trans. Bruce Fink. New York: W. W. Norton & Company, 2006. p. 75. Disponível em: <http://users.clas.ufl.edu/burt/Lacan.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2014. 2.2 feminismo e Estudos de Gênero 2.2.1 Apresentação da abordagem teórica 2.2.1.1 feminismo Rivkin e Ryan (2004, p. 765) observam que os alvores do feminismo podem ser relacionados com o movimento das mulheres nas décadas de 1960 e 1970. Seus antecedentes poderiam estar no já clássico e canônico texto de Virginia Woolf, A Room of One’s Own. Nas últimas décadas, a crítica feminista se transformou e se multiplicou. Em primeiro lugar, ela se relaciona com a crítica pós‑estruturalista, marxista, psicanalítica, pós‑colonial e os estudos de gênero (lésbicos e gays). Assim, alguns dos temas de maior importância para essa abordagem seriam a igualdade versus. a diferença, o feminismo cultural versus. o pós‑estruturalista, o essencialismo versus. o construcionismo e, então, não pode ignorar temas como raça, classe, nacionalidade, sexualidade etc.; senão, a análise de gênero se limitaria à mulher branca, de classe média e que quer ser mãe. Somente, acrescentam Rivkin e Ryan (2004, p. 765), por meio do questionamento do que é ser “mulher”, o feminismo evita replicar o erro cultural masculino de considerar um dominante (mulher) como uma categoria universal. Aos poucos, começam a surgir duas vertentes, a anglo‑americana e a francesa. Conforme acrescentam os autores (2004, p. 765), nas décadas de 1960 e 1970, nos Estados Unidos, o tema principal dos estudos feministas era a experiência da mulher no sistema patriarcal e a tradição do domínio masculino que silenciava as vozes das mulheres e distorcia suas vidas. Como o cânone literário, estudado nas escolas, era profundamente masculino, as acadêmicas feministas começaram a problematizá‑lo por meio de diferentes publicações. 64 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 Unidade II Aos poucos, em vez de se limitar a criticar a representação das mulheres na escrita masculina, as feministas começaram a estudar a escrita das mulheres que, contra qualquer obstáculo, produziam sua própria literatura. Esse movimento ficou conhecido como “genocrítica” (gynocriticism). Em The Female Imagination (1975), Patricia Meyer Specks examina a tradição literária feminina para melhor entender como as escritoras se percebem e entendem a realidade. Elaine Showalter publicou uma historiografia de mulheres escritoras em A Literature of their Own (1977); Showalter organizou as narrativas em três fases: feminina, feminista e mulher (feminine, feminist, female); em um primeiro momento (1840‑80), as mulheres imitaram a tradição masculina; logo, criticaram seus valores (1880‑1920) e, finalmente, criaram sua própria perspectiva (1920 até o presente) (MURFIN, 1996, p. 463). Judith Fetterley considerou como as mulheres são representadas na literatura norte‑americana em The Resisting Reader; Sandra Gilbert e Susan Gubar consideraram o que significava ser uma mulher escritora em uma tradição na qual proliferavam imagens de violência contra a mulher, por meio do estudo das escritoras do século XIX em The Madwoman in the Attic (1979). Nas décadas de 1970 e 1980, o movimento feminista começou a se pluralizar ao se focar em questões étnicas. Apareceram as feministas afro‑americanas, como Mary Helen Washington, Barbara Smith e Bell Hooks, que narravam a história da mulher afro‑americana a partir dos eixos de raça e gênero. Por sua vez, também surgem as feministas lésbicas que reconstroem a tradição de escrita lésbica em uma tradição heterossexual. Assim,esta etapa se caracteriza por duas tendências principais; a primeira, que critica os estereótipos misoginistas na literatura masculina, e a segunda, dedicada a recuperar uma longa tradição de escrita de mulheres e, assim, criar um novo cânone (RIVKIN; RYAN, 2004, p. 766). Se na década de 1970, as feministas liberais e as radicais não coincidiam sobre como deveria ser identificada a “essência” feminista, na década de 1980 aparece o feminismo francês, representado por Julia Kristeva, Luce Irigaray e Hélène Cixous, para quem, nos passos dos pós‑estruturalistas, a feminidade não é uma essência, mas um construto linguístico. Diferentemente das feministas norte‑americanas, as francesas, em vez de analisar narrativas literárias para desenvolver uma historiografia própria, expor a ideologia patriarcal, descobrir escritoras esquecidas e criar uma literatura própria, filosofavam sobre a linguagem. Elas arguiam que a linguagem está baseada em uma lógica binária que opõe pares como ativo‑passivo, masculino‑feminino, pai‑mãe etc. Como essa lógica associa os primeiros termos dos pares com a masculinidade, as feministas francesas apontaram que a estrutura da linguagem é falocêntrica, no sentido de que privilegia o falo e a masculinidade ao associá‑los com os valores mais apreciados pela comunidade, considerados como positivos. Por sua vez, as feministas francesas explicam que devido à lacuna emocional produzida pela separação da mãe, os homens transformam as mulheres em objetos do desejo; então, a linguagem força a mulher a escolher entre se imaginar como o homem a imagina ou se silenciar e, assim, tornar‑se invisível. Contudo, outras feministas, como Marguerite Duras, apontam que a linguagem dá outra oportunidade para a mulher: elas podem desenvolver uma escrita com características próprias; a linguagem feminina é rítmica e tende a unificar. Ou seja, ela aponta para uma relação essencialista entre a linguagem e o corpo feminino. 65 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 CRÍTICA LITERÁRIA CONTEMPORÂNEA: DIFERENTES ABORDAGENS EM CONTRAPONTO Duas vertentes começam a se perfilar novamente; uma “construcionista”, que pensa que o gênero é um produto cultural e histórico; outra “essencialista”, que pensa que o gênero mostra uma diferença que não é somente psicológica ou Linguística, mas também biológica. O caráter plural do feminismo acentua‑se. Paradoxalmente, ambas as vertentes se inspiram no pós‑estruturalismo. Para as essencialistas, a mulher é capaz de uma ética diferente da masculina, no sentido de preservar a terra da destruição causada pelo homem. Isso se deve a que, ao adquirir sua identidade de gênero, elas não se separam da mãe, como no caso dos homens (ver Teoria Psicanalítica). Noutras palavras, as mulheres são mais cuidadosas, tendem a preservar, porque seus laços psicológicos e físicos nunca se cortam (RIVKIN; RYAN, 2004, p. 768). Por sua vez, as construcionistas se inspiram na teoria marxista da construção social do individuo (Althusser) e da ideia pós‑estruturalista de que a linguagem cria, em vez de refletir a identidade. A identidade de gênero é um construto cultural, como o é a supremacia masculina. Para as construcionistas, o que precisa mudar não são os mecanismos pelos quais a identidade da mulher é sufocada, mas a maneira como as identidades, masculina e feminina, são construídas. As críticas marxistas apontam que muito do que as essencialistas consideram como a boa natureza feminina (o “instinto maternal”, por exemplo) as limita, na sociedade capitalista, e as treina para serem melhores trabalhadoras domésticas (RIVKIN; RYAN, 2004, p. 768). Por sua vez, já na década de 1980, a feminista Judith Butler contradiz essas teorias ao argumentar que o gênero é performativo: a imitação de um código que não é natural, mas um construto. Para Murfin (1996, p. 464), hoje é quase impossível traçar uma diferença entre as escolas anglo‑americanas e as francesas, já que elas têm se influenciado mutuamente. Nesse contexto, os estudos se dividem entre aqueles em que a categoria mulher continua sendo seu dominante principal para explorar questões de gênero e da exploração do gênero, e os estudos de que as diferenças de gênero vão juntas com outros tipos de diferenças que definem a identidade. Este último paradigma, como apontamos anteriormente, compreende o trabalho das feministas afro‑americanas, pós‑coloniais e lésbicas que problematizam as categorias construídas pelas suas predecessoras americanas e francesas pelo fato de, na sua opinião, não se aplicar para melhor entender os problemas das minorias ou das culturas não ocidentais. Para essas feministas, enquanto todas as mulheres são fêmeas, elas também são brancas, negras, lésbicas, muçulmanas etc. São essas características que as definem e diferenciam. Por exemplo, Gloria Anzaldua, em Borderlands: La Frontera = The New Mestiza (1987), seria um bom exemplo desde que discute o que significa ser uma mulher nas margens da cultura norte‑americana, que é profundamente eurocêntrica. Como aponta Murfin (1996, p. 465) essas divisões do feminismo o têm tornado mais inclusivo e global. Em vez de recuperar textos escritos por mulheres brancas, agora o objetivo é recuperar culturas de mulheres ao redor do mundo. Dentre as críticas mais destacadas desta perspectiva, encontram‑se Trinh T. Minh‑ha e Gayatri Spivak, em In Other Worlds: Essays in Cultural Politics (1987) e Outside in the Teaching Machine (1993), que consideram a condição da mulher subalterna. 66 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 Unidade II O fato de entender a mulher não como uma categoria única e determinista, mas como uma relação entre diferentes experiências tem levado algumas críticas brancas e ocidentais, como Jane Tompkin, a desenvolverem a crítica pessoal e autobiográfica. Ao assim fazê‑lo, desconstruíram o gênero da autobiografia como principalmente masculino e se focaram em um gênero que, em vez de dar relevância à ação, ao triunfo por meio do conflito e ao reconhecimento público, considera relações íntimas e interpessoais, o corpo, a reprodução; em outras palavras, experiências do universo feminino. 2.2.1.2 Estudos de Gênero (Gender Studies) Os estudos lésbicos e gays se sobrepõem à Crítica ou aos Estudos de Gênero, que começaram como Crítica Feminista. Como apontam Rivkin e Ryan (2004, p. 885) a emergência do Movimento de Liberação Gay e Lésbico, no final da década de 1960 e princípio da década de 1970, coincidiu com o trabalho dos Estudos Feministas que se interessavam por temas como a sexualidade e a identidade de gênero. Porém, na década de 1980, como temos visto, o feminismo mudou sua orientação com base na diferença entre identidade sexual biológica e identidade de gênero. Se a primeira pertencia à natureza e permitia que as mulheres fossem identificadas como “não sendo homens”, a segunda levava em conta contingências históricas e culturais, ou seja, como temos visto, um construto que muda dependendo da sociedade e do momento histórico. Assim, o termo mulher poderia esconder diferenças entre as mulheres a respeito da escolha de objeto sexual, práticas sexuais e identidade psicológica, que podem ser consideradas masculinas. Enquanto para as feministas uma mulher masculina seria para os Estudos Feministas da década de 1970 uma mulher identificada masculinamente, para os Estudos de Gênero e Teorias Gays e Lésbicas da década de 1980, essa seria uma forma possível de gênero, uma intersecção possível de biologia e cultura ou psicologia, que é difícil definir (RIVKIN; RYAN, 2004, p. 886). Foi o trabalho de críticos como Michel Foucault que apontou que o gênero é variável; na história e nas diferentes sociedades, existem diferentes maneiras de definir um gênero ou o outro. Assim, nas décadas de 1970 e 1980, os acadêmicos gays e lésbicas puderam fazer o que nunca tinha sido feito antes: estudar a historiografiada escrita gay e lésbica e analisar como suas vidas tinham sido distorcidas nas diferentes culturas. Um dos trabalhos de maior relevância dessa época foi History of Sexuality (1978), de Michel Foucault. Para ele, conforme apontam Rivkin e Ryan (2004, p. 886), a homossexualidade é uma categoria social, médica e ontológica inventada durante os finais do século XIX. Junto com os Estudos de Gênero e os Estudos Gays e Lésbicos, aparece uma terceira linha de pesquisa chamada de Teoria Queer. Essa linha foi uma reação aos muitos casos de aids acontecidos na década de 1990. O uso do termo queer, de caráter pejorativo, para se referir a homossexuais e lésbicas, foi escolhido de propósito por essa comunidade e foi usado de propósito para atacar os embates da sociedade “normal” (RIVKIN; RYAN, 2004, p. 887). Ao mesmo tempo, como acrescentam os autores, a mudança de nome também resultou em uma mudança de estratégia de análises, a partir do momento em que agora os críticos dessa abordagem começaram a considerar o elemento queer da cultura “normal”. 67 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 CRÍTICA LITERÁRIA CONTEMPORÂNEA: DIFERENTES ABORDAGENS EM CONTRAPONTO 2.2.2 Análise literária We will focus now on excerpts of an already canonical reading of Charlotte Bronte’s novel Jane Eyre by the critic Sandra Gilbert who, together with Susan Gubar wrote one of the pioneer works on Feminism, The Mad Woman in the Attic. In it, the author considers Jane’s meeting with Rochester from a Feminist perspective that deconstructs the patriarchal male and female roles in a romantic relationship. Jane’s first meeting with Rochester is a fairy‑tale meeting. Bronte deliberately stresses mythic elements: an icy twilight setting out of Coleridge or Fuseli, a rising moon, a great “lion‑like” dog gliding through the shadows like “a North‑of‑England spirit, called a ‘Gytrash’ ... [which] sometimes came upon belated travellers”, followed by “a tall steed, and on its back a rider”. Certainly the romanticized images seem to suggest that universe of male sexuality with which Richard Chase thought the Brontes were obsessed. And Rochester, with “stern features and a heavy brow”, himself appears the very essence of patriarchal energy, Cinderella’s prince as a middle‑aged warrior (p. 98‑9). Yet what are we to think of the fact that the prince’s first action is to fall on the ice, together with his horse, and exclaim prosaically, “’What the deuce is to do now?’ “Clearly the master’s mastery is not universal. Jane offers help, and Rochester, leaning on her shoulder, admits that”‘necessity compels me to make you useful.’” Later, remembering the scene, he confesses that he too had seen the meeting as a mythic one, though from a perspective entirely other than Jane’s. “’When you came on me in Hay Lane last night, I ... had half a mind to demand whether you had bewitched my horse...’” (p. 107). His playful remark acknowledges her powers just as much as (if not more than) her vision of the Gytrash acknowledged his. Thus, though in one sense Jane and Rochester begin their relationship as master and servant, prince and Cinderella, Mr. B. and Pamela, in another way they begin as spiritual equals. As the episode unfolds, their equality is emphasized in other scenes as well. For instance, though Rochester imperiously orders Jane to “resume your seat, and answer my questions” while he looks at her drawings, his response to the pictures reveals not only his own Byronic broodings but also his consciousness of hers: “’Those eyes in the Evening Star you must have seen in a dream... And who taught you to paint wind? ...Where did you see Latmos?’” (p. 111). Though such talk would bewilder Rochester’s other dependents, it is a breath of life to Jane, who begins to fall in love with him not because he is her master but in spite of the fact that he is, not because he is princely in manner but because, being in some sense her equal, he is the only qualified critic of her art and soul. Their subsequent encounters develop their equality in even more complex ways. Rudely urged to entertain Rochester, Jane smiles “not a very complacent or submissive smile”, obliging her employer to explain that “’the fact is, once and for all, I don’t wish to treat you like an inferior. ... I claim only such superiority as must result from twenty years difference in age and a century’s advance in experience’” (p. 117). 68 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 Unidade II Moreover, his long account of his adventure with Celine – an account which incidentally struck many Victorian readers as totally improper, coming from a dissipated older man to a virginal young governess – emphasizes, at least superficially, not his superiority to Jane but his sense of equality with her. Both Jane and Bronte correctly recognize this point, which subverts those Victorian charges of impropriety. “The ease of his manner”, Jane comments, “freed me from painful restraint ... I felt at these times as if he were my relation rather than my master” (p. 129). For of course, despite critical suspicions that Rochester is seducing Jane in these scenes, he is, on the contrary, solacing himself with her unseduceable independence in a world of self‑marketing Celines and Blanches. His need for her solace, strength, and parity is made clearer soon enough – on, for instance, the occasion when she rescues him from his burning bed (an almost fatally symbolic plight) and later on the occasion when she helps him rescue Richard Mason from the wounds inflicted by “Grace Poole”. And that all these rescues are facilitated by Jane’s and Rochester’s mutual sense of equality is made clearest of all in the scene in which Jane, and only Jane of all the “young ladies” at Thornfield, fails to be deceived by Rochester in his gypsy costume: “’With the ladies you must have managed well’”, she comments, but “’you did not act the character of a gypsy with me’” (pp. 177‑8). The implication is that he did not – or could not – because he respects “the resolute, wild, free thinking looking out of” Jane’s eyes as much as she herself does and understands that, just as he can see beyond her everyday disguise as plain Jane the governess, she can see beyond his temporary disguise as a gypsy fortune‑teller – or his daily disguise as Rochester the master of Thornfield. This last point is made again, most explicitly, by the passionate avowals of their first bethothal scene. Beginning with similar attempts at disguise and deception on Rochester’s part (“’One can’t have too much of such a very excellent thing as my beautiful Blanche...’”), that encounter causes Jane in a moment of despair and ire to strip away her own disguises in her most famous assertion of her integrity: Do you think, because I am poor, obscure, plain, and little, I am soulless and heartless? You think wrong! – I have as much soul as you, – and full as much heart! And if God had gifted me with some beauty, and much wealth, I should have made it as hard for you to leave me, as it is now for me to leave you. I am not talking to you now through the medium of custom, conventionalities, or even of mortal flesh: – it is my spirit that addresses your spirit; just as if both had passed through the grave, and we stood at God’s feet equal, – as we are! (p. 222). Rochester’s response is another casting away of disguises, a confession that he has deceived her about Blanche and an acknowledgment of their parity and similarity: “’My bride is here’”, he admits, “’because my equal is here, and my likeness’”. The energy informing both speeches is significantly not so much sexual as spiritual; the impropriety of its formulation is, as Mrs. Rigby saw, not moral but political, for Bronte appears here to have imagined a 69 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08/1 4 CRÍTICA LITERÁRIA CONTEMPORÂNEA: DIFERENTES ABORDAGENS EM CONTRAPONTO world in which the prince and Cinderella are democratically equal, Pamela is just as good as Mr. B., master and servant are profoundly alike. And to the marriage of true minds, it seems, no man or woman can admit impediment. Fonte: Gilbert (1977, p. 790‑792). Leituras sugeridas BUTLER, J. Performative Acts and Gender Constitution. In: RIVKIN, J.; RYAN, M. Literary Theory: An Anthology. Malden; Oxford: Blackwell Publishing, 2004. p. 900. GILBERT, S.; GUBAR; S. The Mad Woman in the Attic. New Haven; London: Yale University Press, 1979. SPIVAK G. Three Women’s Texts and a Critique of Imperialism. In: RIVKIN, J.; RYAN, M. Literary Theory: An Anthology. Malden; Oxford: Blackwell Publishing, 2004. p. 838. 2.3 O pós‑colonialismo e os Estudos Transculturais 2.3.1 Apresentação da abordagem teórica Ashcroft, Griffiths e Tiffin (1989, p. 1) explicam o termo “pós‑colonialismo” como aquele que se refere às culturas afetadas pelo processo imperial do momento da colonização até o presente. Essa definição já revela que o “pós” do termo não é uma referência temporal, vinculada a um evento passado, mas a um lugar, mais especificamente, denomina aquele local além do Ocidente, além da Europa, onde diferentes povos foram afetados pelo colonialismo. Então, se dermos ao termo uma conotação de lugar, ele evocará, imediatamente, aqueles locais considerados como “marginais” porque estão alem do “centro”, ou seja, de metrópoles como a Inglaterra ou a Europa em geral. Ao abrir o nosso escopo dessa maneira, nos defrontamos com outras culturas, com o outro silenciado por séculos de dominação colonial. Fica claro, então, que definir o “pós” em termos de tempo implicaria, por um lado, tirar nossa atenção das formas presentes de desigualdade e injustiça, sejam elas políticas, econômicas ou discursivas dentro de um sistema global e, pelo outro, pensar que a dominação dos fracos pelos poderosos tenha chegado ao fim. Nós sabemos que isso não é assim. O colonialismo tem tomado outras formas, tais como o imperialismo. Em outro nível, o termo “pós‑colonial” problematiza o tratamento de verdade universal dado às áreas da Filosofia, da História, da Literatura, da Sociologia, da Antropologia e das Ciências Políticas, desenvolvidas no Ocidente e levadas pelos colonizadores (ingleses, franceses, alemães etc.) para todos os cantos do mundo, sem levar em conta as culturas locais. 70 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 Unidade II Esses saberes do Iluminismo europeu espalhavam a noção de que os europeus eram “iluminados”, ou seja, eram seres racionais, cartesianos, culturalmente superiores, enquanto os colonizados eram “primitivos”. Para justificar a colonização e a subjugação das outras culturas, os europeus diziam que “o fardo do homem branco”, como canta um dos poetas do imperialismo inglês, Rudyard Kipling, era levar a “luz” a todos esses povos, que, em sua opinião, ainda estavam nas trevas: Take up the White Man’s burden — Send forth the best ye breed — Go, bind your sons to exile To serve your captives’ need; To wait, in heavy harness, On fluttered folk and wild — Your new‑caught sullen peoples Half devil and half child (KIPLING, 2011). Então, o termo “pós‑colonial” não se refere a uma periodização, mas a uma revisão e problematização dos saberes ocidentais, em particular os do Iluminismo, tidos como universais, essenciais e válidos em qualquer parte do mundo. Em 1978, o escritor palestino Edward Said publicou o livro Orientalismo, obra central para a Teoria Pós‑Colonial. Seu argumento principal é o de que o orientalismo não é um fato, mas um discurso por meio do qual o Ocidente produz (inventa, cria) e manipula o Oriente, política, econômica, social, militar e cientificamente. O orientalismo seria, então, a visão que o Ocidente constrói e divulga do Oriente, gerada a partir dos textos escritos pelos ocidentais sobre o Oriente, em que declaram a superioridade do Ocidente. O orientalismo, então, foi um “produto” do imperialismo ocidental, que o “construía” como inferior para autorizar sua subjugação. Influenciado pelas teorias pós‑estruturalistas, o texto de Said revela que nossa maneira de interpretar o mundo é expressa por meio do discurso; dito de outra maneira, a “palavra” é tão poderosa como uma arma mortal, uma vez que ela nos ajuda a dominar e subjugar culturas, segundo a nossa conveniência. Isso mostra que os textos culturais, históricos, políticos, literários não são nem puros, nem inocentes (é só ler o poema de Kipling), mas armas de dominação que servem para impor determinadas ideologias e maneiras de enxergar o mundo. As reflexões de Said mostram que a literatura teve um papel muito central durante o período da colonização. Como exemplo, o gênero romance foi central no processo de colonização da Índia. Por meio dele, as elites indianas se familiarizaram com a maneira de pensar e os padrões culturais europeus e relegaram sua cultura a um segundo plano. Isso produziu uma aproximação dos ingleses e o modo ocidental de pensar e um afastamento de sua própria cultura. Ou seja, os ingleses utilizaram sua tradição literária para “civilizar” os indianos. Porém, o que os ingleses não consideraram foi o papel subversivo da literatura: os colonizados se apoderaram da língua (o inglês) e do gênero (o romance) do colonizador para recriar sua própria cultura, que tinha sido menosprezada pelo colonizador, e, assim, resistir (FESTINO, 2007). 71 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 CRÍTICA LITERÁRIA CONTEMPORÂNEA: DIFERENTES ABORDAGENS EM CONTRAPONTO Surgiram assim as tradições literárias, também de língua inglesa, indiana, africana, irlandesa, caribenha, canadense, neozelandesa, australiana e (acredite!) norte‑americana, que foi a primeira literatura pós‑colonial, hoje, hegemônica. Então, embora escritas em língua inglesa, elas não são “galhos” da literatura inglesa, mas cada uma delas conforma uma literatura nacional, relacionada com a história política, social e literária de cada país. Por isso, elas podem ser lidas como narrativas que contribuem para a identidade nacional. Ao mesmo tempo, embora todas essas tradições literárias tenham em comum ter sofrido o processo colonial, cada uma delas possui, por um lado, suas próprias marcas culturais, e, pelo outro, uma diferente maneira de se relacionar com o colonizador no espaço colonial que Bhabha (1994) chamou de “terceiro espaço”, onde as duas culturas entraram em colisão. Cada uma dessas tradições literárias merece um estudo particular e detalhado. Os seus escritores ocupam hoje o centro da cena das literaturas de língua inglesa, como se pode observar no fato de que, nas últimas décadas, um dois maiores prêmios das literaturas de língua inglesa, o Booker Prize, assim como o Prêmio Nobel de Literatura, tem sido conferido a escritores das ex‑colônias. Por sua vez, cada uma dessas literaturas é um exemplo do que o crítico Franz Fanon (1966) chamou de “a estética do colonizado”. Elas são o resultado de um processo de três etapas. Na primeira, como acabamos de ver, o colonizado assimila a estética do colonizador e rejeita a própria, em seu desejo de ser aceito em pé de igualdade. Na segunda etapa, quando o colonizado percebe que o colonizador nunca vai tratá‑lo como igual, tenta recuperar sua estética pré‑colonial em toda a sua pureza. Se antes tinha desvalorizado sua cultura, agora a superestima. Em um terceiro momento, no final do período colonial, o colonizado desenvolve uma estética “híbrida”, no sentido de que terá traços de sua cultura e da cultura do colonizador: produz‑se uma colisão entre o imaginário do colonizador e o do colonizado, que nunca é pacífica, muito pelo contrário. Como resposta ao discurso civilizatório e universalista inglês, o tropo que se destaca nessas novas tradições literárias em língua inglesaé o da diferença: a revalorização das crenças e dos processos de significação locais denegridos pela colonização, o que leva à reformulação da identidade nacional. Nesse contexto, a metáfora literária adquire valor pedagógico e libertário porque se torna uma ferramenta relevante nesse processo de construção da diferença ao criar um âmbito em que o sujeito marginalizado reencontra‑se com sua cultura. Como aponta Chinua Achebe (1988, p. 30) em seu ensaio significativamente intitulado O Romancista como Professor, o objetivo do romancista pós‑colonial seria “[...] ajudar sua sociedade a recobrar a confiança nela mesma e deixar de lado os complexos dos anos de degradação e humilhação. Isso é essencialmente uma questão de educação”. Achebe (1988, p. 31) acrescenta que sua maior satisfação seria se seus romances ensinassem aos seus leitores que, com todas as suas imperfeições, seu passado não foi uma “longa noite de selvageria da qual tinham sido salvos pelo homem europeu, atuando em nome de Deus”. Rivkin e Ryan (2004, p. 1073) observam que, a partir de uma perspectiva mais recente e sob a influência do pós‑estruturalismo nos estudos pós‑coloniais, certos conceitos, como identidade, nação ou 72 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 Unidade II cultura nacional, têm perdido sua relevância para as culturas diaspóricas, transnacionais e migratórias, produto do momento de descolonização. O que esse deslocamento geográfico ensina é que conceitos de lugar, etnia e instituições políticas nacionais são construtos imaginários. Seria esse o caso, por exemplo, de escritores e teóricos africanos, asiáticos ou caribenhos que hoje moram nos velhos centros imperiais, como a Grã‑Bretanha; assim, dá‑se o fenômeno que os críticos Fanon e Dubois chamam de twoness, em outras palavras, ter duas identidades ao mesmo tempo. Para Fanon, esse fenômeno pode ser identificado, por exemplo, no caso de ex‑colonizados que moram hoje nos centros imperiais e que têm adotado a cultura imperial devido a um senso de inferioridade de sua cultura nativa. Essas experiências desenvolvem identidades plurais nas quais há vários modelos culturais envolvidos, em que nem um nem outro são considerados como mais apropriados. Por sua vez, essa experiência incide na possibilidade de que a linguagem, neste caso a língua inglesa, também se pluralize; assim, há várias formas de língua inglesa: indiana, caribenha, australiana, canadense etc. 2.3.2 Análise literária In the light of Post‑colonial studies, we are now going to focus on an excerpt from an article on the novel, significantly called A Novel in Rotten English (1985) by the Nigerian writer Ken Saro‑Wiwa. It is important to pay attention to the way in which the author of the article, Jeffrey Gunn, establishes a close bond between language and culture as he deals with the clash between elite and popular Nigerian culture and the uses of the English and vernacular language. Ken Saro‑Wiwa”s Sozaboy is a product of the tensions between rival ethnic groups in Nigeria who ultimately struggle for control over the nation”s wealth, resources and political direction. The “national question” or the question of “citizenship” within a nation‑state constructed from “arbitrary block” beginnings resonates at the heart of the novel (OSAGHAE, 1995, p. 325; EJOBOWAH, 2000, p. 31; BOOTH, 1981, p. 23). Ken Saro‑Wiwa”s identity as a member of the ethnic minority Ogoni people, along with his political activism and execution on their behalf, is inseparable from the content in Sozaboy. Saro‑Wiwa recognizes the political role of his work: “literature in a critical situation such as Nigeria”s cannot be divorced from politics […] literature must serve society […] writers […] must play an interventionist role” (PEGG, 2000, p. 703). As a result of this belief, Sozaboy possesses a sense of urgency. Saro‑Wiwa becomes a “martyr” who transcribes the struggles of the Ogoni people in the creation of the fictional Dukana people (Williams 1996, p. 361). William Boyd reveals the connection between Ken Saro‑Wiwa”s identity as a member of the Ogoni tribe, which was forced to assimilate into the newly formed Biafran state, and his depiction of the Dukana people: Ken Saro‑Wiwa is from eastern Nigeria, a member of the Ogoni tribe. The outbreak of the war in 1967 trapped him within the new boundaries of the Biafran state […] General Ojukwu was an Ibo, the dominant tribe in Eastern Nigeria. When he declared Biafra independent, “Ibo” and “Biafra” were not at all synonymous; like it or not, some thirty or so ethnic groups were included in the new country. Like it or not, these other tribes found themselves at war against Nigeria (BOYD, 1994, p. ii). 73 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 CRÍTICA LITERÁRIA CONTEMPORÂNEA: DIFERENTES ABORDAGENS EM CONTRAPONTO Boyd”s description provides the historical context with which to position the Dukana people in relation to Biafra and Nigeria. Dukana, like the Ogoni tribe, becomes “trapped” and is drawn into the conflict whether they “like it or not”. Similarly, Sandra Meek suggests that Mene (Sozaboy) and the Dukana people are “[outsiders] in someone else”s war” (MEEK, 1999, p. 153). Unable to exercise their own self‑determination and fearful of “internal colonialism”, they both exist in “a crisis of identity”, which reflects the “political reality for the minority Ogoni in the Biafran war” (HARVAN, 1997, p. 170; MEEK, 1999, p. 154). Importantly, Boyd implies that Dukana becomes an analogical reference for measuring the struggles of ethnic minorities during the Nigerian Civil War. Sozaboy is an empowering voice for suffering ethnic minority groups in the “fractured reality” created by the nation‑state in postcolonial Nigeria (WALSH, 2002, p. 112). Saro‑Wiwa creates a voice for the voiceless by inventing a language which he terms “Rotten English” and defines as “a mixture of Nigerian pidgin English, broken English and occasional flashes of good, even idiomatic English” (SARO‑WIWA, 1994, p. Author”s Notes). It is this mixture which allows “Rotten English” to cross ethnic and cultural barriers and allows a critique of all parties involved in the Nigerian Civil War. Michael North confirms this position: “Rotten English [is a] hybridized, syncretic language, [which proposes] a Nigeria that is not divided along ethnic and linguistic lines [and] allows Sozaboy to contradict, to speak against, the civil war at the level of form” (NORTH, 2001, p. 109). “Rotten English” creates a level playing field where minority groups are heard alongside majority groups in a “relational” fashion (BRITTON, 1999, p. 11). Consequently, Saro‑Wiwa explodes the centre/periphery model and offers a post‑colonial version of English, which functions alongside “standard English” in a non‑hierarchal fashion. This process of displacement initiates a chain reaction in which Saro‑Wiwa expands the parameters of Nigerian “national literature” and counteracts the Nigerian government”s “national silencing” of “ethnic particularism” (ONWUEMENE, 1999, p. 1056; NORTH, 2001, p. 112; ONWUEMENE, 1999, p. 1055). As I will illustrate, language takes on the associations of a central character in Sozaboy. Marshall McLuhan”s famous quote, “the medium is the message”, reflects the correlation between the formation of this new language and a new power relation model between ethnic minorities and the nation‑state (cited in KAPPELMAN, 2001). Inevitably, Sozaboy invites Nigeria to address its exploitative attitude towards ethnic minorities. While much has been said about the politics of “Rotten English” by such scholars as Michael North and Mary Harvan, the power of language has not been discussed in enough depth. I am interested in drawing fresh attention to the building blocks of the novel: words. Deconstructing “Rotten English” reveals that it is best understood aswhat I call the language of ambiguity. Vague, meaningless words, including “old, bad government”, “new government”, “trouble”, “sozas”, “Sozaboy”, “enemy” and numerous others recur throughout the work (SARO‑WIWA, 1994, p. 1, 3, 40, 65, 94). These words, lacking in specificities, are unable to support the binary notion of good versus evil and instead reveal the ability of all parties to exhibit horrific acts and remain susceptible to the damaging effects of war. I will argue that there is an inextricable relationship between ambiguous terms and the victimization of Dukana in Sozaboy. This relationship is realized as a process, which develops 74 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 Unidade II over three interdependent phases. The first phase of the novel is centred on the words “old, bad government” and “new government”. Both of these parties are responsible for creating “trouble” in Dukana (SARO‑WIWA, 1994, p. 1, 3). In the second phase, both of these political powers become the common “enemy” towards Dukana (SARO‑WIWA, 1994, p. 94). Dukana”s suffering becomes intertwined with Mene”s transition into “Sozaboy” as he and “Manmuswak” confront an elusive “enemy” (SARO‑WIWA, 1994, p. 65, 95, 94). The third phase is the resolution of ambiguity, as both Sozaboy and Dukana become ghost‑like figures, victims of “war”, leading to the conclusion that “Rotten English” uses ambiguous terms while producing specific results. Only “Rotten English”, a language constructed from elusive terms, allows Saro‑Wiwa to illuminate the vulnerable position of ethnic minority groups caught in the crossfire between the separatist Biafran state and the Yoruba‑dominated Nigerian central government during the Nigerian Civil War (SARO‑WIWA, 1994, p. 113). Fonte: Gunn (2008, p. 1‑5). Leituras sugeridas ASHCROFT, B.; GRIFFITHS, G.; TIFFIN, H. The Empire Writes Back: Theory and Practice in Post‑Colonial Literatures. London; New York: Routledge, 1989. BHABHA, H. The Location of Culture. London: Routledge, 1994. SAID, E. Orientalism. London: Penguin, 1977. 2.4 Materialismo cultural e Estudos Culturais 2.4.1 Apresentação da abordagem teórica 2.4.1.1 Materialismo cultural Rivkin e Ryan (2004, p. 643) começam a sua discussão sobre a abordagem materialista da literatura fazendo uma referência à incidência da política nos estudos literários. O argumento contra a perspectiva política nos estudos literários se baseia na ideia de que forma, estilo e tema não são moldados pelas escolhas políticas. Porém, essa leitura se torna problemática quando são consideradas narrativas como Heart of Darkness, de Joseph Conrad, nas quais são recriadas as brutalidades do colonialismo econômico. Fazer uma leitura puramente literária dessas narrativas, levando em conta, por exemplo, o uso da ironia, implica ignorar os temas políticos que essas narrativas discutem abertamente. Para falar a verdade, a política sempre tem sido parte dos estudos literários. O que aconteceu foi que na segunda metade do século XX, após a Segunda Guerra Mundial e durante a Guerra Fria. Nessa época, nos Estados Unidos, ler a literatura de uma perspectiva política significava usar os termos do marxismo 75 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 CRÍTICA LITERÁRIA CONTEMPORÂNEA: DIFERENTES ABORDAGENS EM CONTRAPONTO e ir contra os valores norte‑americanos que colocavam em contraponto o “oeste” capitalista contra o “leste” marxista. Foi o final da época colonial nas décadas de 1960 e 1970, como acrescentam os autores, que produziu um novo interesse no marxismo e na política de esquerda, tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra. Surgem nesse momento críticos como Raymond Williams, Terry Eagleton e Frederic Jameson, dentre outros. Um argumento interessante desses escritores é que o fato de ignorar a política, por parte dos Novos Críticos, podia ser entendido, paradoxalmente, como um posicionamento político. Há vários estilos de crítica política a que se combinam diferentes abordagens: feminismo, marxismo, pós‑estruturalismo, pós‑colonialismo, entre outros. Uma das formas mais importantes dessas abordagens é o marxismo. Desde seu começo no século XIX, sempre se interessou pelos estudos de arte, literatura e cultura. Diferentemente do formalismo, que se foca nos estudos “puramente” literários, o marxismo pensa que uma obra literária somente pode ser entendida no seu contexto histórico, político, econômico, social e cultural. Para os marxistas, a literatura é fundamental em qualquer sociedade porque mostra suas fraquezas ou, pelo contrário, pode cobrir os problemas dessa sociedade para dar uma falsa ideia de unidade. Uma das críticas dos estudos marxistas é que a literatura contribui para reproduzir o status quo da sociedade. Por isso, muitos escritores, influenciados pelo marxismo, se utilizam da literatura para promover a “luta de classes”. O marxismo, como explicam Rivkin e Ryan (2004, p. 644), deriva da obra de Karl Marx, filósofo alemão que viveu no século XIX em Paris e Londres, no auge da industrialização, quando aparece uma nova classe social: o proletariado. Havia já nessa época movimentos socialistas que lutavam contra a maneira desigual da distribuição da riqueza, a pobreza brutal e as terríveis diferenças socias. Foi também essa uma época de grandes revoluções, quando algumas monarquias europeias chegavam ao fim (1848), havia levantamentos em prol de sistemas democráticos e muitas nações colonizadas lutavam pela sua independência. Pela primeira vez, a burguesia, que acreditava no acúmulo individual de riqueza, estava sendo questionada. Para Marx, todos estamos situados histórica e socialmente e, por isso, somos o produto do nosso contexto, o que determina as nossas vidas. A literatura também é entendida a partir deste viés: os valores recriados nas obras literárias não são universais, como fala a Nova Crítica, ou como falavam os formalistas, não pertencem ao mundo da estética e das estratégias formais, as quais são independentes do nosso contexto material, mas são determinadas, justamente, por esse contexto. Por isso, a literatura é considerada como um fenômeno social e, por isso, não pode ser estudada independentemente das relações sociais e das realidades políticas do tempo e lugar nos quais foram concebidas. Assim, como apontam Rivkin e Ryan (2004, p. 644), a crítica literária marxista sempre se interessou em estudar a relação entre a obra literária e seu contexto histórico, social e econômico; para alguns marxistas, e aqui há um elemento para ser problematizado, a literatura reflete diretamente (unproblematically), os valores e as ideias da classe dominante. As peças históricas de William Shakespeare, por exemplo, falam da Monarquia, não porque ele era um conservador monárquico, mas porque o contexto material de produção literária determina o que pode ou não ser dito em um determinado momento histórico. 76 Pó s - R ev isã o: R os e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 2 9/ 08 /1 4 Unidade II Por sua vez, essa abordagem que reflete diretamente a realidade tem sido substituída por uma abordagem crítica que enfatiza a complexidade da relação entre literatura e contexto. Enquanto alguns marxistas continuam a enfatizar a maneira como a literatura reproduz a sociedade de classes, outros procuram entender a maneira como a literatura também contribui para subverter a ordem da sociedade. Rivkin e Ryan (2004, p. 645) exemplificam o primeiro caso ao dizer que, por exemplo, nas obras de William Shakespeare, as personagens de classe baixa podem ser engraçadas; porém, elas merecem pertencer a essa classe; ou seja, a obra legitima as divisões de classe. Porém, conforme a segunda abordagem, a literatura também mostra as contradições na sociedade. Por isso, todas as estratégias para naturalizar as divisões e contradições sociais acabam sendo artificiais. Voltando ao exemplo de
Compartilhar