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MARXISMO E TEORIA LITERÁRIA

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61
Sumário
ARTHUR KOESTLER: um intelectual exemplar do século....................
Jorge Amado X Abelardo Saquila: Um personagem Rebela-se Contra o Autor
Lukács e o realismo antissocialista de Soljenitsin
FICÇÃO E HISTÓRIA EM 1984 DE GEORGE ORWELL
FICÇÃO E HISTÓRIA EM A REVOLUÇÃO DOS BICHOS
LEITURAS E RELEITURAS DE A REVOLUÇÃO DOS BICHOS
Lucia de Lamermoor e Madame Bovary
Graciliano Ramos e o realismo socialista
ARTHUR KOESTLER: um intelectual exemplar do século XX?
Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior[footnoteRef:2] [2: Aluno do Curso de Letras, da Universidade de Santo Amaro/FASF, Polo de Luz/MG.] 
RA: 2322919
RESUMO
Esse artigo busca debater o romance O Zero e o Infinito, de Arthur Koestler. O texto ficcionaliza um episódio marcante do século XX, os chamados Processos de Moscou. Koestler apresenta uma versão dos acontecimentos considerada, em linhas gerais, tida como historicamente correta pelo historiador Tony Judt em Koestler, um intelectual exemplar, artigo de um dos últimos livros de Judt, Reflexões sobre um século esquecido. Aqui problematiza-se essa relação entre história e ficção elaborada por Koestler: Merleau-Ponty criticou-a, dizendo-a uma visão liberal, humanista abstrata, que não levava em conta o fato de que estamos condenados à violência, o necessário seria escolher a que tipo de violência, se uma retrógrada ou progressista.. Merleau-Ponty aceita a violência revolucionária, mas também julgava que os Processos de Moscou julgavam opositores políticos, não pessoas realmente culpadas. Orwell julgou que Koestler estava próximo de uma visão conservadora pessimista, generalizando que toda revolução está fadada a terminar mal. Mesmo Orwell criticou Koestler por essa generalização. Não é, no entanto, consensual entre os historiadores a versão adotada por Koestler a respeito dos Processos de Moscou: existem, também, os que acreditam que eles foram justos. A versão histórica que embasou a ficção de Koestler seria, então, falsa.
Palavras-chave: ficção, história, Processos de Moscou, O Zero e o Infinito, marxismo
1 INTRODUÇÃO
Arthur Koestler (1905-1983) foi, juntamente com o filósofo Merleau-Ponty e o também George Orwell, um dos principais autores do século XX a tratar do que eles chamavam de “problema comunista”. Koestler celebrizou-se principalmente devido ao sucesso de seu livro O Zero e o Infinito (Darkness at Noon) tematizando os famosos Processos de Moscou na Rússia, entre 1937 e 39. É considerado um libelo contra Joseph Stálin.
Recentemente, Koestler foi objeto de análise de um ensaio do prestigiado historiador inglês Tony Judt (1948-2010), em seu livro Reflexões sobre um Século Esquecido. Judt considerou-o um intelectual exemplar do século XX por seus múltiplos trabalhos sobre vários assuntos, mistura de várias culturas e inúmeras viagens pelo mundo. Ao mesmo tempo, essa abordagem é polêmica, pois recentemente Koestler foi bastante criticado numa biografia de Casarani. O intento de Judt foi defender Koestler, com quem aparentemente se identifica e sente admiração, diante das críticas de Casarani: Koestler seria egoísta, alcóolatra, obcecado por sexo ao ponto de ter sofrido acusações de assédio sexual e violação.
	Nosso ponto aqui é ir mais além da crítica do biógrafo Casarani e do debate de Judt, é fazer uma crítica à versão dos fatos históricos apresentada no texto Zero e Infinito, texto publicado em 1940, introduzindo para tanto uma nova historiografia. O texto se vale da ficção para entrar na mente de um comunista preso ao tempo dos processos de moscou, Rubachov, acompanhando sua prisão, sua forma de pensar e sua condenação. Ao acompanhar a mente de um comunista, o narrador assumiu uma posição de onisciência, apresentando de forma altamente crítica a posição de Rubachov. Koestler não menciona diretamente a Rússia, mas os personagens têm nomes russos. O texto ficou famoso por apresentar uma visão interna dos processos, revelando, supostamente, os seus meandros: Rubachov, comunista ortodoxo, confessa tudo em nome do partido e é condenado, mesmo sendo inocente. É, portanto, um texto que se baseia numa determinada visão histórica de um evento histórico polêmico: os Processos de Moscou.
Koestler, sem mencionar diretamente sua referência à União Soviética (a não ser na dedicatória), fez um livro que afastou muitas pessoas de Marx, Lênin e Stálin. Mostrou o marxismo como um tipo de pensamento mecanicista que sacrifica as pessoas a ideais e desumaniza, tendendo a analisá-lo como um problema psíquico, uma neurose. O texto foi intensamente criticado em sua época –e não só por comunistas, mas também pela esquerda em geral, uma vez que o ano em que foi publicado (1940) o nazismo estava muito forte, prestes a invadir a França e a Inglaterra. Koestler escreveu esse livro em inglês, embora ele fosse de origem húngara e tivesse também vivido na Áustria e em Paris. O título em inglês, Darkness at Noon, refere-se ao momento em que Cristo morreu e disse a famosa frase: “Senhor, por que me abandonaste?” Assim, o condenado no Processo de Moscou é associado a Cristo.
A narrativa se embasa nesse fato histórico dando a entender que existe uma verdade evidente sobre ele, o que até hoje não é verdade. Trata-se de uma discussão histórica que ainda está em aberto, portanto, a narrativa pode ser repensada a partir de outro ponto de vista: como postulam alguns historiadores norte-americanos como Grover Furr e Arch Getty, não surgiram provas mostrando que os Processos de Moscou são falsos, ao contrário do que postula O Zero e o Infinito. Essa hipótese será, portanto, aqui problematizada, juntamente da hipótese levantada pelo texto.
1 INTERPRETAÇÃO DO MARXISMO EM O ZERO E O INFINITO
A visão de Koestler sobre o marxismo é que ele era um “salto de fé”, um instrumento para decodificar a experiência social conforme a grade de suspeita: as coisas não são o que parecem ser, mas só quem pode interpretá-las seriam os iniciados. Koestler aproximou-se do marxismo durante um período, através do partido comunista alemão, mas deixou o partido em 1938 e logo a seguir escreveu O Zero e o Infinito.
	Koestler também publicou o texto O Deus que Fracassou (1949) já em plena Guerra Fria, falando sobre fé e desilusão comunista. Depois de desiludido com o comunismo, Koestler passou para a parapsicologia, assim como fez especulações sem muitas preocupações científicas e escreveu reportagens, sendo basicamente um jornalista.
Nas palavras de David Cesarani: “Pela força de seus argumentos e do exemplo pessoal, Koestler emancipou milhares de pessoas da servidão a Marx, Lenin e Stalin” (CESARANI, apud: JUDT, 2008, p. 59). Para ele, nenhum ideal abstrato pode justificar o sacrifício individual. Depois de preso na Espanha durante a guerra civil espanhola, Koestler fez críticas racionalistas ao marxismo-leninismo, ambicionando desmontar o materialismo dialético. Para Cesarani, biógrafo de Koestler, usar a crítica materialista contra um pensamento materialista é uma gafe.
Simone de Beauvoir dá uma opinião contraditória sobre Koestler ao tempo em que a Tchecoslováquia tornou-se comunista: “Ele sente remorso por não ser mais comunista, pois agora eles vão ganhar, e ele queria estar do lado vencedor (...). Koestler teve uma educação marxista medíocre” (BEAUVOIR, apud: JUDT, 2008, p. 65).
A versão adotada por Koestler dos Processos de Moscou era a corrente na imprensa do Ocidente na época e até hoje é citada até mesmo por historiadores prestigiados como Hobsbawn: os processos seriam forjados e encenados para reforçar o poder do ditador Stálin. Eles prendiam comunistas sinceros e fiéis ao partido.
Como atualmente a tendência é revisar a história da II Guerra Mundial contra a URSS, o biógrafo Cesarani impacienta-se com a demora de Koestler em abandonar o comunismo. Mesmo Judt pondera que 1938 não era a hora de sair criticando o partido, pois os nazifascistas estavam em alta. No entanto, esse livro de Koestler, O Zero e o Infinito, teve certamente um papel em municiar a propaganda antissoviética, e isso em pleno anode 1940, quando os nazistas e fascistas estavam conquistando toda a Europa, invadiram a França e bombardeavam intensamente a Inglaterra. Cesarani, seu biógrafo, o protege dizendo que ele prometeu não “abandonar a fidelidade” à União Soviética. Mas o livro Zero e o Infinito é justamente o contrário. E, conforme um intelectual marxista dissidente como Lukács, a melhor forma de combater o nazismo, no período, era no partido comunista. A linha da política internacional da Inglaterra e da França era de jogar Hitler contra a União Soviética. Essa reflexão está presente até mesmo em Gorbachev.
O Zero e o Infinito foi o livro mais duradouro de Koestler, foi muito influente e vendeu, só na França, 420 mil exemplares nos anos 50, impulsionado, claro, pela polarização da Guerra Fria, pois o livro servia muito bem aos interesses das potências ocidentais de combater a União Soviética e, em especial, destruir “o mito soviético”. Esse livro tornou Koestler rico e famoso. Se não fosse por ele, não estaríamos lendo sua biografia.
Koestler baseou o livro em sua experiência de prisão na Espanha e em seu conhecimento pessoal de Bukharin e Radek. O personagem Nicholas Salmonovitch Rubachov, um velho bolchevique que acaba vitimado pelos expurgos de Moscou, é inspirado neles. Rubachov se opôs à linha do partido, tendo então abandonado suas ideias e pensamentos individuais em prol do que ele supõe que é a grande narrativa da história. Assim, o texto de Koestler tem um pressuposto: Bukharin e Radek teriam sido presos apenas por estarem fazendo oposição política. Essa informação que se pode depreender é fundamental, porque hoje em dia a historiografia tende a esquecer esse fato e supor somente que “Stálin fuzilou a velha guarda para aumentar seu poder”. O historiador Grover Furr diz a respeito disso em seu texto Evidências da Colaboração de Trotsky com os Nazis e os Japoneses:
O depoimento dos réus nos Julgamentos de Moscou é rotineiramente descartado como falsa. Os acusados dizem ter sido ameaçados, ou torturados, ou de alguma outra forma induzidos a confessar crimes absurdos que eles não poderiam ter cometido. Isto está tudo errado.
Não há nenhuma evidência digna do nome de que os réus foram ameaçados, torturados ou mesmo induzidos a dar confissões falsas por promessas de algum tipo. Em Kruschev, novamente sob Gorbachev e, de fato, até hoje a posição oficial a respeito da parte de ambos os regimes, tanto o soviético como o russo, tem sido que as confissões dos acusados são falsas. Os materiais de investigação, todos, mas uma pequena fração dos que são ainda classificados na Rússia hoje, estão ausentes de qualquer prova que possa desacreditar os processos e provar que as confissões dos réus eram falsas. Mas nenhuma evidência tenha sido descoberta. É esta a razão pela qual podemos estar razoavelmente confiantes de que não existe tal evidência (FURR, 2013).
	No texto, bastante longo, de onde foi retirada a passagem acima, Furr ainda detalha evidências de que Trotsky, um dos supostos inspiradores da narrativa de Koestler, junto a Bukharin, Trotsky e Radek, teria de fato feito parte de uma conspiração para derrubar o governo da União Soviética. Em 1992, durante o curto período de “transparência” no governo de Yeltsin, os apelos ao Tribunal do Soviete Supremo de dez dos réus dos Julgamentos de Moscou foram publicados no Jornal Izvestiia. Todos os réus em questão haviam sido condenados à morte com base nas suas próprias confissões e nas acusações de outros réus. Se eles nunca tentaram retirar suas confissões e proclamar inocência esta seria a sua última chance de fazê-lo. Nenhum deles o fez. Cada um deles confirmou a sua própria culpa.
Dr. D.D. Pletnev, um réu de menor importância no Julgamento de Março de Moscou de 1938, foi tema de inúmeros artigos que o declaravam uma vítima inocente de torturas, alegando que ele proclamou a sua inocência na prisão após o julgamento. Mas um estudo de todos estes artigos e dos fragmentos de correspondência de Pletnev que eles publicaram mostra que isso era falso. Pletnev nunca alegou inocência do crime ele foi condenado por no julgamento. Os artigos estão cheios de contradições e declarações desonestas. Não há nenhuma base para reivindicar que Pletnev foi torturado. No caso de alguns dos réus mais proeminentes, Zinoviev e Bukharin, há boas evidências de que eles não foram ameaçados ou mal tratados.
A maioria das pessoas que desconsidera as confissões dos réus nos Processos de Moscou nunca estudou as transcrições destes ensaios. Eles os desprezam porque eles foram informados de que as confissões dos réus foram fabricadas. Na realidade, não há evidência de que isso foi assim.
Grande parte dos réus nos Julgamentos de Moscou declarou que Trotsky estava colaborando com a Alemanha ou o Japão. A maioria destas testemunhas disse que tinha sido informado da colaboração de Trotsky por outros. Mas alguns dos acusados testemunharam que eles tinham sido informados da colaboração pessoalmente por Trotsky, pessoalmente pelo filho de Trotsky, Leon Sedov, ou em notas ou cartas de Trotsky ou Sedov.
O estado deste testemunho, portanto, é mais direto. N nos concentrar no testemunho em primeira mão da colaboração de Trotsky. Nós não iremos rever todas as evidências indiretas ou de segunda mão em detalhe. Vamos, no entanto, dizer algo sobre esta prova no final do artigo, observar como ela corrobora a evidência em primeira mão. Sobre Bukharin, Furr comenta em um texto que se chama Uma Evidência a Mais da Culpabilidade de Bukharin, trazendo a fala de Humbert Droz a respeito do caso:
Antes de partir fui a ver a Bukharin por última vez, sem saber se voltaria a vê-lo em meu regresso. Tivemos uma conversação longa e franca. Ele me colocou em dia a respeito dos contatos realizados por seu grupo com a fração de Zinoviev-Kamenev a fim de coordenar a luta contra o poder de Stalin. Não lhe ocultei que eu não estava de acordo com este vínculo entre as oposições. A luta contra Stalin não é um programa político. Combatemos com razão o programa dos trotskistas sobre as questões essenciais, o perigo dos kulaks na Rússia, a luta contra a frente única com os socialdemocratas, os problemas chineses, a míope perspectiva revolucionária, etc. No dia seguinte da vitória comum contra Stalin, os problemas políticos nos dividirão. Este bloque é um bloco sem princípios que será derrubado antes de atingir algum resultado.
“Bukharin também me disse que haviam decidido utilizar o terror individual a fim de livrar-se de Stalin. Sobre este ponto, também lhe expressei minhas reservas: a inserção do terror individual nas lutas políticas nascidas da Revolução Russa correm fortemente o risco de voltar-se contra aqueles que os empregam. Nunca foi uma arma revolucionária. “Minha opinião é que devemos continuar a luta ideológica e política contra Stalin. Sua linha levará em um futuro próximo a uma catástrofe que abrirá os olhos dos comunistas e dará lugar a um câmbio de orientação. O fascismo ameaça a Alemanha e nosso grupo de charlatães será incapaz de resistir a ela. Diante da queda do Partido Comunista de Alemanha e a expansão do fascismo a Polônia e França, a Internacional deve mudar sua política. Esse momento será então nossa hora. É necessário, pois, seguir sendo disciplinados, aplicar as decisões sectárias depois de haver lutado e nos ter oposto aos erros e medidas de esquerda, mas seguir lutando no terreno estritamente político.
Bukharin, sem dúvida, havia compreendido que eu não me uniria cegamente à sua fração cujo único programa era fazer desaparecer o Stalin. Esta foi nossa última reunião. Era evidente que ele não tinha confiança na tática que lhe propus. Também sem dúvida sabia melhor que eu os crimes de que era capaz Stalin. Em poucas palavras, aqueles que, depois da morte de Lenin e com a base em seu testamento, podiam destruir politicamente Stalin, buscavam, ao contrário, eliminá-lo fisicamente, quando este tinha firmemente em suas mãos o Partido e o aparato policial do Estado (FURR, 2013).
O Zero e o Infinito se valeu do grandeevento midiático que foram os Processos de Moscou. Koestler escreveu um romance que baseia-se naquilo que saía nos jornais a respeito dos julgamentos, fazendo, é claro, um texto em sintonia com a mídia ocidental, que então propagandeava, devido à sua hostilidade à União Soviética, que os julgamentos eram falsos e encenados. No entanto, alguns na época estiveram convencidos de que os processos eram convincentes, alguns norte-americanos, inclusive. Rubachov, no romance, confessa porque “o partido quer”. Ivanov e depois Gletkin buscam convencer Rubashov a confessar pelo bem do partido. O romance captura a visão da mídia de como funciona o comunismo e a confirma por dentro, a partir dos pensamentos de um personagem. O Zero e o Infinito ao mesmo tempo mostrava os julgamentos como adulterados pelo regime ditatorial como dava uma face humana ao indivíduo que supostamente “caiu na armadilha do comunismo”.
Apesar de inspirado na caça às bruxas e na inquisição, o romance não reforça a hipótese hoje tão comum de que os condenados de Moscou confessaram sob tortura. No romance não há tortura, praticamente não se encontra violência. Os comunistas não usariam a tortura física para extrair suas curiosas confissões. Eles convenceriam os processados de sua culpa. Koestler tenta criar diálogos supostamente dialéticos, mas mesmo Gletkin usa ameaças e a força quando necessário. Tony Judt espanta-se com isso que lhe parece concessão de Koestler ao comunismo, reafirmando a versão de hoje em dia que os regimes comunistas recorriam à tortura e à violência. Pode-se supor que Koestler dialogava com a opinião pública de seu tempo, em que a falsidade dos processos de Moscou não era, ainda, de aceitação universal. Judt se pergunta se Koestler sabia que a versão histórica em que Koestler se baseava era falsa nesse ponto. E, logo a seguir, responde à sua própria pergunta: Koestler não escreveu um texto sobre os Processos, mas sim sobre os comunistas. Em O Deus que Fracassou, ele afirma a respeito do período:
Como nossas vozes estrondeavam de justa indignação, denunciando falhas nos procedimentos da justiça em nossas confortáveis democracias; e, como permanecíamos em silêncio quando nossos camaradas, sem julgamento nem provas concretas, eram liquidados no sexto socialista do planeta. Cada um de nós mantém um esqueleto no armário de sua consciência; reunidos, formariam galerias de ossos mais labirínticas que as catacumbas de Paris (KOESTLER, apud: JUDT, 2008, p. 33).
	Koestler, então, é um intelectual ex-comunista que busca trazer outros intelectuais para o anticomunismo através de sua própria linguagem: o objetivo dele é mostrar que o comunismo persegue os intelectuais e eles conspiram para sua própria humilhação. Ele apresenta os supostos crimes do comunismo como frutos de uma deformação intelectual essencial. O ponto principal dele é: a lógica de determinados pontos de vista foi fatal, uma vez que não considerou o indivíduo e sua capacidade de julgamento independente. Assim, homens inteligentes podem ser atropelados por grandes ideais. Koestler afirma, dando crédito aos interrogadores como pessoas que agiam de boa fé:
O Partido promete apenas uma coisa: após a vitória, no dia em que não puder causar mais nenhum dano, o material dos arquivos secretos será publicado. Então o mundo saberá o que havia nos bastidores deste programa de Punch & Judy,* * Tradicional apresentação cômica de marionetes na Inglaterra, com comportamento violento e anárquico. (N. da E.) como você o chamou, no qual tivemos de agir conforme os livros didáticos de história [...]. E depois você, e alguns de seus amigos da geração mais jovem, receberão a solidariedade e a compaixão que lhes negamos hoje (KOESTLER, apud: JUDT, 2008, p. 32).
	Em termos históricos, os Processos de Moscou nunca tiveram seus arquivos abertos. Alguma coisa vazou depois do fim da União Soviética, num curto período de transparência sob Yeltsin, mas apenas isso. Não surgiram, no entanto, provas de que sejam falsos, embora a intelectualidade ocidental presuma sua falsidade e encenação. O historiador Tony Judt, pelo contrário, julga que Koestler é, do ponto de vista de hoje em dia, muito moderado, fazendo muitas concessões aos comunistas. Para Judt, Koestler agora é objeto histórico.
	O que se pode dizer, conforme Judt, é que o comunismo, para Koestler, era bem mais interessante do que os demais regimes autoritários. Para esse historiador, o gênio de Koestler não está em sua análise do comunismo e sim em seu brilho como polemista contra os comunistas. Depois da II Guerra, Koestler participou do chamado “Congresso para a Liberdade Cultural”, hoje tido como financiado pela CIA para cooptar os intelectuais de centro-esquerda. Koestler, no entanto, é bastante admirado por Judt por ser corajoso e dizer verdades impopulares. Ele, em 1950, estava bastante obcecado com a luta contra o comunismo, era intenso e previa táticas truculentas.
2 MERLEAU PONTY E KOESTLER
O filósofo Merleau-Ponty escreveu, em 1947, um texto crítico a Zero e Infinito de Koestler: Humanismo e Terror. Para Merleau-Ponty, ao contrário de Koestler, a questão não é escolher entre violência e pureza, mas sim entre espécies de violência, ou seja, Merleau-Ponty aceita a hipótese da violência revolucionária (MERLEAU-PONTY, 1968, p. 121).
Merleau-Ponty considera que O Zero e o Infinito é um texto que faz uma crítica feroz ao governo de Stalin, que teria julgado e executado seus executores políticos. Segundo Merleau Ponty, no romance de Koestler, a estrutura social é tudo, a consciência não representa nada, não se podendo falar em humanismo na sociedade comunista. O Zero e o Infinito propõe, portanto, trocar o modelo comunista pelo liberalismo político, pois somente o liberalismo implementaria o homem como um ser infinito.
Merleau-Ponty pondera, contra Koestler, que o liberalismo ocidental está assentado sobre os trabalhos forçados das colônias e uma série de guerras com intuitos dominadores. A questão não seria optar ou não pela violência e sim optar por uma violência progressista.
Merleau-Ponty adota uma posição curiosamente intermediária: ele nem acredita na versão oficial soviética, dizendo que existia de fato uma conspiração na União Soviética, nem na versão liberal apresentada por Koestler, que ignoraria que os Processos de Moscou seriam revolucionários. Para Merleau-Ponty, o que faziam os acusados dos Processos de Moscou seria atividade oposicionista de caráter político. Ele refuta, todavia, o fato de que Bukharin, Radek e outros também tivessem cometido crimes sérios como sabotagem, traição em relação a potências estrangeiras e espionagem, assim com fizessem parte de uma conspiração política. Para Merleau-Ponty, ao contrário de Koestler: “O marxismo não é nem negação da subjetividade e da atividade humana [...] – ele é sobretudo uma teoria da subjetividade concreta” (MERLEAU-PONTY, 1968, p. 51). 
Para Merleau-Ponty, mesmo o fato de que a União Soviética precisou erradicar a quinta-coluna para vencer a guerra –e ele deixa de lado o fato de que mesmo assim existiu uma quinta-coluna na URSS, com desertores como o general Vlassov –não é suficiente para que Merleau-Ponty reconsidere os Processos de Moscou como sendo jurídicos e não políticos. No entanto, ele avança ao considerar, pelo menos, que o problema tem que ser colocado não em termos de humanismo abstrato, como o faz Koestler, mas que o marxismo é uma teoria concreta da subjetividade. Para Koestler, a história é feita de fatos justapostos e decisões individuais, o que Merleau-Ponty rejeita.
Mesmo assim, Merleau-Ponty se posiciona a favor da violência como uma das formas de conquistar uma sociedade mais humana e dá o exemplo dos resistentes franceses ao nazismo. Ao mesmo tempo, Merleau-Ponty critica o regime soviético por não assumir claramente que estava fazendo um tribunal revolucionário ao impedir a oposição e sim querer apresentar os condenados como criminosos comuns. Aqui ele se equivoca. Os condenados de Moscou eram apresentados como participantes de uma conspiraçãoque, dentro da URSS, cometia sabotagens e atentados.
Mas mesmo essa posição moderada é hoje em dia vista como extremada pela maioria dos intelectuais, para quem se deve combater como totalitários tanto o nazismo quanto o comunismo, em nome da liberdade.
Tony Judt já valoriza Arthur Koestler nem tanto por seu valor literário, mas por seu papel na demolição do mito soviético. A avaliação de Koestler de Judt é baseada nesse feito. O texto é hoje considerado um dos clássicos do século. Paulo Francis disse a respeito desse livro: 
A personagem central, Rubashov, tem a aparência física de Trotski e, mais ou menos, um prontuário de combate como o dele, e o pensamento e modos de Bukhárin. O marxismo de Rubashov é um tanto mecanicista, para dizer o mínimo (FRANCIS, apud: BELÉM, 2013).
	Para Francis, Koestler teria sido sempre de esquerda, mesmo quando publicou textos anticomunistas. Judt apresenta Koestler como um homem que trocou a esquerda pelo anticomunismo, mas teria continuado como um intelectual independente. Para o trotsquista Irving Howe, em posição semelhante à de Francis, o romance era uma descrição aterradora e incontestável dos mecanismos da mente comunista. No entanto, Howe, que é tido por Judt como “neotrotsquista”, não concordou totalmente com a visão de Koestler a respeito do stalinismo enquanto fenômeno social.
	Rubashov é apontado como um retrato fiel, historicamente, a Bukharin. Rubachov/Bukharin teriam sido convencidos a confessar acusações inventadas contra ele para evitar despertar simpatia e pena na população em geral. O despertar desses sentimentos seria perigoso para a causa comunista. Segundo Euler de França Belém, Bukharin teria confessado para salvar a vida de seu filho e sua jovem mulher, Anna Larina.
	Em relação ao relato de Koestler, Judt pensa que ele é falso ao não registrar cenas de tortura física por parte dos comunistas e diz “há provas abundantes de que os regimes comunistas foram tão brutais e sanguinolentos quanto as outras tiranias modernas”. Mas se Koestler quer denunciar o comunismo, por que não denunciou isso? Para Judt, o romance não é sobre as vítimas do comunismo e sim sobre os comunistas. A confissão de Rubashov é muito associada àquela realizada pelo personagem Winston Smith de George Orwell. A seguir será tratada a forma como Orwell tratou desse seu romance de Koestler, esse seu contemporâneo que tinha muito a ver com ele.
3 ORWELL E KOESTLER
A posição de George Orwell sobre o romance O Zero e o Infinito de Koestler foi altamente favorável – e não poderia ser diferente: tinha em comum com o que Orwell escrevia. Orwell, inclusive, dizia que ser preso na Inglaterra era estar nas mãos de amadores (Koestler chegou a ser preso nesse país durante a guerra, por ser estrangeiro, mas foi liberado rapidamente). Na União Soviética, afirmou Orwell, ao ser preso, Koestler seria obrigado a várias outras confissões falsas. Ao comentar os diálogos entre Ivanov e Rubachov, Orwell diz que Gletkin era um jovem interrogador já crescido na União Soviética e que acreditava que somente pensar em cometer um atentado contra Stálin já era cometê-lo. Ele admite, então, indiretamente, que ao menos um atentado contra Stálin deve ter sido pensado.
Note-se como a questão progride: o senso comum de hoje em dia reproduz a ideia de que Stálin matou seus “amigos” apenas para obter maior poder. Os autores que viveram o período já dizem algo diferente: quem foi morto ou preso, na realidade, estava fazendo oposição política. E Orwell, por exemplo, admite que esses opositores políticos tenham pensado num atentado. Orwell explica, no entanto, que Gletkin, ao contrário do primeiro interrogador, Ivanov, que era um velho bolchevique da mesma idade que Rubachov (que aparentemente foi expurgado de repente também), é uma mente totalmente forjada no totalitarismo e a única forma de crítica que ele consegue imaginar é o assassinato. Para Orwell, os novos bolcheviques seriam uma “nova raça de monstros”.
Para Orwell, O Zero e o Infinito oferece uma compreensão interior de métodos totalitários e é o melhor registro desses Processos. Orwell impacienta-se e registra que houve aceitação, no ocidente, dos processos de Moscou, que foram processos abertos e que tiveram correspondentes ocidentais. Para Orwell, foram casos encobertos com ansiedade por intelectuais ocidentais na imprensa de esquerda. Para ele, era óbvio que os acusados tinham sido torturados ou ameaçados de tortura, mas ele acredita que a explicação é mais complexa. Koestler, como Boris Souvarine, pensa que os acusados dos Processos de Moscou confessaram pelo bem do partido. O Zero e o Infinito é, portanto, segundo Orwell, pouco mais do que um pesadelo que acontece na União Soviética.
Orwell entusiasmou-se com Koestler, afirmando que não existia literatura de desilusão antissoviética na Inglaterra e que os debates sobre os Processos de Moscou tinham provocado polêmica sobre a culpabilidade dos acusados. Os ingleses, então, estavam muito envolvidos com panfletos e literatura política. Por isso, ele louva O Zero e o Infinito, que seria um tipo de texto aparentado aos textos de Malraux e Souvarine. Seu tema é a decadência das revoluções, numa perspectiva antistalinista que o levou a uma posição de conservador pessimista. Koestler, afirma Orwell, não escapa da atmosfera de pesadelo em outros textos que escreveu (Testamento Espanhol, Os Gladiadores, A Escória da Terra, etc). Dos cinco livros, a ação de três ocorre totalmente ou quase inteiramente na prisão. Orwell acredita que o texto de Koestler sobre a Espanha era falso e marcado pela ortodoxia da frente popular dos anos 30. Ele não teria escrito com honestidade sobre a luta interna dentro do governo. Para Orwell, um esquerdista tem de ser ao mesmo tempo antifascista e antissoviético (que para ele é sinônimo de totalitário). Koestler chegou perto disso, mas colocou uma máscara para fazê-lo, por não se sentir à vontade para tanto (ainda segundo Orwell).
Orwell reprova bastante o livro Os Gladiadores, em que Koestler ficcionaliza a rebelião de Spartacus na Roma Antiga, projetando esse personagem histórico como a versão primitiva do ditador proletário. O tema principal de Koestler é: revoluções sempre dão errado. Orwell julgou, pois, essa suposição bastante irreal.
Na prisão, o personagem Rubachov debate com um czarista e também com seu interrogador, Gletkin, que considera que tem uma mente totalmente totalitária. A mente de Rubachov seria, então, uma mente burguesa.
	O Zero e o Infinito, é, portanto, um livro político, que oferece uma posição dos eventos em questão. Como, nos Processos de Moscou, as confissões foram publicadas na imprensa e foram altamente convincentes, Koestler respondeu que elas eram falsas, mas mesmo assim produzidas por raciocínios e diálogos sofisticados. Orwell comenta que a resposta de Koestler é muito próxima de imaginar que toda revolução é má por natureza. Para ele, Lenin leva a Stalin e todas as formas de regenerar a sociedade por meio da revolução levam aos porões da polícia política soviética. Orwell comenta que Koestler abandonou o comunismo, mas não aderiu ao trotsquismo. Ele busca, por outro lado, mostrar que crenças revolucionárias são racionalizações dos impulsos neuróticos. Em outro de seus livros, Partida e Chegada, o impulso revolucionário do protagonista é psicanalisado como tendo se originado no gesto infantil de cegar o irmão bebê. O jovem nazista no livro de Koestler faz a observação de que algo está errado no movimento socialista devido à feiúra de suas mulheres. Isso é muito grosseira até para Orwell, que argumenta contra, afirmando que nada isso não invalida as críticas de Marx e dos socialistas em geral.
	Koestler demonstra, segundo Orwell, uma tendência ao hedonismo em seus escritos, principalmente depois de romper com os comunistas. Ele pensa que as revoluções sempre levam aos expurgos. Busca, então, manter-se fora da política, cultivando o hedonismo. Até mesmo Orwell não pode aceitar que todas as revoluções sejam parte da mesma falha, ainda que eletambém aceite que todas as revoluções falham.
CONCLUSÃO
	Esse artigo buscou debater o romance O Zero e o Infinito no contexto da atualidade. O ponto de partida foi Reflexões Sobre Um Século Esquecido, de Tony Judt. O historiador revisita Koestler apenas para reforçar o ponto de vista já presente na obra. Pode-se dizer, no entanto, que a narrativa histórica que embasa o texto de Koestler tem de ser analisada sob um outro prisma, uma vez que existem pesquisas recentes, como a do professor Grover Furr, que mostram que a narrativa histórica não foi bem como Koestler aproveitou para basear o romance. Ou que, pelo menos, há controvérsias. 
Existe a hipótese de que os Processos de Moscou foram justos. Essa hipótese é uma interessante possibilidade de leitura de O Zero e o Infinito que, embora não os considere justos, não os iguala aos fascistas, talvez pela grande influência do partido comunista em sua época. Os comunistas não teriam usado tortura e sim convencido suas vítimas a confessar em nome do partido, essa é a explicação à qual Koestler se apegou quando escreveu o texto, em 1940. Koestler foi bastante criticado por Merleau-Ponty em 1947: o filósofo julgou que seu texto colocava as questões políticas em termos falsos e abstratos: entre ser violento ou não-violento. Para ele, o dilema é escolher entre diferentes tipos de violência, mas estamos condenados a ela. Merleau-Ponty, que tinha vivido a experiência da resistência francesa, apoiou a violência revolucionária e criticou o colonialismo dos liberais. Por fim, Orwell também criticou as generalizações que fez Koestler, supondo que toda revolução fracassa e aderindo ao conservadorismo pessimista. Por fim, pode-se dizer que Koestler fez um romance sobre comunistas, não sobre os Processos de Moscou.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BELÉM, Euler de França. O escritor que revelou como o comunismo entorpece a mente de seus militantes. Disponível em: <http://www.jornalopcao.com.br/coluna s/imprensa/koestler-o-escritor-que-revelou-como-o-comunismo-entorpece-a-mente-d e-seus-militantes>. Acesso em 02 de abril de 2013.
FURR. Grover. Evidências da Colaboração de Trotsky com a Alemanha e o Japão. Disponível em: <http://clogic.eserver.org/2009/Furr.pdf>. Acesso em 13 de março de 2013.
_______________. Dobrov, Vladimir: Uma evidência mais da culpa de Bukharin. Disponível em: <http://www.comunidadestalin.org/lingua-estrangeira-es/446-grover-furr-una-evidencia-mas-de-la-culpabilidad-de-bujarin>. Acesso em 13 de março de 2013.
JUDT, Tony. Arthur Koestler, o intelectual exemplar. IN: Século XX, o século esquecido –Lugares e Memórias. São Paulo: Edições 70, 2008.
MERLEAU-PONTY. Humanismo e Terror: ensaio sobre o problema comunista. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1968.
ORWELL, George. Por que estou lutando. Disponível em: <http://www.newstatesm an.com/cultural-capital/2013/01/what-am-i-fighting-george-orwell-arthur-koestlers-dar kness-noon>. Acesso em 02 de abril de 2013.
Jorge Amado X Abelardo Saquila: Um personagem Rebela-se Contra o Autor
						Lúcio Emílio do Espírito Santo Júnior
RESUMO
Esse artigo trata do debate a respeito do personagem histórico Hermínio Sachetta e o escritor Jorge Amado. Como o romance é realista socialista, Abelardo Saquila supostamente refigurou Hermínio Sachetta em seu romance Subterrâneos da Liberdade. Existe, portanto, uma controvérsia cercando a imagem do personagem Hermínio Sachetta e a representação que ele faria de uma pessoa real de um militante do PCB.
Palavras-chave: Realismo socialista, Jorge Amado, Hermínio Sachetta, Partido Comunista Brasileiro, debate
1 INTRODUÇÃO
Jorge Amado (1912-2001) escritor brasileiro da maior importância devido a sua obra numerosa e de grande aceitação pelo público. Jorge tem também grande destaque em todo mundo graças às suas obras ligadas ao realismo socialista. Normalmente, fala-se muito em Capitães de Areia, mas aqui focalizaremos os dois romances de Subterrâneos da Liberdade.
No ano de 2012 deu-se o ano de centenário de Jorge Amado. Essa data comemorativa ativou uma polêmica dos trotsquistas com relação à obra de Jorge Amado. Sobressaiu uma questão polêmica, objeto de vários artigos: a narrativa de Subterrâneos da Liberdade teria sido injusta com um personagem histórico real, o trotsquista Hermínio Sachetta, transformado, no romance, em Abelardo Saquila. Quando o romance foi publicado, Hermínio Sachetta publicou um artigo chamado Porões da Decência, onde busca desqualificar e diminuir em geral o romance. Ele já protestou diretamente contra o personagem supostamente inspirado nele dentro do romance, o trotsquista Saquila.
Inicialmente, simpatizou com o Modernismo de 22, mas não foi propriamente um modernista como Oswald de Andrade e Mário de Andrade. Jorge Amado foi um autor muito atento à cultura popular baiana, foi muito ligado ao Candomblé e à cultura afro de sua região, trazendo-a para sua literatura de uma forma muito orgânica, o que não era comum na literatura brasileira. Sua literatura tem, portanto, uma forte cor local, um diálogo com o modernismo e também um engajamento político que, bastante claro inicialmente, diminuiu depois do impacto do Relatório Kruschev em 1956. Jorge Amado escreveu dois romances a respeito do PCB nos tempos do varguismo.
A proposta de Jorge Amado a propósito dos romances foi de produzir uma literatura diretamente a respeito da história do partido comunista. Trata-se da trilogia Os Ásperos Tempos, Agonia da Noite e A luz no Túnel.
Trata-se, então, de um romance épico-didático. Ele trabalha com heróis positivos que são elogiados. Isso de um ponto de vista favorável à militância. Pode-se supor que Lênin gostaria de ler esses romances de Jorge Amado. Os comunistas sempre foram a favor de uma literatura engajada a favor de suas causas.
2. O Papel Social do Romance Progressista
A trilogia Subterrâneos da Liberdade focalizou a atividade clandestina do partido comunista, em meio a greves, atos e manifestações operárias e populares. O partido vivia um dos piores momentos de sua história, amargando uma dura derrota após a tentativa de tomar o poder em 1935. Seu maior líder, Prestes, estava preso, assim como boa parte de sua militância. 
O que estamos chamando de "literatura partidária" poderia ser chamado de realismo socialista. Fala-se muito em Andrei Zhdanov, mas o que ele de fato comentou a respeito? Leia-se em O Papel Social da Arte Progressista:
“A literatura deve tornar-se a obra do partido. Contra os costumes burgueses, a imprensa burguesa do comércio e da empresa, contra o carreirismo e o individualismo literários burgueses, a ‘anarquia senhorial’ e a caça dos lucros, o proletariado socialista deve apresentar o princípio de uma literatura de partido, desenvolver esse princípio e lhe dar vida de maneira mais completa.
Em que consiste esse princípio de literatura de partido? Não somente em que a literatura proletária socialista não pode ser um meio de enriquecimento de um indivíduo ou de um grupo, mas que em geral não pode ser nem individual, nem independente da obra comum do proletariado. Abaixo os escritores sem partido! Abaixo os escritores super-homens! A literatura deve transformar-se parte integrante da luta proletária”.
Mais adiante, no mesmo artigo de Lênin:
“É impossível viver na sociedade e dela não depender. A liberdade do escritor, do artista, da atriz burguesa não é senão dependência camuflada (ou hipocritamente disfarçada) da bolsa do empresário” (ZHDANOV, 2020).
	Os Subterrâneos, então, é um romance totalmente alinhado com o que desejava Lênin que fosse a literatura partidária.
3 A Luta Contra os Trotsquistas
Em artigos recentes, o jornalista e militante do PSOL Celso Lungaretti e a filha de Sachetta (Paula Sachetta) exigiram, em artigos, afirmaram que Subterrâneos tem um retrato falso de um comunista por parte de Jorge Amado. O máximo que Amado fez foi afirmar que no tempo de Subterrâneos da Liberdade ele via tudo muito em preto e branco. 
Lungaretti e os outros se esquecem que Subterrâneos da Liberdade é um textoficcional, não pretende ser um relato real, histórico. Nossa hipótese é não que existe, então, sentido em cobrar uma autocrítica de Jorge Amado. Outro fato é que têm surgido evidências da colaboração de Trotsky com os nazistas e os japoneses. Esse fato histórico é muito importante para debater a obra Subterrâneos da Liberdade, pois o principal argumento dos críticos de Jorge Amado é que a narrativa histórica à qual se refere o romance, ou seja, os fatos reais, estariam sendo deturpados.
O fato é que a luta contra os trotsquistas é parte, também, de outro importante romance realista socialista, Assim Foi Temperado o Aço:
-“O trabalho prático está abandonado; há quatro dias que toda a direção está nos distritos. Os trotskistas abriram a luta com extraordinária força. Ontem ocorreu um caso que indignou toda a organização. Os oposicionistas, não obtendo maioria em nenhuma das células da cidade, decidiram dar combate com suas forças unidas na célula do Comissariado Militar da região, da qual fazem parte os comunistas do escritório do Plano do Estado e os trabalhadores da Instrução Pública. A célula conta com quarenta e duas pessoas, mas para lá foram todos os trotskistas. Nunca havíamos escutado discursos tão contrários ao Partido como os pronunciados nessa reunião. Um elemento do Comissariado Militar interveio e disse com todo o descaramento: “Se o aparelho do Partido não se entregar, nós o quebraremos pela força”. Os oposicionistas receberam com aplausos essa manifestação. Então Kortcháguin tomou a palavra e disse: “Como é que sendo membros do Partido, vocês podem aplaudir esse fascista?”. Não o deixaram continuar falando, faziam ruídos com as cadeiras, gritavam. Os membros da célula, indignados com esse comportamento próprio de malandros, exigiram que se escutasse Kortcháguin, mas, quando Pavél começou a falar, organizaram de novo a obstrução. Pável gritou-lhes: “Boa democracia a de vocês! Falarei de qualquer maneira!”. Então alguns o agarraram e procuraram tira-lo da tribuna. Foi uma selvageria. Pável repelia-os e continuava falando, mas tiraram-no do palco arrastado e, abrindo a porta lateral, jogaram-no na escada. Um canalha deu-lhe uma pancada que banhou seu rosto de sangue. Quase toda a célula retirou-se da reunião. Esse caso abriu os olhos de muitos...” (OSTROVSKI, P. 389)
Sendo assim, esse elemento da luta entre as duas linhas no partido mostrou-se presente tanto no romance de Ostrovski quanto no de Amado.
Primeiro argumento dos adeptos do trotsquismo é que Hermínio Sachetta foi acusado de fracionismo trotsquista, bem como de colaborar com a polícia, como faziam os trotsquistas então. Ora, o Sachetta histórico era de fato um trotsquista, tanto que foi expulso do partido comunista brasileiro em 1937 e participou, a seguir, da IV Internacional e escreveu, posteriormente, textos teóricos trotsquistas. Para verificar, basta procurar por Sachetta no site marxists.org. A acusação de informante da polícia que recaiu em Sachetta também recaiu, naquela mesma época, sobre Trotsky:
As revelações sobre Rivera [o pintor teria se tornado um agente do FBI após 1939] são surpreendentes o suficiente, mas Chase e Reed estão prometendo quebrar algumas ilusões muito maiores. Reed disse ao Independent que os dois acadêmicos também descobriram algumas coisas muito prejudiciais sobre Trotsky. “Ainda estamos tentando conseguir algumas coisas do FBI sobre ele… na verdade, posso dizer que temos informações concretas de que Leon Trotsky também era um informante do governo dos EUA (SINGH, 2020).
 Assim, não existe uma "acusação" de trotsquismo - e sim uma evidência. Nossa hipótese nesse trabalho é que Saquila foi realmente apresentado de forma negativa no romance, mas existem, dentro do romance, algumas nuances, como quando se debate arte moderna - o debate tende a dar razão a Saquila. Isso possivelmente não foi levado em conta. O que de fato irrita é a acusação de que Saquila foi um informante da polícia. Essa acusação possivelmente pode ser atribuída ao Sachetta histórico. Abordaremos essa e outras questões ligadas ao personagem do trotsquista Abelardo Saquila em Subterrâneos da Liberdade, buscando trazer luz a esse debate que parece continuar até mesmo depois da morte de Jorge Amado, prosseguindo em seu centenário.
4. Aberlardo ou Hermínio? Um Personagem Contra o Autor
No artigo chamado Jorge Amado e os Porões da Decência, publicado em 1954, o jornalista Sachetta, curiosamente, assume ter sido retratado no romance Subterrâneos da Liberdade. Assim, Sachetta julga ter sido o modelo do personagem e se rebela violentamente contra o retrato que foi feito:
O semianalfabeto ilustre, hoje traduzido em várias línguas da órbita russa e, por força do aparelho kominformista, mesmo no ocidente, se me apresenta sob pseudônimo - Saquila - preocupa-se em fazer com que o leitor me identifique, referindo-se, de passagem, a meu nome partidário da época (SACHETTA, 2012).
De fato, pode-se notar que as opiniões do personagem Abelardo Saquila em Subterrâneos são posições trotsquistas:
O jornalista achava que nos países semicoloniais o movimento comunista se encontra ante um impasse: não podia nem vencer nem mesmo progredir, dependia por inteiro do fim do capitalismo nos países imperialistas, naqueles que os dominavam política e economicamente. Dizia tudo aquilo tirando baforadas de fumo de um cachimbo, numa voz doutoral que não admitia discussões (AMADO, 1982, P. 86).
Ora, como não ver nas palavras acima, de Abelardo Saquila, a teoria da revolução permanente de Trotsky, que colocava a vitória da revolução russa na dependência da revolução na Europa, ou seja, a revolução nos países atrasados ficaria sempre na dependência dos países desenvolvidos, pois a revolução só seria viável graças ao proletariado industrial.
Não é o narrador de Subterrâneos e sim um personagem, Rui, quem acusa Saquila de uma posição não-comunista em política, ou seja, de preferir a aliança com o político paulista Armando de Salles Oliveira e sua proposta de golpe contra Getúlio ao movimento organizado das massas. A acusação foi a seguinte:
Acusou Saquila de atividades divisionistas, de agir de forma antipartidária, levantando uma campanha contra a direção no seio das bases, criando dificuldades para o bom cumprimento das tarefas, sabotando-as em última instância, já que criava a confusão entre os companheiros. A linha política tinha sido amplamente discutida antes de ser aprovada pela direção nacional do Partido. Aprovada que fora, cumpria aos militantes leva-la à execução. E se tinha algum ainda o que discutir, devia fazê-lo nos organismos próprios e não sair numa atividade grupista a recrutar opositores, em cochichos, em reuniõezinhas privadas, onde até a vida particular dos camaradas era objeto de intrigas e infâmias. E agora, nesses primeiros dias após o golpe, sentia-se um recrudescimento da atividade desse grupo. Em vez de ajudarem os companheiros a levantar a luta necessária contra o Estado Novo, estavam apontando o golpe como o resultado de uma linha política falsa do Partido, dificultando a pesada tarefa dos companheiros da direção, alastrando um pessimismo perigoso entre certas bases do Partido. E tudo indicava que Saquila era o centro de todo esse grupo, sua figura dirigente (AMADO, 1982, p. 198).
	No entanto, diante dessas palavras, mesmo assim o personagem Saquila negou com veemência a acusação de trotsquista. Já o inspirador do personagem, Hermínio Sachetta, em seu artigo Porões da Decência, ataca com virulência Jorge Amado, não negando totalmente as posições defendidas pelo personagem Saquila. No romance de Jorge Amado, Saquila defendia, contra a linha adotada pelo partido, o golpe de estado dos paulistas, ou seja, o putsch ao invés do movimento de massas. Sachetta afirma que era, na verdade, contra os dois candidatos que disputavam o cargo de presidente:
Não cabe ora recapitular as teses que, àquele tempo, constituíram linhas de cristalização das duas alas dos comunistas do Brasil em divergência. Limitamo-nos a lembrar que nós e nossosamigos políticos preconizávamos, então, equidistância pelo PC dos dois candidatos que disputavam o Catete (Armando de Salles Oliveira e José Américo de Almeida) e frente única das forças democráticas para evitar o golpe de Estado que Getúlio preparava e, ao cabo, desfechou. A ala que seria apoiada por Moscou encarniçava-se para que simplesmente fosse dado apoio a José Américo, rojando-se-lhe, em pânico, aos pés. Confirme o Sr. J. A. - refutando, à luz de provas documentais, o que acabamos de dizer - a despudorada série de invencionices que contrabandeia em seu Rocambole zdanovista de mais de mil páginas (SACHETTA, 2012).
De qualquer forma, é certo que Sachetta está contra o candidato José Américo, que a linha do partido tinha consensualmente apoiado. Ele estava numa posição semelhante à do personagem inspirado por si mesmo em Subterrâneos. A crítica a Saquila em Subterrâneos foi feita nos seguintes termos pelo militante João:
Compreende, Ruivo. Putsch e não luta de massas, direção de burguesia e não de proletariado...Não há diferença entre o que ele pensa em política e o que ele pensa em arte. Ao contrário, há uma perfeita harmonia: trotsquismo e surrealismo são formas de luta da burguesia em planos diferentes (AMADO, 1982, p. 202).
A hipótese de Sachetta e Lungaretti, assim, não procede. Já a manifestação de Sachetta, bem como de Lungaretti e da filha de Sachetta denunciam justamente que o personagem ainda provoca e inquieta, provocando debates e discussões.
CONCLUSÃO
O romance Subterrâneos da Liberdade foi acusado, quando da passagem do centenário de Jorge Amado, de fazer um retrato deturpado de Hermínio Sachetta, jornalista que estaria retratado na figura de Abelardo Saquila. O que pudemos verificar é que o romance não tem um narrador didático, que dá opiniões definitivas sobre todos os assuntos. Em dados momentos, Saquila é apresentado como vaidoso, possível agente da polícia, mas por outros ele critica a opinião dos companheiros a respeito de obras de arte e chama suas opiniões de primárias, ou seja, a palavra lhe é dada. 
Mostramos também que as posições políticas do personagem têm pontos em comum com as do Hermínio Sachetta histórico, a partir de um artigo onde Sachetta discute, de forma ácida e hostil, o romance de Jorge Amado. Se existe, portanto, um retrato, essa hipótese passa a ter fundamento a partir das palavras do próprio possível retratado, que estabeleceu uma ligação com o personagem, vendo-se ali retratado e tendo sentido necessidade de fazer correções ao retrato pintado por Jorge Amado. 
Nos anos 30, Jorge Amado ligou-se à chamada "geração de 30" e caminhou paulatinamente para uma literatura partidária, a partir da repercussão intensa dos temas sociais que abordava. Os Subterrâneos da Liberdade é a crônica da era Vargas do ponto de vista dos militantes do partido comunista. O romance foi publicado em três volumes: Os Ásperos Tempos, a Agonia da Noite e a Luz no Túnel. É um romance que não tem um protagonista somente, mas sim um romance constituído, em grande parte, de diálogos, incorporando, inclusive, a voz dos oligarcas, criando um painel social que funciona com finalidades didáticas. 
O romance fazendo a crônica do partido também foi experimentado na União Soviética e foi preconizado pelo leninista Andrei Jdanov, que afirmava que era preciso que essa estética estimulasse o entusiasmo revolucionário e fizesse, em favor do partido, um trabalho ideológico. 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMADO, Jorge. Os Subterrâneos da Liberdade. Rio de Janeiro: Editora Record, 1978.
LUNGARETTI, Celso. A lição de moral que Jorge Amado recebeu de Jacob Gorender. Disponível em: <http://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2012/05/ devido-minha-proximidade-com-varios.html>. Acesso em 20 de dezembro de 2012.
OSTROVSKI, Nicolai. Assim Foi Temperado o Aço. <https://www.sputnik-consulting.com/assim-foi-temperado-o-aco>>.
PONTES, Mateus de Mesquita e. Jorge Amado e a literatura de combate. Da literatura engajada à literatura militante de partido. REVELLI Revista de Educação, Linguagem e Literatura da UEG-Inhumas. ISSN 1984-6576 - v. 1, n. 2, outubro de 2009.
RUY, José Carlos. Debate: a Controvérsia de Jorge Amado e Hermínio Sachetta. Disponível em: <http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=168282&id_ secao=11>. Acesso em 20 de dezembro de 2012.
SACHETTA, Hermínio. Jorge Amado e os porões da decência. Disponível em: <http://www.marxists.org/portugues/sachetta/1954/mes/poroes.htm>. Acesso em 20 de dezembro de 2012.
SANTOS, Daiana Nascimento dos. A foice e o martelo em os subterrâneos da liberdade; as diversas concepções do marxismo na escrita de Jorge Amado. 
<file:///C:/Users/Usuario/Downloads/Dialnet-AFoiceEOMarteloEmOsSubterraneosDaLiberdadeAsDivers-6132579.pdf>>.
SINGH, Vijay. As Relações de Trotsky com os EUA (1939-1940) https://www.cienciasrevolucionarias.com/post/as-rela%C3%A7%C3%B5es-de-leon-trotsky-e-o-estado-dos-eua-1939-1940
Zhdanov, Andrei. O Papel Social da Arte Progressista. <https://www.marxists.org/portugues/zhdanov/ano/mes/papel.htm>>.
Lukács e o realismo antissocialista de Soljenitsin
						Andreza Vale
Adriano Alves
Resumo
Esse artigo busca investigar um ensaio de Lukács sobre o dissidente russo Soljenitsin, motivado por comentários recentes a respeito de um possível paralelo entre Soljenitsin e a dissidente cubana Yoani Sánchez. Lukács considerou, ao analisar os romances de Soljenitsin, que esse escritor era um renovador do marxismo, ou ainda, um renovador que estava trazendo o realismo socialista de volta aos primórdios. O tempo não confirmou essas expectativas de Lukács, traçadas em 65. Outra hipótese a respeito de Soljenitsin foi elaborada por Abraham Rothberg em seu livro Herdeiros de Stálin: o escritor russo seria um entusiasta da liberdade de expressão e tinha sido apoiado por Kruschev. Seria, então, um dissidente liberal, não um marxista ou realista socialista. Mesmo essa hipótese deve ser deixada em suspenso diante das atitudes de Soljenitsin depois da queda da URSS, quando ele se manifestou a favor de um regime que ligasse a igreja ortodoxa ao regime czarista, apresentada em texto de Mário Sousa e do norte-americano Eric Margollis. Assim, a hipótese com que finalizou-se essa pesquisa foi que Soljenitsin elaborava um realismo antissocialista, buscando principalmente através de sua ficção apoiar o seu projeto político de extrema-direita, embora ele não assumisse diretamente essas posições reacionárias em seus primeiros tempos de União Soviética.
Palavras-chave: dissidência, liberalismo, realismo socialismo, Lukács, Soljenitsin, crítica literária
Abstract
This paper investigates an essay by Lukács on Russian dissident Solzhenitsyn, motivated by recent comments about a possible parallel between Solzhenitsyn and Cuban dissident Yoani Sánchez. Lukacs considered when analyzing Solzhenitsyn's novels, which this writer was a renovator of Marxism, or even a renovator who was bringing socialist realism back to the beginnings. The weather did not confirm these expectations Lukacs, drawn in 65. Another hypothesis about Solzhenitsyn was drafted by Abraham Rothberg in his book Heirs of Stalin: Russian writer was an enthusiast of free speech and had been supported by Khrushchev. It would then be a dissident liberal, not a Marxist or socialist realist. Even this hypothesis should be left open on the attitudes of Solzhenitsyn after the fall of the USSR, when he came out in favor of a system that would link the Orthodox Church to tsarist regime, presented in text Mário Sousa and American Eric Margollis . Thus, the hypothesis that ended up with this research was that Solzhenitsyn elaborated antissocialista realism, seeking mainly through his fiction support their political project of far-right, although he did not directly assume these positions reactionary in their early days of the Soviet Union .
Keywords: dissent, liberalism, socialist realism, Lukács, Soljenitsin, literary critics
Introdução
Recentemente, em um artigo na revistaPittacos, o teórico marxiano Luiz Sérgio Henriques comparou os romances do dissidente russo Soljenitsin aos textos da polêmica blogueira Yoani Sánchez, cuja turnê anticomunista motivou uma avalanche de polêmicas e ganhou até capa da revista Veja no mês de fevereiro [deste ano corrente de 2013].
 Henriques sugeriu a leitura dos romances do escritor russo. O motivo está presente no próprio título do artigo: deveríamos saber “O que os dissidentes dizem sobre nós”. Nós, ele quer dizer: a esquerda. A seguir, ele ainda sugere a leitura dos ensaios de Georg Lukács sobre Soljenitsin, que, segundo ele, romperam uma barreira nos anos 60. Henriques julga que são obras-primas da literatura e denúncias fundamentais do “stalinismo”.
No entanto, ao pesquisar, descobrimos que os textos de Georg Lukács sobre Soljenitsin não foram publicados em português. Esse artigo busca debater um desses textos, Soljenitsin e o Novo Realismo, aproveitando a provocação lançada por Luís Sérgio Henriques. Supomos que essa leitura poderia trazer surpresa até mesmo para autor que os recomendou.
1. Lukács e sua crítica a Soljenitsin
Em primeiro, é preciso começar essa polêmica contextualizando para os leitores quem foram Georg Lukács (1885-1971) e Alexander Soljenitsin (1918-2008). George Lukács era considerado um intelectual comunista herege, mas ao mesmo tempo, também era considerado no Ocidente como um teórico do realismo socialista. Em seus ensaios sobre Soljenitsin, confrontam-se Lukács, um marxista supostamente atualizado e heterodoxo (mas que também fora preso duas vezes, uma vez em 1940 e depois em 56), e Soljenitsin, um oponente público do partido soviético. Curiosamente, o que se deu é que os pontos de vista de ambos se aproximam.
Lukács, mesmo em seu livro recém traduzido no Brasil, Ontologia do Ser Social, é um autor que está sempre no meio de uma discussão muito técnica sobre o marxismo, que ele prefere chamar de “crítica marxiana”. Em seus ensaios sobre Soljenitsin, pode-se dizer que Lukács expressa com fervor a aversão que sentia pelo “stalinismo”. Sobre Um Dia na Vida de Ivan Denisovich, Lukács se entusiasma e escreve que "o campo de concentração é um símbolo da vida cotidiana stalinista”. E ainda vai mais além. Lukács apresenta-se convicto de que os romances de Soljenitsin contribuíam para o verdadeiro marxismo ao combaterem as distorções stalinistas:
E, é evidente que a verdadeira maneira de manter a fé é rejeitar distorções stalinistas e, desse modo, consolidar e aprofundar todos os realmente marxistas, com convicções socialistas realmente, ao mesmo tempo, preparando-os para enfrentar problemas novos (LUKÁCS, 1965, p. 214).
Embora o próprio Soljenitsin tenha sido, durante algum tempo, apoiado e editado pelo líder soviético Kruschev e a república popular húngara, nos anos 60, enfeitasse muita coisa que editava com citações do próprio Lukács, as diferenças entre Stálin e os que o sucederam são negadas. Lukács aparentemente repudiou também Kruschev e Brejnev, "com todas as suas mudanças que preservam os métodos essenciais do stalinismo, com apenas modificações superficiais". E há uma série de passagens assim, afinal, bastante reveladoras do que pensa Lukács. Ele sempre fala de Soljenitsin como alguém com grande estatura moral, aprovando-o como alguém que mostra independência e coragem. No livro O Primeiro Círculo, Lukács praticamente aceita como típico um personagem que, prisioneiro na União Soviética, ainda permanece um marxista ortodoxo. Soljenitsin narra que considera o personagem decente, mas ainda marxista. Para Lukács, os “campos de concentração eram símbolo do dia a dia da vida stalinista”. Mas Lukács admira também o Soljenitsin escritor. Lukács, programaticamente antimodernista, admira o escritor que não faz utiliza técnicas experimentais em sua narrativa. Tanto como Pasternak quanto Soljenitsin voltam às formas realistas do século XIX, daí a simpatia de Lukács pela narrativa bastante tradicional de Soljenitsin.
Lukács compara Um Dia Na Vida de Ivan Denisovich com as novelas curtas de Conrad e Hemingway. Ele escreve que esses romances falam de um indivíduo colocado em uma situação extrema. O sanatório dos tuberculosos descrito por Soljenitisin é associado a Thomas Mann e A Montanha Mágica. Depois de associar Mann e Soljenitsin (comparação bastante lisonjeira para com o autor russo), Lukács ainda afirma que “as obras de Soljenitsin aparecem um renascimento dos nobres primórdios do realismo socialista.” Como referência de realismo socialista, Lukács considera como referência o escritor soviético Makarenko. Essa é a hipótese de Lukács, que julgamos desmentida pelos fatos posteriores. Pode-se supor que Soljenitsin fez justamente o contrário: realismo anti-socialista.
De um ponto de vista predominantemente favorável, assim mesmo Lukács fez críticas a Soljenitisin no sentido de que o escritor escreve do ponto de vista de uma mente “plebéia” e não de uma consciência socialista. Mas, logo em seguida, ele associou esse suposto ódio plebeu ao privilégio social ao personagem Platon Karatayev de Guerra e Paz (de Leon Tolstoy). Soljenitsin foi aproximado a Tolstoi em suas inclinações religiosas. A respeito de quais são verdadeiramente as inclinações de Soljenitisin, vale a pena incluir uma observação sobre o que disse o colunista Eric Margollis quando da morte de Soljenistin em 2008, finalizando um artigo claramente elogioso, intitulado a Morte de um Titã:
Em seguida, ele [Soljenitsin] publicou um livro sobre um assunto até então tabu, o papel proeminente de judeus russos no Partido Comunista e na polícia secreta. O livro provocou uma tempestade de críticas na América do Norte. Solzhenitsyn foi marcado como antissemita e rapidamente se tornou uma não-pessoa pela segunda vez. Solzhenitsyn retornou à nova Rússia, após a queda do comunismo e tornou-se o principal expoente do culto revivido e reacionário do século 19, o nacionalismo pan-eslavo. Ele defendia a Igreja Ortodoxa da Rússia como guardiã da alma da nação, proclamou o destino manifesto da Rússia e defendeu uma forma de czarismo moderna, que se parece muito com aquela levada adiante hoje no Kremlin por Vladimir Putin e Dimitri Medvedev (MARGOLLIS, 2008).
Assim, o “plebeu” era na verdade um reacionário ortodoxo, cuja escrita aparentemente reforça o seu projeto, ainda que, nos anos 60 (ou seja, no período que estamos tratando), ele não pudesse ainda mostrar quem realmente era. Pelo contrário, Soljenitsin é lido como um autor que defende a linha adotada por Kruschev no congresso onde começou a desestalinização e que deseja o aprimoramento –e não a derrocada – do regime. Mas agora, de acordo com Margollis, sabemos qual é a verdade. A avaliação de Lukács, em seu texto Soljenitisin e o Novo Realismo, não poderia ser mais equivocada, quando a lemos à luz dos acontecimentos de 1965 para cá:
O mundo socialista, hoje, está às vésperas de um renascimento do marxismo, que não é chamado simplesmente a restaurar o sistema original, distorcido de modo grave por Stalin, mas que será dirigido em primeiro lugar a uma plena compreensão dos novos dados da realidade pela luz dos conceitos, do ao mesmo tempo novo e velho, marxismo genuíno (LUKÁCS, 1965, p. 203).
Aqui já temos que fazer uma observação: o pensamento de Stálin é ligado ao marxismo-leninismo. É também marxismo genuíno. Essa suposta dissociação entre “bolchevismo e stalinismo” foi primeiro realizada por Leon Trotsky em um famoso ensaio e generalizou-se como uma convicção no chamado “marxismo ocidental”, mas não encontra base na realidade. Lukács vai ainda mais longe. Ele atou o destino de seu marxismo ao realismo de Soljenitsin. Será que ele sabe que Soljenitsin era um realista anti-socialista, como mostrou posteriormente? Não há como responder a essa questão em termos simples. Pode-se dizer que possivelmente Lukács achou conveniente não ser objetivo a respeito a aderir a uma nova onda:
No campo literário, uma cobrança idêntica enfrenta o realismo socialista. Qualquer continuação do que foi elogiado e homenageado naera Stalin como realismo socialista seria inútil. Mas estou convencido de que eles [os críticos liberais] estão igualmente equivocados em profetizar uma sepultura precoce para o realismo socialista, e querem rebatizar como "realismo" praticamente tudo, desde a [o que se produz na] Europa Ocidental até o expressionismo e futurismo, assim como abolir todo o uso do termo "socialista". Quando o socialismo retoma sua verdadeira natureza, e sente-se mais uma vez sua responsabilidade artística em face dos grandes problemas da sua época, forças poderosas podem ser colocadas em movimento para a criação de uma nova literatura socialista da atualidade. Em meio a um processo de transformação e renovação que implica para o realismo socialista uma brusca mudança de direção daquela da era de Stalin, a história de Solzhenitsyn constitui, na minha opinião, um marco no caminho para o futuro (LUKÁCS, 1965, p. 203).
Mas de fato é muito surpreendente que Lukács tenha de fato analisado Soljenistin e afirmado que o material do “realismo socialista” de Soljenitsin era, agora, a avaliação crítica objetiva – e não distorcida ou reacionária-- da era de Stálin. Os personagens de Soljenitsin estão sempre esmagados pelo poder do aparelho repressivo. Lukács parece aceitá-los como ilustrativos do período Stálin – e sem fazer observações críticas. Pelo contrário, o fato de Soljenitsin abordar temas sociais e políticos em uma perspectiva reacionária e contrapor o indivíduo ao estado é visto por Lukács como uma benéfica fuga do subjetivismo de Kafka e do experimentalismo de Beckett, que para estão embebidos do niilismo da época que deu Hitler. Diferente do individualismo presente em romances de Conrad ou Hemingway, onde a luta é contra uma força da natureza, Soljenitsin traria a esperança da renovação do realismo socialista, embora fique evidente seu enfoque seja o tempo todo criticar o socialismo como um todo. Lukács arriscou uma hipótese ousada quando viu nessa perspectiva o renascimento do marxismo.
Soljenitisin transformou um dia normal em um campo anônimo num símbolo literário de um passado ainda não digerido, retratado em tons de cinza sobre cinza. Lukács citou com aprovação até mesmo frases como “o melhor lugar que se podia estar é a prisão”. E pode-se dizer também que os textos de Soljenitsin, como o romance Arquipélago Gulag, conseguiram estabelecer ligações entre os campos de concentração nazifascistas e as prisões comunistas sob Stálin. Soljenitsin pretende, em sua ficção, apresentar uma descrição autêntica da vida, dando a seus textos o cunho de denúncia política bastante didática. Se em Conrad e Hemingway, o indivíduo pode sentir simpatia pelas forças da natureza que se opõe, em Soljenistin ele não tem nenhuma simpatia pelo sistema social e político que o oprime.
Pode-se dizer, então, que o filósofo e crítico literário húngaro Lukács não só aceitou Soljenitsin como renovador do realismo socialista como associou seu reaparecimento a um suposto “renascimento do marxismo” que seria, possivelmente, orientado e reforçado pelas obras de Soljenitsin. O que se sabe, porém, é que algo de bem diferente se basou após a queda de URSS, com Soljenitsin assumindo uma posição não só anticomunista, mas também como um monarquista religioso de extrema-direita. A avaliação de Lukács mostrou-se, então, equivocada. É bem provável que Soljenitsin voltava os cânones do realismo socialista contra ele próprio, confundindo-se, nesse ínterim, com um verdadeiro realismo socialista. A seguir vamos analisar como um crítico literário norte-americano, o professor Abraham Rothberg, leu Soljenitsin nos anos 70.
2. Soljenitsin na obra de Rothberg: um liberal dissidente
	No livro Os Herdeiros de Stálin, o professor Abraham Rothberg apresenta Soljenitsin de forma diferente da leitura acima realizada por Lukács. Rotberg contextualiza o surgimento de Soljenitsin como escritor como parte de um movimento mais geral de desestalinização e de liberalização por parte de Nikita Kruschev. Soljenitsin começou, então, a ter seus livros editados não contra, mas apoiado pelo poder; no caso, pelo secretário-geral Nikita Kruschev. O primeiro texto que Soljenitsin lançou foi Um Dia na Vida de Ivan Denisovich, publicado na revista Novy Mir: 
O número da revista esgotou-se logo. Cem mil exemplares de Ivan Denisovich em forma de livro esgotaram-se também rapidamente . Ao mesmo tempo, publicações oficiais lançavam uma campanha coordenada para dar o máximo de publicidade ao romance: Soviet Literature o traduziu para o inglês; Moscou News, semanário de consumo de estrangeiros, foi autorizado a publicar uma versão em série; e Izvestia e outros jornais não literários publicaram resenhas altamente favoráveis ao livro. Pravda, por exemplo, comparou favoravelmente Solzhenitsyn com Tolstoy (ROTHBERG, 1972, p. 70).
	Como se pode ver acima, Soljenitsin foi lido favoravelmente por Kruschev como uma peça a mais na desestalinização e liberação, ou seja, ao mesmo tempo ele foi acolhido como um liberal e como um sucessor de Tolstoy. A citação de Tolstoy é uma indício de que já se sabia do aspecto religioso da obra de Soljenitsin, aspecto que depois veio à tona mais vigorosamente (ROTHBERG, 1972, p. 71).
Um Dia na Vida provocou uma tempestade de críticas tanto ao autor quanto o periódico. Logo a seguir, a mesma revista publicou um outro romance curto, Pelo Bem da Causa, igualmente provocando polêmica: para uns, a publicação de Soljenitsin era saudada como signo de liberalização, para outros era tido como narrativa exagerada e tendenciosa, que faltava com a verdade quanto ao que foi o período retratado. Já para Rothberg, a posição de Soljenitsin seria de dissidência liberal assumida, muito diferente da posição intermediária de um Lukács. Ele não adota a hipótese de que Soljenitsin esteja querendo renovar o realismo socialista e também não o associa ao marxismo, senão ao liberalismo. Leia-se seu comentário a respeito em Herdeiros de Stálin:
Se Ivan Denisovich foi um impacto para os dogmatistas da velha guarda, porque revelava a injustiça e a crueldade não como matéria acidental, mas com política do estado, o romance, afinal de contas, decorria no início da década de 50, na era de Stálin, a uma distância no tempo tão longe, que os fatos poderiam ser “controlados”, atribuindo-se-lhes ao passado que não se deveria mais repetir. Mas Pelo Bem da Causa era um ataque explícito aos remanescente estalinistas ainda presentes no sistema soviético, uma investidura contra burocratas mesquinhos e arbitrários, que os retratava como carreiristas impiedosos, ambiciosos e autoritários; e tempo era o presente. O fato de Kruschev ter permitido sua publicação só pode ser atribuído à necessidade de revitalizar a economia estagnada, o que esperava pudesse ser conseguido com a eliminação da inflexibilidade dogmática dos burocratas estalinistas (ROTHBERG, 1972, p. 119).
	O pequeno romance (“novela”) em questão, Pelo Bem da Causa, conta a história de como um pequeno grupo de jovens ajuda a construir um novo prédio escolar poderem estudar, uma vez que o prédio anterior era velho e inadequado e como, depois de concluída a construção, eles a perdem para os burocratas e carreiristas. Um personagem em especial, Knorozov, representou, na narrativa, o burocrata stalinista. 
O texto causou polêmica porque o crítico Yuri Barabash, do jornal Literaturnaya Gazeta, comentou que Soljenitsin teria criado em Knorozov uma caricatura, um símbolo irreal do período Stálin. Através das análises de Rothberg pode-se notar que havia um debate público a respeito de Stálin, literatura e política na União Soviética, ao contrário da imagem que se tenta passar nos últimos anos, de um regime tirânico, que não permitiu crítica alguma e vigia os seus cidadãos no dia a dia. O texto Os Herdeiros de Stálin registrou, inclusive, a existência de uma imprensa alternativa na URSS, os chamados “samizdats”, jornais clandestinos em que circulavam materiais não liberados pela censura, chegando inclusive ao Ocidente. Como a URSS não participava das convençõesinternacionais de direitos autorais, muito material era contrabandeado para o exterior. Soljetinsin era elogiado e criticado na imprensa soviética. Como se pode ler em Rothberg:
No início de janeiro, a imunidade de Soljenitsin ao ataque começou também a ruir. Lydia Fomenko o censurou por não ter deixado de erigir uma percepção filosófica do período estalinistas em Ivan Denisovich, e por ter deixado de compreender que o povo e o Partido andaram bem em construir o socialismo, apesar de Stálin. Era a crítica que começava numa campanha contra Soljenitsin, crítica que iria crescer e se tornar o meio de o regime tratar o problema dos herdeiros de Stálin. O socialismo, o que quer que fosse, tinha sido construído pelo povo e, por extensão, pelo Partido, mesmo enquanto Stálin cometia seus erros e suas distorções. Os apologistas apontavam para as realizações da industrialização soviética e para a vitória sobre a Alemanha nazista como provas positivas de que eles –o Partido e o povo, o Partido conduzindo o povo –tinham realizado como distinto do que ele –Stálin –tinha desviado ou distorcido. Uma vez entregue a essa apologia, os líderes do Partido tinham de reabilitar Stálin, pelo menos em parte, de modo que sua lógica e sua história, embora deficientes e deformadas, não parecessem inteiramente absurdas (ROTHBERG, 1972, p. 84).
A partir desse momento, portanto, que ocorreu no ano de 1962, a suposta preferência de Kruschev por Soljenitsin se abrandou. Naquele ano, uma conferência de escritores deu um basta à liberalização e à desestalinização. O grupo dos escritores liberais tais como Yevtuchenko, Ehrenburg e Nekrassov passou a ser criticado e Kruschev ficou especialmente irritado com uma exposição de arte abstrata na URSS. Ele passou, então, a afirmar que não ia aceitar mais desvios do realismo socialista. Passou-se a criticar Ehremburg, assim como outros escritores, entre os quais Soljenitsin, pela forma como a propaganda ocidental utilizava suas obras, ou seja, como uma propaganda contra o socialismo como um todo (ROTHBERG, 1972, p. 85).
A leitura de Soljenitsin, assim, alimentava-se mais e mais de um interesse político. Outro ponto presente em sua literatura e já registrado por Rothberg foi a associação que Soljenitsin causava, entre os campos de concentração do tempo de Stálin e os campos fascistas. Esse ponto foi fortemente o ponto que foi ressaltado no Ocidente nos anos 70, quando Soljenitsin mudou para o exterior e radicalizou suas posições em O Arquipélago Gulag (ROTHBERG, 1972, P. 85).
3. Soljenitsin: uma literatura fascista?
	Embora de início associada à liberalização, Soljenitisin entrou em choque com o poder soviético no decorrer do final dos anos 60 e, no início dos anos 70, abandonou a URSS, obtendo, no entanto, grande sucesso no Ocidente. O governo soviético exigiu que Soljenitsin não participasse de uma campanha internacional de difamação da União Soviética, mas Soljenitsin negou-se a aceitar. Assim, depois de estimulados, seus livros passaram a sofrer censura.
 Enquanto isso, na União Soviética, sua peça A Festa dos Conquistadores provocava polêmica. Segundo Soljenitsin, a peça teria sido apreendida ilegalmente pela polícia política. Por outro lado, as autoridades alegavam que a peça tinha sido obtida junto a estrangeiros que contrabandeavam manuscritos de dissidentes russos para o ocidente. A peça, também escrita durante o período de encarceramento de Soljenitsin, apresentava o exército vermelho com um exército de vândalos e estupradores e simpatizava abertamente com o general Vlassov, que se passou para o lado dos nazistas durante a II Guerra. A polêmica em torno da peça fazia supor que a condenação pela qual Soljenitsin fora aprisionado em 1946 tinha sido motivada por sua simpatia aos nazistas ainda em plena II Guerra Mundial. Ao contrário do regime cubano hoje em dia, que tolera que a dissidente Yoani Sánchez mova uma campanha internacional de difamação e calúnia, tal não foi tolerado pelo governo soviético em plena Guerra Fria.
A hipótese do marxista português Mário Sousa sobre Soljenitsin é a última que iremos analisar: ele parte do pressuposto de que sua ficção reforça um projeto político de extrema-direita.
No Ocidente, Soljenitsin lançou o livro Arquipélago Gulag, radicalizando sua visão sobre as prisões ao tempo de Stálin. Em 1970, Soljenitsin ganhou o prêmio Nobel de literatura, mas o texto passou a ser lido no Ocidente como uma peça de propaganda anticomunista e não uma ficção. Até hoje essa leitura de sua obra é bastante comum. Em 1974, Soljenitsin emigrou para a Suíça e depois para os Estados Unidos. Sua suposta simpatia pelos nazis não era, então, abertamente discutida.
	As posições de Soljenitsin no Ocidente eram abertamente anticomunistas: propôs atacar o Vietnã mesmo depois do fim da guerra, discursou no senado norte-americano, assim como foi orador no sindicato conservador AFL-CIO. Dentre outras posições conservadoras, defendeu a intervenção dos USA para coibir a Revolução dos Cravos em Portugal. Ele também lamentou a libertação das colônias portuguesas da África. Soljenitsin inspirou a série Rambo, ao alegar que existiam norte-americanos trabalhando como escravos no Vietnã do Norte, assim como apoiou o regime fascista de Francisco Franco na Espanha, opondo-se e prevenindo as pessoas contra as reformas democráticas depois da morte de Franco, em 1975, quando o rei começou, timidamente, uma liberalização democrática. Soljenitsin contrastou, em entrevista no horário nobre, os cento e dez milhões de russos que morreram vítimas do socialismo com a liberdade que se desfrutava na Espanha. Assim, relembrando o artigo de Eric Margollis que citamos anteriormente, Soljenitsin não ganhou inteiro apoio político em seus dezoito anos de exílio nos Estados Unidos, tendo saído paulatinamente da mídia: embora ele tenha sido uma peça importante na campanha antissoviética da Guerra Fria, mesmo os governos capitalistas não podiam apoia-lo sem constrangimentos, como quando publicou um livro abertamente antissemita nos Estados Unidos. De fato, nem os capitalistas mais radicais se interessaram em apoiar o projeto político de Soljenitsin, que é a volta do regime autoritário dos czares em ligação com a igreja russa ortodoxa.
	Assim sendo, Soljenitsin foi lido de três formas que excluem umas às outras: como realismo socialista (Lukács), como um defensor da liberdade de expressão e um dissidente liberal a favor de Kruschev (Rothberg) e, finalmente, como um defensor da extrema-direita. Nossa hipótese é que essa última hipótese é que é a correta: Soljenitsin é um ficcionista de extrema-direita.
	Mas sua ficção é também muito lida como informação histórica no Ocidente e tratada como bibliografia a respeito da União Soviética. E isso mesmo pelos simpatizantes do marxismo ocidental (como o supracitado Luiz Sérgio Henriques, considerado referência no estudo de Lukács no Brasil e citado ao lado de José Paulo Netto, José Chasin e outros).
3. Conclusão
A obra ficcional de Alexander Soljenitsin foi esquecida nos últimos anos. Foi citada recentemente a propósito da visita da dissidente cubana Yoani Sánchez ao Brasil pelo teórico lukacsiano Luiz Sérgio Henriques, que sugeriu em artigo recente na revista Pittacos o assunto desse artigo: a leitura dos artigos de Lukács sobre Soljenitsin. Porém, Henriques esqueceu-se, possivelmente, de que esses artigos não foram publicados em português, como aliás, parte significativa da obra de Georg Lukács, cujo livro considerado essencial, Ontologia do Ser Social, só recentemente foi publicado no Brasil. Ao ler o texto Soljenitsin e o Novo Realismo e comentá-lo para esse artigo, o que foi observado é que os pontos de vista de Lukács e Soljenitsin convergem em alguns pontos. Tal não deixa de ser surpreendente, uma vez que, para muitos no Ocidente, Lukács é um marxista ortodoxo, enquanto Soljenitsin, conforme foi verificado depois da queda da União Soviética, era um antissemita, monarquista e religioso fanático, adepto da extrema-direita e peça importantíssima numa campanha

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