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Gestão Urbanística, Transporte e Ambiental MARIA DE FATIMA MARTINS Artigo científico GESTÃO URBANÍSTICA, TRANSPORTE E AMBIENTAL: PLANEJAMENTO URBANO E MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL Maria de Fátima Martins* RESUMO As cidades, em sua maioria, crescem desordenadas e sem planejamento, gerando diversos problemas socioambientais que interferem na qualidade de vida da população. Nesse contexto, a gestão urbana tem a responsabilidade de introduzir formas de intervenção para melhorar progressivamente esses espaços, através de instrumentos de planejamento e a gestão eficiente de recursos públicos. Nesse processo, a participação democrática da sociedade é fundamental para alcançar resultados satisfatórios e reduzir os problemas urbanos. Considerando essas questões, o presente artigo objetiva discutir a gestão urbanística das cidades, a partir da ênfase no planejamento urbano e mobilidade urbana sustentável. Constata- se que tal planejamento deve ser elaborado tomando como base as diretrizes gerais da gestão urbana, o processo de expansão urbana, as características de cada espaço urbano, além da participação democrática da população. Com isso, torna-se possível construir espaços com mais mobilidade e acessibilidade, bem como, melhor infraestrutura para que população tenha mais qualidade de vida. Palavras-chave: Sustentabilidade. Mobilidade urbana. Políticas públicas. Transporte. Ambiental. INTRODUÇÃO A gestão das cidades passou a ser uma preocupação das políticas e dos gestores públicos que têm como objetivo transformá-las em um lugar para se viver com qualidade de vida. Nesse contexto, torna-se importante ressaltar que as cidades, em sua maioria, foram se formando e se estruturando de forma desordenada, gerando diversos problemas que afetam diretamente a qualidade de vida das pessoas e a sustentabilidade do planeta. No contexto urbano, diversos problemas surgem como consequência do processo de estruturação desordenada das cidades, tais como: quantidade excessiva de resíduos sólidos, falta de esgotamento sanitário, falta de infraestrutura urbana, ruas não pavimentadas, vias sem iluminação, ruas com dimensões inadequadas que comprometem a mobilidade e acessibilidade, calçadas inadequadas, moradias inadequadas, entre outros. Esses problemas geram significativos impactos ambientais que comprometem a sustentabilidade das cidades e a qualidade ambiental do planeta. É nesse sentido que as cidades são vistas como espaços de sérios impactos ambientais e sociais. Como forma de colocar um mínimo de ordenamento nas cidades e reduzir os impactos do crescimento das mesmas na sustentabilidade, diversos instrumentos, mecanismos e medidas vêm sendo implantados, dentre eles o Estatuto das Cidades, referência para a incorporação de uma gestão urbana democrática, que permita * Doutora em Recursos Naturais, Mestre em Engenharia de Produção. E-mail: fatimamartins2005@gmail.com introduzir os conceitos de mobilidade urbana e sustentabilidade nas cidades, a partir do planejamento urbano, respaldado por Planos Diretores que orientam a gestão urbana em nível municipal. Visando melhorar a mobilidade, a gestão do transporte público é um aspecto relevante que favorece o fluxo de pessoas e mercadorias e, consequentemente, o nível de serviços para atender às necessidades da população, concretizando uma das funções das cidades que é oferecer de forma mais acessível bens e serviços à sociedade. As políticas habitacionais buscam oferecer o mínimo de condições para as famílias que vivem em aglomerações subnormais, bem como reduzir as áreas de grande vulnerabilidade, como as comunidades ou favelas que se formam com o crescimento desordenado das cidades. Nesse processo de gestão atual das cidades, as políticas urbanas elaboradas preveem uma gestão democrática, na qual a participação dos cidadãos nas decisões torna-se fundamentais. Essa participação torna-se importante, pois permite incorporar as prioridades e necessidades locais nas políticas e gestão urbana nos municípios, de acordo com suas características e peculiaridades de cada localidade. Com base nas questões colocadas, o presente artigo tem como objetivo discutir a gestão urbanística das cidades, a partir da ênfase no transporte e na gestão ambiental no contexto urbano. Dessa forma, o texto está estruturado em três capítulos, o primeiro enfocando o desenvolvimento sustentável, a sustentabilidade urbana e mobilidade; o segundo retrata as diretrizes e instrumentos para uma gestão urbana participativa; e o terceiro enfatiza a gestão de transporte e a política habitacional, gestão dos recursos ambientais e impactos ambientais urbanos no Brasil. 1. GESTÃO URBANÍSTICA 1.1 Desenvolvimento sustentável Antes de tratar da questão da sustentabilidade e mobilidade urbana, torna-se necessária uma compreensão do que seja desenvolvimento sustentável e sustentabilidade, pois sustentabilidade urbana corresponde ao conceito de desenvolvimento sustentável aplicado ao espaço urbano ou às cidades. O desenvolvimento sustentável é um termo que foi concebido a partir do Relatório Blundtland da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD). Nesse relatório, o desenvolvimento sustentável foi definido como aquele que atende às necessidades presentes sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem suas próprias necessidades. Esse conceito toma como base o desenvolvimento como um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e as mudanças institucionais se harmonizem e reforçam o potencial presente e futuro, para atender às necessidades e aspirações humanas (CMMAD, 1991). Essa foi a primeira definição reconhecida e aceita sobre desenvolvimento sustentável e que até os dias atuais serve como referência. A partir desse conceito inicial, diversos outros foram surgindo em diferentes contextos, entre eles o termo sustentabilidade, utilizado por alguns autores. Vale ressaltar que a diferença básica pode ser evidenciada da seguinte forma, enquanto o desenvolvimento sustentável corresponde ao processo, a sustentabilidade está relacionada ao fim, ou seja, aos resultados a serem alcançados. Para melhor entendimento da sustentabilidade, Carvalho e Barcelos (2010) afirmam que sustentável é o que pode ser mantido e toma como base a perspectiva da ecologia e da economia. Na ecológica, o grau de sustentabilidade está relacionado à capacidade do ecossistema suportar as perturbações externas sem comprometer suas funções; já no lado da economia, se discute como sustentar o crescimento a longo prazo, cuja função da produção deve considerar o capital, bem como os recursos naturais. Com base nessas considerações, os autores apresentam a sustentabilidade a partir de dois conceitos: a sustentabilidade fraca e forte. Na sustentabilidade fraca, não importa como é feita a distribuição entre capital natural exaurível e o reprodutível, o capital natural é composto pelos recursos não renováveis extraídos de ecossistemas, recursos renováveis produzíveis e mantidos por ecossistemas e serviços ambientais; enquanto que o capital reprodutível refere- se a todas as formas de capital, manufaturado, humano ou natural, passíveis de reprodução. Na sustentabilidade forte, o capital natural é complementar e não substituível pelo capital reprodutível. Isso significa que capital natural, para se assegurar a sustentabilidade, deveria ser mantido constante no todo ou pelo menos uma parte do mesmo (CARVALHO; BARCELLOS, 2010). Assim, verifica-se, ao longo das últimas décadas, diversas percepções e entendimento em relação à sustentabilidade. Diante da diversidade de conceitos e aspectos da sustentabilidade, Sachs (1997) apresenta a sustentabilidade a partir de um conjunto de dimensões, são elas:a) dimensão social: expressa a preocupação com o bem-estar, a condição humana e os meios utilizados para aumentar a qualidade de vida; b) dimensão econômica: corresponde à alocação e distribuição eficientes dos recursos naturais dentro de uma escala apropriada; c) dimensão ambiental: está relacionada à preocupação dos impactos das atividades humanas sobre o meio ambiente; d) dimensão espacial: retrata a melhor distribuição dos assentamentos humanos e das atividades econômicas; e) dimensão cultural: busca evidenciar a modernização sem rompimento da identidade cultural. No entanto, de forma mais geral, vale ressaltar que a sustentabilidade pode ser discutida e implementada a partir de três dimensões básicas: econômica, social e ambiental. Para alcançar níveis de sustentabilidade, deve-se buscar o equilíbrio entre essas três dimensões, sem o prejuízo de nenhuma delas, mesmo que isso gere contradições e controvérsias. A compreensão da sustentabilidade a partir de suas dimensões permite uma maior flexibilidade em relação à sua aplicabilidade. Uma questão importante é entender que o conceito de sustentabilidade é dinâmico e pode variar de acordo com a percepção, valores ou o objetivo que se busque alcançar, bem como parâmetros de referência utilizados. Isso significa que o conceito de sustentabilidade é subjetivo. Nesse sentido, a OECD citada por Carvalho e Barcelos (2010) afirma que o que não pode ser definido não pode ser mensurado. Diante disso, como saber se algo é sustentável? Como afirmar que uma cidade ou um empreendimento é sustentável? Para responder a essa questão, torna-se necessário compreender o que são indicadores de sustentabilidade e para que eles servem. De acordo com Hammond et al. apud Van Belen (2005), o termo “indicador” é originário do latim indicare, que significa descobrir, apontar, anunciar, estimar. Nessa perspectiva, Van Bellen (2005) afirma que os indicadores devem ser entendidos como variáveis ou representação operacional de um atributo (qualidade, característica, propriedade) de um sistema, cujo objetivo principal consiste em agregar e quantificar informações ressaltando sua significância, visando melhorar o processo de comunicação e entendimento dos fenômenos complexos. Um indicador precisa tratar de um tema relevante, ter base na teoria (validade), ter uma boa cobertura estatística (em termos regionais, de seus componentes), ser sensível às mudanças do objeto que está sendo mensurado, ser específico para esse objeto, ser de fácil entendimento para o público especializado (inteligibilidade de sua construção) e para o público em geral (comunicação), ser periodicamente atualizável, ser desagregável nas suas parte e ter uma série histórica (CARVALHO; BARCELLOS, 2010). Os indicadores permitem operacionalizar o conceito de sustentabilidade, ou seja, determinar o nível de sustentabilidade de uma determinada localidade, empreendimento, cidade, atividade econômica. O indicador Produto Interno Bruto (PIB) de um município informa o nível de riqueza gerado por este município em um determinado período. O indicador mortalidade infantil evidencia o número de óbitos de crianças menores de um ano de idade por cada mil habitantes. O indicador de acesso à energia elétrica mostra o percentual de pessoas ou moradias com energia elétrica em uma localidade. O indicador taxa de ocupação reflete a quantidade ou o percentual de pessoas empregadas. Assim, a partir de um conjunto de indicadores organizados e analisados, é possível avaliar a sustentabilidade alcançada. Dada a necessidade de introduzir medidas para alcançar a sustentabilidade nos países, de acordo com a ONU Brasil (2020), em setembro de 2000, líderes mundiais se reuniram na sede das Nações Unidas, em Nova York, para adotar a Declaração do Milênio da ONU, como forma das nações se comprometerem a uma nova parceria global para reduzir a pobreza extrema, mediante um conjunto de oito objetivos, cujo prazo para o alcance era o ano de 2015. Esses objetivos constituem os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), conforme destacados: a) erradicar a extrema pobreza e a fome; b) atingir o ensino básico universal; c) promover a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres; d) reduzir a mortalidade infantil; e) melhorar a saúde materna; f) combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; g) garantir a sustentabilidade ambiental; h) estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. Esses objetivos foram reformulados em 2015 e foi firmado um novo compromisso com o desenvolvimento sustentável das Nações, mediante a elaboração da Agenda 2030. De acordo com a ONU Brasil (2020), a Agenda 2030 consiste em uma Declaração, elencando 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), desdobradas em 169 metas, que deverão ser alcançados até o ano de 2030. A declaração prevê os meios de implementação e de parcerias globais, bem como um roteiro para acompanhamento e revisão: a) erradicação da pobreza; b) fome zero e agricultura sustentável; c) saúde e bem-estar; d) educação de qualidade; e) igualdade de gênero; f) água potável e saneamento; g) energia limpa e acessível; h) trabalho decente e crescimento econômico; i) indústria, inovação e infraestrutura; j) redução das desigualdades; k) cidades e comunidades sustentáveis; l) consumo e produção responsáveis; m) ação contra a mudança global do clima; n) vida na água; o) vida terrestre; p) paz, justiça e instituições eficazes; q) parcerias e meios de implementação. Esses objetivos devem orientar as políticas públicas em nível das nações, bem como as atividades para uma cooperação internacional entre os países até o ano de 2030. Cabe às nações ajustar e buscar formas de implementação dos ODS no âmbito estadual e, principalmente, em nível municipal. Essas orientações em torno da busca pela sustentabilidade abrangem os mais diversos setores da sociedade e atividades econômicas, inclusive no contexto das cidades ou espaços urbanos. 1.2 Sustentabilidade urbana A partir desses esclarecimentos iniciais, pode-se afirmar que a sustentabilidade urbana consiste na aplicação dos conceitos de sustentabilidade ao espaço urbano ou cidades. Tal definição deve refletir a problemática urbana investigada, no sentido de gerar um conjunto de informações sobre o processo de desenvolvimento urbano e os níveis de sustentabilidade que a cidade alcançou, bem como os níveis de sustentabilidade que resultem em mais qualidade de vida para a população. Martins (2012) ressalta a necessidade de considerar a sustentabilidade urbana como um tema que gera contradições e que é carregado de valores, emoção, percepção, sensibilidade e ética. Sendo assim, qualquer consideração requer a noção de que a mesma envolve um conjunto de aspectos que são dinâmicos e que afetam de forma diversificada e em dimensões diferentes cada população, além do fato de que as cidades constituem formações humanas que carregam uma história, especificidades, potencialidades e diversas características locais que fazem parte da sua morfologia e identidade. A cidade é uma matriz complexa e mutável de atividades humanas e efeitos ambientais. Dessa forma, planejar uma cidade para ser autossustentável exige a compreensão da relação entre os cidadãos, serviços, política de transporte, geração de energia, bem como todos os impactos no ambiente, seja local ou numa perspectiva geográfica mais ampla. Somente a partir de uma visão entrelaçada desses fatores é possível pensar em desenvolvimento sustentável (ROGER, 2008). No entanto, existem muitas questões que travam o desenvolvimento urbano, ou seja, o crescimento com equidade e sustentabilidade, sendo alguns destacados por Maricato (2006): a) planos e leis detalhistas cuja aplicação se faz ambiguamente de acordo com as circunstâncias, por meio da política do favor; b) apenas parte das cidades é regulada, fiscalizada,urbanizada, o que implica modernidade e direitos para alguns e não para todos; c) centenária confusão no registro de terras e privatização das terras devolutas; d) cadastros públicos imobiliários incompletos e falta de informações rigorosas sobre o uso e a ocupação do solo; e) flexibilidade com a ocupação ilegal fundiária na prática, mas inflexibilidade formal para a regularização de assentamentos de baixa renda; f) investimentos públicos regressivos, alimentando a exclusão social e os ganhos imobiliários privados. Para evitar tais entraves, a gestão pública deve ser respaldada por instrumentos e políticas que orientem as decisões. A busca pela sustentabilidade urbana deve encontrar espaço nos planos de governo, para assim ser legitimada e obter uma abrangência maior no contexto da gestão e nas práticas visando a uma cidade mais sustentável, em suas diversas dimensões. Nesse contexto, Stake (2001) afirma que a sustentabilidade urbana pode ser representada a partir de três objetivos: os sociais, que compreendem a moradia, educação, lazer, saúde e segurança; os econômicos, que compreendem a produção, o acesso aos bens de consumo e o emprego; e os ecológicos, que compreendem a preservação do meio ambiente. Esses podem ser denominados como objetivos (ou dimensões) básicos da sustentabilidade urbana que devem ser incorporados aos instrumentos e políticas que orientam a gestão pública. Vale ressaltar que a sustentabilidade urbana precisa ser evidenciada através dos resultados alcançados com as políticas públicas, para isso, deve-se utilizar indicadores que permitam retratar a realidade investigada para gerar informações sobre os níveis de sustentabilidade da cidade, evidenciando também as prioridades e oportunidades de desenvolvimento local. Como exemplo de indicadores urbanos, pode-se destacar: déficit habitacional, população com acesso a serviços de saúde, saneamento básico, densidade populacional, acesso a serviço de coleta seletiva, nível de escolaridade da população, taxa de emprego da população, entre diversos outros. Considerando que os espaços urbanos reúnem uma diversidade de problemas que interferem na sustentabilidade, pode-se afirmar que para alcançar resultados satisfatórios que possibilitam maior qualidade de vida, torna-se oportuno uma gestão pública urbana planejada e que incorpore toda essa problemática, cujos resultados sejam ações e práticas que melhorem as condições locais. O Estatuto da Cidade (Lei n° 10.257 de 10 de julho de 2001, Art. 2º, I) reforça essa ideia quando destaca que a política urbana deve “garantir o direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 2001, s/p.). Esses direitos estão distantes de serem atendidos no contexto das cidades brasileiras. Uma cidade sustentável é aquela que fornece um ambiente saudável, democrático e com possibilidades de trabalho para sua população, mediante um adequado gerenciamento de insumos bióticos, abióticos e antrópicos. No entanto, para que seja considerada sustentável, a cidade deve seguir uma trajetória de desenvolvimento em que seu progresso no presente não ocorra às custas dos recursos das gerações futuras (BREMER, 2004 apud MARTINS, 2012). Os municípios e a gestão das cidades enfrentam constantemente diversos problemas urbanos que comprometem a qualidade de vida da população. De acordo com o Guia de Gestão Pública Sustentável (GPS), do Programa Cidades Sustentáveis (2016), nos municípios se concentram os mais graves problemas globais como pobreza, desigualdade social, poluição, dificuldades de mobilidade, falta de saneamento básico, habitações precárias, violência e impacto das mudanças climáticas. Sendo assim, também é nas cidades que se têm os recursos humanos, tecnológicos e políticos necessários para superar tais problemas. Nessa perspectiva, uma solução percebida pelo Programa Cidades Sustentáveis é a busca da sustentabilidade no âmbito dos municípios, sendo assim, o Programa Cidades Sustentáveis (2016), através do Guia de Gestão Pública Sustentável, busca a promoção de sinergias entre os avanços científico-tecnológico, sociocultural e institucional para harmonizar os processos e impactos do desenvolvimento em nível local para tornar-se sustentável e melhorar a qualidade de vida das populações nos municípios brasileiros. O guia define 12 eixos temáticos relevantes para a sustentabilidade das cidades, sendo eles: governança; bens naturais comuns; equidade, justiça social e cultura de paz; gestão local para a sustentabilidade; planejamento e desenho urbano; cultura para a sustentabilidade; ação local para a saúde; do local para o global; educação para a sustentabilidade e qualidade de vida; economia local dinâmica, criativa e sustentável; consumo responsável e opções de estilo de vida; melhor mobilidade, menos tráfego. Para cada eixo, foram alinhados os ODS relacionados, conforme Quadro 01. Quadro 01: Eixos temáticos para atender os ODS nos municípios EIXOS ODS Governança ODS 5: Igualdade de gênero ODS 10: Redução das desigualdades ODS 16: Paz, justiça e instituições eficazes Bens naturais comuns ODS 2: Fome zero e agricultura sustentável ODS 6: Água potável e saneamento ODS 11: Cidades e comunidades sustentáveis ODS 12: Consumo e produção responsáveis ODS 14: Vida na água ODS 15: Vida terrestre Equidade, justiça social e cultura de paz ODS 1: Erradicação da pobreza ODS 3: Saúde e bem-estar ODS 5: Igualdade de gênero ODS 9: Indústria, inovação e infraestrutura ODS 10: Redução das desigualdades ODS 11: Cidades e comunidades sustentáveis ODS 16: Paz, justiça e instituições eficazes Gestão local para a sustentabilidade ODS 11: Cidades e comunidades sustentáveis ODS 12: Consumo e produção responsáveis ODS 16: Paz, justiça e instituições eficazes ODS 17: Parcerias e meios de implementação Planejamento e desenho urbano ODS 11: Cidades e comunidades sustentáveis Cultura para a sustentabilidade ODS 4: Educação de qualidade ODS 11: Cidades e comunidades sustentáveis Ação local para a saúde ODS 2: Fome zero e agricultura sustentável ODS 3: Saúde e bem-estar ODS 5: Igualdade de gênero ODS 13: Ação contra a mudança global do clima Do local para o global ODS 7: Energia limpa e acessível ODS 11: Cidades e comunidades sustentáveis Educação para a sustentabilidade e qualidade de vida ODS 4: Educação de qualidade Economia local dinâmica, criativa e sustentável ODS 2: Fome zero e agricultura sustentável ODS 7: Energia limpa e acessível ODS 8: Trabalho decente e crescimento econômico ODS 9: Indústria, inovação e infraestrutura ODS 12: Consumo e produção responsáveis Consumo responsável e opções de estilo ODS 6: Água potável e saneamento de vida ODS 7: Energia limpa e acessível ODS 11: Cidades e comunidades sustentáveis ODS 12: Consumo e produção responsáveis Melhor mobilidade, menos tráfego ODS 3: Saúde e bem-estar ODS 11: Cidades e comunidades sustentáveis Fonte: Elaborada pela autora com base no Programa Cidades Sustentáveis (2016). Esses eixos temáticos e o conjunto de ODS servem para orientar as políticas e ações, visando à implementação de uma gestão pública sustentável. Para isso, esses ODS devem ser incorporados nos instrumentos de gestão e planejamento urbano, como forma de resultar em ações coordenadas para que o espaço urbano fique mais sustentável. De acordo com Programa Cidades Sustentáveis (2016), para alcançar resultados, torna-se fundamental que os municípios implementem ações, tais como: reestruturar os sistemas de mobilidade urbana e a priorização do planejamento, visando à redução do uso de combustível fóssil no transporte público, entre outros aspectos. 1.3 Mobilidade urbana As cidades têm a função de agregarum conjunto de bens, serviços e outros atributos acessíveis aos cidadãos que usufruem daquele espaço urbano. A constituição da cidade como um espaço de aglomeração deve dispor de condições de mobilidade para facilitar o fluxo de pessoas e dos bens necessários para manter o seu adequado funcionamento. As formas como a grande maioria dos espaços urbanos se formaram e se desenvolveram tem gerado sérios problemas de mobilidade nas cidades brasileiras. Isso é enfatizado por Martins et al. (2017), quando afirmam que parte das grandes cidades brasileiras vem encontrando dificuldades para melhorar os congestionamentos, oferecer transportes públicos de qualidade e acessíveis a todas as classes sociais. Observa-se a falta de faixas de ciclovias e do incentivo ao uso de bicicletas, excesso de pedestres, bem como grande quantidade de veículos para o uso individual em áreas centrais dos espaços urbanos. Com uma definição objetiva, a mobilidade pode ser definida como a capacidade das pessoas participarem em atividades para fins diferentes em locais diferentes, bem como a possibilidade de acesso às atividades relacionadas à produção e comercialização dos bens. Sendo assim, as cidades precisam dar suporte à mobilidade, no sentido de fazer cumprir sua função social e, ao mesmo tempo, proporcionar crescimento econômico, devendo buscar limitar o crescimento do tráfego motorizado e seus impactos negativos sobre as pessoas e o meio ambiente (EUROFORUM, 2007 apud COSTA, 2008). A preocupação com a mobilidade das cidades não é tão recente, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 define a Mobilidade Urbana como a simplicidade de deslocamentos e interações entre bens e pessoas no espaço urbano, ou seja, o ir e vir de cada cidadão, considerando as vias, veículos, infraestrutura e conjunto de serviços existentes (BRASIL, 1988). No entanto, as ações em busca de melhorar a mobilidade urbana das cidades passaram a ser preocupação, mediante a Lei Federal nº 12.587, de 03 de janeiro de 2012, por meio da qual foi instituída a Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável. É importante ressaltar que o conceito de mobilidade e as práticas nas últimas décadas limita a mobilidade às questões de transporte e circulação, no entanto, a mobilidade tem uma abrangência maior, pois envolve todas as formas de circulação de pessoas e bens, não se limitando apenas ao transporte, mas focada nas pessoas. Sendo assim, deve-se pensar em mobilidade ao desenvolvimento da cidade, incluindo nas políticas de desenvolvimento urbano. No texto referente à discussão da política de mobilidade urbana no Brasil (BRASIL, 2004), a mobilidade foi apresentada como participante efetivamente das possibilidades de desenvolvimento de uma cidade, devendo incorporar em sua efetivação todas as principais características de sua configuração, tanto de objetos quanto de pessoas, seja equipamentos, infraestruturas de transporte, comunicação, circulação e distribuição. A mobilidade urbana pode ser definida como um atributo associado às pessoas e aos bens, correspondendo a diferentes respostas dos indivíduos e agentes econômicos às suas necessidades de deslocamento, consideradas as dimensões do espaço urbano e a complexidade das atividades desenvolvidas. Nesse sentido, os indivíduos podem ser pedestres, ciclistas, usuários de transportes coletivos ou motoristas, podendo se utilizar do deslocamento a pé ou recorrer a meios de transporte não motorizados, como bicicletas, carroças, cavalos, bem como motorizados, sejam coletivos e individuais (BRASIL, 2004). A política de mobilidade apresenta os seguintes objetivos (BRASIL, 2012): a) reduzir as desigualdades e promover a inclusão social; b) promover o acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais; c) proporcionar melhoria nas condições urbanas da população no que se refere à acessibilidade e à mobilidade; d) promover o desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas nas cidades; e) consolidar a gestão democrática como instrumento e garantia da construção contínua do aprimoramento da mobilidade urbana. Para alcançar os objetivos a que se propõe, também foram definidos na política um conjunto de princípios que a fundamenta (BRASIL, 2012): a) acessibilidade universal; b) desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões socioeconômicas e ambientais; c) equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo; d) eficiência, eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte urbano; e) gestão democrática e controle social do planejamento e avaliação da política nacional de mobilidade urbana; f) segurança nos deslocamentos das pessoas; g) justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços; h) equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros; i) eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana. Um aspecto importante na Lei Federal nº 12.587 é a definição das competências de cada esfera de governo, buscando a integração da União, Estados e Municípios. São competências da União fomentar a implantação de projetos de mobilidade urbana, prestar assistência técnica e financeira aos demais entes federados, prover os municípios de capacitação contínua, apoiar ações coordenadas entre Estados e Municípios, bem como disponibilizar um sistema nacional de informações sobre mobilidade urbana. Já aos Estados, cabe a responsabilidade de gerir e integrar os aglomerados urbanos e as regiões metropolitanas, além da prestação de serviços de transporte coletivo intermunicipal urbano. Para os municípios, fica a responsabilidade de planejar e executar a política de mobilidade urbana, cabendo também a organização e prestação dos serviços de transporte público coletivo (BRASIL, 2012). Para que cada esfera do governo cumpra suas competências, cabe aos municípios (obrigatório para aqueles que têm acima de 20.000 habitantes) elaborar o plano de mobilidade municipal. O plano de mobilidade é um documento elaborado de forma participativa, devendo estar alinhado à gestão urbana, atendendo às diretrizes do plano diretor do município. Destaca-se alguns elementos que devem nortear a elaboração do Plano de Mobilidade ou PlanMob (BRASIL, 2007): a) o PlanMob é instrumento de orientação da política urbana, isto é, faz parte do arcabouço normativo e diretivo que a cidade dispõe para lidar com o processo de consolidação, renovação e controle da expansão urbana; b) o PlanMob deve estar vinculado ao Plano Diretor Municipal, e aos planos regionais, caso o município esteja inserido em uma região metropolitana, aglomerado urbano ou região integrada de desenvolvimento, obedecendo às diretrizes urbanísticas neles fixadas; c) o PlanMob deve analisar e propor diretrizes, ações e projetos para: • a infraestrutura da circulação motorizada e não motorizada das pessoas e das mercadorias, incluindo: calçadas, travessias, passarelas, passagens inferiores, escadarias, ciclovias, terminais de ônibus, estacionamentos públicos, píeres, pistas de rolamento, viadutos, túneis e demais elementos físicos; • a funcionalidade da circulação, definindo as regras de apropriação da infraestrutura viária pelos diferentes modos de transporte e a regulamentação de seu uso, expressando prioridades; • a organização, o funcionamento e a gestão dos serviços de transporte público e da política de mobilidade urbana, com especial atenção ao transporte coletivo. d) o PlanMob tem como principal objetivo proporcionar o acesso à toda a população às oportunidades que a cidade oferece, com a oferta de condições adequadas ao exercício da mobilidade da população e da logística de circulação de bens e serviços, devendo os seus produtos refletir a preocupação com: ampliação da mobilidade da população; oferta de condições adequadas para prestação de serviços e acirculação das mercadorias de forma a contribuir para a eficiência do processo econômico; melhoria da qualidade de vida urbana; e sustentabilidade das cidades. A partir de uma visão mais integrada da mobilidade do espaço urbano, destaca-se um conjunto de aspectos imprescindíveis na construção de uma política de mobilidade, podendo também serem considerados numa política de desenvolvimento urbano): • a promoção de formas de racionalização, integração e complementaridade de ações entre os entes federados na organização do espaço urbano e dos sistemas integrados de transporte; • o fortalecimento institucional, do planejamento e da gestão local da mobilidade urbana; • o reconhecimento da importância de uma gestão democrática e participativa das cidades no sentido de propiciar formas de inclusão social e espacial; • a garantia de maior nível de integração e compromisso entre as políticas de transporte, circulação, habitação e uso do solo; • a promoção de condições para as desejáveis parcerias entre os setores público e privado, que possam responder pelos investimentos necessários para suprir as carências existentes nos sistemas de transportes e pactuar mecanismos que assegurem a própria melhoria da qualidade urbana; • a priorização de ações que contribuam para o aumento da inclusão social, da qualidade de vida e da solidariedade nas cidades brasileiras. (BRASIL, 2004, p. 15) A importância da política de mobilidade urbana para a construção de cidades sustentáveis está embasada em alguns aspectos importantes e que devem ser destacados: a mobilidade é um fator essencial para todas as atividades humanas; é determinante para o desenvolvimento econômico e para a qualidade de vida; e pelo seu papel decisivo na inclusão social e na equidade na apropriação da cidade e de todos os serviços urbanos (BRASIL, 2007). A mobilidade está atrelada ao desenvolvimento urbano, envolve diversos aspectos do contexto urbano e interferem na sustentabilidade das cidades. Nesse sentido, deve ser um dos eixos da política de desenvolvimento urbano. Assim, torna- se importante pensar na mobilidade numa perspectiva sustentável, a partir do conceito de mobilidade urbana sustentável. A Mobilidade Urbana Sustentável pode ser definida como o resultado de um conjunto de políticas de transporte e circulação que visa proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através da priorização dos modos não motorizados e coletivos de transporte, de forma efetiva, que não gere segregações espaciais, socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável. Ou seja: baseado nas pessoas e não nos veículos. (BRASIL, 2004, p. 14) Diante do exposto, verifica-se que a mobilidade urbana deve ser incluída nas políticas de planejamento das cidades, pois pode proporcionar às cidades condições fundamentais para o desenvolvimento urbano. Dada a necessidade de construir cidades mais sustentáveis, a mobilidade deve incorporar esse conceito, tornando mais ampla e alinhada a problemática urbana para gerar soluções efetivas. 2. INSTRUMENTOS E POLÍTICAS DA GESTÃO URBANA 2.1 Diretrizes gerais da política urbana no Brasil As cidades como espaços urbanos que agregam diversos problemas necessitam de políticas públicas e formas e planejamento, visando ao desenvolvimento do espaço urbano e à minimização dos problemas a ele relacionados. Nesse sentido, existem instrumentos que servem para orientar as políticas públicas e decisões políticas de interferência nesses espaços. A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 182 e 183, trata da questão da execução da política urbana: Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (BRASIL, 1988, s/p.) Para regulamentar esses artigos, foi instituído o Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001) que estabelece diretrizes gerais da política urbana, através de “normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental” (BRASIL, 2001, s/p). Nesse sentido, pode-se afirmar que o Estatuto das Cidades é o instrumento que regulamenta todas as decisões e política que visem ao desenvolvimento urbano das cidades brasileiras. Em seu Art. 2º, foi especificado o objetivo da política urbana que é de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Para alcançar esses objetivos, o estatuto define as diretrizes gerais da política urbana. I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social; IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais; VI – ordenação e controle do uso do solo; VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência; VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência; IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais; XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos; XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população; XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiaisde urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais; XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais; XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social. (BRASIL, 2001, s/p) Essas diretrizes são orientações gerais para que as cidades possam elaborar o planejamento urbano, visando ao desenvolvimento do espaço urbano de forma adequada para resultar em um espaço de qualidade de vida para a população. A partir dessas diretrizes, o Estatuto das Cidades prevê um conjunto de instrumentos para viabilização da política pública urbana, conforme tratado na sequência. 2.2 Instrumentos de planejamento e de gestão urbana A gestão urbana deve seguir as diretrizes e políticas definidas para buscar o desenvolvimento das cidades. Esse desenvolvimento vai além de gerenciar recursos públicos, envolve a necessidade de planejamento, de modo que a função social da cidade possa ser atendida, oferecendo as condições de vida adequadas à população. Nesse sentido, o planejamento é imprescindível para eficiência da gestão pública urbana. Para isso, o Estatuto das Cidades elenca um conjunto de instrumentos necessários à gestão urbana, de modo que as cidades possam se desenvolver para atender às necessidades da população, sejam de infraestrutura (saneamento, energia, pavimentação, entre outros), moradia adequada, bens, serviços, acesso à educação, acesso a serviços de saúde, transporte etc. Esses instrumentos têm abrangência nas três esferas: nacional, estadual e municipal, sendo alguns específicos para atender o nível estadual e municipal. De acordo com o Estatuto das Cidades, deverão ser utilizados os seguintes instrumentos: • planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; • planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; • planejamento municipal, quais sejam: plano diretor; disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; zoneamento ambiental; plano plurianual; diretrizes orçamentárias e orçamento anual; gestão orçamentária participativa; planos, programas e projetos setoriais; planos de desenvolvimento econômico e social; • institutos tributários e financeiros, para gerenciar imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU; contribuição de melhoria; incentivos e benefícios fiscais e financeiros; • institutos jurídicos e políticos com a competência para desapropriação; servidão administrativa; limitações administrativas; tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano; instituição de unidades de conservação; instituição de zonas especiais de interesse social; concessão de direito real de uso; concessão de uso especial para fins de moradia; parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; usucapião especial de imóvel urbano; direito de superfície; direito de preempção; outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; transferência do direito de construir; operações urbanas consorciadas; regularização fundiária; assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos; referendo popular e plebiscito; demarcação urbanística para fins de regularização fundiária; legitimação de posse; • estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para avaliação dos empreendimentos a serem instalados nos municípios. (BRASIL, 2001, s/p) Vale ressaltar que tais instrumentos são regidos por legislação própria a cada um deles, sendo que aqueles que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil (BRASIL, 2001). A gestão orçamentária participativa é um exemplo de instrumento que exige a participação da comunidade nas decisões sobre a destinação dos recursos públicos. A instituição do Estatuto das Cidades provocou muitas mudanças na gestão pública, sendo uma delas a participação democrática da população em decisões sobre a gestão dos recursos públicos. No caso do Plano Diretor, por exemplo, a elaboração ou atualização exige a participação de representantes da comunidade, dando mais legitimidade ao processo e tornando-o mais democrático. Em nível municipal, como forma de orientar o desenvolvimento urbano, destaca-se o Plano Diretor como fundamental para definir os caminhos que o município deve seguir. Os instrumentos como o Plano Plurianual, as diretrizes orçamentárias e orçamento anual são fundamentais para uma gestão efetiva e eficiente. Na sequência, será detalhado melhor alguns desses instrumentos citados. 2.2.1 Plano Diretor O crescimento das cidades de forma desordenada traz como consequência diversos problemas sociais e ambientais que afetam a qualidade de vida e ambiental do espaço urbano. Isso gera significativos desafios para a gestão urbana, pela impossibilidade de controlar o processo de expansão, tendo que criar condições para o enfrentamento dos problemas urbanos, no ímpeto de transformar as cidades em um lugar com as condições adequadas para as pessoas viverem. Nesse processo, o planejamento urbano surge como uma necessidade premente, no sentido de possibilitar maior racionalidade às decisões e ações a serem implementadas no espaço urbano, de modo que resulte em melhoria da qualidade de vida da população. O planejamento envolve a definição de diretrizes, objetivos, metas, estratégias e planos de ação estabelecidos previamente, a partir de análise da situação atual para identificar as oportunidades e ameaças, bem como as fragilidades e potencialidades do espaço urbano. Sendo assim, o planejamento das cidades deve ser entendido como mecanismo imprescindível para o atual contexto, cujos espaços urbanos constituem palco de diversos problemas que interferem na vida das pessoas. De acordo com Souza (2012), o Plano Diretor é um ponto de partida legal para que uma cidade possa diminuir as contradições urbanas. Nesse sentido, constitui um instrumento da política urbana que em sua essência é um instrumento de planejamento urbanístico que define a divisão e formas de ocupação dos espaços no município, tendo o dever de identificar os rumos para o desenvolvimento das cidades, tomando como base as diretrizes gerais da política urbana. De acordo com o guia para a elaboração do plano diretor participativo do Ministério das Cidades, a atividade de construir e elaborar o Plano Diretor de cada cidade deve servir para incentivar os municípios a avaliar e implantar todo o sistema de planejamento municipal. Além disso, constitui uma oportunidade para estabelecer um processo permanente de construir políticas, de avaliar ações e de corrigir rumos. Nesse sentido, seu objetivo é de estabelecer como a propriedade cumprirá sua função social, de forma a garantir o acesso à terra urbanizada e regularizada, reconhecer a todos os cidadãos o direito à moradia e aos serviços urbanos (BRASIL, 2005). O Plano Diretor é um instrumento norteado pelos princípios estabelecidos no Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001), sendo assim, “constitui o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana” (BRASIL, 2001, s/p), devendo ser aprovado por lei municipal e revisado a cada 10 anos. É parte integrante do processo de planejamento municipal, outros instrumentos como o Plano Plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual devem incorporar suas diretrizes e prioridades, visando atender às necessidades dos cidadãos em relação à qualidade de vida, à justiçasocial e ao desenvolvimento das atividades econômicas do município (BRASIL, 2001, p. 1). O Plano Diretor tem a função de concretizar quatro esferas do Estatuto das Cidades, quais sejam: determinação de critérios para cumprimento da função social da propriedade, mediante ordenamento territorial de uso e ocupação do solo; identificação dos instrumentos urbanísticos a serem adotados para a concretização do projeto; criação de mecanismos locais de regularização de assentamentos informais; regulamentação dos processos municipais de gestão urbana participativa (FARIAS, 2006). Apesar de sua relevância para a gestão pública, o Plano Diretor não é instrumento obrigatório para todos os municípios. Sua obrigatoriedade é para os municípios com mais de 20.000 habitantes; municípios que integram regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; integrantes de áreas de especial interesse turístico; inseridos na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional; incluídos no cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos (BRASIL, 2001). Democratizar as decisões é fundamental para transformar o planejamento da ação municipal em trabalho compartilhado entre os cidadãos e assumido por eles, bem como para assegurar que todos se comprometam e sintam-se responsáveis e responsabilizados, no processo de construir e implementar o Plano Diretor (BRASIL, 2005). Dessa forma, um aspecto relevante da elaboração do Plano Diretor é a participação da sociedade nas decisões políticas, por isso, o plano deve ser participativo e agregar as demandas da população. Contudo, para a adesão da sociedade é necessário que os cidadãos saibam a importância do plano para o desenvolvimento da cidade. No Plano Diretor, está previsto outros instrumentos de planejamento para a gestão pública. Também previstos na Art. 165 da Constituição Federal de 1988, constituindo as leis de iniciativa do Poder Executivo, sendo: o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais, conforme será tratado na sequência. 2.2.2 Plano Plurianual O Plano Plurianual (PPA) está previsto no Inciso I e § 1º do art. 165 da Constituição Federal de 1988, § 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada. (BRASIL, 1988, s/p) Esclarecendo melhor, a Lei do PPA deve estabelecer: a) as diretrizes, objetivos e metas de forma regionalizada para o período de quatro anos, incluindo o primeiro ano do mandato seguinte; b) previsão das despesas de capital, que aumentam o patrimônio público (equipamentos e obras) ou diminuem a dívida de longo prazo (amortização do principal); c) previsão de gastos decorrentes das despesas de capital; d) previsão de despesas de programas de duração continuada (RIO GRANDE DO SUL, 2017). Como também deve ser elaborado pelos Estados e Municípios, considerando as demandas regionais e locais, o PPA permite delinear um planejamento das ações governamentais para atender às prioridades e potencialidades das localidades, possibilitando reduzir as desigualdades existentes. O PPA é um planejamento de médio prazo que orienta as ações da gestão pública por quatro anos, sendo, portanto, um plano estratégico que define a atuação dos gestores durante esse período. Considerando que as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual devem seguir o que está previsto no PPA, Paulo (2010) afirma que o PPA tem um papel central de organização da ação do Estado, uma vez que todos os programas nacionais, regionais e setoriais devem ser elaborados em consonância com o mesmo. Além disso, permite maior racionalidade para impulsionar o desenvolvimento, através do estabelecimento de gastos com base numa visão de futuro e estratégias definidas e a viabilidade fiscal para implementação de políticas. 2.2.3 Diretrizes orçamentárias A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) está prevista no Inciso II e § 2º do art. 165 da Constituição Federal de 1988, § 2º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. (BRASIL, 1988, s/p) Esclarecendo melhor, a LDO é a norma que estabelece metas e prioridades para o exercício seguinte, inclui as despesas de capital (investimento) para o exercício subsequente, orienta a Lei Orçamentária Anual (LOA), dispõe sobre mudanças na legislação tributária, estabelece a política de aplicação das agências de fomento e define as metas fiscais (RIO GRANDE DO SUL, 2017). Sendo assim, consiste em uma lei de grande relevância para a gestão pública, pois permite direcionar os recursos públicos para atender às demandas das localidades, a partir do planejamento já estabelecido no PPA. Quanto ao conteúdo da LDO, conforme previsto na Constituição Federal, de acordo com o CNM (2013), verifica-se os seguintes: a) fixação de prioridades e metas; b) orientação para a elaboração da lei orçamentária; c) alterações na legislação tributária; d) alterações na política de pessoal; e) fixação de limites para elaboração dos orçamentos dos poderes. Entretanto, depois da Lei de Responsabilidade Fiscal – LC 101/2000, outros conteúdos foram introduzidos (CNM, 2013), quais sejam: a) dispor sobre o equilíbrio entre receitas e despesas; b) estabelecer os critérios e a forma de limitação de empenho, pelo descumprimento das metas de resultado ou se o limite máximo de endividamento for ultrapassado; c) estabelecer normas relativas ao controle de custos e à avaliação dos resultados dos programas financiados com recursos dos orçamentos; d) estabelecer, independentemente de outras disposições legais, condições e exigências específicas para transferências de recursos a entidades públicas; e) elaborar o Anexo de Metas Fiscais, avaliando a renúncia de receitas, as metas de resultado nominal e primário e a expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado; f) elaborar o Anexo de Riscos Fiscais, no qual serão avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públicas, informando as providências a serem tomadas, caso se concretizem; g) ser objeto de apreciação em audiências públicas a serem realizadas pelo Poder Executivo e pelo Poder Legislativo. Com a LDO há maior controle dos gastos públicos, bem como melhor direcionamento dos recursos para áreas prioritárias para o desenvolvimento do município. 2.2.4 Orçamento anual A Lei Orçamentária Anual – LOA está prevista na Constituição Federal, Inciso III e § 5º do art. 165. § 5º A lei orçamentária anual compreenderá: I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto; III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público. (BRASIL, 1988, s/p.) A Lei Orçamentária Anual (LOA) é o orçamento público, discutida e aprovada todo ano, trazendo a programação dos gastos governamentais em cada área, bem como a previsão das receitas para custear esses gastos(RIO GRANDE DO SUL, 2017), possibilitando a realização das prioridades definidas na LDO. De acordo com o CNM (2013), os objetivos fundamentais da Política Orçamentária são a ampliação de renda e a redução das desigualdades sociais. Para atender a esse propósito, a política orçamentária deve: a) corrigir as imperfeições do mercado ou atenuar seus efeitos; b) manter a estabilidade econômica e social; c) fomentar o crescimento econômico; d) melhorar a distribuição de renda; e) universalizar o acesso aos bens e serviços públicos produzidos pelo próprio setor público ou pelo setor privado; f) assegurar o cumprimento das funções elementares de Estado. Para melhor compreensão da relação entre esses três instrumentos de planejamento público, deve-se entender que o PPA como planejamento de médio prazo tem um horizonte de tempo de quatro anos, após sua aprovação. Já a LDO e a LOA são instrumentos com horizonte de tempo de um ano, ou seja, são orçamentos anuais elaborados com base no que está previsto no PPA, não sendo permitido executar ações que não estejam previstas no PPA. Dessa forma, a LDO, tomando como base o PPA, estabelece metas e prioridades para o exercício seguinte e a LOA define os recursos para execução da LDO. 2.3 Gestão democrática das cidades A participação democrática da sociedade na gestão das cidades ocorre de forma mais efetiva a partir da Constituição Federal de 1988. De acordo com Brasil et al. (2012, p. 122), observa-se principalmente essa participação a partir dos anos de 1990, através da “proliferação das instâncias de participação dos governos locais, sob formatos e características diversas, que correspondem a experiências bastante heterogêneas, de amplitude e alcance diferenciados”. Os autores destacam algumas formas de participação democrática na gestão pública: a) os Conselhos Municipais; b) o orçamento participativo (OP); c) as Conferências Municipais; d) a participação nos planos diretores. Entretanto, o Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001) foi um marco para a gestão democrática das cidades, pois introduziu a exigência e formas de participação da população nas decisões políticas, tendo em vista o desenvolvimento do município e melhor gestão urbana para atender às prioridades locais. De acordo com Brasil et al. (2012), a partir do Estatuto da Cidade, tem-se a previsão de mecanismos de gestão democrática das cidades, supondo-se um movimento de sua ampliação no âmbito municipal. Isso pode ser evidenciado, pois o Estatuto apresenta duas diretrizes que enfatizam a participação democrática: Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população [...]. (BRASIL, 2001, s/p) Além disso, o Estatuto das Cidades dedica um capítulo para a gestão democrática das cidades (Capítulo IV, Art. 43, 44 e 45). A lei assegura a participação da sociedade através da realização de debates, audiências e consulta pública em relação ao PPA, LDO e a LOA, a partir da participação da população e de associações representativas dos segmentos da sociedade. Essa participação possibilita maior engajamento da sociedade na gestão pública, maior controle social dos recursos, mas principalmente garantir o exercício da cidadania. A importância dessa participação é indiscutível, mesmo considerando que muitas vezes a população não está preparada para opinar em determinados assuntos da gestão urbana. É por isso que essa participação geralmente ocorre por meio de associações, ONGs ou representações da sociedade civil. Saleme (2020, p. 8) é enfático quando afirma que “a presença de indivíduos capacitados com noção do que possa incrementar o ambiente urbano e melhor equipar a municipalidade dos recursos necessários para a modernização de sua infraestrutura seriam pontos fundamentais para uma plena gestão participativa”. Para garantir a gestão democrática da cidade, alguns instrumentos deverão ser utilizados, conforme Art. 43 da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001: I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal; II – debates, audiências e consultas públicas; III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal; IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. (BRASIL, 2001, s/p) Em termos de planejamento municipal, está previsto também outro instrumento importante para a gestão pública, a gestão orçamentária participativa. Instrumentos que apresentam para a população mais transparência dos gastos públicos. 2.4 Função social da propriedade urbana As diretrizes gerais da política urbana no Brasil buscam orientar a gestão urbana dos municípios, a partir de instrumentos capazes de promover o desenvolvimento urbano, fazendo cumprir a função social das cidades. A Constituição Federal, em seu Art. 182, prevê que a política de desenvolvimento urbana, executada pelo poder público, tem como objetivo ordenar o desenvolvimento das funções sociais da cidade para garantir o bem-estar dos habilitantes. Nesses termos, a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências de ordenação da cidade, conforme determina o Plano Diretor (BRASIL, 1988). Dessa forma, o Plano Diretor é um instrumento da gestão urbana fundamental para que as cidades cumprem sua função social. Ou seja, ele deve assegurar as necessidades dos seus cidadãos, proporcionando qualidade de vida, justiça social e também o desenvolvimento das atividades econômicas, através do cumprimento da função social das propriedades urbanas. Para Saleme (2020), a função social da cidade consiste no desdobramento da função social da propriedade, uma atendendo às necessidades do plano individual e a outra do plano coletivo, atendendo às necessidades presentes, futuras e o vislumbre de condições para desenvolver o município e oferecer melhores condições de vida à população. Assim sendo, a função social da cidade poderia ser alcançada principalmente pela adoção de metas definidas no Plano Diretor e pela viabilização da participação da sociedade nos programas e projetos de desenvolvimento urbano. A função social da propriedade é um princípio que está vinculado a um projeto de sociedade mais igualitária, mediante o acesso e uso da propriedade ao interesse coletivo (SOUZA, 2012). Isso evidencia um direito à vida urbana com qualidade, refletida em infraestrutura adequada; acesso à moradia digna para todos; qualidade ambiental; acesso à educação e saúde; trabalho digno para as pessoas; garantia dos direitos das crianças, adolescentes e idosos; entre outros aspectos que favoreçam a justiça social. Nesse sentido, conforme salienta Saleme (2020), o princípio da função social da propriedade tem abrangência que extrapola a interpretação legal e atinge patamares relacionadas ao meio ambiente urbano, tendo o plano diretor como primordial circunscrever o que seja relevante para o município e o que atende às peculiaridades de sua realidade. 3. GESTÃO URBANA E IMPACTOS AMBIENTAIS URBANOS NO BRASIL 3.1 Gestão de transporte público As cidades, em sua grande maioria, cresceram sem planejamento e, assim, passaram por um processo de expansão urbana de forma descontrolada, que resultou em espaços urbanos sem infraestrutura para que a cidadecumprisse sua função social. Todo esse processo teve como consequência cidades com pouca mobilidade e acessibilidade para um funcionamento adequado das pessoas, bens e serviços. Além disso, o sistema de transporte não acompanhou o processo de urbanização das cidades, surgindo como medida intervenção posterior. Acrescida a todo esse processo de expansão, ocorre nas áreas urbanas um aumento considerável na quantidade de automóveis para fins particulares. Dessa forma, esses veículos são grandes impulsionadores dos problemas urbanos da atualidade. A adaptação das cidades para o uso intensivo do automóvel tem levado a violação não apenas dos princípios econômicos, mas também, das condições ambientais, da qualidade das áreas residenciais e de uso coletivo, bem como, à degradação do patrimônio histórico e arquitetônico, devido à abertura de novas vias, ao remanejamento do tráfego para melhorar as condições de fluidez e ao uso indiscriminado das vias para o trânsito de passagem. (BRASIL, 2004, p. 30) Uma forma de reduzir a circulação de automóveis particulares nas áreas urbanas seria a implantação de sistemas de transportes públicos eficientes, de modo que atraísse a população para esse sistema. Dessa forma, poderia melhorar a mobilidade urbana da cidade e reduzir problemas de ordem ambiental. De acordo com Silveira e Cocco (2013, p. 41), “a mobilidade proporcionada pelo transporte público facilita o aperfeiçoamento profissional contínuo das pessoas, o lazer, o acesso a equipamentos de saúde, centros culturais etc.”. Nessa perspectiva, a gestão de transporte público passa pela necessidade de uma política de mobilidade que atenda às necessidades do espaço urbano. É importante ressaltar que, tanto as decisões de mobilidade quanto as de transporte público dependem das condições e características locais de cada espaço, principalmente em relação aos problemas urbanos que apresentam. Indo mais além, Silveira e Cocco (2013) destacam que os problemas dos transportes públicos não se resumem ao espaço da cidade, há singularidades locais e regionais que são determinantes, mas o cenário macroeconômico sempre deve ser considerado. Nesse sentido, a Lei nº 12.587/2012, que institui a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), trouxe significativas contribuições. É um instrumento da política de desenvolvimento urbano que busca “a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no território do Município”, de modo que contribua para o acesso universal à cidade (BRASIL, 2012, s/p). A mobilidade não se restringe apenas ao transporte, mas aos meios necessários para o acesso universal à cidade, incluindo as pessoas como agente central desse processo. Mas, na prática, não é isso que ocorre. As cidades e seus espaços são organizados em função dos transportes como determinantes para a ocupação dos espaços urbanos, definindo a mobilidade urbana. A lei define o Sistema de Mobilidade urbana como um conjunto organizado e coordenado dos modos de transporte, de serviços e de infraestruturas que garantem os deslocamentos de pessoas e cargas no território do Município. Assim, especifica os modos de transporte urbano como motorizados e não motorizados; podendo ser de passageiros e de cargas; coletivo e individual; público e privado (BRASIL, 2012). Como o foco do presente estudo são os transportes públicos, torna-se importante esclarecer que, de acordo com a Lei nº 12.587/2012, transporte urbano é um “conjunto dos modos e serviços de transporte público e privado utilizados para o deslocamento de pessoas e cargas nas cidades integrantes da Política Nacional de Mobilidade Urbana” (BRASIL, 2012, s/p). Sendo assim, a gestão de transporte público deve estar alinhada ao planejamento urbano e à política de mobilidade da cidade, ou seja, apresenta relação com outros aspectos das cidades, tais como: infraestrutura urbana, moradias, formas de uso e ocupação do solo, entre outros. Dessa forma, deve-se buscar a implantação de sistemas intermodais, mediante a elaboração de projetos de sistemas integrados de transporte coletivo urbano, incluindo todos os modos existentes, sejam pedestres, bicicletas, táxis, ônibus, trens, metrôs, embarcações; além da infraestrutura necessária, como: terminais, estações de transferência, pontos de parada, corredores e faixa exclusivas de tráfego, calçadas, ciclovias e sinalização. Entretanto, as dificuldades se apresentam em função da análise fragmentada, resultando em soluções pontuais (BRASIL, 2004). Nessa perspectiva, a gestão de transporte público é um desafio para os gestores. Silveira e Cocco (2013) destacam algumas questões importantes, primeiro as dificuldades de implantação de políticas de integração entre redes de transporte, impedindo a necessária intermodalidade como forma de propiciar mobilidade; segundo que o transporte coletivo urbano, da forma como é planejado e produzido, funciona como indutor da ocupação irracional das cidades. A Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana (SeMOB) destaca alguns desafios para a gestão dos transportes públicos, tais como: a integração das políticas de transporte com o desenvolvimento urbano e socioeconômico; a definição de obrigações institucionais; a modernização regulatória dos serviços de transporte coletivo, a valorização dos meios de transportes não motorizados; a consolidação do conceito de mobilidade sustentável; a defesa do interesse dos usuários e a promoção da universalização do acesso, entre outros (BRASIL, 2004). Diante das questões colocadas, pode-se afirmar que a gestão dos transportes públicos continuará sendo um desafio, até que o processo de planejamento urbano ocorra de forma efetiva, seguindo as diretrizes gerais da gestão urbana, as necessidades de mobilidade e as prioridades locais, em busca de um desenvolvimento urbano em bases sustentáveis. 3.2 Gestão de recursos ambientais As necessidades humanas para serem atendidas requerem a produção de bens e serviços, que por sua vez, requerem a utilização de diversos recursos naturais, que são bens e serviços primários que apresentam limitações em termos de utilização, seja em quantidade e disponibilidade, bem como em termos de qualidade. Os recursos naturais são classificados em renováveis e não renováveis. Os renováveis são aqueles que podem ser obtidos indefinidamente de uma mesma fonte, tais como: energia solar, ar, água, plantas, animais etc.; os não renováveis são aqueles que possuem uma quantidade finita e irão se esgotar à medida que forem explorados, como: areia, argila, minérios, carvão mineral, petróleo etc. (BARBIERE, 2015). Essa utilização dos recursos naturais para a produção passou por algumas fases distintas. Antes compreendido como ilimitado e podendo ser explorado de forma indiscriminada, passando pela fase de buscar reduzir a poluição ou degradação dos recursos, até chegar na fase de buscar a proteção dos recursos, devido à ameaça de escassez ou a escassez propriamente dita. Assim, de acordo com Barbiere (2015), as primeiras manifestações da gestão ambiental tiveram como estímulo o esgotamento dos recursos, em função da exploração excessiva dos mesmos; só após a revolução industrial e produção em larga escala e a consequente degradação ambiental, a gestão passou a combater a poluição provocada pelas atividades de produção e consumo; já na segunda metade do século XIX percebe-se a necessidade de focar na preservação do meio ambiente e as discussões e ações foram direcionadas para a preservação, através da delimitação de áreas do ambiente natural protegidas das ações humanas. Em termos de legislação ou instrumentos legais instituídos para orientar a gestão dos recursos naturais e evitar a degradação, o Brasil tem um vasto complexo sistema institucional e gestão do meio ambiente, regido por um aparato legal. Legislação criadaem diferentes momentos e em distintos contextos sociais, políticos e econômicos, sendo assim, apresenta um compromisso entre interesses diversos e, muitas vezes, divergentes. Sánchez (2013) destaca as principais fases da política ambiental brasileira que correspondem a diferentes concepções do meio ambiente e do seu papel nas estratégias de desenvolvimento. a) a fase da administração dos recursos ambientais inicia-se com o processo de industrialização por volta da década de 1930. A preocupação principal consiste em racionalizar o uso e exploração dos recursos naturais, com a elaboração de políticas setoriais que regulamentam o acesso e a apropriação desses recursos, sejam recursos hídricos, recurso florestais, minerais e pesqueiros. Exemplo: Código Florestal, Código das Águas (Política Nacional de Recursos Hídricos), entre outras; b) a fase do controle da poluição ambiental, motivada pela escassez dos recursos naturais, no início da década de 1970. O foco principal era a poluição do ar e das águas. Nesse período, algumas conferências a nível mundial foram realizadas, no Brasil houve a criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA) e o Decreto Lei nº 1.413, de 14 de agosto de 1975, para Controle da Poluição Industrial. Vale salientar que o controle da poluição era somente de cunho corretivo; c) a fase do Planejamento Ambiental, por volta de meados da década de 1970, com os primeiros planos de uso do solo no Brasil, visando ordenar as formas de ocupação do espaço urbano. Nesse período, já verificava problemas de fornecimentos de água em certas regiões metropolitanas, sendo elaboradas leis para proteção de mananciais e uso do solo através do zoneamento industrial. O desafio era compatibilizar o desenvolvimento industrial com a melhoria de condições de vida da população e com a preservação do meio ambiente. Destaca-se nessa fase as leis e iniciativas: Lei nº 6.766 – 19 de dezembro de 1979 – dispõe sobre o parcelamento do solo urbano; Lei nº 6.803 – 2 de julho de 1980 – estabelece diretrizes para zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição; A Lei federal nº 7.661, de 16 de maio de 1988 – Plano nacional de gerenciamento costeiro – tornou o ordenamento mais amplo; Estatuto da Cidade – Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001 – estabelece um quadro para a gestão urbana; Decreto 4.297 – zoneamento ecológico –econômico; d) a fase da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981) com o objetivo da preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, embasada nos seguintes princípios: I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; II - racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; Ill - planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; IV - proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; V - controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras; VI - incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais; VII - acompanhamento do estado da qualidade ambiental; VIII - recuperação de áreas degradadas; IX - proteção de áreas ameaçadas de degradação; X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente. (BRASIL, 1981, s/p) As principais inovações ocorridas com a Política Nacional do Meio Ambiente foram a Avaliação de Impactos Ambientais (AIA), Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) e Licenciamento ambiental. Em termos políticos e institucionais, foi criado o Sisnama - Sistema Nacional do Meio Ambiente no Brasil e o Conama – Conselho Nacional de Meio Ambiente, além de instituir o princípio da responsabilidade objetiva do Poluidor, ou seja, o poluidor pagador. A partir dessa lei, novas leis e decretos foram instituídos com o intuito de minimizar os impactos ambientais das atividades econômicas, da gestão dos resíduos sólidos, da mobilidade urbana nas cidades, entre outras. 3.3 Política habitacional Uma moradia adequada é um direito assegurado na legislação internacional dos direitos humanos, inclusa no direito a um padrão de vida adequado, conforme Artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH): Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e o direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. (BRASIL, 2013, p. 33) No Brasil, uma moradia digna é um direito social de todos os brasileiros, conforme estabelece a Constituição Federal de 1988 em seu Art. 6º Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988, s/p) Entretanto, a realidade do Brasil é diferente, há um grande déficit habitacional, em função das condições financeiras da população, pois há uma quantidade significativa de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza. Esses brasileiros que se encontram nessa condição, em sua grande maioria, não têm moradia ou vivem em moradias inadequadas. Em se tratando dos cidadãos que não têm condições financeiras para adquirir sua moradia, compete aos ao Estado o dever de prover moradia através de programas habitacionais, conforme Art. 23 º da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. (BRASIL, 1988, s/p) Mas o que é uma moradia adequada? O comentário nº 4 do Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais define algumas condições que devem ser atendidas para que o direito à moradia adequada seja satisfeito (BRASIL, 2013): a) segurança da posse: a moradia é adequada se os seus ocupantes têm um grau de segurança de posse que garanta a proteção legal; b) disponibilidade de serviços, materiais, instalações e infraestrutura, tais como: água potável, saneamento básico, energia para cozinhar, aquecimento, iluminação, armazenamento de alimentos ou coleta de lixo; c) economicidade: a moradia é adequada se o seu custo não ameaça ou compromete o exercício de outros direitos humanos dos ocupantes; d) habitabilidade: a moradia é adequada se garantir a segurança física e estrutural com espaço adequado, proteção contra o frio, umidade, calor, chuva, vento, outras ameaças à saúde; e) acessibilidade: a moradia é adequada se as necessidades específicas dos grupos desfavorecidos e marginalizados são levadas em conta; f) localização: a moradia é adequada se estiver em área com oportunidades de emprego, serviços de saúde, escolas, creches e outras instalações sociais; g) adequação cultural: a moradia é adequada se respeitar e levar em conta a expressão da identidade cultural. Em relação à política específica de habitação, foi criada em a Lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social - FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS. O Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) foi criado com o objetivo de: a) viabilizar o acesso à terra urbanizada e à habitação digna e sustentável para a população de menor renda; b) implementar políticas
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